ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

3 de outubro de 2013 ( *1 )

«Ambiente — Diretiva 75/442/CEE — Efluente suinícola ou chorume produzido e armazenado numa instalação de criação de porcos à espera de ser cedido a agricultores que o utilizam como fertilizante nas suas próprias terras — Qualificação de ‘resíduo’ ou de ‘subproduto’ — Condições — Ónus da prova — Diretiva 91/676/CEE — Não transposição — Responsabilidade pessoal do produtor relativamente ao respeito por parte destes agricultores do direito da União relativo à gestão de resíduos e fertilizantes»

No processo C‑113/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Supreme Court (Irlanda), por decisão de 23 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de março de 2012, no processo

Donal Brady

contra

Environmental Protection Agency,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus, M. Safjan e A. Prechal (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 27 de fevereiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação de D. Brady, por A. Collins, SC, e D. Gearty, solicitor,

em representação da Environmental Protection Agency, por A. Doyle, solicitor, N. Butler, SC, e S. Murray, BL,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues e S. Menez, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K. Mifsud‑Bonnici, D. Düsterhaus e A. Alcover San Pedro, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de maio de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), conforme alterada pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de maio de 1996 (JO L 135, p. 32, a seguir «Diretiva 75/442»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe D. Brady à Environmental Protection Agency (a seguir «EPA») a propósito de certas condições a que está sujeita a licença para ampliação de uma exploração de criação de porcos emitida por esta administração a D. Brady.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 75/442

3

A Diretiva 75/442 foi revogada e substituída pela Diretiva 2006/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa aos resíduos (JO L 114, p. 9), que foi em seguida revogada e substituída pela Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO L 312, p. 3). No entanto, atendendo à data em que foi emitida a autorização em causa no litígio no processo principal, este permanece regulado pela Diretiva 75/442.

4

O artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442 dispunha:

«Na aceção da presente diretiva, entende‑se por:

a)

Resíduo: quaisquer substâncias ou objetos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer».

5

O artigo 1.o, alínea a), segundo parágrafo, da Diretiva 75/442 confiava à Comissão das Comunidades Europeias o encargo de elaborar «uma lista dos resíduos pertencentes às categorias constantes do anexo I». Através da Decisão 94/3/CE, de 20 de dezembro de 1993 (JO 1994, L 5, p. 15), a Comissão elaborou essa lista (a seguir «Catálogo Europeu de Resíduos») na qual figuram, designadamente, entre os «resíduos de produção primária da agricultura», «fezes, urina, e estrume de animais (incluindo palha suja), efluentes recolhidos separadamente e tratados noutro local».

6

O artigo 1.o, alíneas b) e c), da Diretiva 75/442 continha as seguintes definições:

«b)

Produtor: qualquer pessoa cuja atividade produza resíduos […]

c)

Detentor: o produtor dos resíduos ou a pessoa singular ou coletiva que tem os resíduos na sua posse».

7

O artigo 2.o, n.o 1, alínea b), iii), desta mesma diretiva dispunha:

«São excluídos do campo de aplicação da presente diretiva:

[…]

b)

sempre que já abrangidos por outra legislação:

[…]

iii)

os cadáveres de animais e os seguintes resíduos agrícolas: matérias fecais e outras substâncias naturais não perigosas utilizadas nas explorações agrícolas».

8

O artigo 4.o da Diretiva 75/442 previa:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos suscetíveis de agredir o ambiente e, nomeadamente:

sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora,

sem causar perturbações sonoras ou por cheiros,

sem danificar os locais de interesse e a paisagem.

Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para proibir o abandono, a descarga e a eliminação não controlada de resíduos.»

9

O artigo 8.o desta diretiva dispunha:

«Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que qualquer detentor de resíduos:

confie a sua manipulação a um serviço de recolha privado ou público ou a uma empresa que efetue as operações referidas no anexos II A ou II B,

¾ ou

proceda ele próprio ao respetivo aproveitamento ou eliminação, em conformidade com o disposto na presente diretiva.»

10

O artigo 10.o da Diretiva 75/442 precisava que qualquer estabelecimento ou empresa que efetue as operações referidas no anexo II B da referida diretiva deverá obter uma autorização para o efeito.

11

Entre as operações assim enumeradas no anexo II B figurava, no ponto R 10, o «[t]ratamento no solo em benefício da agricultura ou para melhorar o ambiente».

12

Nos termos do artigo 11.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 75/442:

«1.   […] podem ser dispensados das autorizações referidas no artigo […] 10.°:

[…]

b)

Os estabelecimentos ou empresas que procedam ao aproveitamento de resíduos.

Esta dispensa só será aplicável:

se as autoridades competentes tiverem adotado regras gerais para cada tipo de atividade, fixando os tipos e quantidades de resíduos e as condições em que a atividade pode ser dispensada da autorização

e

se os tipos ou as quantidades de resíduos e os modos de […] aproveitamento respeitarem as condições do artigo 4.o

2.   Os estabelecimentos ou empresas referidos no n.o 1 deverão ser registados junto das autoridades competentes.»

Diretiva 91/676/CEE

13

O sexto considerando da Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO L 375, p. 1), enuncia:

«Considerando que […] é necessário reduzir a poluição das águas causada ou induzida por nitratos de origem agrícola e evitar que essa poluição se continue a verificar, a fim de proteger a saúde humana e os recursos vivos e os sistemas aquáticos, e salvaguardar outras utilizações legítimas da água; que, para esse efeito, é importante tomar medidas relativas à armazenagem e aplicação no solo de todos os compostos azotados e relativas a determinados processos de gestão do solo».

14

Nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/676:

«1.   As águas poluídas e as águas suscetíveis de serem poluídas caso não sejam tomadas as medidas previstas no artigo 5.o deverão ser identificadas pelos Estados‑Membros em conformidade com os critérios definidos no anexo I.

2.   […] os Estados‑Membros deverão designar as zonas vulneráveis conhecidas nos respetivos territórios, entendidas como sendo as que drenam para as águas identificadas nos termos do n.o 1, contribuindo para a poluição das mesmas. […]»

15

O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva prevê que, a fim de assegurar um nível geral de proteção de todas as águas contra a poluição, os Estados‑Membros elaboram um código ou códigos de boa prática agrícola a aplicar voluntariamente pelos agricultores, e que deverá conter disposições que abranjam, no mínimo, os elementos constantes do anexo II A da referida diretiva. Os elementos reproduzidos no referido ponto A são designadamente relativos a períodos em que a aplicação de fertilizantes aos solos não é apropriada, às condições de aplicação de fertilizantes em função da natureza e dos estado dos terrenos ou da sua proximidades de cursos de água, à capacidade e à construção de depósitos de estrume animal e aos métodos de aplicação de fertilizantes.

16

Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 91/676, os Estados‑Membros criarão programas de ação para as zonas designadas como vulneráveis que devem conter obrigatoriamente como medidas as referidas no anexo III e as estabelecidas no código ou nos códigos de boas práticas agrícolas, com exceção das que tenham sido impostas pelo anexo III. As medidas referidas no anexo III deverão, como resulta deste, incluir regras relativas aos períodos em que é proibida a aplicação às terras de determinados tipos de fertilizantes, à capacidade dos depósitos de estrume animal, às doses máximas permissíveis de aplicação de fertilizantes aos solos de maneira a assegurar uma presença equilibrada de azoto nos solos e às quantidades máximas de estrume animal que podem ser aplicadas em função do seu teor de azoto.

Direito irlandês

17

A Lei de gestão de resíduos de 1996 (Waste Management Act, 1996, a seguir «Lei de 1996») foi aprovada com o objetivo de proceder à transposição da Diretiva 75/442. O seu artigo 4.o, n.o 1, prevê o seguinte:

«Na presente lei, ‘resíduo’ significa qualquer substância ou objeto pertencente a uma categoria de resíduos especificados no primeiro anexo ou no momento incluídos no Catálogo Europeu de Resíduos, de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer; e de qualquer coisa de que alguém se tenha desfeito ou tratado de outra forma como se fosse um resíduo, presumir‑se‑á tratar‑se de um resíduo, até que se prove o contrário.»

18

O artigo 51.o, n.o 2, alínea a), da Lei de 1996 enuncia:

«Sem prejuízo do disposto na alínea b), não será necessária uma licença de resíduos […] para o aproveitamento de:

[...]

(iii)

matéria fecal de origem animal ou aviária na forma de estrume ou efluente [...]»

19

O artigo 52.o da Lei que criou a Agência de Proteção do Ambiente (Environmental Protection Agency Act 1992, a seguir «Lei de 1992)») dispõe:

«(1)   […] as funções da [EPA] incluem:

a)

o licenciamento, a regulação e o controlo de atividades para efeitos de proteção ambiental,

[…]

2)

No exercício das suas funções a [EPA]:

[…]

b)

atende à necessidade de atingir um nível elevado de proteção do ambiente e de promover um desenvolvimento, procedimentos e mecanismos duradouros e respeitadores do ambiente,

[…]»

20

O órgão jurisdicional de reenvio afirma que, embora a Lei de 1992 tenha estabelecido um sistema de licenciamento que se aparentava, quanto a certos aspetos, com o previsto pela Diretiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 257, p. 26), a transposição desta última para o direito irlandês só foi feita em 2003, pelo que a licença em causa não foi emitida nos termos das medidas de direito nacional adotadas para transpor esta diretiva.

21

O referido órgão jurisdicional assinala, além disso, que, à data da emissão da licença, a Diretiva 91/676 não tinha sido transposta para o direito irlandês e não havia outra legislação ao nível nacional que controlasse a aplicação de fertilizantes de natureza animal nas terras agrícolas.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

D. Brady gere uma exploração intensiva de porcos que comporta cerca de 2000 porcas.

23

Em 9 de março de 1998, D. Brady pediu uma licença para ampliar a sua exploração, na qual indicou ter construído na referida exploração tanques com uma capacidade que lhe permitiam armazenar o equivalente da sua produção anual de efluente suinícola ou chorume e concluiu com diversos agricultores acordos nos termos dos quais estes se comprometiam a adquirir efluente suinícola ou chorume para o utilizar como fertilizante nas suas terras.

24

A licença que lhe foi emitida pela EPA, por decisão de 22 de outubro de 1999, prevê, designadamente, que D. Brady é obrigado a garantir que os agricultores, aos quais fornece efluente suinícola ou chorume, o utilizam estritamente de acordo com as condições precisadas nessa licença.

25

Para fundamentar o recurso que interpôs da referida decisão na High Court, D. Brady alega, por um lado, que o efluente suinícola ou chorume em causa no processo principal constitui não um «resíduo» na aceção da Diretiva 75/442 e da Lei de 1996, mas um subproduto da sua exploração que comercializa enquanto fertilizante, pelo que a EPA não tinha, com base na Lei de 1992, o poder de regular a eliminação ou o aproveitamento deste efluente suinícola ou chorume segundo as modalidades previstas na licença controvertida.

26

Por outro lado, segundo D. Brady, a EPA não podia impor‑lhe, sob pena de sanção penal, a obrigação, impossível de cumprir, de controlar o modo como o efluente suinícola ou chorume que vende a outros agricultores é utilizado por estes, tanto mais que a União Europeia aprovou uma regulamentação específica destinada a aplicar‑se à aplicação de estrume animal enquanto fertilizante, designadamente a Diretiva 91/676.

27

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que D. Brady sustentou, para fundamentar o seu recurso, que as condições relativas à gestão de resíduos que a licença controvertida comporta têm como consequência que lhe incumba designadamente:

«[…]

c)

garantir que o comprador do fertilizante não o utiliza em terras que não estejam na sua posse, sejam sua propriedade ou estejam sob o seu controlo;

d)

garantir que os seus fertilizantes não sejam deitados em terras nas quais são aplicados resíduos provenientes de uma fonte externa não compreendida no plano de gestão dos nutrientes, salvo acordo com a EPA;

e)

acordar, antecipadamente, um plano de gestão dos nutrientes para terras que não lhe pertencem e que são exploradas por pessoas que não controla;

f)

controlar o uso do fertilizante por parte das pessoas que o compram para o utilizar nas suas terras e dar instruções sobre a forma como este deve ser usado;

g)

controlar as águas à superfície que dividem terras onde o fertilizante é utilizado, isto é, em terras que não estão sob o seu controlo;

h)

controlar os poços localizados em terras onde o fertilizante é aplicado (isto é, em terras que não estão sob o seu controlo);

i)

manter atualizado o registo do uso do fertilizante para inspeção pela EPA e para fins de informação, com o objetivo de apresentar relatórios mensais à EPA. O registo deve conter dados sobre a aplicação do fertilizante que incluem o nome da pessoa que está encarregada desta, as condições meteorológicas e o estado do solo no momento da aplicação, bem como as previsões meteorológicas durante 24 horas, as necessidades em nutrientes das parcelas individuais e o volume de fertilizante utilizado nestas parcelas.»

28

Tendo sido negado provimento ao recurso de D. Brady pela High Court, o mesmo interpôs um recurso na Supreme Court. Em apoio do seu recurso, invocou dois fundamentos, relativos, o primeiro, a um erro de direito cometido pela High Court ao qualificar de resíduo o efluente suinícola ou chorume produzido na sua exploração e, o segundo, ao facto de, no caso de o referido efluente suinícola ou chorume dever ser qualificado de resíduo, a EPA não ter poderes para sujeitar a licença que lhe emitiu a condições que lhe impõem a obrigação de controlar atividades de aplicação efetuadas por terceiros em terras pertencentes a estes e de assumir a correspondente responsabilidade.

29

A Supreme Court considera que, embora os acórdãos de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha (C-416/02, Colet., p. I-7487), e Comissão/Espanha (C-121/03, Colet., p. I-7569), bem como de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália (C-194/05, Colet., p. I-11661), Comissão/Itália (C-195/05, Colet., p. I-11699), e Comissão/Itália (C-263/05, Colet., p. I-11745), comportem diversas indicações úteis a este respeito, permanece pouco clara a questão de saber se o efluente suinícola ou chorume em causa no processo principal deve ser qualificado de resíduo.

30

Observando que decorre designadamente da referida jurisprudência que o efluente suinícola ou chorume continua a ser um resíduo caso deva ser objeto de armazenamento duradouro que origina um risco de poluição como os que o direito da União pretende prevenir, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, designadamente, quanto aos critérios que permitem verificar se tal situação ocorre no litígio nele pendente.

31

A este respeito, assinala, por um lado, que, como a venda de fertilizantes tem caráter sazonal, o grande volume de efluente suinícola ou chorume resultante das atividades do recorrente no processo principal deverá necessariamente dar lugar a um armazenamento de longa duração que não deverá, porém, normalmente exceder o período de doze meses que separa as duas estações de aplicação. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional de reenvio sublinha não dispor de elementos que permitam indicar se a mera existência deste tipo de armazenamento de longa duração em tanques autorizados para este efeito é ou pode ser poluidor.

32

Além disso, admitindo que o efluente suinícola ou chorume em causa no processo principal deva ser considerado um resíduo, coloca‑se, então, a questão de saber se o direito da União admite que a EPA sujeite uma licença de exploração a condições que de facto têm como consequência continuar a impor a D. Brady obrigações respeitantes à eventual utilização ulterior do seu efluente suinícola ou chorume por outros agricultores ou se a responsabilidade por tal utilização deve incumbir aos referidos agricultores.

33

Nestas condições, a Supreme Court decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Na falta de uma interpretação definitiva sobre o conceito de ‘resíduo’ para efeitos de direito da União, pergunta‑se se é permitido a um Estado‑Membro impor, através do direito nacional, a um produtor de efluente suinícola ou chorume a obrigação de provar que não se trata de um resíduo, ou o conceito de [‘resíduo’] deve ser determinado [com] referência a critérios objetivos do tipo dos referidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia:

1)

Se o conceito de [‘resíduo’] for de determinar [com] referência a critérios objetivos do tipo dos referidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que grau de certeza se exige na reutilização de um efluente suinícola ou chorume que um titular de uma licença recolhe e armazena ou pode armazenar por mais de [doze] meses até à sua transferência para os utilizadores?

2)

Se o efluente suinícola ou chorume constituir um resíduo, ou for considerado um resíduo em aplicação dos critérios adequados, é lícito que um Estado‑Membro imponha a um seu produtor que não o utiliza nas suas terras, mas o aliena a terceiros donos de terras para utilização como fertilizante nas mesmas[,] uma responsabilidade pessoal pelo cumprimento por esses utilizadores da legislação da União relativa ao controlo de resíduos e/ou fertilizantes, por forma a garantir que a utilização por terceiros desse efluente suinícola ou chorume na fertilização de terras não possa provocar um risco significativo de poluição ambiental?

3)

O referido efluente suinícola ou chorume está excluído do âmbito de aplicação do conceito de ‘resíduo’ por força do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), iii), da Diretiva [75/442], pelo facto de ‘já [estar] abrangido por outra legislação’, em particular pela Diretiva [91/676], tendo em conta que, à data da emissão da licença, a Irlanda ainda não tinha transposto a Diretiva [91/676], nenhuma outra legislação interna controlava a aplicação do efluente suinícola ou chorume nas terras como fertilizante e o Regulamento (CE) n.o 1774/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 3 de outubro de 2002, que estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano (JO L 273, p. 1], ainda não tinha sido adotado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

34

Pela sua interrogação preliminar e pela sua primeira questão, que há que abordar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, por um lado, em que condições o efluente suinícola ou chorume produzido numa exploração intensiva de porcos e armazenado à espera de ser cedido a agricultores para ser utilizado por estes como fertilizante nas suas terras pode ser qualificado de subproduto e deixar, consequentemente, de ser considerado um «resíduo» na aceção da Diretiva 75/442, e, em particular, qual é, a este respeito, o grau de certeza exigido quanto à reutilização de um efluente suinícola ou chorume assim pretendida. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional de reenvio pretende saber em que medida o ónus da prova da verificação destas condições é suscetível de recair sobre o produtor deste efluente suinícola ou chorume.

Quanto à primeira parte da primeira questão

35

Em relação às condições em que o efluente suinícola ou chorume armazenado por um produtor à espera de ser cedido a agricultores para ser utilizado por estes como fertilizante nas suas terras deve ser qualificado de subproduto e não de «resíduo» na aceção da Diretiva 75/442, importa recordar que o artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da referida diretiva define o resíduo como «quaisquer substâncias ou objetos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção […] de se desfazer».

36

Tanto o referido anexo I como a lista dos resíduos incluída no Catálogo Europeu de Resíduos adotada com base no artigo 1.o, alínea a), segundo parágrafo, da Diretiva 75/442 têm um caráter meramente indicativo (v., designadamente, acórdão de 29 de outubro de 2009, Comissão/Irlanda, C‑188/08, n.o 33 e jurisprudência referida).

37

Do mesmo modo, a circunstância de do referido catálogo constarem «fezes, urina, e estrume de animais (incluindo palha suja), efluentes recolhidos separadamente e tratados noutro local» não é determinante para efeitos de apreciação do conceito de resíduo. Com efeito, esta referência geral aos efluentes de pecuárias não toma em consideração as condições nas quais esses efluentes são utilizados e que são determinantes para efeitos dessa apreciação (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑121/03, já referido, n.o 66).

38

Nos termos de jurisprudência constante, a qualificação de «resíduo», na aceção da Diretiva 75/442, decorre, antes de mais, do comportamento do detentor e do significado da expressão «se desfazer», referidos no artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da referida diretiva (v., designadamente, acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, já referido, n.o 32, e de 24 de junho de 2008, Commune de Mesquer, C-188/07, Colet., p. I-4501, n.o 53).

39

Os referidos termos «se desfazer» devem ser interpretados não só à luz do objetivo essencial da Diretiva 75/442, que, segundo o seu terceiro considerando, é «a proteção da saúde humana e do ambiente contra os efeitos nocivos da recolha, transporte, tratamento, armazenamento e depósito dos resíduos», mas também do artigo 174.o, n.o 2, CE. Esta disposição prevê que «[a] política da Comunidade no domínio do ambiente tem por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Baseia‑se nos princípios da precaução e da ação preventiva […]». Consequentemente, os termos «se desfazer», e, portanto, o conceito de «resíduos» na aceção dessa diretiva não podem ser interpretados de maneira restritiva (v., designadamente, acórdãos, já referidos, de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.o 33 e jurisprudência referida, e Commune de Mesquer, n.os 38 e 39).

40

O Tribunal de Justiça já decidiu, designadamente, que entre as circunstâncias que podem constituir indícios da existência de uma ação, de uma intenção ou de uma obrigação de se desfazer de uma substância ou de um objeto, na aceção do artigo 1.o, alínea a), da Diretiva 75/442, figura o facto de a substância utilizada ser um resíduo de produção ou de consumo, isto é, um produto que não se pretendeu produzir como tal (v., designadamente, acórdãos, já referidos, de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.o 34 e jurisprudência referida, e Commune de Mesquer, n.o 41).

41

Pode, do mesmo modo, constituir um tal indício o facto de essa substância ser considerada um resíduo de produção cuja utilização eventual deve fazer‑se em condições especiais de precaução em razão da perigosidade da sua composição para o ambiente (v. acórdãos de 15 de junho de 2000, ARCO Chemie Nederland e o., C-418/97 e C-419/97, Colet., p. I-4475, n.o 87, e de 18 de abril de 2002, Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus, C-9/00, Colet., p. I-3533, n.o 43).

42

Resulta igualmente da jurisprudência que o método de tratamento ou o modo de utilização de uma substância não são determinantes para a qualificação ou não de resíduo de uma substância e que o conceito de resíduo não exclui as substâncias e objetos suscetíveis de reutilização económica. O sistema de fiscalização e gestão instituído pela Diretiva 75/442 pretende, com efeito, abranger todos os objetos e substâncias dos quais o proprietário se desfaz, mesmo que tenham valor comercial e sejam recolhidos a título comercial para efeitos de reciclagem, recuperação ou reutilização (acórdãos, já referidos, de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.os 36 e 37 e Commune de Mesquer, n.o 40).

43

Atendendo aos ensinamentos jurisprudenciais que foram recordados, importa considerar que os efluentes gerados por uma exploração de criação intensiva de porcos que não são a produção principalmente pretendida por quem a explora e cujo aproveitamento eventual para aplicação enquanto fertilizante deve, como decorre designadamente do sexto considerando da Diretiva 91/676 e do dispositivo instituído por esta, ser efetuado em condições particulares de precaução em razão do caráter potencialmente perigoso, para o ambiente, da sua composição constituem, em princípio, resíduos (v., por analogia, acórdãos, já referidos, de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.o 35 e jurisprudência referida, e Commune de Mesquer, n.o 41).

44

Todavia, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em certas situações, um objeto, um material ou uma matéria‑prima resultantes de um processo de fabrico ou de extração que não é destinado, em princípio, a produzi‑lo pode constituir não um resíduo, mas um subproduto, do qual a empresa não «se [deseja] desfazer», na aceção do artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442, mas que tem a intenção de explorar ou comercializar — incluindo, sendo caso disso, para outros operadores económicos — em condições vantajosas para ela, num processo posterior, desde que essa reutilização não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção (v., designadamente, acórdãos, já referidos, de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑121/03, n.o 58; 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.o 38, e Commune de Mesquer, n.o 42).

45

Em relação mais precisamente ao estrume de animal como o em causa no caso vertente, o Tribunal de Justiça já decidiu que este pode escapar à qualificação de resíduos, se for utilizado como fertilizante dos solos no âmbito de uma prática legal de dispersão em terrenos bem identificados e se a armazenagem de que for objeto se limitar às necessidades dessas operações de dispersão (acórdão de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑121/03, já referido, n.o 60).

46

Além disso, precisou, a este respeito, que não há que limitar esta análise aos efluentes de criação, utilizados como fertilizantes nos terrenos que fazem parte da mesma exploração agrícola de onde provêm esses efluentes. Com efeito, uma substância não pode ser considerada um «resíduo» na aceção da Diretiva 75/442 se for seguramente utilizada para necessidades de outros operadores que não aquele que a produziu (acórdão de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑121/03, já referido, n.o 61).

47

É aos órgãos jurisdicionais nacionais que compete verificar, tendo em conta as indicações que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do conjunto das circunstâncias que caracterizam a situação que lhes é submetida, a existência real de um subproduto, zelando, a este respeito, para garantir que a qualificação de subproduto se restrinja às situações que cumprem as condições recordadas no n.o 44 do presente acórdão.

48

Em relação à verificação de que a reutilização do efluente suinícola ou chorume armazenado à espera da aplicação reveste um caráter suficientemente certo, há que recordar, a título liminar, que, como decorre da jurisprudência recordada nos n.os 45 e 46 do presente acórdão, não se opõe a uma tal qualificação de subproduto a mera circunstância de que uma tal reutilização só se torne, de facto, certa quando as operações de aplicação previstas tenham efetivamente lugar com a intervenção de terceiros adquirentes.

49

Com efeito, o que futuramente vier a ser um objeto ou uma substância não é, só por si, decisivo quanto à sua eventual natureza de resíduo, que é determinada, de acordo com o artigo 1.o, alínea a), da Diretiva 75/442, em função da ação, da intenção ou da obrigação de o seu detentor se desfazer deles (acórdão de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, já referido, n.os 49, 50 e jurisprudência referida).

50

Além disso, importa precisar, a este respeito, que, se o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que a reutilização do efluente suinícola ou chorume pretendida por D. Brady apresenta, no caso vertente, um grau de certeza suficiente para que, durante o seu armazenamento por este e até à sua entrega efetiva aos terceiros em causa, o referido efluente suinícola ou chorume possa ser considerado um subproduto de que o interessado não se pretende «desfazer» na aceção do artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442, mas explorar ou comercializar, tal circunstância não prejudicaria de modo nenhum o facto de que o referido efluente suinícola ou chorume possa, sendo caso disso, tornar‑se um resíduo, posteriormente ao momento da referida entrega, designadamente, se se verificar que afinal os referidos terceiros o descarregam de forma não controlada no ambiente, em condições que permitam que seja considerado como tal (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑416/02, já referido, n.o 96).

51

Em tal caso, importaria atender a que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quem se encontra, de facto, na posse de produtos imediatamente antes de se tornarem resíduos deve ser considerado como tendo «produzido» os referidos resíduos, na aceção do artigo 1.o, alínea b), da Diretiva 75/442, e, a esse título, ser assim qualificado de «detentor» dos mesmos, na aceção do artigo 1.o, alínea c), desta diretiva (v., designadamente, acórdão Commune de Mesquer, já referido, n.o 74).

52

Para verificar se a reutilização do efluente suinícola ou chorume através de aplicação por outros agricultores, como pretendida pelo recorrente no processo principal, reveste um caráter suficientemente certo para justificar o seu armazenamento por uma duração diferente da necessária à sua recolha com vista à sua eliminação, incumbe, ao invés, ao órgão jurisdicional de reenvio, e como decorre da jurisprudência recordada no n.o 45 do presente acórdão, assegurar‑se, designadamente, de que os terrenos dos referidos agricultores nos quais deve ter lugar essa reutilização são, à partida, bem identificados. Uma tal identificação é, com efeito, suscetível de atestar que as quantidades de efluente suinícola ou chorume a entregar são em princípio efetivamente destinadas a serem utilizadas para fins de fertilização dos terrenos dos agricultores em causa.

53

Também o produtor de efluente suinícola ou chorume deve, se pretender armazenar o efluente suinícola ou chorume por uma duração mais longa do que a necessária à sua recolha com vista à sua eliminação, dispor de compromissos firmes por parte de operadores de que se abastecerão do referido efluente suinícola ou chorume para o utilizar como fertilizante em terrenos devidamente identificados.

54

Quanto à condição, também recordada no n.o 45 do presente acórdão, segundo a qual o armazenamento do estrume de animal deve ser limitado às necessidades dessas operações de dispersão, há que recordar que esta se explica, em particular, à luz do facto de que as operações de armazenamento com vista à reutilização de uma substância podem, atendendo à sua duração, constituir um encargo para o detentor e ser potencialmente causadoras de danos ambientais que a Diretiva 75/442 pretende precisamente limitar (v., neste sentido, acórdão de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, já referido, n.o 40).

55

A este respeito, incumbe designadamente aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurarem‑se de que as instalações de armazenamento a que recorre o produtor de efluente suinícola ou chorume estão concebidas de modo a impedir qualquer drenagem e derramamento no solo desta substância e de que oferecem uma capacidade suficiente para aí armazenar o efluente suinícola ou chorume produzido até à entrega efetiva do mesmo aos agricultores em causa.

56

Do mesmo modo, o armazenamento efetivo do efluente suinícola ou chorume deve ser estritamente limitado às necessidades das operações de aplicação pretendidas, o que requer, por um lado, que as quantidades armazenadas sejam limitadas de tal maneira que a integralidade destas seja destinada a ser reutilizada dessa forma (v., neste sentido, acórdão Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus, já referido, n.o 40) e, por outro, que a duração do armazenamento seja limitada em função das necessidades exigidas a este respeito pelo caráter sazonal das operações de aplicação, a saber, que não excede o exigido para que o produtor possa satisfazer os seus compromissos contratuais existentes de entrega de efluente suinícola ou chorume para fins de aplicação durante a estação de aplicação em curso e futura.

57

Por outro lado, compete igualmente aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, se a reutilização do efluente suinícola ou chorume pelos terceiros em causa, conforme programada pelo produtor, é suscetível de proporcionar a este uma vantagem que vai além do simples poder de se desfazer deste produto, reforçando esta circunstância, de resto, quando se verifica, a probabilidade de reutilização efetiva (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.o 52, e Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus, n.o 37).

58

Como resulta da jurisprudência recordada no n.o 44 do presente acórdão, só na condição de se poder considerar que o efluente suinícola ou chorume em causa no processo principal se destina a ser objeto de uma exploração ou de uma comercialização efetivas em condições economicamente vantajosas para o detentor do mesmo é que se poderá entender que o referido efluente suinícola ou chorume tem o valor de um produto em termos económicos.

59

Entre as circunstâncias pertinentes suscetíveis de deverem ser tidas em conta pelos órgãos jurisdicionais nacionais para verificar se as referidas exigências foram cumpridas figura a circunstância de as substâncias em causa terem sido objeto de transações comerciais e de cumprirem as especificações do comprador (v., neste sentido, acórdão Commune de Mesquer, já referido, n.o 47). Assim, pode ser necessário, nesta perspetiva, proceder ao exame das condições, designadamente financeiras, em que se efetuam as transações realizadas entre o produtor do efluente suinícola ou chorume e os adquirentes do mesmo. O mesmo ocorre em relação aos encargos, designadamente ligados ao armazenamento das substâncias em causa, que a reutilização destas gera para o detentor, não devendo tais encargos ser excessivos (v., neste sentido, acórdão Commune de Mesquer, já referido, n.o 59).

60

Atendendo ao exposto, importa responder à primeira parte da primeira questão que o artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que o efluente suinícola ou chorume produzido numa exploração de criação intensiva de porcos e armazenado à espera de ser entregue a agricultores para ser utilizado por estes como fertilizante nas suas terras constitui não um «resíduo» na aceção da referida disposição, mas um subproduto, quando o referido produtor tem a intenção de comercializar este efluente suinícola ou chorume em condições economicamente vantajosas para ele, num processo posterior, desde que essa reutilização não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção. É aos órgãos jurisdicionais nacionais que incumbe verificar, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes que caracterizam as situações que lhes são submetidas, se estes vários critérios se encontram satisfeitos.

Quanto à segunda parte da primeira questão

61

No que respeita à determinação da pessoa à qual incumbe o ónus da prova de que estão preenchidos os critérios que implicam, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 44 do presente acórdão, que se considere que uma substância deve ser qualificada de subproduto e não de «resíduo» na aceção da Diretiva 75/442, importa assinalar que a referida diretiva não contém disposições específicas relativas a esta questão. Nestas condições, compete ao juiz nacional aplicar, neste plano, as disposições do seu próprio sistema jurídico desde que, ao fazê‑lo, não se prejudique a eficácia do direito da União e designadamente da Diretiva 75/442 e que o respeito das obrigações decorrentes deste direito seja assegurado (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, ARCO Chemie Nederland e o., n.o 70, e de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑194/05, n.os 44, 52 e 53).

62

Daqui decorre, designadamente, que tais regras nacionais relativas ao ónus da prova não podem conduzir a tornar excessivamente difícil a prova de que as substâncias devem, por aplicação dos critérios resultantes da referida jurisprudência, ser consideradas como subprodutos.

63

Com esta reserva, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que os fragmentos de pedra e as areias residuais resultantes das operações de aproveitamento de minérios provenientes da exploração de uma mina que o seu detentor utiliza legalmente no enchimento necessário das galerias da referida mina não são qualificados de «resíduos» na aceção da Diretiva 75/442, quando o referido detentor der garantias suficientes quanto à identificação e utilização efetiva dessas substâncias, e que, além disso, assinalou que tal jurisprudência era transponível para o estrume de animal (v. acórdão de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑121/03, já referido, n.os 59, 60 e jurisprudência referida).

64

Como assinalou o advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, é, de resto, claro que, regra geral, tratando‑se de provar uma intenção, só o detentor dos produtos pode provar que a sua intenção não é desfazer‑se dos seus produtos, mas sim permitir a sua reutilização em condições que possam conferir‑lhes a qualificação de subproduto na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

65

Atendendo ao exposto, importa responder à segunda parte da primeira questão que o direito da União não se opõe a que o ónus da prova de que estão preenchidos os critérios que permitem que se considere que uma substância tal como o efluente suinícola ou chorume produzido, armazenado e entregue em circunstâncias como as do processo principal constitui um subproduto incumba ao produtor deste efluente suinícola ou chorume, desde que daí não resulte um prejuízo para a eficácia deste direito, e designadamente da Diretiva 75/442, e que seja assegurado o respeito das obrigações que dele decorrem, em particular, da obrigação que consiste em não submeter às disposições desta diretiva substâncias que, por aplicação dos referidos critérios, devem, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ser consideradas subprodutos aos quais não se aplica a referida diretiva.

Quanto à terceira questão

66

Com a sua terceira questão que importa abordar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), iii), da Diretiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que o estrume de animal produzido numa exploração de porcos situada num Estado‑Membro está «abrangido por outra legislação» na aceção da referida disposição e, portanto, está excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 75/442, em razão da existência da Diretiva 91/676, precisando‑se, além disso, que esta última diretiva ainda não foi objeto de uma transposição para o direito do referido Estado‑Membro.

67

A este respeito, há que recordar que segundo jurisprudência constante, para poderem ser consideradas «outra legislação», na aceção do referido artigo 2.o, n.o 1, alínea b), iii), as regras comunitárias ou nacionais em causa devem conter disposições precisas que organizem a gestão dos resíduos e assegurar um nível de proteção pelo menos equivalente ao resultante da referida diretiva (v., designadamente, acórdãos de 8 de setembro de 2005, Comissão/Espanha, C‑121/03, já referido, n.o 69 e jurisprudência referida, e de 10 de maio de 2007, Thames Water Utilities, C-252/05, Colet., p. I-3883, n.o 34).

68

O Tribunal de Justiça precisou, além disso, que, se o legislador da União adotou um dispositivo nos termos do qual, na falta de regulamentação comunitária específica e, subsidiariamente, de legislação nacional específica, se aplica a Diretiva 75/442, foi a fim de evitar que em determinadas situações a gestão desses resíduos não fique sujeita a qualquer legislação (v. acórdão de 11 de setembro de 2003, AvestaPolarit Chrome, C-114/01, Colet., p. I-8725, n.o 50).

69

Ora, sem que seja necessário, no âmbito do presente processo, pronunciar‑se sobre a questão de saber se uma diretiva, como a Diretiva 91/676, admitindo que foi transposta para o direito nacional, deveria ser considerada como «outra legislação» na aceção do referido artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 75/442, basta assinalar que, por um Estado‑Membro não ter adotado as medidas necessárias para assegurar a execução da referida diretiva, não se pode considerar, em qualquer caso, que esta conduz a um nível de proteção do ambiente pelo menos equivalente ao resultante da Diretiva 75/442, implicando, pelo contrário, a referida não transposição que, não estando sujeita a esta última diretiva, a gestão do estrume de animal em causa no processo principal não estivesse sujeita a nenhuma outra legislação.

70

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), iii), da Diretiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que, na falta de transposição, para o direito de um Estado‑Membro, da Diretiva 91/676, não se pode considerar que o estrume de animal produzido numa exploração de porcos situada no referido Estado‑Membro está, em razão da existência desta última diretiva, «abrangido por outra legislação» na aceção da referida disposição.

Quanto à segunda questão

71

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, na hipótese de o efluente suinícola ou chorume produzido e detido por uma exploração de criação de porcos dever ser qualificado de «resíduo» na aceção da Diretiva 75/442, se o direito da União se opõe a que um Estado‑Membro torne um tal produtor que se desfaz deste efluente suinícola ou chorume ao cedê‑lo a outros agricultores chamados a utilizá‑lo como fertilizante nas suas terras pessoalmente responsável pelo cumprimento por estes da legislação da União relativa à gestão dos resíduos e dos fertilizantes.

72

A título liminar, importa observar que, como resulta da própria redação desta questão e pelos motivos que resultam da decisão de reenvio, a referida questão só é colocada na hipótese de o estrume de animal em causa no processo principal dever ser qualificado de «resíduo» na aceção do artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442.

73

A este respeito, há que assinalar, desde logo, que, tendo em conta, designadamente, a resposta dada à terceira questão, tal hipótese implica, se se verificar, que as disposições da Diretiva 75/442 se devem aplicar em relação a uma situação como a que está em causa no processo principal.

74

Ora, importa recordar que, por força do artigo 8.o da Diretiva 75/442, os Estados‑Membros devem assegurar que «qualquer detentor de resíduos» proceda ele próprio ao aproveitamento ou à eliminação em conformidade com o disposto nesta diretiva, ou confie a sua manipulação a um serviço de recolha privado ou público ou a uma empresa que efetue as operações referidas nos anexos II A ou II B desta. Estas obrigações impostas a qualquer detentor de resíduos são o corolário da proibição de abandono, descarga e eliminação não controlada de resíduos, prevista no artigo 4.o da referida diretiva (v., designadamente, acórdão de 7 de setembro de 2004, Van de Walle e o., C-1/03, Colet., p. I-7613, n.o 56).

75

No caso em apreço, é pacífico que o recorrente no processo principal, que não pretende de modo nenhum assegurar ele próprio o aproveitamento ou a eliminação dos resíduos que produziu, está, enquanto «detentor» dos referidos resíduos e em conformidade com o artigo 8.o, primeiro travessão, da Diretiva 75/442, obrigado a confiar a sua manipulação a um serviço de recolha privado ou público ou a uma empresa que efetue as operações referidas nos anexos II A ou II B desta diretiva.

76

Ora, importa assinalar, a este respeito, e em primeiro lugar, que as indicações que a decisão de reenvio contém não permitem considerar que os agricultores junto dos quais D. Brady pretende desfazer‑se do seu efluente suinícola ou chorume possam ser considerados como estando autorizados a efetuar operações de aproveitamento na aceção do referido artigo 8.o

77

Na verdade, nada indica que os referidos agricultores sejam titulares da licença exigida por força do artigo 10.o da Diretiva 75/442 para efeitos de efetuar tais operações de aproveitamento. Do mesmo modo, os elementos submetidos ao Tribunal de Justiça não permitem considerar que esses mesmos agricultores estivessem dispensados de tal licença, em conformidade com as condições estabelecidas, a este respeito, pelas disposições do artigo 11.o da referida diretiva.

78

Se se confirmar, o que compete, sendo caso disso, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que os agricultores aos quais D. Brady pretende ceder os resíduos de que é detentor não dispõem da licença exigida pelo artigo 10.o da Diretiva 75/442 nem estão dispensados desta, em conformidade com as condições previstas no artigo 11.o, n.os 1 e 2, desta, seguir‑se‑ia que o artigo 8.o desta diretiva se opõe às cessões assim pretendidas, e, portanto, a que estas possam ser objeto de uma qualquer licença emitida por uma autoridade como a EPA independentemente de quais sejam, de resto, as condições a que a emissão da referida licença estivesse submetida.

79

Em segundo lugar, importa acrescentar que, na hipótese de se dever concluir que os agricultores em causa são titulares da licença exigida nos termos do artigo 10.o da Diretiva 75/442 ou estão devidamente dispensados de tal licença e registados em conformidade com as disposições do artigo 11.o, n.os 1 e 2, desta, a entrega dos resíduos em causa por D. Brady a estes agricultores não poderia ser sujeita a condições que visem torná‑lo responsável pelo respeito por estes da legislação da União relativa à gestão de resíduos e fertilizantes.

80

A este respeito, importa, com efeito, antes de mais, recordar que, uma vez operada tal entrega de resíduos por força do artigo 8.o da Diretiva 75/442, a empresa titular de uma licença nos termos do artigo 10.o da Diretiva 75/442 ou dispensada de tal licença em conformidade com o artigo 11.o desta torna‑se «detentor» dos resíduos em causa. Ora, decorre da própria letra do artigo 8.o da Diretiva 75/442 que é ao «detentor de resíduos» que incumbe, sendo caso disso, proceder ao respetivo aproveitamento, em conformidade com o disposto na referida diretiva.

81

Em seguida, resulta da conjugação dos artigos 8.° e 10.° da Diretiva 75/442 e da economia das suas disposições que, quando um detentor de resíduos os entrega a uma empresa titular de uma licença emitida nos termos da segunda destas disposições que lhe permite aproveitar estes resíduos, é exclusivamente a esta última, e não ao referido detentor anterior, que incumbe a responsabilidade de proceder às operações de aproveitamento, cumprindo, a este respeito, todas as condições a que se encontram sujeitas as referidas operações em virtude tanto da regulamentação aplicável como dos termos da referida licença.

82

Por último, deduz‑se, igualmente, da conjugação dos artigos 8.° e 11.° da Diretiva 75/442 e da economia destes que, quando um detentor de resíduos os entrega a uma empresa que dispõe, em conformidade com o referido artigo 11.o, de uma dispensa de licença para efeitos de aproveitar os referidos resíduos, é exclusivamente a esta última empresa, e não ao referido detentor anterior, que incumbe a responsabilidade de proceder às operações de aproveitamento, cumprindo, a este respeito, as regras gerais e as exigências para as quais remete este mesmo artigo 11.o, bem como qualquer outra disposição do direito da União que regule as referidas operações.

83

Atendendo ao exposto, importa responder à segunda questão que, na hipótese de o efluente suinícola ou chorume produzido e detido por uma exploração de criação de porcos dever ser qualificado de «resíduo» na aceção do artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442:

o artigo 8.o desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o referido detentor seja autorizado, seja em que condições for, a desfazer‑se deste resíduo cedendo‑o a um agricultor que o utiliza como fertilizante nas suas terras, se se verificar que o referido agricultor não é titular da licença visada no artigo 10.o da referida diretiva nem está dispensado de possuir tal licença e registado em conformidade com as disposições do artigo 11.o desta diretiva; e

os artigos 8.°, 10.° e 11.° da referida diretiva, lidos em conjugação, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a cessão deste resíduo pelo referido detentor a um agricultor que o utiliza como fertilizante nas suas terras e que é titular de uma licença visada no referido artigo 10.o ou dispensado de possuir uma tal autorização e registado em conformidade com o referido artigo 11.o seja sujeita à condição de que este detentor assuma a responsabilidade do respeito por este agricultor das regras que se aplicam às operações de aproveitamento efetuadas por este agricultor por força do direito da União relativo à gestão de resíduos e de fertilizantes.

Quanto às despesas

84

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos, conforme alterada pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de maio de 1996, deve ser interpretado no sentido de que o efluente suinícola ou chorume produzido numa exploração de criação intensiva de porcos e armazenado à espera de ser entregue a agricultores para ser utilizado por estes como fertilizante nas suas terras constitui não um «resíduo» na aceção da referida disposição, mas um subproduto, quando o referido produtor tem a intenção de comercializar este efluente suinícola ou chorume em condições economicamente vantajosas para ele, num processo posterior, desde que essa reutilização não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção. É aos órgãos jurisdicionais nacionais que incumbe verificar, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes que caracterizam as situações que lhes são submetidas, se estes vários critérios se encontram satisfeitos.

 

2)

O direito da União não se opõe a que o ónus da prova de que estão preenchidos os critérios que permitem que se considere que uma substância tal como o efluente suinícola ou chorume produzido, armazenado e entregue em circunstâncias como as do processo principal constitui um subproduto incumba ao produtor deste efluente suinícola ou chorume, desde que daí não resulte um prejuízo para a eficácia deste direito, e designadamente da Diretiva 75/442, conforme alterada pela Decisão 96/350, e que seja assegurado o respeito das obrigações que dele decorrem, em particular, da obrigação que consiste em não submeter às disposições desta diretiva substâncias que, por aplicação dos referidos critérios, devem, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ser consideradas subprodutos aos quais não se aplica a referida diretiva.

 

3)

O artigo 2.o, n.o 1, alínea b), iii), da Diretiva 75/442, conforme alterada pela Decisão 96/350, deve ser interpretado no sentido de que, na falta de transposição, para o direito de um Estado‑Membro, da Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola, não se pode considerar que o estrume de animal produzido numa exploração de porcos situada no referido Estado‑Membro está, em razão da existência desta última diretiva, «abrangido por outra legislação» na aceção da referida disposição.

 

4)

Na hipótese de o efluente suinícola ou chorume produzido e detido por uma exploração de criação de porcos dever ser qualificado de «resíduo» na aceção do artigo 1.o, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442, conforme alterada pela Decisão 96/350:

o artigo 8.o desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o referido detentor seja autorizado, seja em que condições for, a desfazer‑se deste resíduo cedendo‑o a um agricultor que o utiliza como fertilizante nas suas terras, se se verificar que o referido agricultor não é titular da licença visada no artigo 10.o da referida diretiva nem está dispensado de possuir tal licença e registado em conformidade com as disposições do artigo 11.o desta diretiva; e

os artigos 8.°, 10.° e 11.° da referida diretiva, lidos em conjugação, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a cessão deste resíduo pelo referido detentor a um agricultor que o utiliza como fertilizante nas suas terras e que é titular de uma licença visada no referido artigo 10.o ou dispensado de possuir uma tal autorização e registado em conformidade com o referido artigo 11.o seja sujeita à condição de que este detentor assuma a responsabilidade do respeito por este agricultor das regras que se aplicam às operações de aproveitamento efetuadas por este agricultor por força do direito da União relativo à gestão de resíduos e de fertilizantes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.