ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de novembro de 2014 ( *1 )

«Recurso de anulação — Decisão 2012/19/UE — Base jurídica — Artigo 43.o, n.os 2 e 3, TFUE — Acordo bilateral de autorização de exploração do excedente de capturas admissíveis — Escolha do Estado terceiro interessado que a União autoriza a explorar recursos vivos — Zona económica exclusiva — Decisão política — Fixação das possibilidades de pesca»

Nos processos apensos C‑103/12 e C‑165/12,

que têm por objeto recursos de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interpostos, respetivamente, em 24 de fevereiro e 3 de abril de 2012,

Parlamento Europeu, representado por L. G. Knudsen, I. Liukkonen e I. Díez Parra, na qualidade de agentes (C‑103/12),

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet e E. Paasivirta, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo (C‑165/12),

recorrentes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por A. Westerhof Löfflerová e A. de Gregorio Merino, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Smolek, E. Ruffer e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas e N. Rouam, na qualidade de agentes,

República da Polónia, representada por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, presidentes de secção, A. Rosas, A. Borg Barthet, J. Malenovský (relator), C. Toader, C. G. Fernlund e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de novembro de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de maio de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Com as suas petições, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia pedem a anulação da Decisão 2012/19/UE do Conselho, de 16 de dezembro de 2011, respeitante à aprovação, em nome da União Europeia, da declaração relativa à concessão de possibilidades de pesca em águas da UE aos navios de pesca que arvoram pavilhão da República Bolivariana da Venezuela na zona económica exclusiva ao largo da costa do departamento francês da Guiana (JO 2012, L 6, p. 8, a seguir «decisão impugnada»).

Quadro jurídico

Direito internacional

2

A Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982 (a seguir «Convenção de Montego Bay»), entrou em vigor em 16 de novembro de 1994. Foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998 (JO L 179, p. 1).

3

A República Bolivariana da Venezuela não é parte contratante na referida Convenção.

4

Os artigos 55.° a 75.° da Convenção de Montego Bay constam da parte V desta, com a epígrafe «Zona económica exclusiva».

5

O artigo 55.o da referida Convenção prevê:

«A zona económica exclusiva é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente parte, segundo o qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente convenção.»

6

Nos termos do artigo 56.o, n.o 1, da mesma Convenção:

«Na zona económica exclusiva, o Estado costeiro tem:

a)

Direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo […]

[...]»

7

O artigo 61.o, n.o 1, da Convenção de Montego Bay dispõe que «[o] Estado costeiro fixará as capturas permissíveis dos recursos vivos na sua zona económica exclusiva».

8

O artigo 62.o da referida Convenção, sob a epígrafe «Utilização dos recursos vivos», prevê nos seu n.os 1 a 4:

«1.   O Estado costeiro deve ter por objetivo promover a utilização ótima dos recursos vivos na zona económica exclusiva, sem prejuízo do artigo 61.o

2.   O Estado costeiro deve determinar a sua capacidade de capturar os recursos vivos da zona económica exclusiva. Quando o Estado costeiro não tiver capacidade para efetuar a totalidade da captura permissível deve dar a outros Estados acesso ao excedente desta captura, mediante acordos ou outros ajustes e em conformidade com as modalidades, condições e leis e regulamentos mencionados no n.o 4, tendo particularmente em conta as disposições dos artigos 69.° e 70.°, principalmente no que se refere aos Estados em desenvolvimento neles mencionados.

3.   Ao dar a outros Estados acesso à sua zona económica exclusiva nos termos do presente artigo, o Estado costeiro deve ter em conta todos os fatores pertinentes, incluindo, inter alia, a importância dos recursos vivos da zona para a economia do Estado costeiro correspondente e para os seus outros interesses nacionais, as disposições dos artigos 69.° e 70.°, as necessidades dos países em desenvolvimento da sub‑região ou região no que se refere à captura de parte dos excedentes e a necessidade de reduzir ao mínimo a perturbação da economia dos Estados cujos nacionais venham habitualmente pescando na zona ou venham fazendo esforços substanciais na investigação e identificação de populações.

4.   Os nacionais de outros Estados que pesquem na zona económica exclusiva devem cumprir as medidas de conservação e as outras modalidades e condições estabelecidas nas leis e regulamentos do Estado costeiro. Tais leis e regulamentos devem estar de conformidade com a presente convenção […]»

Direito da União

9

O Regulamento (CE) n.o 1006/2008 do Conselho, de 29 de setembro de 2008, relativo às autorizações para as atividades de pesca exercidas pelos navios de pesca comunitários fora das águas comunitárias e ao acesso de navios de países terceiros às águas comunitárias, que altera os Regulamentos (CEE) n.o 2847/93 e (CE) n.o 1627/94 e que revoga o Regulamento (CE) n.o 3317/94 (JO L 286, p. 33), prevê, no seu artigo 18.o, n.o 1, alínea a), que «[o]s navios de pesca dos países terceiros estão autorizados a […] [e]xercer atividades de pesca nas águas [da União Europeia] desde que sejam titulares de uma autorização de pesca emitida […]».

10

O artigo 21.o, alínea a), desse regulamento enuncia que «[a] Comissão só concede autorizações de pesca a navios de pesca de países terceiros […] [q]ue sejam elegíveis para uma autorização de pesca no âmbito do acordo em causa e, se for caso disso, figurem na lista dos navios notificados como exercendo atividades de pesca no âmbito desse acordo».

11

Nos termos do artigo 22.o do referido regulamento:

«Os navios de pesca dos países terceiros aos quais tenha sido concedida uma autorização de pesca em conformidade com o presente capítulo devem cumprir as disposições da [política comum das pescas] relativas às medidas de conservação e de controlo, assim como outras disposições que regem a pesca praticada por navios de pesca [da União] na zona de pesca em que operam, bem como as disposições estabelecidas no acordo em causa.»

12

O Conselho da União Europeia fixa anualmente, mediante regulamentos relativos aos totais admissíveis de captura e de quotas, as possibilidades de pesca nas águas da União e, para os navios desta última, em determinadas águas não pertencentes à União.

13

Entre esses regulamentos, figura o Regulamento (UE) n.o 44/2012 do Conselho, de 17 de janeiro de 2012, que fixa, para 2012, as possibilidades de pesca disponíveis nas águas da UE e as disponíveis, para os navios da UE, em certas águas fora da UE no respeitante a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes que são objeto de negociações ou acordos internacionais (JO L 25, p. 55).

14

O artigo 36.o, n.o 1, desse regulamento enuncia que «[o] número máximo de autorizações de pesca para os navios de países terceiros que pescam nas águas da União é fixado no Anexo VIII».

15

No que diz respeito às águas do departamento ultramarino da Guiana (França, a seguir «Guiana»), este anexo fixa o número de autorizações de pesca aplicáveis aos navios que arvoram pavilhão venezuelano em 45. A nota de pé de página do referido anexo, relativa à República Bolivariana da Venezuela, precisa, além disso, que, «[p]ara a concessão dessas autorizações de pesca, devem ser apresentadas provas de que existe um contrato válido entre o armador que requer a autorização de pesca e uma empresa de transformação situada [na Guiana], com a obrigação de desembarcar pelo menos 75% de todas as capturas de lucianos efetuadas pelo navio em causa nesse departamento para efeitos da sua transformação nas instalações dessa empresa. […]»

Antecedentes do litígio

16

Em 30 de setembro de 1977, o Conselho adotou o Regulamento (CEE) n.o 2159/77, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1014/77 que fixa determinadas medidas provisórias de conservação e de gestão dos recursos de pesca aplicáveis relativamente aos navios que arvoram pavilhão de determinados países terceiros na zona de 200 milhas situada ao largo da costa do departamento francês da Guiana (JO L 250, p. 15). Com este regulamento, o Conselho autorizou os navios que arvoram pavilhão venezuelano a exercer atividades de pesca na zona económica exclusiva situada ao largo da costa da Guiana (a seguir «zona económica exclusiva da Guiana»).

17

Esta autorização foi renovada, de forma periódica, por regulamentos relativos aos totais admissíveis de captura e de quotas que atribuíam essas possibilidades de pesca não obstante o facto de não ter sido concluído nenhum acordo internacional em matéria de pesca com a República Bolivariana da Venezuela.

18

A Comissão considerou que esta situação constituía uma lacuna jurídica e que representava, à luz do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 1006/2008, um obstáculo à emissão de autorizações de pesca aos navios que arvoram pavilhão venezuelano no que diz respeito à zona económica exclusiva da Guiana. Por conseguinte, adotou, em 7 de janeiro de 2011, uma proposta de decisão do Conselho relativa ao acesso dos navios de pesca que arvoram o pavilhão da República Bolivariana da Venezuela à zona económica exclusiva ao largo da costa do departamento francês da Guiana [COM(2010) 807]. Esta proposta tinha por objetivo estabelecer uma base jurídica de direito internacional para as atividades dos referidos navios nessa zona. A Comissão propôs adotar a referida decisão com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

19

Após análise da referida proposta, o Conselho decidiu alterar a base jurídica da decisão a adotar, baseando‑a no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea b), TFUE.

20

Em conformidade com estas últimas disposições, o Conselho apresentou um pedido de parecer ao Parlamento.

21

Ao contestar a escolha da referida base jurídica, o Parlamento sugeriu ao Conselho que a alterasse e lhe apresentasse uma nova proposta com a base jurídica inicialmente proposta pela Comissão.

22

O Conselho recusou‑se a alterar a base jurídica da decisão e apresentou ao Parlamento, por ofícios de 28 de outubro e 1 de dezembro de 2011, dois pedidos de apreciação urgentes. O Parlamento indeferiu esses pedidos, respetivamente, em 15 de novembro e 13 de dezembro de 2011. Nessas duas ocasiões, indicou que não tinha objeções de fundo à decisão, mas considerava que a sua base jurídica era incorreta.

23

Em 16 de dezembro de 2011, o Conselho, sem esperar pela posição do Parlamento, adotou a decisão impugnada, com base nos artigos 43.°, n.o 3, TFUE e 218.°, n.o 6, alínea b), TFUE.

24

O artigo 1.o da decisão impugnada enuncia:

«É aprovada, em nome da União Europeia, a declaração dirigida à República Bolivariana da Venezuela relativa à concessão de possibilidades de pesca em águas da UE aos navios de pesca que arvoram pavilhão da República Bolivariana da Venezuela na zona económica exclusiva [da Guiana] [a seguir ‘declaração controvertida’].»

25

Esta declaração, que foi anexada à referida decisão, tem a seguinte redação:

«1.

A União Europeia emitirá autorizações de pesca a um número limitado de navios que arvorem pavilhão da República Bolivariana da Venezuela no setor da zona económica exclusiva [da Guiana] situado para além das 12 milhas marítimas a contar das linhas de base, nas condições estabelecidas na presente declaração.

2.

Em conformidade com o artigo 22.o do [Regulamento n.o 1006/2008], os navios de pesca autorizados que arvoram pavilhão da República Bolivariana da Venezuela deverão, quando pescarem na área referida no n.o 1, cumprir as disposições da política comum das pescas referentes às medidas de conservação e controlo e outras disposições relevantes da União Europeia que regulem as atividades de pesca nessa área.

3.

Concretamente, os navios de pesca autorizados que arvoram pavilhão da República Bolivariana da Venezuela devem cumprir as regras e regulamentos aplicáveis da União Europeia que especifiquem, designadamente, as unidades populacionais de peixe a que a pesca pode ser dirigida, o número máximo de navios de pesca autorizados e a percentagem de capturas a desembarcar nos portos da [Guiana].

4.

Sem prejuízo da revogação de autorizações concedidas individualmente a navios de pesca que arvorem pavilhão da República Bolivariana da Venezuela por incumprimento das regras e regulamentos aplicáveis da União Europeia, a União Europeia pode a qualquer momento retirar, por meio de uma declaração unilateral, o compromisso assumido na presente Declaração de concessão de possibilidades de pesca.»

26

Em 16 de dezembro de 2011, o Conselho comunicou a declaração controvertida à República Bolivariana da Venezuela, que acusou a respetiva receção no mesmo dia.

27

Em 17 de janeiro de 2012, o Conselho adotou o Regulamento n.o 44/2012 tendo por base jurídica o artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

28

Por nota de 30 de janeiro de 2012, a República Bolivariana da Venezuela pediu ao Conselho informações sobre a questão de saber se a intenção do Parlamento de contestar a validade da decisão impugnada podia afetar as atividades de pesca de navios que arvoram pavilhão venezuelano na zona económica exclusiva da Guiana.

29

Em 20 de março de 2012, o referido Estado apresentou à Comissão, através das entidades competentes francesas, pedidos de autorização de pesca para os navios que arvoram pavilhão venezuelano na referida zona, os quais eram acompanhados de contratos celebrados com empresas de transformação situadas na Guiana.

30

Em 26 de março de 2012, a Comissão adotou a Decisão C(2012) 2162, pela qual autorizou 38 navios que arvoram pavilhão venezuelano, enumerados no anexo, a exercer a pesca na zona económica exclusiva da Guiana. Em conformidade com o seu artigo 2.o, esta decisão foi notificada à República Bolivariana da Venezuela, enquanto Estado do pavilhão, e à República Francesa, enquanto Estado costeiro da referida zona.

31

Em 24 de fevereiro e 3 de abril de 2012, respetivamente, o Parlamento e a Comissão interpuseram os presentes recursos.

32

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2012, os processos C‑103/12 e C‑165/12 foram apensados para efeitos da fase escrita e oral e do acórdão.

33

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de agosto de 2012, foi admitida a intervenção da República Checa, do Reino de Espanha, da República Francesa e da República da Polónia em apoio dos pedidos do Conselho.

Quanto ao recurso

34

No processo C‑103/12, o Parlamento invoca dois fundamentos. Com o seu primeiro fundamento, alega que a decisão impugnada assenta numa base jurídica errada. Com o seu segundo fundamento, alega, a título subsidiário, que esta decisão foi adotada com base numa disposição processual errada.

35

No processo C‑165/12, a Comissão invoca três fundamentos, sendo o primeiro fundamento dividido em três partes. No âmbito da primeira e segunda partes do primeiro fundamento, considera que a base jurídica da decisão impugnada está errada. Na primeira parte, afirma que o Conselho cometeu um erro ao equiparar a declaração controvertida a uma fixação externa das possibilidades de pesca. Nos termos da segunda parte, alega que o Conselho cometeu um erro ao considerar que a sujeição dos navios que arvoram pavilhão venezuelano às disposições da política comum das pescas decorre dessa fixação externa das possibilidades de pesca. Com a terceira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão invoca a falta de fundamentação da referida decisão. Com o seu segundo fundamento, alega que o Conselho violou as prerrogativas institucionais do Parlamento. O terceiro fundamento é relativo a uma desvirtuação da proposta de decisão de 7 de janeiro de 2011.

Argumentos das partes

36

Com o primeiro fundamento do recurso do Parlamento e a primeira e segunda partes do primeiro fundamento da Comissão, essas instituições alegam que o Conselho cometeu um erro ao adotar a decisão impugnada com base nos artigos 43.°, n.o 3, TFUE e 218.°, n.o 6, alínea b), TFUE e não com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

37

O Parlamento e a Comissão consideram, em primeiro lugar, que o artigo 43.o, n.o 3, TFUE constitui uma derrogação à base jurídica geral prevista no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, de forma que esse n.o 3 deve, como qualquer derrogação de uma regra, ter uma interpretação estrita quanto ao seu âmbito de aplicação. Assim, apenas as medidas destinadas explicitamente à fixação e à repartição das possibilidades concretas de pesca podem ser adotadas com base no referido n.o 3. Essas possibilidades de pesca são necessariamente direitos de pesca quantificados. Um ato deve ser assim adotado com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE sempre que prossiga um objetivo respeitante à política comum das pescas que não seja uma mera atribuição das possibilidades de pesca em termos quantitativos e geográficos.

38

É o caso da decisão impugnada e da declaração controvertida. Com efeito, com esta última, a União compromete‑se a emitir autorizações de pesca aos navios que arvoram pavilhão venezuelano, impondo simultaneamente aos operadores em causa o cumprimento das disposições adotadas pela União em matéria de conservação dos recursos haliêuticos e obrigando‑os a desembarcar uma parte das suas capturas na Guiana. Essas condições de acesso destinam‑se a garantir a realização dos objetivos da política comum das pescas, de forma a que a finalidade e o conteúdo da referida decisão se relacionam com esta política, ultrapassando a mera fixação e repartição das possibilidades de pesca na aceção do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

39

Em segundo lugar, o Parlamento e a Comissão consideram que há que distinguir o acesso às águas para efeitos da pesca do acesso aos recursos haliêuticos, na aceção da atribuição das possibilidades concretas de pesca nessas águas (a seguir, respetivamente, «acesso às águas» e «acesso aos recursos»). Um quadro regulamentar com duas componentes é estabelecido quando a União pretende, ao abrigo da política comum das pescas, abrir o acesso às suas águas e aos recursos localizados nestas a operadores dos Estados terceiros. Num primeiro momento, o acesso do Estado terceiro é concedido mediante um acordo internacional segundo o processo previsto no artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE. Num segundo momento, a atribuição das possibilidades de pesca é concedida pelo Conselho por força do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

40

No caso em apreço, a declaração controvertida devia ser considerada abrangida pela primeira fase tendo em conta que, com esta, a União concedeu o acesso às águas, mas não atribuiu possibilidades concretas de pesca a navios que arvoram pavilhão venezuelano. Essas últimas foram fixadas depois da adoção dessa declaração, uma vez que o Conselho as determinou, para o ano de 2012, pelo Regulamento n.o 44/2012.

41

O Conselho, apoiado pela República Checa, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia, alega que a decisão impugnada foi corretamente baseada no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea b), TFUE.

42

A referida instituição e os Estados‑Membros acima mencionados consideram, em primeiro lugar, que a distinção entre o acesso às águas e o acesso aos recursos é artificial. A decisão impugnada não pode ter como efeito conceder um acesso às águas da União sem conceder, ao mesmo tempo, um acesso aos recursos.

43

Em segundo lugar, o conceito de «possibilidades de pesca», na aceção do artigo 43.o, n.o 3, TFUE, abrange igualmente as autorizações de pesca. Ora, uma mera leitura da decisão impugnada demonstra que esta diz respeito à atribuição de autorizações de pesca. Assim, a finalidade e o conteúdo da declaração controvertida consistiam em atribuir possibilidades de pesca aos navios que arvoram pavilhão venezuelano e não em conceder um acesso às águas da União.

44

Em terceiro lugar, o âmbito de aplicação do artigo 43.o, n.o 3, TFUE permite adotar medidas que não se limitem à fixação de possibilidades de pesca em dados numéricos. Essa interpretação está em conformidade com a letra e com o espírito dessa disposição, uma vez que habilita o Conselho a adotar todas as medidas «relativas» à fixação e à repartição das possibilidades de pesca.

45

No caso em apreço, embora a decisão impugnada não atribua por si própria essas possibilidades em dados quantificados, constitui uma medida deste tipo. Com efeito, cria um título internacional para a fixação e a repartição das capacidades de pesca a nível das regras internas da União, uma vez que, com esta decisão, a União indica à República Bolivariana da Venezuela que continua a estar disposta a atribuir possibilidades de pesca aos navios que arvoram pavilhão venezuelano.

46

Em quarto lugar, o conteúdo da decisão impugnada não excede o âmbito de aplicação do artigo 43.o, n.o 3, TFUE. Com efeito, os n.os 2 e 3 da decisão impugnada destinam‑se meramente a recordar regras preexistentes que os navios dos Estados terceiros devem cumprir nas águas da União. Essas duas disposições são de natureza declarativa na medida em que não criam nenhum direito novo nem nenhuma obrigação para esses navios. De igual modo, o direito de revogar as autorizações de pesca concedidas aos navios em causa, precisado no n.o 4 dessa declaração, é uma medida relativa à fixação e à repartição das possibilidades de pesca.

Apreciação do Tribunal de Justiça

47

Com o primeiro fundamento do recurso do Parlamento e a primeira e segunda partes do primeiro fundamento da Comissão, essas instituições alegam que o Conselho escolheu uma base jurídica errada, ao basear a decisão impugnada no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea b), TFUE, e não no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

48

No que diz respeito à redação do artigo 43.o TFUE, resulta, por um lado, do seu n.o 2 que as instituições competentes da União devem adotar, de acordo com o processo legislativo ordinário, as disposições necessárias à prossecução dos objetivos da política comum da agricultura e pescas.

49

Por outro lado, decorre do artigo 43.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o n.o 2 desse artigo, que, designadamente, as medidas relativas à fixação e à repartição das possibilidades de pesca não são consideradas, por si próprias, abrangidas pela categoria das disposições necessárias à prossecução da política comum das pescas no sentido desse mesmo n.o 2 e não estão sujeitas ao referido processo legislativo.

50

Com efeito, a adoção das disposições previstas no artigo 43.o, n.o 2, TFUE pressupõe obrigatoriamente uma apreciação da questão de saber se são «necessárias» para prosseguir os objetivos atinentes às políticas comuns reguladas pelo Tratado FUE, o que implica uma decisão política que deve ser reservada ao legislador da União. Em contrapartida, a adoção das medidas relativas à fixação e à repartição das possibilidades de pesca, em conformidade com o artigo 43.o, n.o 3, TFUE, não necessita dessa apreciação uma vez que se trata de medidas que têm um caráter principalmente técnico e que devem ser aplicadas para a execução das disposições adotadas com base no n.o 2 do mesmo artigo.

51

Desde logo, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a escolha da base jurídica de um ato da União deve fundar‑se em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo desse ato (acórdãos Parlamento/Conselho, C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 42, e Reino Unido/Conselho, C‑431/11, EU:C:2013:589, n.o 44).

52

No caso em apreço, a decisão impugnada tem por único objeto a aprovação da declaração controvertida. Nestas condições, há que analisar a base jurídica dessa decisão à luz da finalidade e do conteúdo da declaração em causa.

53

No que respeita ao conteúdo da declaração controvertida, a União indicou à República Bolivariana da Venezuela, no n.o 1 dessa declaração, que emitiria autorizações de pesca na zona económica exclusiva da Guiana para um número limitado de navios que arvoram pavilhão venezuelano.

54

Nos n.os 2 e 3 da mesma declaração, a União sujeitou a emissão dessas autorizações à condição de os navios que arvoram pavilhão venezuelano, autorizados a pescar na referida zona, cumprirem as disposições da política comum das pescas referentes às medidas de conservação e controlo e outras disposições relevantes da União que regulem as atividades de pesca nessa mesma zona.

55

No que respeita à finalidade da declaração controvertida, há que ter em conta o contexto estabelecido pela Convenção de Montego Bay que institui o regime internacional das zonas económicas exclusivas. Esta Convenção, que vincula a União, enquadra as escolhas políticas da União na referida zona e determina os instrumentos e formas jurídicas que estão à sua disposição para a concretização da realização dessas escolhas.

56

Resulta do artigo 55.o da Convenção de Montego Bay que a zona económica exclusiva está sujeita a um regime especial, por força do qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes dessa Convenção.

57

Segundo o artigo 56.o, n.o 1, alínea a), da Convenção de Montego Bay, o Estado costeiro detém, na sua zona económica exclusiva, o direito de exploração dos recursos vivos. Quando a sua capacidade de exploração desses recursos for inferior à totalidade da captura admissível, este é obrigado, por força do artigo 62.o, n.o 2, dessa Convenção, a autorizar outros Estados a explorar o excedente desta captura.

58

No exercício dessa obrigação, o Estado costeiro dispõe de uma certa margem de manobra. Por um lado, pode escolher, sob reserva das exigências do artigo 62.o, n.o 3, da Convenção de Montego Bay, os Estados que autoriza a explorar o referido excedente. Por outro, o Estado costeiro toma em consideração determinados elementos, isto é, a importância que os recursos vivos da zona em causa representam para a sua economia e os seus outros interesses nacionais, as necessidades dos Estados em desenvolvimento da região em causa e a necessidade de reduzir ao mínimo a perturbação da economia dos Estados cujos nacionais pescam habitualmente nessa zona ou fazem esforços substanciais na investigação e na identificação de populações.

59

Por outro lado, o artigo 62.o, n.o 2, da Convenção de Montego Bay exige que o Estado costeiro autorize a exploração do excedente das capturas admissíveis «mediante acordos ou outros ajustes». Assim, incumbe ao Estado costeiro em causa chegar a um acordo com os Estados interessados. Com efeito, as relações entre o Estado costeiro e os outros Estados traduzem os seus direitos e obrigações recíprocas, como referidos no n.o 57 do presente acórdão, de forma que o Estado costeiro não pode impor as suas condições de forma unilateral.

60

A responsabilidade específica do Estado costeiro pela exploração dos recursos vivos na sua zona económica exclusiva implica que lhe incumba normalmente dirigir especificamente propostas aos outros Estados interessados, que a podem aceitar ou recusar, ou, sendo esse o caso, pedir alterações à proposta.

61

No termo desse processo, a expressão das vontades concordantes do Estado costeiro e do Estado interessado constitui um acordo, conforme previsto no artigo 62.o, n.o 2, da Convenção de Montego Bay, tendo em conta que, no direito internacional, o facto de esse acordo ser formalizado num único documento comum ou em dois ou vários instrumentos escritos conexos não é pertinente (v., neste sentido, parecer 1/13, EU:C:2014:2303, n.o 37).

62

O acordo entre o Estado costeiro e o Estado interessado incorpora direitos e obrigações recíprocas que concretizam os referidos no n.o 57 do presente acórdão. Neste contexto, decorre do artigo 62.o, n.o 4, da Convenção de Montego Bay que os nacionais de Estados que não sejam o Estado costeiro que pesquem na zona económica exclusiva deste último devem cumprir as medidas de conservação e as outras modalidades e condições estabelecidas nas leis e regulamentos do Estado costeiro.

63

Tendo em conta que os particulares não beneficiam, em princípio, de um estatuto autónomo ao abrigo da Convenção de Montego Bay, incumbe a cada Estado interessado adotar, relativamente aos navios que arvoram o seu pavilhão, todas as medidas necessárias para proteger os interesses do Estado costeiro (v., neste sentido, acórdão Intertanko e o., C‑308/06, EU:C:2008:312, n.os 59 a 62).

64

Daqui resulta que o Estado interessado se deve comprometer para com o Estado costeiro em causa, como contrapartida da sua participação na exploração dos recursos vivos na zona económica exclusiva daquele Estado, a garantir que os navios que arvoram o seu pavilhão cumprem as medidas que o Estado costeiro tomou para essa zona.

65

Esta garantia, concedida mediante acordo ou qualquer outro ajuste com o Estado costeiro, impõe‑se tanto mais quanto o Estado interessado não for parte contratante na Convenção de Montego Bay e não estiver, por conseguinte, vinculado pelo seu artigo 62.o, n.o 4.

66

Uma vez celebrado o acordo ou ajuste entre o Estado interessado e o Estado costeiro, este pode executá‑los através das regras e medidas concretas do seu direito interno adotadas em conformidade com as disposições da Convenção de Montego Bay e aplicadas em observância desse acordo bilateral.

67

À luz das considerações enunciadas nos n.os 56 a 66 do presente acórdão, há que apreciar, antes de mais, se a declaração controvertida é um elemento constitutivo de um acordo na aceção do artigo 62.o, n.o 2, da Convenção de Montego Bay.

68

Atendendo ao enunciado no n.o 60 do presente acórdão, há que considerar a declaração controvertida como uma proposta dirigida pela União, em vez do Estado costeiro em causa, à República Bolivariana da Venezuela, na qual lhe propõe explorar uma parte do excedente das capturas admissíveis na zona económica exclusiva da Guiana, mediante o cumprimento de determinadas condições precisas, entre as quais a condição de que o referido Estado garanta que os navios que arvorem o seu pavilhão e pesquem nessa zona cumpram as disposições da política comum das pescas da União aplicáveis.

69

A República Bolivariana da Venezuela acusou a receção da declaração controvertida e reagiu de uma dupla forma. Por um lado, transmitiu formalmente à União pedidos de autorização de pesca na zona económica exclusiva da Guiana para os navios que arvorem o seu pavilhão, juntando a esses pedidos contratos de transformação na Guiana, como o exige o n.o 3 da mesma declaração em conjugação com a nota de pé de página do Anexo VIII do Regulamento n.o 44/2012. Por outro lado, manifestou preocupações sobre a possibilidade de essa declaração ser eventualmente posta em causa, ao pedir ao Conselho informações sobre a questão de saber se a intenção do Parlamento de contestar a validade da decisão impugnada era suscetível de afetar as atividades de pesca de navios que arvoram o seu pavilhão na referida zona.

70

Assim, ao proceder desse modo, afigura‑se que a República Bolivariana da Venezuela considerou a declaração controvertida como uma proposta para explorar, nas condições precisadas nesse documento, uma parte do excedente das capturas admissíveis na zona económica exclusiva da Guiana, proposta à qual tinha sido pedido que respondesse.

71

A este respeito, ao transmitir à União, na sequência da proposta que lhe foi feita, pedidos concretos de autorização de pesca e não tendo formulado reservas quanto às condições dessa proposta, deve considerar‑se que a República Bolivariana da Venezuela a aceitou.

72

Nestas condições, o comportamento do referido Estado deve ser considerado uma aceitação da proposta que lhe foi dirigida pela União mediante a declaração controvertida.

73

Em face do exposto, a declaração controvertida efetuada pela União e a sua aceitação pela República Bolivariana da Venezuela devem ser qualificadas, no seu todo, de acordo celebrado por ambas no que respeita à autorização de explorar, em condições precisadas nessa mesma declaração, uma parte do excedente das capturas admissíveis na zona económica exclusiva da Guiana.

74

É à luz da análise do conteúdo e da finalidade da declaração controvertida precedente que há que verificar, seguidamente, se tal declaração constitui uma medida abrangida pelo domínio da competência reservada ao legislador da União ou se constitui uma mera medida técnica de execução, como evocada no n.o 50 do presente acórdão.

75

A este respeito, há que salientar que, independentemente do seu título e de certos termos utilizados na declaração controvertida, o objetivo desta não é assegurar a «fixação e [a] repartição das possibilidades concretas de pesca», na aceção do artigo 43.o, n.o 3, TFUE, mas propor, como resulta do n.o 68 do presente acórdão, à República Bolivariana da Venezuela a possibilidade de participar na exploração dos recursos vivos na zona económica exclusiva da Guiana, nas condições fixadas pela União.

76

Ora, na sua apreciação que deve preceder essa proposta, as instituições competentes da União devem começar por tomar em consideração elementos de política bilateral. Em seguida, tendo em conta a responsabilidade específica da União e na medida em que agiram em vez do Estado costeiro em causa, para a exploração dos recursos vivos na zona económica exclusiva deste último, essas instituições devem apreciar se o Estado interessado está em condições de garantir que os navios que arvoram o seu pavilhão cumprem as condições às quais essa exploração está sujeita, como o cumprimento das disposições da política comum das pescas da União aplicáveis à zona em causa. Por último, as instituições da União tomam em consideração os elementos mencionados no n.o 58 do presente acórdão, que exigem a apreciação de diferentes aspetos que caracterizam a situação dos Estados da região em causa e, pelo menos, do Estado interessado.

77

Por outro lado, resulta do considerando 3 da decisão impugnada e dos n.os 1 a 3 da declaração controvertida que esta última visa atribuir à República Bolivariana da Venezuela a possibilidade de participar na exploração dos recursos vivos na zona económica exclusiva da Guiana, mas, como foi recordado no n.o 54 do presente acórdão, sujeita também esta atribuição à condição de estarem cumpridas as disposições da política comum das pescas da União referentes às medidas de conservação e controlo e outras disposições relevantes da União que regulem as atividades de pesca nessa zona, como as normas ou regulamentações da União que especificam os recursos haliêuticos alvo da pesca, o número máximo de navios de pesca autorizados e a percentagem de capturas a desembarcar nos portos da Guiana.

78

Assim, a declaração controvertida tem por objeto estabelecer um quadro geral, a fim de autorizar navios de pesca que arvoram pavilhão venezuelano a pescarem na referida zona, que foi depois precisado, sucessivamente, pelo artigo 36.o, n.o 1, e o Anexo VIII do Regulamento n.o 44/2012, pelo artigo 34.o, n.o 1, e o Anexo VIII do Regulamento (UE) n.o 40/2013 do Conselho, de 21 de janeiro de 2013, que fixa, para 2013, as possibilidades de pesca disponíveis nas águas da UE e as disponíveis, para os navios da UE, em certas águas não UE no respeitante a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes que são objeto de negociações ou acordos internacionais (JO L 23, p. 54), bem como pelo artigo 40.o, n.o 1, e o Anexo VIII do Regulamento (UE) n.o 43/2014 do Conselho, de 20 de janeiro de 2014, que fixa, para 2014, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União e as aplicáveis, para os navios da União, em certas águas não União (JO L 24, p. 1). A este respeito, há que salientar que os três regulamentos referidos foram todos adotados com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

79

Daqui decorre que a proposta dirigida à República Bolivariana da Venezuela não é uma medida técnica ou de execução, mas, pelo contrário, uma medida que pressupõe uma decisão autónoma que deve ser feita à luz dos interesses políticos que a União prossegue nas suas políticas comuns, nomeadamente a das pescas.

80

Daqui resulta que a declaração controvertida pertence a um domínio de competência do legislador da União.

81

Nestas condições, a decisão impugnada é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 43.o, n.o 2, TFUE e não pelo do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

82

Por último, há que determinar a disposição do Tratado FUE que precisa o processo segundo o qual a decisão impugnada deveria ter sido adotada.

83

Tendo em conta que a declaração controvertida, que foi aprovada pela decisão impugnada, constitui um elemento constitutivo de um acordo internacional (v. n.o 73 do presente acórdão), esta declaração é abrangida pelo artigo 218.o TFUE. Com efeito, este artigo rege a negociação e a celebração dos acordos entre a União e países terceiros ou organizações internacionais, considerando que, segundo a jurisprudência, o termo «acordo» utilizado neste artigo deve ser entendido no seu sentido geral, designando qualquer compromisso assumido por sujeitos de direito internacional, dotado de força obrigatória, independentemente da sua qualificação formal (v., neste sentido, parecer 1/75, EU:C:1975:145, p. 1360, e parecer 2/92, EU:C:1995:83, n.o 8; e acórdão França/Comissão, C‑327/91, EU:C:1994:305, n.o 27).

84

Além disso, há que recordar que o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE, prevê o processo aplicável no caso dos acordos que abranjam domínios aos quais é aplicável o processo legislativo ordinário. Tendo em conta que o artigo 43.o, n.o 2, TFUE, que foi a base da decisão impugnada, prevê precisamente esse processo, esta decisão deveria ter sido adotada com base no artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

85

Em face do exposto, a decisão impugnada, que aprovou a declaração controvertida em nome da União, deveria ter sido adotada com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE, e não com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea b), TFUE.

86

Nestas condições, há que acolher o primeiro fundamento do recurso do Parlamento e a primeira e segunda partes do primeiro fundamento do recurso da Comissão.

87

Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada, não sendo necessário analisar os outros fundamentos invocados pelo Parlamento e pela Comissão nos seus recursos.

Quanto ao pedido de manutenção dos efeitos da decisão impugnada no tempo

88

O Conselho e a Comissão, apoiados a este respeito pela República Checa, pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, pedem ao Tribunal que, caso a anule, mantenha os efeitos da decisão impugnada até que uma nova decisão seja adotada. O Parlamento indicou que não se opõe a este pedido.

89

Nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes.

90

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, atendendo a motivos relacionados com a segurança jurídica, os efeitos desse ato podem ser mantidos nomeadamente quando os efeitos imediatos da sua anulação originarem consequências negativas graves para as pessoas em causa e a legalidade do ato impugnado for contestada não devido à sua finalidade ou ao seu conteúdo, mas devido a motivos de incompetência do seu autor ou de violação das formalidades essenciais. Esses motivos incluem, em especial, o erro cometido quanto à base jurídica do ato contestado (v., neste sentido, acórdãos Parlamento/Conselho, C‑414/04, EU:C:2006:742, n.o 59; Parlamento e Dinamarca/Comissão, C‑14/06 e C‑295/06, EU:C:2008:176, n.o 86; e Parlamento/Conselho, C‑490/10, EU:C:2012:525, n.os 91 e 92).

91

No caso em apreço, resulta do considerando 2 da decisão impugnada que, ao autorizar a República Bolivariana da Venezuela a explorar o excedente das capturas admissíveis na zona económica exclusiva da Guiana, esta decisão tem por objetivo assegurar a continuidade dos descarregamentos efetuados na Guiana pelos navios que arvoram pavilhão venezuelano, uma vez que a indústria de transformação instalada nesse departamento francês depende desses descarregamentos. Ora, a anulação da referida decisão com efeitos imediatos é suscetível de afetar essa continuidade e de originar consequências negativas graves para os operadores económicos em causa.

92

Nestas condições, existem importantes motivos de segurança jurídica que justificam que o Tribunal aceda ao pedido de manutenção dos efeitos jurídicos da decisão impugnada. Por outro lado, há que salientar que nem o Parlamento nem a Comissão contestaram a legalidade dessa decisão em razão da sua finalidade ou do seu conteúdo, de forma a que não existem objeções que possam impedir o Tribunal de decretar essa manutenção.

93

Por conseguinte, há que manter os efeitos dessa decisão até a entrada em vigor, num prazo razoável a partir da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão com a base jurídica adequada, isto é, o artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

Quanto às despesas

94

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e a Comissão pedido a condenação do Conselho e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a República Checa, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia, que intervieram nos presentes litígios, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

A Decisão 2012/19/UE do Conselho, de 16 de dezembro de 2011, respeitante à aprovação, em nome da União Europeia, da declaração relativa à concessão de possibilidades de pesca em águas da UE aos navios de pesca que arvoram pavilhão da República Bolivariana da Venezuela na zona económica exclusiva ao largo da costa do departamento francês da Guiana, é anulada.

 

2)

Os efeitos da Decisão 2012/19 são mantidos até à entrada em vigor, num prazo razoável a partir da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão com a base jurídica adequada, isto é, o artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

 

3)

O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

 

4)

A República Checa, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.