ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de novembro de 2013 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 85/337/CEE — Avaliação dos efeitos no ambiente — Convenção de Aarhus — Diretiva 2003/35/CE — Direito de recurso de uma decisão de licenciamento — Aplicação no tempo — Processo de licenciamento iniciado antes do termo do prazo de transposição da Diretiva 2003/35/CE — Decisão tomada após essa data — Requisitos de admissibilidade do recurso — Violação de um direito — Natureza da irregularidade processual suscetível de ser invocada — Alcance do controlo»

No processo C‑72/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisão de 10 de janeiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de fevereiro de 2012, no processo

Gemeinde Altrip,

Gebrüder Hört GbR,

Willi Schneider

contra

Land Rheinland‑Pfalz,

estando presente:

Vertreter des Bundesinteresses beim Bundesverwaltungsgericht,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 16 de janeiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Gemeinde Altrip, da Gebrüder Hört GbR e de W. Schneider, por S. Lesch, F. Heß, W. Baumann e C. Heitsch, Rechtsanwälte,

em representação do Land Rheinland‑Pfalz, por M. Schanzenbächer, H. Seiberth e U. Klein, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por E. Creedon, na qualidade de agente, assistida por G. Gilmore, BL,

em representação da Comissão Europeia, por P. Oliver e G. Wilms, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de junho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO L 156, p. 17), bem como a interpretação do artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), conforme alterada pela Diretiva 2003/35 (a seguir «Diretiva 85/337»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Gemeinde Altrip (município de Altrip), a sociedade de direito civil Gebrüder Hört GbR e W. Schneider ao Land Rheinland‑Pfalz (Land da Renânia‑Palatinado) a respeito de uma decisão que aprovou um plano de construção de um sistema de retenção de águas de enchentes numa antiga zona inundável do Reno de mais de 320 hectares.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

A Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente de 25 de junho de 1998, aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»), prevê no seu artigo 9.o:

«[...]

2.   Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a)

Que tenham um interesse suficiente;

ou, em alternativa,

b)

Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia,

tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‑se‑á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

O disposto no n.o 2 não exclui a possibilidade de interposição de recurso preliminar junto de uma autoridade administrativa e não prejudica o requisito do recurso judicial que consiste no esgotamento prévio dos recursos administrativos, caso tal requisito seja previsto no direito interno.

3.   Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.

[...]»

Direito da União

Diretiva 2003/35

4

O artigo 1.o da Diretiva 2003/35 tem a seguinte redação:

«A presente diretiva tem como objetivo contribuir para a implementação das obrigações decorrentes da Convenção de Aarhus, em particular:

[…]

b)

Melhorando a participação do público e prevendo disposições sobre o acesso à justiça no âmbito das Diretivas 85/337[…] e 96/61/CE do Conselho.»

5

O artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2003/35 prevê a inserção de um artigo 10.o‑A na Diretiva 85/337.

6

O artigo 6.o da Diretiva 2003/35 dispõe:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 25 de junho de 2005 e informar imediatamente a Comissão desse facto.

[...]»

Diretiva 85/337

7

O artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

a)

Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

b)

Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva.

Os Estados‑Membros devem determinar a fase na qual as decisões, atos ou omissões podem ser impugnados.

Os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito, de acordo com o objetivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça […]

[…]»

Direito alemão

VwGO

8

O § 61 do Código de Processo Administrativo (Verwaltungsgerichtsordnung, a seguir «VwGO») tem a seguinte redação:

«Têm legitimidade para ser parte no processo:

«1.

as pessoas singulares e coletivas,

2.

as associações, desde que sejam titulares de um direito,

[…]»

UVPG

9

O § 2, n.o 1, primeiro período, da Lei sobre a avaliação dos efeitos no ambiente (Gesetz über die Umweltverträglichkeitsprüfung, a seguir «UVPG») prevê:

«A avaliação dos efeitos no ambiente constitui uma parte integrante dos processos administrativos que contribuem para a decisão sobre a admissibilidade dos projetos.»

10

Nos termos do § 2, n.o 3, da UVPG, «[n]a aceção do n.o 1, primeiro período, constituem decisões: 1. […] as decisões de aprovação do plano».

UmwRG

11

A Lei complementar relativa aos recursos em matéria de ambiente de acordo com a Diretiva 2003/35/CE (Gesetz über ergänzende Vorschriften zu Rechtsbehelfen in Umweltangelegenheiten nach der EG‑Richtlinie 2003/35/EG, a seguir «UmwRG») transpõe o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337.

12

O § 1, n.o 1, primeiro período, da UmwRG enuncia:

«A presente lei aplica‑se a recursos interpostos:

1.

de decisões, na aceção do § 2, n.o 3, da UVPG, relativas à admissibilidade de projetos, em relação aos quais, nos termos

a)

da UVPG

[…]

possa existir a obrigação de proceder a uma avaliação dos efeitos no ambiente.»

13

O § 4, n.o 1, primeiro período, da UmwRG dispõe:

«A anulação de uma decisão relativa à admissibilidade de um projeto, na aceção do § 1, n.o 1, primeiro período, ponto 1, pode ser requerida quando, de acordo com as disposições da UVPG […],

1.

a avaliação dos efeitos no ambiente, ou

2.

um exame prévio do caso concreto quanto à obrigação de avaliação dos efeitos no ambiente,

fossem necessários e não tiverem sido realizados ou a omissão dessa realização não tiver sido reparada.»

14

O § 4, n.o 3, da UmwRG tem a seguinte redação:

«Os n.os 1 e 2 aplicam‑se, mutatis mutandis, aos recursos das partes na aceção do § 61, n.os 1 e 2, do VwGO.»

15

O § 5, n.o 1, da UmwRG contém a seguinte disposição:

«A presente lei aplica‑se aos processos a que se refere o § 1, n.o 1, primeiro período, que foram ou deviam ter sido iniciados após 25 de junho de 2005.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Os recorrentes no processo principal, todos afetados pelo projeto enquanto proprietários ou exploradores dos terrenos situados na área da obra em questão, interpuseram no Verwaltungsgericht (tribunal administrativo) um recurso de anulação da decisão através da qual a autoridade regional aprovou um plano de construção daquela obra. Contestaram esta decisão alegando a insuficiência da avaliação dos efeitos no ambiente que a precedeu. Tendo o recurso sido julgado improcedente, recorreram para o Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz (Tribunal Administrativo Superior do Land da Renânia‑Palatinado).

17

Este negou provimento ao recurso por considerar, designadamente, que os recorrentes no processo principal não tinham direito a recorrer, na medida em que não podiam, segundo o § 5, n.o 1, da UmwRG, invocar irregularidades da avaliação dos efeitos no ambiente, num procedimento administrativo iniciado antes de 25 de junho de 2005. Em todo o caso, o Oberverwaltungsgericht exprimiu dúvidas quanto à admissibilidade do recurso na medida em que o § 4, n.o 3, da UmwRG só prevê recursos em caso de omissão pura e simples da avaliação dos efeitos no ambiente e não se aplica, portanto, no caso de uma simples irregularidade dessa avaliação.

18

Os recorrentes no processo principal interpuseram então um recurso de «Revision» no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal). Este último pergunta se a interpretação do § 5, n.o 1, da UmwRG, que exclui a aplicação da UmwRG aos processos administrativos iniciados antes de 25 de junho de 2005, mesmo quando as decisões proferidas nesses processos foram adotadas, como no caso vertente, após essa data, é conforme com a Diretiva 2003/35 uma vez que esta só consagra a data de 25 de junho de 2005, segundo o seu artigo 6.o, como o termo do prazo para a sua transposição.

19

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se o § 4, n.o 3, da UmwRG, que limita o direito de recurso apenas ao caso em que a avaliação dos efeitos no ambiente foi pura e simplesmente omitida, transpõe corretamente o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 que exige um direito de recurso que permita contestar a legalidade das decisões que contêm irregularidades processuais. Pergunta, por último, se é compatível com esse direito a jurisprudência nacional constante segundo a qual uma pessoa visada por um projeto sujeito a uma avaliação dos efeitos no ambiente só sofre uma violação dos seus direitos quando a irregularidade processual apresenta um nexo de causalidade com o resultado da aprovação do plano que a afeta negativamente.

20

Neste contexto, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/35[…] ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros estavam obrigados a prever que as disposições de direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337[…] eram igualmente aplicáveis aos processos administrativos de licenciamento iniciados, de facto, antes de 25 de junho de 2005, mas nos quais as licenças só foram emitidas após esta data?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Deve o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337[…] ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros estavam obrigados a alargar a aplicabilidade das disposições do direito nacional adotadas para transpor o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337[…] e relativas à impugnação da legalidade processual de uma decisão, à hipótese de uma avaliação dos efeitos no ambiente que, embora tendo sido realizada, é incorreta?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

Deve o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337[…], nos casos em que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 10.o‑A, primeiro parágrafo, alínea b), da [mesma diretiva], determina, em princípio, que os membros do público em causa só podem interpor recurso para o tribunal se alegarem a violação de um direito, ser interpretado no sentido de que

a)

a impugnação judicial da legalidade processual de qualquer decisão abrangida pelas disposições da presente diretiva sobre a participação do público só poderá ser eficaz e conduzir à anulação da decisão quando, tendo em conta as circunstâncias do caso, exista a possibilidade concreta de que, sem a irregularidade processual, a decisão impugnada tivesse sido diferente, e quando, além disso, a irregularidade processual afete ao mesmo tempo uma posição jurídico‑material do recorrente, ou

b)

no âmbito da impugnação judicial da legalidade processual, as irregularidades processuais verificadas nas decisões abrangidas pelas disposições da presente diretiva sobre a participação do público devem ser tidas em consideração em termos mais amplos?

Caso se deva responder [a esta questão] no sentido da alínea b):

A que exigências materiais devem as irregularidades processuais obedecer para que, em caso de impugnação judicial da legalidade processual da decisão, possam ser consideradas favoráveis ao recorrente?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, ao prever que devia ser transposta até 25 de junho de 2005, a Diretiva 2003/35, que acrescentou o artigo 10.o‑A à Diretiva 85/337, deve ser interpretada no sentido de que as disposições de direito nacional adotadas para transpor esta última disposição deviam ser também aplicadas aos processos administrativos de licenciamento iniciados antes de 25 de junho de 2005 quando a licença só tenha sido emitida após esta data.

22

Recorde‑se que, em princípio, uma norma jurídica nova é aplicável a partir da entrada em vigor do ato que a instaura. Embora não seja aplicável às situações jurídicas nascidas e definitivamente fixadas na vigência da lei anterior, aplica‑se aos efeitos futuros destas, bem como às situações jurídicas novas (v., neste sentido, acórdão de 6 de julho de 2010, Monsanto Technology, C-428/08, Colet., p. I-6765, n.o 66). Só assim não será, e com a ressalva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a norma nova for acompanhada de disposições especiais que determinam as suas regras de aplicação no tempo (acórdão de 16 de dezembro de 2010, Stichting Natuur en Milieu e o., C-266/09, Colet., p. I-13119, n.o 32).

23

A Diretiva 2003/35 não inclui nenhuma disposição especial quanto às condições de aplicação no tempo do novo artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337.

24

Importa também recordar que, segundo o artigo 6.o da Diretiva 2003/35, os Estados‑Membros estavam obrigados a pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta diretiva até 25 de junho de 2005. Entre as medidas que deviam então ser transpostas até esta data consta o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337, que alargou o direito de recurso dos membros do público afetados pelas decisões, os atos ou as omissões visados por esta diretiva relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente.

25

O Tribunal de Justiça já declarou que o princípio da sujeição dos projetos suscetíveis de terem impacto considerável no ambiente a uma avaliação ambiental não se aplica às situações em que a data da apresentação formal do pedido de aprovação de um projeto é anterior à data em que termina o prazo de transposição da Diretiva 85/337 (acórdãos de 11 de agosto de 1995, Comissão/Alemanha, C-431/92, Colet., p. I-2189, n.os 29 e 32; de 18 de junho de 1998, Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland, C-81/96, Colet., p. I-3923, n.o 23; e de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, n.o 94).

26

Com efeito, esta diretiva visa, em larga medida, projetos de certa envergadura, cuja realização se estende muitas vezes por um longo período de tempo. Assim, não é oportuno que procedimentos já complexos a nível nacional sejam sobrecarregados e atrasados devido às exigências específicas impostas pela referida diretiva e que com isso sejam afetadas situações já consolidadas (acórdãos, já referidos, Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland, n.o 24, e Križan e o., n.o 95).

27

Todavia, as novas exigências que decorrem do artigo 10.o‑A da mesma diretiva não podem ser vistas como uma sobrecarga e como causadoras de atraso, enquanto tais, dos procedimentos administrativos, na mesma medida que a própria sujeição dos projetos a uma avaliação dos efeitos no ambiente. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, a legislação em questão no processo principal não cria exigências desta natureza, tendo por objetivo melhorar o acesso a uma via de recurso. Além disso, embora a extensão do direito de recurso do público afetado contra os atos ou as omissões relacionados com esses projetos seja suscetível de expô‑los mais ao risco de processos judiciais, não se pode entender que tal aumento de um risco existente afete uma situação já consolidada.

28

Embora não se possa excluir que esta extensão tenha, todavia, por efeito, na prática, atrasar a realização dos projetos em causa, um inconveniente desta natureza é inerente ao controlo da legalidade das decisões, dos atos ou das omissões que resulta das disposições da Diretiva 85/337 ao qual o legislador da União Europeia pretendeu, em conformidade com os objetivos da Convenção de Aarhus, associar os membros do público em causa que tenham um interesse suficiente em agir ou invoquem a violação de um direito, com vista a contribuir para a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente e a proteção da saúde humana.

29

Atendendo a estes objetivos, o inconveniente mencionado no número anterior não pode justificar que as disposições do artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/35 sejam privadas do seu efeito útil nas situações pendentes à data em que aquela devia ser transposta quando a licença só tenha sido emitida após esta data.

30

Nestas condições, ainda que os Estados‑Membros disponham, em virtude da sua autonomia processual e sem prejuízo do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, de uma margem de manobra na aplicação do artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 (acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, n.o 47), não podem contudo reservar a sua aplicação apenas aos processos administrativos de licenciamento iniciados após 25 de junho de 2005.

31

Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira questão que, ao prever que devia ser transposta até 25 de junho de 2005, a Diretiva 2003/35, que inseriu o artigo 10.o‑A na Diretiva 85/337, deve ser interpretada no sentido de que as disposições de direito nacional adotadas para a transposição deste artigo devem ser igualmente aplicadas aos processos administrativos de licenciamento iniciados antes de 25 de junho de 2005 quando a licença só tenha sido emitida após esta data.

Quanto à segunda questão

32

Atendendo à resposta dada à primeira questão, há que examinar a segunda questão, com a qual o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os Estados‑Membros limitem a aplicabilidade das disposições de transposição deste artigo apenas ao caso em que a legalidade de uma decisão é contestada porque houve omissão da avaliação dos efeitos no ambiente, sem alargá‑la ao caso em que tal avaliação, embora tendo sido realizada, é incorreta.

Quanto à admissibilidade da segunda questão

33

A Irlanda alega que esta questão é inadmissível devido ao caráter hipotético do problema que suscita, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não precisou que irregularidades da avaliação dos efeitos no ambiente estão em causa no processo.

34

Todavia, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, o direito nacional em questão não reconhece, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nenhum direito à anulação de uma decisão como as visadas pela Diretiva 85/337, independentemente da irregularidade processual invocada, quando tenha sido realizada uma avaliação dos efeitos no ambiente. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio alega que, caso o artigo 10.o‑A desta diretiva devesse ser interpretado no sentido de que as irregularidades processuais podem ser controladas no âmbito da aplicação da referida diretiva, devia anular o acórdão da instância de recurso e reenviar‑lhe o exame do processo principal uma vez que os recorrentes no processo principal alegam precisamente que o procedimento administrativo padece de tais irregularidades.

35

Por conseguinte, deve entender‑se que a resposta à segunda questão é útil para a resolução do litígio suscitado no órgão jurisdicional de reenvio e que, consequentemente, esta questão é admissível.

Quanto ao mérito

36

O artigo 10.o‑A, primeiro parágrafo, da Diretiva 85/337, ao prever que qualquer decisão, ato ou omissão visado pelo mencionado artigo deve poder ser objeto de recurso judicial para impugnar a sua legalidade substantiva ou processual, não limitou, de modo algum, os fundamentos que podem ser invocados em apoio desse recurso (acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, C-115/09, Colet., p. I-3673, n.o 37).

37

As disposições nacionais que transpõem esta disposição não podem, portanto, limitar a sua aplicabilidade apenas ao caso em que a contestação da legalidade tem como fundamento a omissão da avaliação dos efeitos no ambiente. Excluir esta aplicabilidade no caso em que, tendo sido realizada, uma avaliação dos efeitos no ambiente padeça de irregularidades, mesmo que graves, privaria as disposições da Diretiva 85/337 relativas à participação do público do essencial do seu efeito útil. Tal exclusão seria, pois, contrária ao objetivo destinado a garantir um vasto acesso aos órgãos jurisdicionais referido no artigo 10.o‑A desta diretiva.

38

Nestas condições, há que responder à segunda questão que o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os Estados‑Membros limitem a aplicabilidade das disposições de transposição deste artigo ao caso em que a legalidade de uma decisão é contestada porque houve omissão da avaliação dos efeitos no ambiente, sem alargá‑la ao caso em que tal avaliação, embora tendo sido realizada, é incorreta.

Quanto à terceira questão

39

Atendendo à resposta dada à segunda questão, há que examinar a terceira questão, com a qual o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à jurisprudência nacional que submete a admissibilidade dos recursos a requisitos cumulativos que exigem que o recorrente, para provar a violação de um direito na aceção deste artigo, justifique que a irregularidade processual que invoca é tal que, tendo em conta as circunstâncias do caso, a decisão impugnada teria sido diferente sem a irregularidade processual e que foi afetada uma posição jurídico‑material.

Quanto à admissibilidade da terceira questão

40

Pelo mesmo motivo que se expôs no n.o 33 do presente acórdão, a Irlanda alega que a terceira questão apresenta um caráter hipotético e não é, como tal, admissível.

41

Todavia, resulta dos esclarecimentos apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht que, ao reenviar o processo ao órgão jurisdicional de recurso, deve indicar‑lhe, de forma vinculativa, se deve ou não ater‑se aos requisitos de admissibilidade dos recursos conforme invocados na terceira questão. Assim, a resposta do Tribunal de Justiça pela qual se aguarda, que terá incidência na decisão do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, apresenta caráter útil. Esta questão é, portanto, admissível.

Quanto ao mérito

42

Para responder à questão de saber se os critérios cumulativos de admissibilidade dos recursos conforme aplicados pela jurisprudência nacional estão em conformidade com as novas exigências que decorrem do artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337, há que recordar que este contempla duas hipóteses, no que se refere aos requisitos dessa admissibilidade, podendo esta estar condicionada a um «interesse suficiente» ou a que o recorrente invoque a «violação de um direito», dependendo de qual destes dois requisitos se encontrar estabelecido na legislação nacional (v., neste sentido, acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, já referido, n.o 38).

43

O artigo 10.o‑A, terceiro parágrafo, primeiro período, da Diretiva 85/337 indica, seguidamente, que os Estados‑Membros devem determinar o que constitui a violação de um direito, de acordo com o objetivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça (acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, já referido, n.o 39).

44

É, pois, atendendo a este objetivo que se deve considerar a conformidade com o direito da União dos critérios invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio e que permitem determinar, segundo o direito nacional em causa, a exigência de uma violação de um direito como requisito de admissibilidade dos recursos.

45

Quando, por não haver neste domínio normas estabelecidas pelo direito da União, compete a cada Estado‑Membro definir, na sua ordem jurídica, as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, estas modalidades, conforme se recordou no n.o 30 do presente acórdão, não devem, em conformidade com o princípio da equivalência, ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de natureza interna e não devem, em conformidade com o princípio da efetividade, tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, já referido, n.o 43).

46

Assim, embora incumba aos Estados‑Membros determinar, quando tal for exigido pelo respetivo sistema jurídico, como sucede no presente caso, quais os direitos cuja violação pode dar lugar a um recurso em matéria de ambiente, dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337, os critérios para tal fixados não podem tornar impossível, na prática, nem excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos por esta diretiva que visam proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça, com vista a contribuir para a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente e para a proteção da saúde humana.

47

No presente caso, e em relação, em primeiro lugar, ao critério relativo ao nexo de causalidade que deve existir entre a irregularidade processual e o sentido da decisão final impugnada (a seguir «critério de causalidade»), deve salientar‑se que, ao exigir que os Estados‑Membros assegurem que os membros do público em causa tenham acesso a um recurso de forma a poderem impugnar a legalidade substantiva ou processual das decisões, dos atos ou das omissões abrangidos pelas disposições da Diretiva 85/337, o legislador da União não pretendeu, conforme se recordou no n.o 36 do presente acórdão, limitar, de modo algum, os fundamentos que podem ser invocados em apoio desse recurso. Não pretendeu, em todo o caso, vincular a possibilidade de invocar uma irregularidade processual ao requisito de que esta tenha tido influência no sentido da decisão final impugnada.

48

De resto, uma vez que esta diretiva tem designadamente o objetivo de fixar garantias processuais que permitam em particular uma melhor informação e uma participação do público no âmbito da avaliação dos efeitos no ambiente de projetos públicos e privados suscetíveis de terem um impacto considerável no ambiente, o controlo do respeito das regras de procedimento neste domínio reveste uma importância particular. Em conformidade com o objetivo que visa atribuir‑lhe um vasto acesso à justiça, o público em causa deve, portanto, poder invocar, por princípio, qualquer irregularidade processual para fundamentar um recurso em que conteste a legalidade das decisões visadas pela referida diretiva.

49

Todavia, é incontestável que nem todas as irregularidades processuais implicam necessariamente consequências suscetíveis de afetarem o sentido de tal decisão e que, como tal, não podem, nesse caso, ser encaradas como violadoras dos direitos daquele que as invoca. Nesse caso, não se afigura que o objetivo da Diretiva 85/337 que visa proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça seja comprometido se o direito de um Estado‑Membro considerar que não se deve entender que um recorrente que invoca uma irregularidade desta natureza sofreu uma violação dos seus direitos e, consequentemente, que não é admissível que conteste tal decisão.

50

A este respeito, há que recordar que o artigo 10.o‑A desta diretiva deixa aos Estados‑Membros uma margem de manobra considerável para determinar o que constitui a violação de um direito (v., neste sentido, acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen, já referido, n.o 55).

51

Nestas condições, pode admitir‑se que o direito nacional não reconheça a violação de um direito na aceção do artigo 10.o‑A, alínea b), da referida diretiva se se demonstrar a possibilidade de que, segundo as circunstâncias do caso, a decisão impugnada não teria sido diferente sem a irregularidade processual invocada.

52

No que diz respeito ao direito nacional aplicável no processo principal, afigura‑se, contudo, que cabe geralmente ao recorrente, para provar a violação de um direito, justificar que as circunstâncias do caso tornam possível que a decisão impugnada teria sido diferente sem a irregularidade processual invocada. Ora, esta devolução do ónus da prova ao recorrente, para a aplicação do critério da causalidade, é suscetível de tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 85/337, tendo em conta, designadamente, a complexidade dos processos em questão ou a tecnicidade das avaliações dos efeitos no ambiente.

53

Como tal, as novas exigências decorrentes do artigo 10.o‑A desta diretiva implicam que a violação de um direito só possa ser afastada se, atendendo ao critério da causalidade, o tribunal ou o órgão referidos neste artigo estejam em condições de considerar, sem fazer pender sobre o recorrente o ónus da prova a este respeito, mas atendendo, conforme os casos, aos elementos de prova apresentados pelo dono da obra ou pelas autoridades competentes, e de forma mais geral ao conjunto dos documentos dos autos que lhes são submetidos, que a decisão impugnada não teria sido diferente sem a irregularidade processual invocada por esse recorrente.

54

Nesta apreciação, cabe ao tribunal ou ao órgão em causa ter em conta designadamente o grau de gravidade da irregularidade invocada e verificar em particular, a este respeito, se privou o público em causa de uma das garantias instituídas com vista, em conformidade com os objetivos da Diretiva 85/337, a permitir‑lhe o acesso à informação e a habilitá‑lo a participar no processo de decisão.

55

Em segundo lugar, quanto ao critério relativo à violação de uma posição jurídico‑material do recorrente, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu nenhum esclarecimento relativamente aos seus elementos constitutivos e que nenhum dos fundamentos da decisão de reenvio permite ao Tribunal de Justiça determinar se um exame deste critério pode ser útil para a resolução do litígio no processo principal.

56

Nestas condições, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se, nesta fase, quanto à questão de saber se o direito da União se opõe a um critério deste tipo.

57

Consequentemente, há que responder à terceira questão que o artigo 10.o‑A, alínea b), da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma jurisprudência nacional que não reconhece a violação de um direito na aceção deste artigo se se demonstrar a possibilidade de que, tendo em conta as circunstâncias do caso, a decisão impugnada não teria sido diferente sem a irregularidade processual invocada pelo recorrente. Todavia, tal só pode suceder caso o tribunal ou o órgão a quem é submetido o recurso não façam pender sobre o recorrente o ónus da prova a este respeito e atendam, conforme os casos, aos elementos de prova apresentados pelo dono da obra ou pelas autoridades competentes, e de forma mais geral ao conjunto dos documentos dos autos que lhes são submetidos, tendo em conta designadamente o grau de gravidade da irregularidade invocada e verificando em particular, a este respeito, se privou o público em causa de uma das garantias instituídas, em conformidade com os objetivos da Diretiva 85/337, com vista a permitir‑lhe o acesso à informação e a habilitá‑lo a participar no processo de decisão.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

Ao prever que devia ser transposta até 25 de junho de 2005, a Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho, que inseriu o artigo 10.o‑A na Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, deve ser interpretada no sentido de que as disposições de direito nacional adotadas para a transposição deste artigo deveriam ser igualmente aplicadas aos processos administrativos de licenciamento iniciados antes de 25 de junho de 2005 quando a licença só tenha sido emitida apos esta data.

 

2)

O artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337, conforme alterada pela Diretiva 2003/35, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os Estados‑Membros limitem a aplicabilidade das disposições de transposição deste artigo ao caso em que a legalidade de uma decisão é contestada porque houve omissão da avaliação dos efeitos no ambiente, sem alargá‑la ao caso em que tal avaliação, embora tendo sido realizada, é incorreta.

 

3)

O artigo 10.o‑A, alínea b), da Diretiva 85/337, conforme alterada pela Diretiva 2003/35, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma jurisprudência nacional que não reconhece a violação de um direito na aceção deste artigo se se demonstrar a possibilidade de que, tendo em conta as circunstâncias do caso, a decisão impugnada não teria sido diferente sem a irregularidade processual invocada pelo recorrente. Todavia, tal só pode suceder caso o tribunal ou o órgão a quem é submetido o recurso não façam pender sobre o recorrente o ónus da prova a este respeito e atendam, conforme os casos, aos elementos de prova apresentados pelo dono da obra ou pelas autoridades competentes, e de forma mais geral ao conjunto dos documentos dos autos que lhes são submetidos, tendo em conta designadamente o grau de gravidade da irregularidade invocada e verificando em particular, a este respeito, se privou o público em causa de uma das garantias instituídas, em conformidade com os objetivos da Diretiva 85/337, com vista a permitir‑lhe o acesso à informação e a habilitá‑lo a participar no processo de decisão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.