CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 5 de dezembro de 2013 ( 1 )

Processo C‑539/12

Z. J. R. Lock

contra

British Gas Trading Ltd e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Employment Tribunal, Leicester (Reino Unido)]

«Política social — Organização do tempo de trabalho — Consultor que aufere um salário de base acrescido de comissões mensais em função do volume de negócios realizado e do número de contratos de venda celebrados — Direito ao pagamento de comissões durante as férias anuais»

1. 

As questões prejudiciais submetidas pelo Employment Tribunal, Leicester (Reino Unido), têm por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho ( 2 ), que tem a seguinte redação:

«Férias anuais

1.

Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.

O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho».

2. 

Estas questões são suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Z. Lock à sua entidade patronal, British Gas Trading Ltd e o. (a seguir «British Gas»), quanto à questão de saber como deve ser calculado o montante da remuneração a que esse trabalhador por conta de outrem tem direito durante as suas férias anuais remuneradas. Mais precisamente, a questão suscitada no presente processo é saber se, quando a remuneração auferida por um trabalhador é composta por uma parte fixa e por uma parte variável, esta última deve, ou não, fazer parte da remuneração a que o trabalhador tem direito durante as suas férias anuais remuneradas.

I — Matéria de facto do litígio no processo principal e questões prejudiciais

3.

Desde 2010 até ao presente, Z. Lock trabalha na British Gas como consultor interno de vendas de produtos de energia («Internal Energy Sales Consultant»). A sua função consiste em persuadir os clientes da empresa a adquirirem os produtos energéticos da British Gas.

4.

A sua remuneração é composta por dois elementos principais. O primeiro é constituído por uma remuneração de base, e o segundo, por comissões.

5.

As comissões, como a remuneração de base, são pagas mensalmente. O seu montante é variável, na medida em que as mesmas são calculadas com base nas vendas efetivamente efetuadas. Portanto, dependem, não do tempo de trabalho investido, mas do resultado desse trabalho, ou seja do número e tipo de novos contratos celebrados pela British Gas. As comissões não são pagas no momento em que foi efetuado o trabalho que gera as comissões, mas várias semanas ou meses depois da celebração do contrato de venda com a British Gas.

6.

Z. Lock gozou férias anuais remuneradas no período compreendido entre 19 de dezembro de 2011 e 3 de janeiro de 2012.

7.

Durante as férias anuais, a remuneração de Z. Lock compreendeu a sua remuneração de base e as comissões que tinha obtido nas semanas anteriores. No ano a que se refere o pedido de Z. Lock, este recebeu um montante mensal médio de comissões de 1 912,67‑ libras esterlinas (GBP). No mês em que gozou as férias anuais objeto do presente processo, recebeu um montante de comissões de 2350,31 GBP. Auferiu também a remuneração de base mensal, no montante de 1222,50 GBP ( 3 ).

8.

Como Z. Lock não trabalhou durante o período de férias anuais, não pôde efetuar novas vendas ou dar seguimento a potenciais vendas durante esse período. Por conseguinte, não pôde, no referido período, gerar comissões. Tendo esta circunstância repercussões desfavoráveis sobre o salário auferido por Z. Lock durante os meses seguintes às férias anuais, este decidiu intentar uma ação no Employment Tribunal tendo por objeto a remuneração de férias anuais («holiday pay») em dívida relativamente ao período compreendido entre 19 de dezembro de 2011 e 3 de janeiro de 2012.

9.

Face a este pedido, o Employment Tribunal, Leicester, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

No caso de:

a remuneração anual do trabalhador ser constituída pela remuneração de base e por comissões pagas ao abrigo de um direito contratual;

as comissões serem pagas com base nas vendas efetuadas e nos contratos celebrados pela entidade empregadora em consequência da atividade desenvolvida pelo trabalhador;

as comissões serem pagas com atraso e o montante das comissões recebidas num determinado período de referência variar em função do valor das vendas efetuadas e dos contratos celebrados e da data dessas vendas;

durante os períodos de férias anuais, o trabalhador não realizar qualquer atividade que lhe possa conferir o direito a essas comissões e, por conseguinte, não gerar comissões em relação a esses períodos;

durante o período de pagamento que inclui um período de férias anuais, o trabalhador ter direito a uma remuneração de base e continuar a receber o pagamento de comissões obtidas em datas anteriores; e

as suas receitas médias de comissões ao longo do ano serem inferiores às que poderia auferir se não gozasse férias, porque, durante o período de férias, não realiza nenhuma atividade que lhe confira o direito a comissão,

o artigo 7.o da Diretiva 93/104/CE [do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO L 307, p. 18)], conforme alterada pela Diretiva 2003/88[...], exige que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para que um trabalhador seja remunerado relativamente aos períodos de férias anuais tendo em conta as comissões que o trabalhador teria auferido durante esse[s] período[s], se não tivesse gozado férias, para além da sua remuneração de base?

2)

Quais são os princípios em que se baseia a resposta à primeira questão?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, quais são os eventuais princípios que deverão ser adotados pelos Estados‑Membros para efeitos do cálculo do montante que deve ser pago ao trabalhador com base na comissão que o trabalhador teria ou poderia ter auferido se não tivesse gozado férias anuais?»

10.

As dúvidas que o órgão jurisdicional de reenvio tem quanto à correta interpretação que deve ser dada ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88, no caso de uma remuneração constituída por uma parte fixa e por uma parte variável, parecem decorrer, em especial, do acórdão da Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) de 27 de novembro de 2002, Evans v Malley Organisation Ltd (t/a First Business Support) ( 4 ). Com efeito, numa situação análoga à que está em causa no presente processo, o trabalhador demandante alegou que a sua remuneração de férias anuais se devia ter baseado no seu rendimento médio, de modo a incluir a sua remuneração de base e as suas receitas médias de comissões. A Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) rejeitou o argumento do trabalhador. A Court sustentou que a remuneração deste não variava com a quantidade de trabalho efetuado e que, portanto, se aplicava a section 221(2) da Lei sobre os direitos do trabalho de 1996 (Employment Rights Act 1996) ( 5 ). Por conseguinte, esse órgão jurisdicional declarou que o trabalhador só tinha direito a receber a remuneração de base nos períodos em que gozava férias anuais remuneradas e, portanto, não tinha direito a receber, no referido período, um montante equivalente ao rendimento médio das suas comissões.

II — Análise

11.

Em primeiro lugar, responderei à questão principal, que é a de saber se, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a remuneração auferida pelo trabalhador é composta, por um lado, por um salário de base e, por outro, por comissões cujo montante é fixado com base nas vendas efetuadas e nos contratos celebrados pela entidade patronal em resultado da atividade pessoal desse trabalhador, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 impõe, ou não, que essas comissões sejam integradas no cálculo da remuneração que é devida ao referido trabalhador, durante as suas férias anuais remuneradas.

12.

Na minha opinião, a proteção efetiva do direito a férias anuais remuneradas implica que seja dada resposta afirmativa a esta questão.

13.

Recordo que, segundo jurisprudência constante, o direito a férias anuais remuneradas de cada trabalhador deve ser considerado um princípio do direito social da União que se reveste de particular importância, que não pode ser derrogado ( 6 ). Este direito está também expressamente consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 7 ).

14.

É pacífico que a finalidade do direito a férias anuais remuneradas é permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontração e de lazer ( 8 ).

15.

O pagamento das férias previsto artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 destina‑se a permitir que o trabalhador goze efetivamente as férias a que tem direito ( 9 ).

16.

Como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão Williams e o., já referido, a redação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não faculta uma indicação expressa no que respeita à remuneração à qual o trabalhador tem direito durante as suas férias anuais ( 10 ).

17.

Por conseguinte, compete ao Tribunal de Justiça, tendo em conta a importância do direito a férias anuais remuneradas e o objetivo do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, definir o que deve ser incluído no cálculo da remuneração a que os trabalhadores têm direito durante as suas férias anuais remuneradas.

18.

A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de especificar que a expressão «férias anuais remuneradas», que figura no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, significa que, no período das «férias anuais», na aceção dessa diretiva, a remuneração deve ser mantida e que, por outras palavras, o trabalhador deve receber a remuneração normal em relação a esse período de descanso ( 11 ).

19.

Com efeito, como o Tribunal de Justiça indicou, a Diretiva 2003/88 trata do direito a férias anuais e do direito a um pagamento baseado nessas férias como dois componentes de um direito único. O objetivo da exigência de pagamento dessas férias é colocar o trabalhador, no momento das mesmas, numa situação que, quanto ao salário, seja comparável aos períodos de trabalho ( 12 ).

20.

Assim, o Tribunal de Justiça concluiu do que precede que a remuneração paga a título de férias anuais deve, em princípio, ser calculada de forma a corresponder à remuneração normal auferida pelo trabalhador. Na sua opinião, daqui decorre também, que uma compensação financeira, cujo montante permite simplesmente excluir qualquer risco significativo de o trabalhador não gozar as suas férias, não é suficiente para satisfazer as exigências do direito da União ( 13 ).

21.

Segundo o Tribunal de Justiça, quando a remuneração auferida pelo trabalhador se compõe de vários elementos, a determinação desta remuneração normal e, portanto, do montante ao qual este trabalhador tem direito durante as suas férias anuais exige uma análise específica ( 14 ).

22.

A situação com que o Tribunal de Justiça se confrontou no processo que deu origem ao acórdão Williams e o., já referido, era a de pilotos de linha que auferiam uma remuneração constituída por uma quantia anual fixa e por prémios variáveis em função do tempo de voo e do tempo passado fora da base.

23.

A análise desta situação permitiu ao Tribunal de Justiça definir vários critérios que permitem, conforme o caso, incluir ou excluir determinados elementos da remuneração a que um trabalhador tem direito durante as férias anuais remuneradas.

24.

A regra geral estabelecida pelo Tribunal de Justiça a respeito de remunerações que contêm vários componentes é a de que, embora a composição da remuneração normal de um trabalhador esteja subordinada, enquanto tal, às disposições e às práticas reguladas pelo direito dos Estados‑Membros, não pode ter um impacto no direito do trabalhador de gozar, durante o seu período de repouso e de lazer, de condições económicas comparáveis àquelas de que dispõe durante o exercício do seu trabalho ( 15 ).

25.

Aplicando esta regra geral, o Tribunal de Justiça considerou que qualquer perturbação intrinsecamente relacionada com a execução das tarefas que incumbem ao trabalhador nos termos do seu contrato de trabalho e compensada por um montante pecuniário que entre no cálculo da remuneração global do trabalhador, como, no caso dos pilotos de linha, o tempo passado em voo, deve necessariamente fazer parte do montante ao qual o trabalhador tem direito durante as suas férias anuais ( 16 ).

26.

Em contrapartida, segundo o Tribunal de Justiça, os elementos da remuneração global do trabalhador que visem exclusivamente cobrir custos ocasionais ou acessórios e que decorram da execução das tarefas que incumbem ao trabalhador nos termos do seu contrato de trabalho, como as despesas ligadas ao tempo que os pilotos são obrigados a passar fora da base, não devem ser tomados em consideração no cálculo do montante a pagar durante as férias anuais ( 17 ).

27.

Portanto, a existência de uma ligação intrínseca dos diversos elementos que fazem parte da remuneração global do trabalhador com a execução das tarefas que lhe incumbem nos termos do seu contrato de trabalho parece ser, portanto, um critério determinante para incluir esses diversos elementos na remuneração que é devida ao trabalhador durante as suas férias anuais remuneradas. Por conseguinte, os diversos prémios cujo pagamento o trabalhador pode reclamar, durante as suas férias anuais remuneradas, devem, não apenas estar diretamente ligados à execução das tarefas que incumbem ao trabalhador nos termos do seu contrato de trabalho, mas também revestir um certo grau de permanência.

28.

Segundo o Tribunal de Justiça, esta apreciação da existência de uma ligação intrínseca dos diversos elementos que fazem parte da remuneração global do trabalhador com a execução das tarefas que lhe incumbem nos termos do seu contrato de trabalho deve ser feita com base numa média apurada durante um período de referência julgado representativo e à luz do princípio desenvolvido pela jurisprudência já referida, segundo o qual a Diretiva 2003/88 trata do direito a férias anuais e do direito a um pagamento baseado nessas férias como dois componentes de um direito único ( 18 ).

29.

A este critério da ligação intrínseca, o Tribunal de Justiça acrescentou um outro critério, fazendo referência à sua jurisprudência relativa à remuneração das trabalhadoras grávidas colocadas temporariamente noutro posto de trabalho durante a sua gravidez ou dispensadas do trabalho ( 19 ). Assim, todos os elementos da remuneração que estejam relacionados com o estatuto pessoal e profissional do trabalhador devem ser mantidos durante as férias anuais remuneradas desse trabalhador ( 20 ). Pode tratar‑se, a título de exemplo, de prémios relacionados com a sua qualidade de superior hierárquico, com a sua antiguidade e com as suas qualificações profissionais.

30.

Tendo em conta esta jurisprudência e a tendência que se infere dos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça até ao presente, considero que comissões, como as de que Z. Lock beneficia em função dos contratos de venda que são celebrados pela British Gas como resultado do trabalho que o mesmo efetuou pessoalmente, devem ser integradas na remuneração a que esse trabalhador tem direito durante as suas férias anuais remuneradas.

31.

Com efeito, as comissões em causa estão diretamente ligadas com o desempenho habitual das tarefas que incumbem a Z. Lock nos termos do seu contrato de trabalho. Além disso, essas comissões constituem efetivamente a remuneração de um trabalho efetuado pessoalmente por Z. Lock. Por conseguinte, estas comissões estão diretamente relacionadas com a atividade pessoal deste trabalhador no âmbito da sua empresa.

32.

Além disso, embora o seu montante possa variar consoante os meses, em função dos resultados obtidos por Z. Lock, tais comissões apresentam, no entanto, um caráter de permanência que permite considerar que fazem parte da remuneração normal desse trabalhador. Dito de outra forma, constituem um elemento constante da sua remuneração. Com efeito, um consultor que desempenhe de forma satisfatória as suas funções na British Gas auferirá mensalmente uma comissão que é acrescida ao seu salário de base.

33.

Por conseguinte, na minha opinião, existe efetivamente uma ligação intrínseca entre as comissões auferidas mensalmente por um trabalhador como Z. Lock e a execução das tarefas que lhe incumbem por força do seu contrato de trabalho. Esta ligação é tanto mais evidente quanto o montante das comissões é, por definição, calculado de forma proporcional aos resultados obtidos por esse trabalhador em termos de contratos celebrados pela British Gas.

34.

Em meu entender, o facto de as comissões não serem tomadas em consideração, na remuneração que é devida ao trabalhador a título de férias anuais remuneradas, é suscetível de o dissuadir de exercer o seu direito a essas férias, o que é contrário ao objetivo do artigo 7.o da Diretiva 2003/88. Este efeito dissuasor é ainda mais provável numa situação como a que está em causa no processo principal, em que as comissões representam, em média, mais de 60% da remuneração auferida por Z. Lock.

35.

Aceitar tal solução teria como efeito que um trabalhador como Z. Lock, dissuadido de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas e, portanto, continuando a trabalhar, beneficiaria, de facto, de uma retribuição financeira em substituição de um período mínimo de férias anuais remuneradas, o que é expressamente proibido pelo direito da União. Com efeito, por força do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho ( 21 ).

36.

A British Gas, a fim de se opor a que comissões como as que Z. Lock aufere habitualmente sejam integradas na remuneração que lhe é devida durante as suas férias anuais remuneradas, contesta que o facto de estas comissões não serem tomadas em consideração tenha por efeito dissuadir esse trabalhador de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. Alega, com efeito, que, durante o período de férias anuais, Z. Lock continua a auferir uma remuneração composta por uma parte fixa e por uma parte variável, uma vez que o pagamento de comissões sobre vendas realizadas anteriormente poderá coincidir com o período de férias anuais remuneradas. Por conseguinte, na medida em que, durante esse período, beneficia efetivamente da sua remuneração normal, um trabalhador como Z. Lock não é dissuadido de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

37.

Esta argumentação assenta num artifício. É certo que, aparentemente, um trabalhador como Z. Lock poderá usufruir da sua remuneração normal durante as suas férias. Contudo, esta observação em nada elimina o efeito dissuasor que resulta da ausência de pagamento de comissões relativas ao período durante o qual esse trabalhador exerce o seu direito a férias anuais remuneradas.

38.

Com efeito, o sistema de comissões aplicado pela British Gas implica que exista necessariamente um desfasamento entre o facto gerador — as vendas efetuadas, os contratos celebrados — e o momento em que a comissão é paga. É este desfasamento que explica que um trabalhador possa auferir a parte variável da sua remuneração durante as suas férias anuais remuneradas. No entanto, em tal situação, essa parte variável da sua remuneração é paga, não pelas férias, mas apenas como consequência de contratos celebrados anteriormente. Esta falta de pagamento da parte variável da remuneração do trabalhador, relativa ao período de férias anuais, terá repercussões negativas sobre o montante da remuneração que esse trabalhador auferirá nos meses que se seguem às férias. Um trabalhador como Z. Lock encontrar‑se‑á, assim, em consequência do gozo de férias anuais, numa situação mais desfavorável do que se tivesse trabalhado. O exercício do seu direito a férias anuais remuneradas implica para o mesmo uma desvantagem financeira, diferida, mas real.

39.

Na ausência de um sistema que permita manter a parte variável da remuneração num determinado nível relativamente ao período de férias anuais remuneradas, é bem possível, pois, que esse trabalhador seja dissuadido de exercer o seu direito a essas férias, devido à redução de rendimentos posteriores que pode resultar da sua inatividade.

40.

Na audiência, a British Gas insistiu no facto de, por um lado, ser atribuído a cada trabalhador um objetivo de rendimento anual em função das vendas previstas e de, por outro, a percentagem das comissões pagas aos trabalhadores pelas vendas efetuadas já ter em conta o facto de os mesmos não poderem gerar quaisquer comissões durante as suas férias anuais remuneradas.

41.

Estes dois argumentos não são suscetíveis de pôr em causa a necessidade de integrar as comissões no cálculo da remuneração que é devida a um trabalhador como Z. Lock a título de férias anuais remuneradas.

42.

Com efeito, por um lado, a fixação de um objetivo de rendimento anual em função do desempenho de um trabalhador, que é habitual no setor comercial, não equivale à fixação, antecipada, de um prémio num montante fixo de que cada trabalhador beneficiaria independentemente das vendas que efetua. É, portanto, despropositado, no âmbito do presente processo, pretender que o Tribunal de Justiça examine a necessidade, ou não, de tomar em consideração este tipo de prémios no quadro da remuneração a que um trabalhador como Z. Lock tem direito a receber pelas suas férias anuais remuneradas.

43.

Por outro lado, no que diz respeito ao segundo argumento invocado pela British Gas, que se baseia na alegação de que a British Gas teria antecipadamente em conta os períodos de férias anuais remuneradas para determinar a percentagem das comissões, observo, antes de mais, que, na minha opinião, os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe não permitem estabelecer que um trabalhador como Z. Lock beneficiou de uma majoração da percentagem das comissões destinada a assegurar o pagamento das suas férias anuais.

44.

Em seguida, e em todo o caso, duvido que esse sistema seja conforme com o que o Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão Robinson‑Steele e o., já referido. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça pôs em causa uma prática que consistia em as entidades patronais incorporarem o pagamento das férias anuais na remuneração horária ou diária dos trabalhadores (prática denominada «rolled‑up holiday pay»). Mais precisamente, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.o da Diretiva 93/104 se opõe a que o pagamento do período mínimo de férias anuais na aceção dessa disposição seja objeto de prestações ao longo do período anual de trabalho correspondente e pago juntamente com a remuneração correspondente ao trabalho prestado e não de um pagamento correspondente a um período determinado em que o trabalhador goze efetivamente férias ( 22 ). Esta solução baseia‑se na regra, anteriormente recordada, segundo a qual o período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho. Segundo o Tribunal de Justiça, a razão de ser desta proibição é garantir que o trabalhador possa normalmente beneficiar de um descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde ( 23 ). Dito de outra forma, essa proibição visa garantir o gozo efetivo, pelos trabalhadores, das suas férias anuais remuneradas.

45.

Tendo em conta esta jurisprudência, e mesmo que a afirmação feita pela British Gas quanto a este ponto possa ser verificada, um regime que consistisse em integrar o pagamento das férias anuais na percentagem das comissões pagas aos trabalhadores, na medida em que implica o risco de conduzir a situações em que os trabalhadores são incitados a não gozar férias a fim de aumentarem a sua remuneração, seria, na minha opinião, incompatível com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88, dado que este artigo visa garantir aos trabalhadores um direito ao descanso efetivo.

46.

Por todas estas razões, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao órgão jurisdicional de reenvio que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a remuneração auferida por um trabalhador é composta, por um lado, por um salário de base e, por outro, por comissões cujo montante é fixado em função das vendas efetuadas e dos contratos celebrados pela entidade patronal como resultado da atividade pessoal desse trabalhador, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 impõe que essas comissões sejam integradas no cálculo da remuneração que é devida ao referido trabalhador relativamente ao seu período de férias anuais remuneradas.

47.

Tendo em conta a resposta que, deste modo, proponho que o Tribunal de Justiça dê à questão principal submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve ser examinada a última questão submetida pelo mesmo, que, no essencial, diz respeito ao método e às regras que deveriam permitir integrar as comissões no cálculo da remuneração de que deve beneficiar um trabalhador como Z. Lock durante as suas férias anuais remuneradas.

48.

Na minha opinião, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o método e as regras adequados para atingir o objetivo fixado no artigo 7.o da Diretiva 2003/88, por um lado, interpretando o seu direito nacional ( 24 ) de maneira conforme com esse objetivo, e, por outro, inspirando‑se em elementos extraídos da prática ou de situações comparáveis. Independentemente de quais venham a ser as modalidades precisas adotadas, indico apenas que considero uma solução adequada tomar em consideração o montante médio das comissões auferidas pelo trabalhador durante um período representativo, por exemplo, doze meses ( 25 ).

III — Conclusão

49.

Em face do exposto, proponho que seja dada resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Employment Tribunal, Leicester, do seguinte modo:

«Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a remuneração auferida por um trabalhador é composta, por um lado, por um salário de base e, por outro, por comissões cujo montante é fixado em função das vendas efetuadas e dos contratos celebrados pela entidade patronal como resultado da atividade pessoal desse trabalhador, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, impõe que essas comissões sejam integradas no cálculo da remuneração que é devida ao referido trabalhador relativamente ao seu período de férias anuais remuneradas.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar o seu direito nacional de forma a atingir o objetivo prosseguido pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 299, p. 9.

( 3 ) Resulta destes elementos que as comissões constituem mais de 60% da remuneração total de Z. Lock.

( 4 ) [2002] EWCA Civ 1834.

( 5 ) Esta disposição prevê que, «[s]em prejuízo da section 222, se a remuneração do trabalhador em relação a uma atividade exercida durante o horário normal de trabalho (independentemente de a remuneração ser à hora, à semana ou outro período) não variar com a quantidade de trabalho efetuada no período, o montante da remuneração semanal é o montante que deve ser pago pela entidade empregadora por força do contrato de trabalho em vigor na data do cálculo se o trabalhador trabalhar durante o horário normal numa semana».

( 6 ) V., nomeadamente, acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, n.o 16).

( 7 ) V., nomeadamente, acórdão de 15 de setembro de 2011, Williams e o. (C-155/10, Colet., p. I-8409, n.o 18).

( 8 ) V., nomeadamente, acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C-350/06 e C-520/06, Colet., p. I-179, n.o 25).

( 9 ) Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o. (C-131/04 e C-257/04, Colet., p. I-2531, n.o 49).

( 10 ) Acórdão Williams e o., já referido, n.o 17.

( 11 ) Ibidem, n.o 19 e jurisprudência aí referida.

( 12 ) Ibidem, n.o 20 e jurisprudência aí referida.

( 13 ) Ibidem, n.o 21.

( 14 ) Ibidem, n.o 22.

( 15 ) Ibidem, n.o 23.

( 16 ) Ibidem, n.o 24.

( 17 ) Ibidem, n.o 25.

( 18 ) Ibidem, n.o 26.

( 19 ) V., respetivamente, acórdãos de 1 de julho de 2010, Parviainen (C-471/08, Colet., p. I-6533), e Gassmayr (C-194/08, Colet., p. I-6281).

( 20 ) Acórdão Williams e o., já referido, n.o 28.

( 21 ) V., nomeadamente, acórdão Robinson‑Steele e o., já referido, n.os 60 e 61.

( 22 ) Acórdão Robinson‑Steele e o., já referido, n.o 63.

( 23 ) Ibidem, n.o 60.

( 24 ) Trata‑se, principalmente, da Regulation 16 do Regulamento sobre o Tempo de Trabalho de 1998 (Working Time Regulations 1998), que, no seu paragraph 2, remete para as sections 221 a 224 da Lei sobre os direitos do trabalho de 1996, para efeitos da determinação do montante da remuneração semanal.

( 25 ) A este respeito, saliento que, no esquema de comissões («Commissions Scheme») que fixa os princípios e o regime de pagamento de comissões no seio da British Gas, está previsto que, quando um assessor de vendas se ausenta em licença de maternidade, em licença de paternidade ou em licença por adoção, beneficia, em determinados períodos, de um montante de comissões que é calculado com base numa média de todas as comissões ganhas durante os doze meses anteriores ao início da licença.