CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 28 de novembro de 2013 ( 1 )

Processos apensos C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12

Thomas Specht (C‑501/12), Jens Schombera (C‑502/12), Alexander Wieland (C‑503/12), Uwe Schönefeld (C‑504/12), Antje Wilke (C‑505/12),Gerd Schini (C‑506/12)

contra

Land Berlin

e

Rena Schmeel (C‑540/12), Ralf Schuster (C‑541/12)

contra

República Federal da Alemanha

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Verwaltungsgericht Berlin (Alemanha)]

«Política social — Discriminações ligadas à idade dos trabalhadores — Regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que o salário de base dos funcionários seja determinado em função da idade do funcionário»

1. 

Os presentes reenvios prejudiciais têm por quadro jurídico a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional ( 2 ).

2. 

Mais concretamente, as questões colocadas pelo Verwaltungsgericht Berlin (Alemanha) exigem que o Tribunal de Justiça se debruce, sucessivamente, sobre a validade do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78, bem como sobre a aplicação desta disposição às condições de remuneração dos funcionários, depois, sobre a compatibilidade das disposições nacionais em causa com o princípio da não discriminação em razão da idade, tal como expresso no artigo 2.o da referida diretiva. Seguidamente, o Tribunal de Justiça deverá determinar quais são as consequências jurídicas resultantes de uma eventual violação desse princípio. Por fim, o Tribunal de Justiça deverá examinar se uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, a qual prevê a obrigação de o funcionário reclamar, antes do fim do exercício orçamental em curso, um direito a prestações pecuniárias que não decorrem diretamente da lei, respeita o direito a um recurso efetivo.

I – Quadro jurídico

A – O direito da União

3.

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2000/78, esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

4.

O artigo 2.o da diretiva estabelece o seguinte:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)

essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários […]»

5.

O artigo 3.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva prevê que a mesma é aplicável, dentro dos limites das competências atribuídas à União Europeia, a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito às condições de emprego e de trabalho, incluindo, nomeadamente, as condições de remuneração.

6.

O artigo 6.o da Diretiva 2004/78 estabelece o seguinte:

«1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

a)

O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua proteção;

b)

A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;

[...]»

7.

Nos termos do artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2000/78, os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento.

B – Direito alemão

1. Regulamentação aplicável à remuneração dos funcionários do Land Berlin

a) Lei federal relativa às remunerações dos funcionários em vigor até ao mês de junho de 2011

8.

Até 30 de junho de 2011, os artigos 27.° e seguintes da lei federal relativa às remunerações dos funcionários (Bundesbesoldungsgesetz, a seguir «antiga versão da BBesG»), na redação em vigor em 31 de agosto de 2006, constituíam o fundamento jurídico do sistema de remuneração dos funcionários do Land Berlin.

9.

Na antiga versão da BBesG, era a idade de referência, determinada em função da idade real do funcionário que constituía o critério de referência para a classificação inicial num escalão e o ponto de partida para a progressão nos escalões remuneratórios do regime de remuneração.

10.

Assim, o artigo 27.o da antiga versão da BBesG prevê que, salvo disposições contrárias nos regimes de remuneração, o vencimento de base é calculado por escalões. A progressão nos escalões é determinada em função da idade de referência e do mérito do funcionário. O funcionário ou o militar recebe, pelo menos, o vencimento de base inicial do grau em que foi nomeado. Ainda segundo a mesma disposição, o vencimento de base aumenta a cada dois anos até ao quinto escalão e, depois disso, a cada três anos até ao nono escalão e, a partir daí, a cada quatro anos. A referida disposição prevê igualmente que os funcionários e militares abrangidos pelo regime de remuneração A que se destaquem por um nível de desempenho contínuo e duradouro podem receber antecipadamente o vencimento de base correspondente ao escalão imediatamente superior (escalão de mérito). O número de escalões de mérito atribuídos durante um ano civil pela mesma entidade empregadora não pode exceder 15% do número de funcionários e militares abrangidos pelo regime de remuneração A que ainda não atingiram o vencimento de base final. Se se constatar que o nível de desempenho do funcionário ou do militar não corresponde às exigências médias do cargo ocupado, permanecerá no mesmo escalão até que o seu nível de desempenho justifique uma progressão para o escalão imediatamente superior.

11.

Segundo o artigo 28.o da antiga versão da BBesG, a idade de referência é calculada a partir do primeiro dia do mês em que o funcionário ou militar completou vinte e um anos.

12.

Este ponto de partida para o cálculo da idade de referência é atrasada para ter em conta os períodos posteriores à data em que completou 31 anos e durante os quais não existiu direito a remuneração como funcionário ou militar, nomeadamente em um quarto do período até completar 35 anos e, depois disso, em metade do período. São equiparadas a uma remuneração como funcionário ou militar as remunerações recebidas pelo exercício de uma atividade profissional a título principal ao serviço de um empregador de direito público, de comunidades culturais de direito público ou dos seus agrupamentos, bem como de qualquer outro empregador que aplique as convenções coletivas em vigor no setor público ou convenções coletivas de conteúdo praticamente semelhante e que tenha uma participação significativa do Estado ou de outras entidades públicas, seja através do pagamento de contribuições ou subvenções ou de qualquer outra forma.

13.

Com a segunda lei que altera o estatuto da função pública («Zweites Dienstrechtsänderungsgesetz»), de 21 de junho de 2011, o Land Berlin integrou as disposições pertinentes da antiga versão da BBesG no direito do Land Berlin sob a forma da Lei que institui um regime transitório das remunerações aplicáveis a Berlim (Bundesbesoldungsgesetz in der Überleitungsfassung für Berlin, a seguir «antiga versão da BBesG Bln»).

b) Lei federal sobre as remunerações dos funcionários, em vigor a partir de 1 de agosto de 2011

14.

Através da lei relativa à reforma das remunerações dos funcionários do Land Berlin (Gesetz zur Besoldungsneuregelung für das Land Berlin — Berliner Besoldungsneuregelungsgesetz, a seguir «BerlBesNG»), de 29 de junho de 2011, o Land Berlin alterou a antiga versão da BBesG Bln. Doravante, aplicam‑se regulamentações diferentes aos funcionários do Land Berlin, consoante estes tenham iniciado funções a partir de 1 de agosto de 2011 (a seguir «novos funcionários») ou já exercessem funções em 31 de julho de 2011 (a seguir «antigos funcionários»). O artigo 1.o, n.o 1, da BerlBesNG alterou a antiga versão da BBesG Bln com efeitos a partir de 1 de agosto de 2011. Aos novos funcionários aplica‑se, portanto, a versão assim alterada da lei federal sobre as remunerações (a seguir «nova versão da BBesG Bln»).

i) A regulamentação aplicável aos novos funcionários

15.

A classificação inicial dos novos funcionários num escalão (de experiência) e a posterior progressão da remuneração, escalão a escalão, no regime de remuneração A já não é determinada pela idade de referência fixada com base na idade do funcionário, mas sim pela duração dos períodos de serviço cumpridos conforme as exigências de experiência requeridas.

16.

Assim, o artigo 27.o da nova versão da BBesG Bln prevê que, salvo disposição em contrário nos regimes de remuneração, o vencimento de base é calculado por escalões (escalões de experiência). A progressão para o escalão imediatamente superior depende da experiência adquirida. Segundo este artigo, aquando da primeira nomeação para um emprego que dá direito a receber uma remuneração abrangida pelo âmbito de aplicação da nova versão da BBesG Bln, é fixado um vencimento de base correspondente ao escalão 1, sem prejuízo do reconhecimento de períodos anteriores, em aplicação do artigo 28.o, n.o 1, da mesma lei. O artigo 27.o, n.o 3, da nova versão da BBesG Bln estabelece que o vencimento de base aumenta após dois anos de experiência no escalão 1, após três anos de experiência, respetivamente, nos escalões 2 a 4, e após quatro anos de experiência, respetivamente, nos escalões 5 a 7. Os períodos durante os quais não existiu direito a remuneração enquanto funcionário atrasam, na proporção da respetiva duração, a progressão do funcionário, sem prejuízo do disposto no artigo 28.o, n.o 2, da nova versão da BBesG Bl.

17.

Segundo o artigo 27.o, n.o 4, da nova versão da BBesG Bln, os funcionários abrangidos pelos regimes de remuneração A que se destaquem por um nível de desempenho contínuo e duradouro podem receber antecipadamente o vencimento de base correspondente ao escalão de experiência imediatamente superior (escalão de mérito). O número de escalões de mérito atribuídos durante um ano civil pela mesma entidade empregadora não pode exceder 15% do número de funcionários e militares abrangidos pelos regimes de remuneração A que ainda não atingiram o vencimento de base final. Se se constatar que o nível de desempenho do funcionário ou do militar não corresponde às exigências médias do cargo ocupado, este permanecerá no mesmo escalão de experiência até que o seu nível de desempenho justifique uma progressão para o escalão imediatamente superior.

18.

O artigo 28.o, n.o 1, da nova versão da BBesG Bln prevê que, aquando da fixação do escalão inicial, são reconhecidos ao funcionário, em aplicação do artigo 27.o, n.o 2, da lei, os períodos correspondentes ao exercício, a título principal, de uma atividade profissional equivalente ao serviço de um empregador de direito público, de comunidades culturais de direito público ou dos seus agrupamentos, desde que essa atividade profissional não constitua uma condição para a admissão à carreira em questão. São igualmente reconhecidos os períodos que devem ser compensados ao abrigo da lei sobre a proteção do emprego em caso de prestação de serviço militar ou civil obrigatório (Arbeitsplatzschutzgesetz), quando a ingressão na função pública foi atrasada devido ao cumprimento obrigatório do serviço militar ou civil.

ii) Regulamentação aplicável aos antigos funcionários

19.

O artigo 2.o, n.o 1, da BerlBesNG criou uma regra derrogatória para os antigos funcionários. Trata‑se da Lei de Berlim que define as modalidades da reclassificação dos funcionários no novo sistema (Berliner Besoldungsüberleitungsgesetz, a seguir «BerlBesÜG»), de 29 de junho de 2011.

20.

Segundo o artigo 2.o, n.o 1, da BerlBesÜG, em 1 de agosto de 2011, os funcionários são classificados, segundo as modalidades definidas nos números seguintes, nos escalões ou nos escalões transitórios previstos no anexo 3 da BerlBesNG em função do cargo ocupado em 31 de julho de 2011 e do vencimento de base a que teriam direito em 1 de agosto de 2011 em aplicação da lei relativa à adaptação das remunerações e das pensões de reforma dos funcionários 2010/2011 para Berlim, de 8 de julho de 2010. De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, da BerlBesÜG, o funcionário é classificado no escalão ou no escalão transitório que corresponde ao montante do vencimento de base arredondado à unidade superior.

21.

O artigo 3.o, n.o 1, da BerBesÜG estabelece que a classificação num escalão conforme previsto no anexo 3 da BerBesNG constitui o ponto de partida para o cálculo do tempo de experiência exigido para a progressão, em aplicação do artigo 27.o, n.o 3, da nova versão da BBesG Bln.

22.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que o legislador justificou esta reforma, alegando que o antigo sistema de remuneração era cada vez mais contestado devido à proibição das discriminações em razão da idade previstas na Diretiva 2000/78, sobretudo depois da jurisprudência recente relativa aos agentes contratuais.

23.

No que diz respeito aos funcionários propriamente ditos, o legislador constatou que, embora por enquanto apenas haja decisões emanadas de tribunais de primeira instância que não concluíram pela existência de uma discriminação baseada na idade, já vai sendo tempo de optar por um sistema baseado na experiência, pois não é de excluir a hipótese de os tribunais de instância superior e o Tribunal de Justiça da União Europeia apreciarem esta questão de maneira diferente o que, se assim for, poderá implicar custos suplementares anuais estimados em 109 milhões de euros. Por isso, o vencimento de base e a progressão posterior devem deixar de ser determinados com base na idade de referência calculada em função da idade real do funcionário, devendo antes preferir‑se um critério baseado na duração dos períodos de serviço cumpridos conforme as exigências requeridas. O legislador acrescenta que a dita reforma tem em conta a Diretiva 2000/78. Em seu entender, o objetivo do novo sistema é igualmente não levar a uma redução nem um aumento do rendimento dos funcionários. Numa primeira fase, a nova tabela de remunerações foi, por isso, concebida «a custo constante», desviando‑se, no máximo, em mais ou menos 1% do rendimento hipotético que o funcionário iria auferir aos 65 anos, sem promoções, no grau correspondente. A disposição derrogatória prevista para os antigos funcionários também foi inspirada na preocupação de salvaguardar os direitos adquiridos dos funcionários.

2. A regulamentação aplicável aos funcionários federais

24.

Até 30 de junho de 2009, os artigos 27.° e seguintes da antiga versão da BBesG, na redação em vigor em 6 de agosto de 2002, constituíam o fundamento jurídico do sistema de remuneração dos funcionários federais. Estas disposições eram idênticas às acima referidas da antiga versão da BBesG, na redação em vigor em 31 de agosto de 2006.

25.

A lei relativa à reforma e modernização do direito federal da função pública (Gesetz zur Neuordnung und Modernisierung des Bundesdienstrechts), de 5 de fevereiro de 2009, modificou o sistema de cálculo das remunerações dos funcionários federais, baseado na idade de referência. Assim, a contar de 1 de julho de 2009, nos termos dos artigos 27.° e seguintes da nova versão da BBesG, na redação em vigor em 5 de fevereiro de 2009, esse sistema baseia‑se nos escalões ditos de «experiência», fixados, eles próprios, em função dos períodos de serviço cumpridos conforme as exigências requeridas.

II – Matéria de facto no processo principal

26.

A matéria de facto no processo principal pode resumir‑se como se segue: Thomas Specht (processo C‑501/12), Jens Schombera (processo C‑502/12), Alexander Wieland (processo C‑503/12), Uwe Schönefeld (processo C‑504/12), Antje Wilke (processo C‑505/12) e Gerd Schini (processo C‑506/12), por um lado, bem como Rena Schmeel (processo C‑540/12) e Ralf Schuster (processo C‑541/12), por outro lado (a seguir, conjuntamente, «demandantes»), foram nomeados, respetivamente, funcionários do Land Berlin e funcionários da República Federal da Alemanha.

27.

Os demandantes no processo principal foram inicialmente classificados no sistema de remunerações em conformidade com a antiga versão da BBesG, designadamente em função da respetiva idade de referência em que foram colocados à data da sua nomeação.

28.

Os demandantes no processo principal contestam o cálculo das suas remunerações e afirmam perante o órgão jurisdicional de reenvio, que foram vítimas de uma discriminação em razão da idade.

29.

Nos processos C‑502/12 e C‑506/12, Jens Schombera e Gerd Schini reclamam o pagamento de retroativos correspondentes à diferença entre a remuneração que teriam recebido se tivessem sido classificados no escalão mais elevado e aquela que receberam efetivamente durante todo o período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 1 de agosto de 2011, data em que foi adotado o novo sistema de remuneração baseado na experiência.

30.

Nos processos C‑501/12, C‑503/12 e C‑505/12, Thomas Specht e Alexander Wieland, bem como Antje Wilke reclamam, respetivamente, o pagamento da remuneração correspondente ao escalão máximo, relativamente ao período compreendido entre o mês de setembro de 2006 e 31 de julho de 2011 (processo C‑501/12) bem como, para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de julho de 2011 (processos C‑503/12 e C‑505/12). Para o período posterior a 31 de julho de 2011, data em que foi adotado o novo sistema de remuneração, pretendem receber uma remuneração correspondente à que teriam recebido se a reclassificação salarial ao abrigo da BerBesÜG tivesse sido efetuada com base no escalão mais elevado do seu antigo grau salarial.

31.

No processo C‑504/12, Uwe Schönefeld contesta as modalidades da sua classificação no novo sistema de remuneração e reclama o pagamento de retroativos correspondentes à diferença entre a remuneração que recebeu efetivamente e aquela que, em seu entender, deveria ter recebido a partir de 1 de agosto de 2011.

32.

Por fim, nos processos C‑540/12 e C‑541/12, Rena Schmeel e Ralf Schuster contestam o cálculo da sua remuneração e reclamam o pagamento de retroativos correspondentes à diferença entre a remuneração que teriam recebido se tivessem sido classificados no escalão mais elevado e aquela que receberam efetivamente durante o período compreendido entre o mês de janeiro de 2008 e o mês de julho de 2009, date em que foi adotado o novo sistema de remuneração.

III – Questões prejudiciais

33.

As questões apresentadas nos processos C‑501/12, C‑503/12 e C‑505/12 são idênticas. As questões colocadas nos processos C‑502/12 e C‑506/12 são idênticas à primeira a quinta questões submetidas nos processos C‑501/12, C‑503/12 e C‑505/12. As primeira a sexta questões submetidas no processo C‑504/12 correspondem à primeira a terceira questões, bem como sexta a oitava dos processos C‑501/12, C‑503/12 e C‑505/12. Por último, as questões submetidas nos processos C‑540/12 e C‑541/12 também são idênticas às primeira a quinta questões submetidas nos processos C‑501/12, C‑503/12 e C‑505/12, com a única diferença de que fazem referência à remuneração dos funcionários federais e não à remuneração dos funcionários do Land Berlin.

34.

Passo a transcrever as questões dos processos C‑501/12, C‑503/12 e C‑505/12, que retomam o conjunto das questões colocadas nos processos ora submetidos.

35.

O Verwaltungsgericht Berlin decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O direito [da União] primário e/ou derivado e, em especial, a Diretiva 2000/78/[...], devem ser interpretados no sentido de que a proibição ampla de discriminação em razão da idade não justificada abrange as disposições nacionais aplicáveis à remuneração dos funcionários do Land?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: resulta da interpretação deste direito [da União] primário e/ou derivado que uma disposição nacional segundo a qual a fixação do vencimento de base de um funcionário público no momento da sua admissão depende da sua idade e os aumentos subsequentes dependem fundamentalmente da antiguidade, constitui uma discriminação direta ou indireta em razão da idade?

3)

Caso a segunda questão também obtenha uma resposta afirmativa: a interpretação deste direito [da União] primário e/ou derivado opõe‑se à justificação da referida disposição nacional, que consiste em premiar a experiência profissional?

4)

Caso a terceira questão também obtenha uma resposta afirmativa: enquanto não tiver sido implementado um regime de remunerações isento de discriminação, a interpretação do direito [da União] primário e/ou derivado admite uma consequência jurídica que não seja a de pagar aos trabalhadores discriminados, com efeitos retroativos, a remuneração correspondente ao nível mais elevado do seu escalão?

Nesse caso, a consequência jurídica da violação da proibição de discriminação baseia‑se no direito [da União] primário e/ou derivado, in casu a própria Diretiva 2000/78[...], ou um eventual direito pode apenas basear‑se na transposição deficiente das disposições do direito [da União], nos termos da responsabilidade dos Estados‑Membros prevista no direito da União?

5)

A interpretação do direito [da União] primário e/ou derivado opõe‑se a uma disposição nacional que faça depender o direito a receber a posteriori os salários devidos ou a receber uma indemnização da condição de os funcionários terem reclamado em tempo útil?

6)

Caso as questões 1 a 3 obtenham uma resposta afirmativa: resulta da interpretação do direito [da União] primário e/ou derivado que uma lei de transição mediante a qual os funcionários antigos são colocados num novo escalão do novo regime de remuneração com base na sua remuneração anterior fixada com base nas normas anteriores (discriminatórias) aplicáveis às remunerações e segundo a qual a subsequente progressão para os escalões seguintes é determinada, independentemente do período absoluto de experiência do funcionário, apenas em função da antiguidade adquirida após a entrada em vigor da lei de transição, constitui uma perpetuação da discriminação em razão da idade que se mantém até ser alcançado o escalão mais elevado de remuneração?

7)

Em caso de resposta afirmativa à sexta questão: a interpretação do direito [da União] primário e/ou derivado opõe‑se à justificação deste tratamento desfavorável que se mantém por tempo ilimitado, pelo objetivo legislativo segundo o qual a lei de transição não se destina (apenas) a proteger os direitos adquiridos à data da transição, mas (também) a proteger a expetativa dos rendimentos que era previsto receber em cada grau de remuneração nos termos do regime de remunerações anterior?

A continuação da discriminação dos funcionários antigos justifica‑se pelo facto de a solução alternativa (classificação dos funcionários antigos de acordo com a sua antiguidade) envolver custos administrativos mais elevados?

8)

Caso seja recusada a justificação invocada na questão 7: enquanto não tiver sido implementado um regime de remunerações isento de discriminação aplicável também aos funcionários antigos, a interpretação do direito [da União] primário e/ou derivado admite uma consequência jurídica que não seja a de pagar aos antigos trabalhadores, com efeitos retroativos e daí em diante, uma remuneração correspondente ao nível mais elevado do seu escalão?

Nesse caso, a consequência jurídica da violação da proibição de discriminação baseia‑se no direito [da União] primário e/ou derivado, in casu, a Diretiva 2000/78[...], ou um eventual direito pode apenas basear‑se na transposição deficiente das disposições do direito [da União], nos termos da responsabilidade dos Estados‑Membros prevista no direito da União?»

IV – Análise

A – Quanto à validade do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 e à sua aplicação às condições de remuneração dos funcionários

36.

A primeira questão, que se refere à aplicação da Diretiva 2000/78 às situações em causa no processo principal, divide‑se, em minha opinião, em duas partes. Antes de mais, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva é aplicável às condições de remuneração dos funcionários. A este respeito, tem dúvidas quanto à validade desta disposição à luz do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

37.

Assim, recorda que a referida diretiva foi adotada com base no artigo 19.o TFUE (que corresponde ao antigo artigo 13.o TCE), que prevê, no seu n.o 1, que, «[s]em prejuízo das demais disposições dos Tratados e dentro dos limites das competências que estes conferem à União, o Conselho [...] pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão d[a] [...] idade» ( 3 ). Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a questão da supressão de uma eventual discriminação em razão da idade no sistema de remuneração dos funcionários também afeta a da remuneração propriamente dita, domínio em que o direito primário não confere, em princípio, nenhuma competência à União, nos termos do artigo 153.o, n.o 5, TFUE. Uma vez que o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 prevê expressamente que esta se aplica às condições de remuneração, a sua validade poderia ser posta em causa à luz das disposições do TFUE.

38.

Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, na hipótese de o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva ser considerado inválido, o princípio da não discriminação em razão da idade enquanto princípio geral do direito ou o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 4 ) poderiam ser objeto de uma aplicação autónoma nos casos submetidos ao Tribunal de Justiça nos presentes processos.

39.

O Governo alemão e a Comissão Europeia consideram que a referida diretiva é válida e que se aplica ao caso vertente. Eu partilho dessa opinião pelos motivos seguintes.

40.

É certo que o recurso ao artigo 19.o TFUE enquanto base jurídica de uma regulamentação do direito da União é limitado aos domínios abrangidos pelo âmbito de aplicação rationae materiae do direito da União. Assim sendo, ao adotar um texto com vista a combater as discriminações baseadas num dos motivos enumerados nesse artigo, o legislador da União deve certificar‑se de que o domínio em causa constitui um dos domínios em que a União dispõe de competência, de acordo com o princípio da atribuição previsto no artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE; caso contrário, corre o risco de exceder o âmbito de aplicação dos Tratados.

41.

Ora, o artigo 153.o, n.o 5, TFUE, que figura sob o título X relativo à política social e que permite ao legislador da União legislar em matéria de condições de trabalho, exclui expressamente as remunerações do seu âmbito de aplicação.

42.

Porém, deve o Tribunal de Justiça abster‑se de exercer qualquer fiscalização pelo facto de a legislação nacional em causa ter um nexo com a remuneração, seja ele qual for? Será o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2004/78 inválido devido a essa exceção prevista no artigo 153.o, n.o 5, TFUE? Penso que não.

43.

Existe uma diferença fundamental, embora podendo realmente parecer artificial à primeira vista, entre o termo «remuneração», tal como é utilizado na referida disposição, e a expressão «condições de remuneração» usada no artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78.

44.

Com efeito, no acórdão de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso ( 5 ), após ter recordado que o princípio da não discriminação não pode ser interpretado de modo restritivo, o Tribunal de Justiça indicou que, posto que o n.o 5 do artigo 153.o TFUE constitui uma disposição derrogatória dos n.os 1 a 4 do mesmo artigo, as matérias reservadas pelo referido número devem ser objeto de interpretação estrita, de modo a não prejudicar indevidamente o alcance dos referidos n.os 1 a 4 nem a pôr em causa os objetivos prosseguidos pelo artigo 151.o TFUE ( 6 ). O Tribunal de Justiça declarou ainda que, no que respeita mais especificamente à exceção relativa às «remunerações» enunciada no artigo 153.o, n.o 5, TFUE, tem a sua razão de ser no facto de a fixação do nível dos salários se inserir na autonomia contratual dos parceiros sociais à escala nacional e na competência dos Estados‑Membros nesta matéria. Nestas condições, foi considerado adequado, no estado atual do direito comunitário, excluir a determinação do nível dos salários de uma harmonização nos termos dos artigos 151.° TFUE e seguintes ( 7 ).

45.

Portanto, não há dúvida de que o termo «remunerações», na aceção do artigo 153.o, n.o 5, TFUE, não engloba as condições de remuneração. Estas últimas fazem parte das condições de emprego. Não têm por objetivo direto a fixação do nível de remuneração, mas as circunstâncias em que o trabalhador terá direito a esta ou aquela remuneração, a qual é determinada previamente pelas partes interessadas, quer entre pessoas do setor privado ou entre os parceiros sociais e o Estado.

46.

Em meu entender, o sistema de remuneração dos funcionários alemães, em causa no processo principal, ilustra bem esta diferença entre remuneração e condições de remuneração. Com efeito, o nível salarial dos funcionários alemães é determinado por graus e por escalões. O montante de cada grau e o de cada escalão são determinados livremente pelas instâncias competentes, não podendo o legislador da União, de forma alguma, com base no artigo 153.o, n.o 5, TFUE, interferir na determinação desses montantes impondo, por exemplo, um nível mínimo. Trata‑se, nestes últimos casos, de uma competência reservada exclusivamente aos Estados‑Membros ( 8 ). As diferenças salariais existentes no seio da União não podem, no estado atual do direito, ser objeto de uma regulamentação da União.

47.

Em contrapartida, as regras nacionais que regulam as modalidades de classificação nestes graus e escalões não têm por efeito a discriminação dos funcionários, nomeadamente, em razão da sua idade.

48.

Como o Conselho da União Europeia referiu nas suas observações escritas, as remunerações constituem um elemento fundamental das condições de trabalho ( 9 ), talvez o mais importante e o mais sujeito a discriminações ( 10 ). Por conseguinte, se as condições de remuneração devessem ser incluídas na exceção prevista no artigo 153.o, n.o 5, TFUE, isso esvaziaria de uma boa parte do seu sentido o artigo 19.o TFUE que, recorde‑se, visa combater as discriminações.

49.

Por conseguinte, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 é válido. Quanto à aplicação desta disposição às remunerações dos funcionários, basta recordar que, nos termos da própria diretiva, esta aplica‑se a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito às condições de emprego e de trabalho, incluindo as condições de despedimento e de remuneração ( 11 ).

50.

Por conseguinte, penso que o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às condições de remuneração dos funcionários.

51.

Tendo em conta o que precede, julgo não ser necessário responder à segunda parte da primeira questão.

B – Quanto à discriminação em razão da idade

52.

Antes de analisar as segunda e terceira questões, parece‑me útil voltar ao sistema de remuneração em causa no processo principal e explicá‑lo com a ajuda de exemplos concretos para melhor compreendermos o seu funcionamento.

53.

Nos termos da antiga versão da BBesG, a classificação inicial do funcionário num escalão remuneratório de um determinado grau é determinada pela idade de referência, a qual começa no primeiro dia do vigésimo primeiro aniversário do funcionário. Até completar 31 anos, o funcionário é, pois, admitido no escalão em que teria sido classificado se tivesse sido admitido aos 21 anos de idade. Em certas circunstâncias, essa idade de referência é atrasada para ter em conta os períodos posteriores à data em que completou 31 anos; concretamente, os períodos transitórios até completar 35 anos serão contabilizados numa quarta parte e os restantes em metade do período.

54.

Os exemplos seguintes ilustram de forma concreta o modo de cálculo da idade de referência ( 12 ).

55.

Uma pessoa nascida em 1 de abril de 1977 e admitida como funcionário em 1 de outubro de 1994 terá completado 21 anos em 1 de abril de 1998. O seu escalão etário corresponde, pois, ao dia 31 de março de 1998.

56.

Uma pessoa nascida em 1 de abril de 1967 e recrutada como funcionário em 16 de outubro de 2000 terá cumpriu 21 anos em 1 de abril de 1988. Uma vez que foi admitida aos 33 anos, a idade de referência não será o dia 31 de março de 1988. O período compreendido entre 31 de março de 1998 (em que completou 31 anos) e 16 de outubro de 2000 (data de recrutamento) perfaz dois anos, seis meses e 16 dias. Nos termos do artigo 28.o, n.o 2, da antiga versão da BBesG, a idade de referência é atrasada em um quarto desse período, ou seja, em sete meses e 19 dias, arredondado para sete meses. A idade de referência é, pois, o dia 1 de março de 1988 mais sete meses, ou seja, 1 de outubro de 1988.

57.

Uma pessoa nascida em 10 de setembro de 1964 e contratada como funcionário em 1 de maio de 2001 completou 21 anos em 9 de setembro de 1985. A idade de referência deveria ser fixada em 1 de setembro de 1985. No entanto, à data da contratação, essa pessoa já tinha 36 anos. Aplica‑se, portanto, a mesma disposição. Assim sendo, é tido em conta um quarto do período de quatro anos compreendido entre 9 de setembro de 1995 (em que completou 31 anos) e 9 de setembro de 1999 (em que completou 35 anos), ou seja, um ano. Depois disso, será considerada metade do período de um ano, sete meses e 21 dias, compreendido entre 10 de setembro de 1999 (em que completou 35 anos) e 30 de abril de 2001 (data de admissão), ou seja, nove meses. A idade de referência é, por isso, atrasado em um ano e 9 meses, sendo fixado em 1 de junho de 1987.

58.

Com as suas segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 2.° e 6.°, n.o 1, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos litígios no processo principal, segundo a qual o montante do vencimento de base de um funcionário no momento da sua ingressão na função pública depende de modo determinante da sua idade e aumenta em seguida em razão da sua antiguidade na função pública.

59.

Além disso, com as suas sexta e sétima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essas mesmas disposições devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a um sistema transitório, como o que está em causa no litígio no processo principal, que, para a classificação dos funcionários já em serviço nos escalões do novo sistema de remuneração, tem apenas em conta a o vencimento de base anterior e que, para a progressão nos escalões, tem apenas em conta a experiência adquirida após a entrada em vigor desse sistema transitório, independentemente da duração total da experiência do funcionário.

1. Quanto ao sistema de remuneração instituído pela antiga versão da BBesG

60.

Recordo que, o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, refere que existe discriminação direta quando uma pessoa seja tratada de modo menos favorável do que o é, tenha sido ou possa vir a ser uma outra pessoa em situação e que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável, constituindo a idade um desses motivos.

61.

Tendo em conta o funcionamento do sistema de remuneração instituído pela antiga versão da BBesG, conforme foi descrito anteriormente, não existem, a meu ver, dúvidas de que este cria claramente uma discriminação em razão da idade, na aceção deste artigo.

62.

Com efeito, já vimos que esse sistema prevê a classificação inicial num escalão de um determinado grau com base num único critério, designadamente a idade. Resulta daí que dois funcionários de faixas etárias diferentes, mas com uma experiência profissional equivalente e admitidos no mesmo grau, irão auferir uma remuneração diferente porque serão classificados em escalões diferentes correspondentes única e exclusivamente à sua faixa etária. Esses dois funcionários, apesar de se encontrarem numa situação comparável, serão tratados de maneira diferente, dado que um deles beneficiará de um vencimento de base menos favorável do que o outro pelo simples facto de ser mais jovem.

63.

O sistema de remuneração instituído pela antiga versão da BBesG gera, portanto, diferenças de tratamento com base no critério da idade, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78. Este sistema de remuneração é, aliás, semelhante ao que esteve em causa no processo que deu origem ao acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai ( 13 ), e que o Tribunal de Justiça concluiu ser discriminatório ( 14 ).

64.

Contudo, o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 prevê que essas diferenças de tratamento com base na idade não constituem discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

65.

A este respeito, o Governo alemão considera que, mesmo que o Tribunal de Justiça constatasse a existência de uma discriminação em razão da idade, ela seria justificada pelo facto de o sistema de remuneração instituído pela antiga versão da BBesG, que adota o princípio da remuneração de acordo com escalões etários, prosseguir o objetivo fundamentalmente legítimo de contemplar, de forma forfetária, aquando da admissão de novos funcionários, as qualificações e a experiência profissional adquiridas tanto no interior como no exterior da função pública. Além disso, o sistema seria tido como garante da uniformidade em todas as situações de recrutamento. Era suposto resolver os inconvenientes da anterior prática de classificação caso a caso, que, embora justa, era complicada e, como tal, não era aplicada de modo uniforme. Por último, o Governo alemão afirma que o dito sistema tinha por objetivo tornar a função pública mais atrativa para os candidatos a uma segunda carreira.

66.

Não julgo que esses objetivos sejam legítimos na aceção do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78.

67.

Resulta, aliás, dessa disposição que os objetivos que podem ser considerados legítimos e, consequentemente, suscetíveis de justificar uma exceção ao princípio da proibição da discriminação com base na idade são objetivos de política social, como os relacionados com a política de emprego, do mercado de trabalho ou da formação profissional ( 15 ).

68.

No que se refere à tomada em consideração da experiência profissional, o Tribunal de Justiça já decidiu que se deve considerar que esse objetivo, em princípio, justifica «objetiva e razoavelmente», «no quadro do direito nacional», uma diferença de tratamento com base na idade, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 ( 16 ). Com efeito, o facto de recompensar a experiência adquirida por um trabalhador, que o coloca em condições de desempenhar melhor as suas prestações, constitui, regra geral, um fim legítimo de política salarial ( 17 ).

69.

No caso em apreço, não considero que os meios utilizados para alcançar esse objetivo sejam adequados e necessários. É verdade que o recurso ao critério da antiguidade é, regra geral, apropriado para atingir esse objetivo, pois a antiguidade é paralela à experiência profissional ( 18 ).

70.

Todavia, o sistema de remuneração dos funcionários alemães instituído pela antiga versão da BBesG, ao basear‑se unicamente na idade do funcionário, não permite que a experiência adquirida seja realmente levada em consideração. Com efeito, um funcionário sem qualquer experiência profissional, que tenha 30 anos à data da sua admissão num determinado grau, será imediatamente colocado no escalão 5. Beneficiará, portanto, de um vencimento de base equivalente ao de um funcionário admitido aos 21 anos de idade que, contrariamente ao primeiro, possui uma antiguidade e experiência profissional de nove anos no mesmo grau. Da mesma maneira, o funcionário admitido aos 30 anos beneficiará da mesma progressão nos escalões, até atingir o último escalão, que o funcionário admitido aos 21 anos, embora este possa comprovar uma maior experiência profissional no grau.

71.

É certo que o artigo 27.o da antiga versão da BBesG prevê uma progressão por mérito para os funcionários que se destaquem por um nível de desempenho contínuo e duradouro. Há, no entanto, que constatar que, segundo essa disposição, o número de escalões de mérito atribuídos durante um ano civil pela mesma entidade empregadora não pode exceder 15% do número de funcionários e militares pertencentes ao regime de remuneração A que ainda não atingiram o vencimento de base final. Esta medida, para além de não permitir que todos os funcionários com mérito beneficiem de uma progressão, também não corrige a falta de experiência profissional mediante a classificação dos funcionários num escalão inferior correspondente ao seu nível efetivo de experiência no grau.

72.

Por conseguinte, considero que o sistema de remuneração instituído pela antiga versão da BBesG vai para além do que é necessário e apropriado para atingir o objetivo legítimo invocado pelo Governo alemão e que consiste em tomar em conta a experiência profissional.

73.

Como o Tribunal de Justiça indicou no acórdão Hennigs e Mai, já referido, um critério igualmente baseado na antiguidade ou na experiência profissional adquirida, sem recorrer à idade, afigurar‑se‑ia, à luz da Diretiva 2000/78, mais bem adaptado à realização desse objetivo legítimo ( 19 ).

74.

No que diz respeito ao argumento da simplificação administrativa invocado pelo Governo alemão, penso que este não é suficiente para justificar uma discriminação em razão da idade. Com efeito, já vimos que os objetivos que podem ser considerados «legítimos» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 são objetivos de política social. O Governo alemão não pode, portanto, valer‑se unicamente da complexidade de uma prática, que ele próprio reconhece como sendo mais justa, para justificar uma discriminação em razão da idade.

75.

Por último, o Governo alemão invoca o objetivo de tornar a função pública mais atrativa para os candidatos a uma segunda carreira para justificar a discriminação criada pela antiga versão da BBesG. É certo que o Tribunal de Justiça já decidiu que a promoção da contratação constitui incontestavelmente um objetivo legítimo de política social ou do emprego dos Estados‑Membros ( 20 ), mas, no caso vertente, julgo que a antiga versão da BBesG vai para além do que é necessário e apropriado para atingir esse objetivo, pois bastaria tomar em consideração a antiguidade ou a experiência profissional adquirida, sem recorrer ao critério da idade, para incentivar as pessoas que já fizeram carreira no setor privado a candidatar‑se à função pública alemã.

76.

Face a todas as considerações precedentes, entendo que os artigos 2.° e 6.°, n.o 1, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa nos litígios no processo principal, segundo a qual o montante do vencimento de base de um funcionário no momento da sua ingressão na função pública depende de modo determinante da sua idade e aumenta em seguida em razão da sua antiguidade na função pública.

2. Quanto ao sistema transitório

77.

Com as suas sexta e sétima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o sistema transitório aplicável aos antigos funcionários também é contrário ao princípio da não discriminação em razão da idade.

78.

Com efeito, importa recordar que, nos termos do artigo 2.o da BerlBesÜG, apenas o vencimento de base anterior é tomado em conta para fins de classificação dos antigos funcionários num escalão do novo sistema de remuneração. Por outro lado, nos termos do artigo 3.o da BerlBesÜG, apenas a experiência adquirida a partir da entrada em vigor do novo sistema é tida em conta para efeitos da progressão nos escalões.

79.

No acórdão Hennigs e Mai, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que, tomando por base de fixação da remuneração de referência — ou seja, a remuneração de reclassificação para a passagem a um novo regime convencional de remuneração — a remuneração auferida anteriormente, o sistema transitório perpetuou o facto de alguns agentes auferirem uma remuneração inferior à auferida por outros agentes, quando estão em situações comparáveis, unicamente em razão da idade que tinham quando do seu recrutamento ( 21 ).

80.

O mesmo acontece nos presentes processos, pois, como o órgão jurisdicional de reenvio refere, o vencimento de base anterior foi fixado com base num critério discriminatório, ou seja, a idade, e a discriminação que existia durante a vigência da antiga versão da BBesG persiste com a aplicação do sistema transitório para os antigos funcionários.

81.

Contrariamente ao que defende o Governo alemão, as modalidades de reclassificação não eliminam progressivamente as discriminações em razão da idade decorrentes do sistema de remuneração instituído pela antiga versão da BBesG.

82.

Com efeito, ainda que, nos termos do artigo 3.o da BerlBesÜG, apenas a experiência adquirida a partir da entrada em vigor desta seja tido em conta para a progressão de escalões, a verdade é que, de base, a reclassificação nos escalões do novo sistema de remuneração tem como referência inicial o vencimento de base anterior considerado discriminatório. Assim, com a mesma experiência, a progressão nos escalões será sempre discriminatória para o funcionário com menos idade.

83.

Se tomarmos como exemplo dois funcionários, com a mesma experiência, tendo o funcionário A 20 anos de idade no dia do seu recrutamento e tendo o funcionário B 30 anos de idade, este último será reclassificado, aquando da passagem ao sistema transitório, num escalão mais elevado do que o funcionário A, porque apenas é tido em conta o vencimento de base anterior, determinada pela idade. Por outro lado, a progressão nos escalões do novo sistema será sempre mais vantajosa para o funcionário B do que para o funcionário A, na medida em que o funcionário B atingirá esses escalões mais cedo, beneficiando por isso de um tratamento mais favorável.

84.

Na audiência, o Governo alemão defendeu que a discriminação não subsiste no sistema transitório, na medida em que os antigos funcionários, que eram discriminados pelo sistema anterior, atingirão mais rapidamente o escalão máximo do que se a sua progressão continuasse a reger‑se pelo antigo sistema. Contudo, não deixa de ser verdade que, com a mesma experiência, um funcionário mais velho beneficiará durante mais tempo do escalão máximo, ou seja, receberá um vencimento de base mais favorável, do que o funcionário mais jovem. A discriminação, longe de se extinguir, perpetua‑se.

85.

Importa agora verificar se esta discriminação pode ser justificada por um objetivo legítimo como o que foi invocado pelo Governo alemão e que consiste em proteger os direitos adquiridos à data de referência para a passagem ao novo sistema.

86.

A este propósito, o Tribunal de Justiça decidiu que, no contexto de uma restrição à liberdade de estabelecimento, a proteção dos direitos adquiridos por uma categoria de pessoas constitui uma razão imperiosa de interesse geral que justifica essa restrição, desde que, todavia, a medida restritiva não vá para além do que é necessário a essa proteção ( 22 ).

87.

Segundo o Governo alemão, a perda de remuneração para os antigos funcionários, se o novo sistema de remuneração fosse aplicado sem passar pelo sistema transitório, equivaleria a um escalão, o que corresponde a um montante que pode variar entre 80 e 150 euros.

88.

No entanto, contrariamente aos factos do processo que deu origem ao acórdão Hennigs e Mai, já referido, em que o Tribunal de Justiça decidiu que a medida transitória não ia além do que era necessário para garantir a proteção dos direitos adquiridos ( 23 ), no caso vertente, vimos que os efeitos discriminatórios não têm tendência a desaparecer com a evolução da remuneração dos funcionários.

89.

O sistema transitório de natureza discriminatória perdura, portanto, sem qualquer limitação no tempo. Assim sendo, embora o sistema transitório possa, de facto, ser considerado apropriado para evitar perdas de rendimento para os antigos funcionários, parece‑nos, todavia, que ele vai além do que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos direitos adquiridos. O legislador alemão poderia, efetivamente, ter previsto um sistema transitório que eliminasse os efeitos da discriminação ao longo do tempo, aproximando‑se progressivamente do novo sistema de remuneração baseado na experiência profissional sem considerar a idade.

90.

Como foi referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, poderia ter sido aplicado um regime transitório que garantisse ao antigo funcionário indevidamente favorecido o nível de remuneração anterior até ele adquirir a experiência exigida pelo novo sistema de remuneração para obter uma remuneração superior. Assim, a discriminação ter‑se‑ia extinguido com o tempo, sem que os antigos funcionários que gozavam de uma vantagem face aos funcionários mais jovens vissem a sua remuneração baixar subitamente.

91.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende também saber se as considerações que se prendem com o ónus relativamente pesado associado a uma solução como a descrita anteriormente, a saber, a reclassificação individual dos antigos funcionários de acordo com a experiência profissional, poderiam justificar uma discriminação em razão da idade. Penso que não. Como já referimos anteriormente, os objetivos que podem ser considerados «legítimos» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 são objetivos de política social. As considerações de natureza prática para a administração não podem, por si só, constituir um objetivo prosseguido por essa política, suscetível de justificar a violação de um princípio fundamental, como o princípio da não discriminação em razão da idade, tanto mais que a entrada em vigor do novo sistema de remuneração dos funcionários revela bem a viabilidade, para a administração, de classificar os funcionários de acordo com a sua experiência profissional.

92.

Por conseguinte, sou de opinião que os artigos 2.° e 6.°, n.o 1, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um sistema transitório, como o que está em causa nos litígios no processo principal, que, para a classificação dos funcionários já em serviço nos escalões do novo sistema de remuneração, tem apenas em conta o vencimento de base anterior e que, para a progressão nos escalões, tem apenas em conta a experiência adquirida após a entrada em vigor desse sistema transitório, independentemente da duração total da experiência profissional do funcionário.

C – Quanto às consequências jurídicas a retirar da declaração de uma violação do princípio da não discriminação em razão da idade

93.

Com as suas quarta e oitava questões, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber quais as consequências jurídicas a retirar da declaração de uma violação do princípio da não discriminação em razão da idade instituída pelos sistemas previstos na antiga versão da BBesG e na BerlBesÜG.

94.

Com efeito, mesmo tendo em conta todas as disposições do direito interno, o órgão jurisdicional de reenvio afirma encontrar‑se na impossibilidade de aplicar o método de interpretação conforme.

95.

Além disso, entende que também não pode aplicar a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, segundo a qual cabe ao órgão jurisdicional nacional, ao qual foi submetido um litígio que põe em causa o princípio da não discriminação em razão da idade, garantir, no quadro das suas competências, a proteção jurídica que para os particulares decorre do direito comunitário e garantir o pleno efeito deste, não aplicando todas as disposições da lei nacional eventualmente contrárias ( 24 ).

96.

O órgão jurisdicional de reenvio explica, assim, que a exclusão das disposições pertinentes da antiga versão da BBesG, da antiga versão da BBesG Bln ou da BerlBesÜG teria como consequência destituir de base legal a remuneração dos funcionários e, por conseguinte, privar o funcionário da sua remuneração.

97.

Na medida em que essa solução daria origem a uma lacuna jurídica que o direito nacional alemão não pode colmatar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona, em particular, se a solução preconizada nos acórdãos de 26 de janeiro de 1999, Terhoeve ( 25 ), e de 22 de junho de 2011, Landtová ( 26 ), seria aplicável ao caso vertente. Com efeito, nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça, após ter constatado a existência de uma violação do princípio da não discriminação, declarou que, quando seja detetada uma discriminação contrária ao direito da União e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, na falta da aplicação correta do direito da União, é o único sistema de referência válido ( 27 ).

98.

No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que tal se traduziria num nivelamento por cima das remunerações, com efeitos retroativos, sendo a única forma de remediar a violação do princípio da não discriminação em razão da idade o pagamento retroativo aos funcionários discriminados da remuneração correspondente ao escalão mais elevado.

99.

Neste caso, a questão fulcral consiste em saber como lutar eficazmente contra as discriminações em razão da idade contrárias ao direito da União. A responsabilidade do Estado‑Membro por violação do direito da União será a única solução a considerar, como sugere a Comissão, ainda que tal solução implique a interposição de um novo recurso no órgão jurisdicional nacional e, por conseguinte, um entrave suplementar para as pessoas discriminadas?

100.

Embora partilhando da opinião da Comissão, segundo a qual a classificação, com efeitos retroativos, das pessoas discriminadas, no escalão mais elevado do grau a que pertencem implicaria outras discriminações, não sendo, por isso, a solução mais apropriada, penso que, ainda assim, a jurisprudência Landtová, já referida, pode ser aplicada ao processo principal.

101.

Como já referimos anteriormente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça prevê que, para restabelecer a igualdade de tratamento, enquanto não for adotada uma medida nacional nesse sentido, é necessário conceder às pessoas da categoria desfavorecida o mesmo tratamento de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada. Para isso, importa identificar com precisão as duas categorias em questão.

102.

É certo que a dificuldade experimentada nos presentes processos resulta do facto de a identificação destas duas categorias não ser assim tão simples como nos processos que, até à data, foram submetidos ao Tribunal de Justiça. As categorias em causa não são, por exemplo, homens de um lado e mulheres do outro ( 28 ).

103.

Nos litígios no processo principal não existem categorias homogéneas de pessoas discriminadas e de pessoas favorecidas. Com efeito, a discriminação gerada pelo sistema de remuneração baseado na antiga versão da BBesG faz‑se sentir a vários níveis. Como já foi referido, no caso de funcionários com experiência profissional equivalente, a discriminação afeta as pessoas mais jovens ( 29 ). As categorias a comparar são, portanto, inúmeras, tantas quanto o número de pessoas de idades diferentes com experiência profissional equivalente.

104.

Contudo, não vemos nenhuma razão para não aplicar aos litígios no processo principal a jurisprudência que consta dos acórdãos, já referidos, Terhoeve e Landtová, desde há muito consolidada ( 30 ). Com efeito, essa jurisprudência visa garantir, no imediato, ao cidadão da União discriminado o respeito dos direitos que lhe são conferidos pelo direito da União. Face a uma legislação nacional contrária ao direito da União e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, compete ao órgão jurisdicional nacional proteger esses direitos.

105.

No caso vertente, os demandantes inferem da Diretiva 2000/78 o direito de não serem discriminados em razão da sua idade. O restabelecimento imediato da igualdade de tratamento é tanto mais importante quanto a consequência associada à discriminação se reflete nas condições de remuneração e, por conseguinte, numa fração alimentar da remuneração dos funcionários. Uma aplicação da jurisprudência Francovich e o. ( 31 ) poderá ter o efeito de obrigar os demandantes a interpor um novo recurso junto dos órgãos de jurisdição nacionais, com todas as consequências, nomeadamente pecuniárias e temporais, que tal implicaria.

106.

O facto de as categorias visadas nos presentes processos não serem perfeitamente homogéneas não se afigura, a meu ver, constituir um obstáculo intransponível. Com efeito, penso que, para restabelecer a igualdade de tratamento, importa assegurar aos funcionários discriminados, não a classificação no escalão mais elevado do grau, mas sim a classificação no mesmo escalão em que foi classificado um funcionário mais velho com experiência profissional equivalente. O Governo alemão invoca, aliás, uma solução semelhante nas suas observações escritas quando explica que, na medida em que o direito da União exige que se proceda a uma retificação, esta deverá ter mais em conta as situações individuais. Prossegue explicando que uma compensação individual apropriada implicaria analisar quais os candidatos que, na situação de recrutamento concreta, embora tendo um perfil semelhante, foram contratados em condições mais favoráveis do que outros, apenas por serem mais velhos ( 32 ).

107.

Esta solução, que nos parece ser a mais justa, tem a vantagem de permitir que o tribunal nacional se baseie num sistema de referência existente, designadamente o antigo sistema de remuneração, eliminando assim rapidamente a discriminação sofrida pelo funcionário. É certo que, em determinados casos, o tribunal nacional poderá ser confrontado com a inexistência de um perfil equivalente ao do funcionário desfavorecido em razão da sua idade. Nesse caso, compete ao tribunal nacional decidir, com toda a equidade, pela solução que considera mais suscetível de permitir que a carreira do funcionário seja tomada em consideração da forma mais justa possível. Para o efeito poderá basear‑se, por exemplo, no novo sistema de remuneração, o qual permite a classificação em função da experiência profissional.

108.

Por conseguinte, à luz das considerações que precedem, considero que, na medida em que foi constatada uma discriminação contrária ao direito da União e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela classificação dos funcionários discriminados no mesmo escalão em que foi classificado um funcionário mais velho com experiência profissional equivalente.

D – Quanto ao direito a um recurso efetivo

109.

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, ao Tribunal de Justiça se as disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, que fazem depender o exercício do direito à igualdade de tratamento, por parte dos demandantes, da condição de terem reclamado junto dos seus empregadores em tempo útil, ou seja, antes do fim do exercício orçamental em curso, violam o direito a um recurso efetivo. O Governo alemão esclarece que o orçamento é anualmente fixado e aprovado pela lei das finanças.

110.

Antes de mais, recordo que o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta prevê que «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo».

111.

Em segundo lugar, como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 8 de julho de 2010, Bulicke ( 33 ), o artigo 9.o da Diretiva 2000/78 enuncia, por um lado, que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pela não aplicação, no que lhes diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, possam recorrer a processos judiciais e/ou administrativos e, por outro, que estas obrigações dos Estados‑Membros não prejudicam as regras nacionais relativas aos prazos concedidos para a interposição de recursos relacionados com o referido princípio. Resulta deste enunciado que a questão dos prazos para dar início a um procedimento que tenha por objeto fazer respeitar as obrigações decorrentes da diretiva não está regulada no direito da União ( 34 ).

112.

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não existindo regulamentação da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, designar os órgãos jurisdicionais competentes e definir as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a plena salvaguarda dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União, tendo, todavia, os Estados‑Membros a responsabilidade de assegurar, em cada caso, a proteção efetiva desses direitos ( 35 ). Contudo, em conformidade com o princípio da cooperação leal atualmente consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) ( 36 ).

113.

No que se refere ao princípio da equivalência, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a observância deste princípio pressupõe que a regra nacional em causa seja aplicável indiferentemente às ações baseadas em direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União e aos fundados na violação do direito interno que tenham um objeto e uma causa semelhantes. Compete ao órgão jurisdicional nacional, que tem um conhecimento direto das modalidades processuais aplicáveis, verificar a semelhança dos recursos em causa, na perspetiva do seu objeto, da sua causa e dos seus elementos essenciais ( 37 ).

114.

No caso em apreço, resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que, por força de um princípio da jurisprudência alemã, o funcionário deve reclamar um direito a prestações pecuniárias que não decorrem diretamente da lei, em tempo útil, isto é, antes do fim do exercício orçamental em curso. O órgão jurisdicional de reenvio explica ainda que as especificidades do estatuto dos funcionários, pela obrigação recíproca de lealdade que este implica, acabam por limitar, em certos casos, a possibilidade de os funcionários fazerem valer os seus direitos.

115.

A exigência de um prazo relativamente curto, nomeadamente antes do fim do exercício orçamental, parece aplicar‑se, de igual forma, aos recursos interpostos quer por funcionários vítimas de uma violação do direito nacional quer por funcionários vítimas de uma violação do direito da União. Assim sendo, essa regra nacional parece respeitar o princípio da equivalência ( 38 ). Em todo o caso, é ao órgão de jurisdição nacional que compete verificá‑lo.

116.

Relativamente ao respeito do princípio da efetividade, cumpre referir que o Tribunal de Justiça já decidiu, no âmbito de um pedido de decisão prejudicial cujo enquadramento jurídico era a Diretiva 2000/78, que não se afigura que fixar um prazo de dois meses para apresentar uma reclamação ao empregador seja suscetível de, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União ( 39 ).

117.

Portanto, a fortiori, a obrigação de o funcionário reclamar, antes do fim do exercício orçamental em curso, um direito a prestações pecuniárias que não decorrem diretamente da lei, não nos parece, em princípio, suscetível de, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União, na medida em que o exercício orçamental corresponde a um ano civil ( 40 ).

118.

Todavia, a questão da efetividade de um tal recurso coloca‑se quando o funcionário apenas tem conhecimento da violação do seu direito a não ser discriminado no fim do exercício orçamental. Com efeito, na hipótese de o funcionário ter conhecimento da discriminação de que foi alvo, por exemplo, alguns dias antes do fim do exercício orçamental, seria praticamente privado do seu direito de interpor recurso.

119.

Assim sendo, afigura‑se que um funcionário numa situação como a anteriormente descrita pode ficar impedido de instaurar uma ação perante um tribunal para defender os direitos que lhe são conferidos pelo direito da União.

120.

É ao órgão jurisdicional de reenvio, que, diversamente do Tribunal de Justiça no quadro do artigo 267.o TFUE, tem competência para apreciar os factos dos litígios no processo principal e para interpretar o direito alemão, cabe verificar se uma regra nacional, como a que está em causa nestes litígios, que prevê a obrigação de o funcionário reclamar um direito a prestações pecuniárias que não decorrem diretamente da lei antes do fim do exercício orçamental em curso, viola ou não o princípio da efetividade.

121.

Tendo em conta o que precede, considero que o direito da União, em particular os princípios da equivalência e da efetividade, bem como o artigo.° 47 da Carta, não se opõe a uma regra nacional, como a que está em causa nos litígios no processo principal, que prevê a obrigação de o funcionário reclamar um direito a prestações pecuniárias que não decorrem diretamente da lei antes do fim do exercício orçamental em curso, desde que as ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não sejam exercidas em condições menos favoráveis do que as previstas para as ações destinadas a proteger os direitos pecuniários decorrentes do direito interno e que essa regra nacional não cause aos litigantes inconvenientes processuais ligados ao prazo de preclusão, suscetíveis de tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

V – Conclusão

122.

Face a todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao Verwaltungsgericht Berlin:

«1)

O artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às condições de remuneração dos funcionários.

2)

Os artigos 2.° e 6.°, n.o 1, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos litígios no processo principal, segundo a qual o montante do vencimento de base de um funcionário no momento da sua ingressão na função pública depende de modo determinante da sua idade e aumenta em seguida em razão da sua antiguidade na função pública.

3)

Os artigos 2.° e 6.°, n.o 1, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um sistema transitório, como o que está em causa nos litígios no processo principal, que, para a classificação dos funcionários já em serviço nos escalões do novo sistema de remuneração, tem apenas em conta o vencimento de base anterior e que, para a progressão nos escalões, tem apenas em conta a experiência adquirida após a entrada em vigor desse sistema transitório, independentemente da duração total da experiência profissional do funcionário.

4)

Na medida em que foi constatada uma discriminação contrária ao direito da União e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela classificação dos funcionários discriminados no mesmo escalão em que foi classificado um funcionário mais velho com experiência profissional equivalente.

5)

O direito da União, em particular os princípios da equivalência e da efetividade, bem como o artigo.° 47 da Carta, não se opõe a uma regra nacional, como a que está em causa nos litígios processo principal, que prevê a obrigação de o funcionário reclamar um direito a prestações pecuniárias que não decorrem diretamente da lei antes do fim do exercício orçamental em curso, desde que as ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não sejam exercidas em condições menos favoráveis do que as previstas para as ações destinadas a proteger os direitos pecuniários decorrentes do direito interno e que essa regra nacional não cause aos litigantes inconvenientes processuais ligados ao prazo de preclusão, suscetíveis de tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 303, p. 16.

( 3 ) O sublinhado é nosso.

( 4 ) A seguir «Carta».

( 5 ) C‑307/05, Colet., p. I‑7109.

( 6 ) N.os 37 a 39.

( 7 ) N.o 40.

( 8 ) V., neste sentido, acórdão Del Cerro Alonso, já referido (n.o 46).

( 9 ) V. n.o 21 das observações. De resto, o Tribunal de Justiça sublinhou a importância atribuída à remuneração no n.o 33 do acórdão de 11 de novembro de 2004, Delahaye (C‑425/02, Colet., p. I‑10823).

( 10 ) V. p. 11 da proposta de Diretiva do Conselho que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional [COM(1999) 565 final].

( 11 ) V., relativamente à aplicação das disposições da referida diretiva aos funcionários, acórdãos de 18 de junho de 2009, Hütter (C‑88/08, Colet., p. I‑5325); de 12 de janeiro de 2010, Wolf (C‑229/08, Colet., p. I‑1); de 21 de julho de 2011, Fuchs e Köhler (C‑159/10 e C‑160/10, Colet., p. I‑6919), e de 6 de dezembro de 2012, Dittrich e o. (C‑124/11, C‑125/11 e C‑143/11).

( 12 ) Estes exemplos foram retirados dos sítios Internet seguintes: http://www.dz‑portal.de/003menulinks/008bezuge/BDA.html e http://www.pc‑gehalt.de/Seiten/Besoldungsdienstalter.htm.

( 13 ) C-297/10 e C-298/10, Colet., p. I-7965.

( 14 ) N.os 54 a 59.

( 15 ) V. acórdão de 6 de novembro de 2012, Comissão/Hungria (C‑286/12, n.o 60 e jurisprudência referida).

( 16 ) Acórdão Hennigs e Mai, já referido (n.o 72).

( 17 ) Idem.

( 18 ) Ibidem (n.o 74).

( 19 ) Ibidem (n.o 77).

( 20 ) V. acórdãos de 21 de julho de 2011, Fuchs e Köhler, já referido (n.o 49 e jurisprudência referida), e de 11 de abril 2013, HK Danmark (C‑335/11 e C‑337/11, n.o 82 e jurisprudência referida).

( 21 ) N.o 84 do acórdão.

( 22 ) V. acórdão Hennigs e Mai, já referido (n.o 90 e jurisprudência referida).

( 23 ) Ibidem (n.os 96 a 98).

( 24 ) V. acórdãos de 22 de novembro de 2005, Mangold (C-144/04, Colet., p I-9981, n.o 77), e de 12 de janeiro de 2010, Petersen (C-341/08, Colet., p. I-47, n.o 81).

( 25 ) C‑18/95, Colet., p. I‑345.

( 26 ) C‑399/09, Colet., p. I‑5573.

( 27 ) Acórdãos, já referidos, Terhoeve (n.o 57 e jurisprudência referida), bem como Landtová (n.o 51).

( 28 ) V., nomeadamente, acórdão de 11 de abril de 2013, Soukupová (C‑401/11).

( 29 ) V. n.o 62 das presentes conclusões.

( 30 ) V., nomeadamente, acórdãos de 4 de dezembro de 1986, Federatie Nederlandse Vakbeweging (71/85, Colet., p. 3855); de 24 de março de 1987, McDermott e Cotter (286/85, Colet., p. 1453); de 13 de dezembro de 1989, Ruzius‑Wilbrink (C‑102/88, Colet., p. 4311); de 27 de junho de 1990, Kowalska (C-33/89, Colet., p. I-2591), e de 7 de fevereiro de 1991, Nimz (C-184/89, Colet., p. I-297).

( 31 ) Acórdão de 19 de novembro de 1991 (C-6/90 e C-9/90, Colet., p. I-5357).

( 32 ) V. n.o 78 das observações escritas do Governo alemão.

( 33 ) C-246/09, Colet., p. I-7003.

( 34 ) N.o 24.

( 35 ) V. acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 36 ) Ibidem (n.o 36 e jurisprudência referida).

( 37 ) Ibidem (n.o 39 e jurisprudência referida).

( 38 ) V., neste sentido, acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß (C-429/09, Colet., p. I-12167, n.o 73).

( 39 ) V. acórdão Bulicke, já referido (n.os 38 e 39). V., igualmente, despacho de 18 de janeiro de 2011, Berkizi‑Nikolakaki (C‑272/10, n.o 51).

( 40 ) Com efeito, o artigo 4.o da lei geral do orçamento (Bundeshaushaltsordnung) estabelece que o ano fiscal corresponde ao ano civil e que o Ministério das Finanças pode fixar regras diferentes para matérias específicas.