CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 18 de setembro de 2013 ( 1 )

Processo C‑425/12

Portgás — Sociedade de Produção e Distribuição de Gás SA

contra

Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Portugal)]

«Processos de adjudicação de contratos públicos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações — Diretiva 93/38/CEE — Falta de transposição para o direito interno — Possibilidade de uma autoridade estatal invocar certas disposições da Diretiva 93/38/CEE contra um organismo concessionário de um serviço público, que tem a qualidade de entidade adjudicante»

1. 

Embora o Tribunal de Justiça tenha acabado de comemorar o quinquagésimo aniversário do seu emblemático acórdão van Gend & Loos ( 2 ), os debates acerca das consequências da consagração do efeito direto do direito da União estão longe de ser dados por encerrados. É o que se verifica especialmente quanto ao alcance do efeito direto das diretivas. Disso é testemunha o presente processo, que oferece ao Tribunal de Justiça uma nova ocasião de lembrar as condições em que pode ser invocada uma diretiva não transposta para o direito interno.

2. 

O processo coloca, mais precisamente, a questão de saber se e, sendo caso disso, em que condições o Estado pode invocar contra um organismo concessionário de um serviço público, que, além disso, tem a qualidade de entidade adjudicante, certas disposições da Diretiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações ( 3 ), conforme alterada pela Diretiva 98/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de fevereiro de 1998 ( 4 ), na falta de transposição, nos prazos legais, deste ato para o direito interno.

I — Quadro jurídico

A — Direito da União

3.

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 93/38 tem a seguinte redação:

«A presente diretiva é aplicável às entidades adjudicantes:

a)

que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das atividades definidas no n.o 2;

b)

que, no caso de não serem poderes públicos ou empresas públicas, incluam entre as suas atividades uma das atividades mencionadas no n.o 2, ou várias dessas atividades especiais e beneficiem de direitos, ou exclusivos concedidos por uma autoridade competente de um Estado‑Membro.»

4.

De entre as atividades mencionadas no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 93/38 figura o fornecimento ou a exploração de redes fixas destinadas à prestação de um serviço ao público no domínio da produção, do transporte ou da distribuição de gás.

5.

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

«1.   Para celebrarem os seus contratos de fornecimento, de empreitada e de prestação de serviços ou organizarem os respetivos concursos de conceção, as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos que se adaptem às disposições da presente diretiva.

2.   As entidades adjudicantes providenciarão para que não haja qualquer discriminação entre fornecedores, empreiteiros ou prestadores de serviços.»

6.

Segundo o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), i), da referida diretiva, esta aplica‑se aos contratos adjudicados por entidades adjudicantes que exercem atividades de transporte ou da distribuição de gás, quando o valor estimado desses contratos, sem imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), seja igual ou superior a 400 000 euros.

7.

Por força do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 93/38, a República Portuguesa estava obrigada a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento à referida diretiva e aplicá‑las o mais tardar em 1 de janeiro de 1998. Quanto às alterações efetuadas a esta diretiva pela Diretiva 98/4, tais alterações deviam, por força do seu artigo 2.o, n.o 2, ser transpostas para a ordem jurídica interna portuguesa o mais tardar em 16 de fevereiro de 2000.

B — Direito português

8.

O Decreto‑Lei n.o 223/2001, de 9 de agosto de 2001 ( 5 ), transpôs a Diretiva 93/38 para a ordem jurídica portuguesa. Segundo o seu artigo 53.o, n.o 1, o Decreto‑Lei n.o 223/2001 entrou em vigor 120 dias após a data da sua publicação.

II — Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

9.

A Portgás — Sociedade de Produção e Distribuição de Gás SA (a seguir «Portgás»), é uma sociedade anónima de direito português com atividade no setor da produção e da distribuição de gás natural ( 6 ).

10.

Em 7 de julho de 2001, a Portgás celebrou com a sociedade Soporgás — Sociedade Portuguesa de Gás Lda um contrato de fornecimento de contadores de gás. O valor deste contrato era de 437053,20 euros sem IVA (ou seja, 532736,92 euros).

11.

Em 21 de dezembro de 2001, a Portgás apresentou um pedido, que foi aprovado, de cofinanciamento comunitário no âmbito do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. O contrato de atribuição de apoio financeiro que visava abranger as despesas elegíveis do projeto POR/3.2/007/DREN, de que fazia parte a aquisição de contadores de gás, foi assinado em 11 de outubro de 2002.

12.

Em 29 de outubro de 2009, no seguimento de uma auditoria ao projeto realizada pela Inspecção‑Geral das Finanças, o Gestor do Programa Operacional Norte determinou a reposição do apoio financeiro que tinha sido concedido à Portgás no âmbito do projeto POR/3.2/007/DREN, uma vez que, tendo a referida sociedade violado as regras do direito da União relativas a contratos públicos, a totalidade das despesas objeto do cofinanciamento público devia ser considerada inelegível.

13.

A Portgás intentou uma ação administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto com vista a obter a declaração de nulidade ou a anulação dessa decisão, uma vez que o Estado português não podia exigir‑lhe, enquanto empresa privada, o cumprimento das disposições da Diretiva 93/38. Dado que esta diretiva ainda não tinha sido transposta para a ordem jurídica portuguesa à data dos factos controvertidos, essas disposições não podiam produzir nenhum efeito direto a seu respeito.

14.

O Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (a seguir «ministério»), demandado no processo principal, por sua vez, salientou perante o órgão jurisdicional de reenvio que a Diretiva 93/38 é dirigida não só aos Estados‑Membros mas também a todas as entidades adjudicantes, conforme definidas por esta diretiva. Segundo esse ministério, na sua qualidade de concessionária de serviço público exclusivo na zona abrangida pela concessão, a Portgás estava sujeita às obrigações decorrentes da referida diretiva.

15.

Tendo dúvidas quanto à interpretação das disposições do direito da União invocadas no litígio no processo principal, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu, em 26 de junho de 2012, suspender o processo e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/38[…] e o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), i), da mesma [d]iretiva, nos termos da modificação introduzida pela Diretiva [98/4], bem como as restantes disposições daquelas diretivas ou princípios gerais de [d]ireito [c]omunitário aplicáveis, podem ser interpretados no sentido de que criam obrigações para particulares concessionários de serviços públicos [designadamente, uma entidade abrangida pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da citada Diretiva 93/38], enquanto aquela diretiva não haja sido transposta para o direito interno pelo Estado [p]ortuguês, obrigações [essas] cujo desrespeito poderá ser invocável contra aquela entidade concessionária particular pelo mesmo Estado [p]ortuguês, através de ato imputável a seus [m]inistérios?»

16.

A demandante no processo principal, o Governo português e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça.

17.

Foram dirigidas às partes perguntas escritas e um pedido de concentração de alegações. A audiência de alegações teve lugar em 4 de julho de 2013.

III — Análise

18.

Recordo que o presente pedido de decisão prejudicial tem origem num litígio que opõe a Portgás ao ministério a respeito de uma decisão que determinou a reposição do apoio financeiro, que havia sido atribuído à referida sociedade no âmbito do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, uma vez que, quando da aquisição de contadores de gás a outra sociedade, a Portgás não respeitou algumas regras do direito da União aplicáveis em matéria de contratos públicos.

19.

A Portgás contesta a referida decisão sublinhando que, atendendo à sua qualidade de empresa privada, as disposições da Diretiva 93/38, a qual à data dos factos ainda não tinha sido transposta para o direito interno, não podiam produzir efeitos diretos verticais a seu respeito. Considerando que a Diretiva 93/38 tem como destinatários não apenas os Estados‑Membros mas também todas as entidades adjudicantes na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva, o ministério sustenta, por sua vez, que esta impõe obrigações a todas as entidades visadas por esta disposição, designadamente as que beneficiam de direitos exclusivos conferidos por um Estado‑Membro. Esse é precisamente o caso da sociedade demandante enquanto concessionária de um serviço público.

20.

Foi submetida ao Tribunal de Justiça, no essencial, a questão de saber se e em que condições as disposições da Diretiva 93/38 podem ser invocadas contra um concessionário de um serviço público que tem a qualidade de entidade adjudicante no caso de esta diretiva não ter sido transposta para o direito interno.

21.

Embora, conforme resulta de jurisprudência consolidada, a questão da invocabilidade de uma diretiva contra uma entidade que tem a qualidade de concessionário de um serviço público esteja longe de ser inédita, o presente processo reveste uma certa particularidade na medida em que esta invocabilidade é reivindicada por uma autoridade estatal.

22.

Em primeiro lugar, saliento que não se coloca a questão de saber se as disposições da diretiva cuja aplicação é pedida, a saber, os artigos 4.°, n.o 1, e 14.°, n.o 1, alínea c), i), da Diretiva 93/38, preenchem as condições «técnicas» de precisão, clareza e incondicionalidade para poderem ser invocadas contra o Estado ( 7 ).

23.

Além disso, não me parece haver dúvidas de que estas disposições preenchem os critérios requeridos. Com efeito, uma vez que se trata de contratos de fornecimento e de serviços cujo valor estimado sem IVA é igual ou superior a 400 000 euros, estas disposições impõem, designadamente, às entidades adjudicantes que exercem atividades nos setores do transporte ou da distribuição de gás uma obrigação precisa e incondicional, segundo a qual a celebração dos referidos contratos deve ser conforme com as disposições e procedimentos previstos pela Diretiva 93/38 e deve ser realizada sem que haja discriminação entre fornecedores, empreiteiros ou prestadores de serviços. Nenhuma medida de execução se afigura necessária para garantir o respeito destas exigências. Esta apreciação encontra, em meu entender, apoio sólido na jurisprudência relativa a disposições comparáveis em matéria de celebração de contratos públicos ( 8 ).

24.

Em contrapartida, discute‑se a questão de saber se as referidas disposições são oponíveis à Portgás na sua simples qualidade de concessionária de um serviço público que tem a qualidade de entidade adjudicante na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 93/38. Coloca‑se, igualmente, a questão de saber se, independentemente da possibilidade de considerar a Portgás enquanto emanação do Estado na aceção da jurisprudência, é possível uma entidade estatal reivindicar a aplicação de determinadas disposições desta diretiva.

25.

Neste caso, considero pois que, para responder à questão submetida, em primeiro lugar, há que determinar se as disposições da Diretiva 93/38 são oponíveis à Portgás, na sua simples qualidade de concessionária de um serviço público, e, em caso afirmativo, questionar se as autoridades administrativas de um Estado‑Membro podem reivindicar a aplicação contra a mesma das disposições da referida diretiva que, à data dos factos controvertidos, não tinham sido transpostas para a ordem jurídica.

26.

Por outras palavras, uma vez resolvida a questão de saber em relação a quem pode ser invocada a aplicação das disposições da diretiva não transpostas ou transpostas incorretamente, falta ainda determinar quem pode invocar as referidas disposições e, se for caso disso, a que título.

A — Quanto à possibilidade de invocar as disposições da Diretiva 93/38 contra a Portgás na sua simples qualidade de concessionária de um serviço público e de entidade adjudicante na aceção do artigo 2.o da referida diretiva

27.

No caso vertente, estão em confronto duas conceções.

28.

Por um lado, a demandante no processo principal alega, no essencial, que, uma vez que a Diretiva 93/38 ainda não tinha sido transposta para o direito interno à data da celebração do contrato de fornecimento em questão, as autoridades administrativas portuguesas não podiam invocar contra ela as disposições da referida diretiva. Recorda que, segundo jurisprudência constante, as diretivas não transpostas não podem criar obrigações para os particulares. Ora, a demandante tem precisamente a qualidade de particular, não obstante o facto de ter a qualidade de concessionária de um serviço público. Sublinha, a este respeito, que não dispõe de nenhuma prerrogativa que exorbite do direito comum.

29.

Por outro lado, o Governo português e a Comissão sustentam, no essencial, que a Portgás, na sua qualidade de concessionário exclusivo de um serviço público e de entidade adjudicante na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 93/38, tinha de cumprir as disposições desta diretiva, mesmo que este ato ainda não tivesse sido transposto para o direito interno à data da celebração do contrato de fornecimento controvertido.

30.

Parece‑me importante recordar que o reconhecimento do efeito direto das diretivas assenta, definitivamente, em dois objetivos complementares: a necessidade de garantir eficazmente os direitos que os particulares podem retirar destes atos, bem como o desejo de sancionar as autoridades nacionais que não tenham respeitado o efeito obrigatório e não tenham assegurado a aplicação efetiva dos mesmos ( 9 ).

31.

Visto por este prisma e como o Tribunal de Justiça tem constantemente recordado, o caráter vinculativo de uma diretiva, no qual se baseia a possibilidade de a invocar perante um tribunal nacional, existe apenas relativamente ao «Estado‑Membro destinatário». Daqui resulta que uma diretiva não pode, por si própria, criar obrigações para os particulares e que uma disposição de uma diretiva não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra eles ( 10 ). Uma autoridade nacional não pode invocar contra um particular uma disposição de uma diretiva cuja transposição necessária para direito nacional ainda não tenha sido efetuada ( 11 ).

32.

Por outras palavras, e não obstante as dúvidas que possam ter surgido legitimamente a este respeito ( 12 ), o efeito direto das diretivas só pode ter natureza «vertical» e «ascendente», no sentido de que só pode ser pertinente no contexto de um recurso interposto por um particular contra uma entidade estatal. Esta regra tem por corolário que a obrigação de o juiz nacional ter em conta o conteúdo da diretiva ao interpretar as normas relevantes do direito nacional encontra os seus limites quando tal interpretação leve a impor a um particular uma obrigação prevista numa diretiva não transposta ( 13 ).

33.

Esta limitação é contudo compensada pelo facto de as entidades contra quem podem ser invocadas as disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva europeia revestirem várias formas e qualidades. Com efeito, está igualmente assente que o conceito de «Estado‑Membro» contra o qual podem ser invocadas as disposições de uma diretiva está concebido de forma simultaneamente funcional e extensiva.

34.

Abrange, em primeiro lugar, a totalidade dos órgãos da Administração Pública, incluindo as autoridades descentralizadas ( 14 ). Por outro lado, quando os particulares estejam em condições de invocar uma diretiva contra o Estado, podem fazê‑lo qualquer que seja a qualidade em que aja este último, a de empregador ou a de autoridade pública. Num e noutro caso, deve, com efeito, evitar‑se que o Estado possa tirar proveito da sua inobservância do direito da União ( 15 ).

35.

Este conceito abrange mais amplamente a totalidade das pessoas públicas ou particulares que tenham vínculos especiais com o Estado, a saber, para retomar a fórmula consagrada pelo acórdão Foster e o. ( 16 ), e várias vezes recordada posteriormente ( 17 ), os organismos e empresas que, seja qual for a sua natureza jurídica, foram encarregados, por um ato de uma autoridade pública, de prestar, sob controlo desta, um serviço de interesse público e que disponham, para esse efeito, de poderes que ultrapassam os que resultam das regras aplicáveis às relações entre particulares.

36.

O Tribunal de Justiça julgou assim que podem opor‑se a uma pessoa coletiva de direito privado as disposições de uma diretiva suscetíveis de ter efeito direto, quando o Estado lhe tenha confiado uma missão particular e controle direta ou indiretamente essa pessoa coletiva ( 18 ).

37.

Em contrapartida, não me parece que decorra da jurisprudência que o mero facto de uma entidade dispor da qualidade de entidade adjudicante, na aceção da regulamentação europeia, implique que deva considerar‑se que essa entidade faz parte do Estado.

38.

Embora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições de uma diretiva possam produzir um efeito direto relativamente a um organismo encarregado de cumprir, sob o controlo do Estado, um serviço de interesse público, é ainda necessário que essa entidade disponha de poderes que exorbitem das normas aplicáveis às relações entre particulares.

39.

Ora, embora, conforme mencionou a Comissão, a qualidade de entidade adjudicante, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 93/38, só seja reconhecida às entidades privadas que «beneficiem de direitos, ou exclusivos concedidos por uma autoridade competente de um Estado‑Membro», esta qualidade não implica necessariamente que as referidas entidades beneficiem de «poderes exorbitantes» na aceção da jurisprudência Foster e o., já referida, conforme precisada, em particular, pelos acórdãos Collino e Chiappero ( 19 ) e Rieser Internationale Transporte ( 20 ), já referidos.

40.

Por outro lado, não estou convencido de que seja necessário alargar a invocabilidade das diretivas a título de efeito direto contra uma entidade deste tipo.

41.

Em primeiro lugar, deve sublinhar‑se que, de forma geral, o facto de uma entidade estar abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal de uma diretiva não é um elemento determinante para que lhe possam ser opostas as disposições não transpostas da referida diretiva ( 21 ), pois o que importa é que, por força do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, apenas os Estados são seus destinatários. Por conseguinte, ainda que a Portgás esteja incluída nas entidades expressamente visadas pelo âmbito de aplicação da diretiva controvertida, na sua qualidade de sociedade concessionária de um serviço público que lhe foi confiado a título exclusivo pelo Estado, é difícil sustentar que estivesse obrigada a cumprir as disposições da Diretiva 93/38, antes da entrada em vigor do ato legislativo de transposição.

42.

Em seguida, independentemente das ligações que podem legitimamente ser feitas, o conceito de «entidade adjudicante» não tem o mesmo alcance que o conceito de «Estado» no sentido funcional do termo contra o qual o particular pode invocar o efeito direto de uma diretiva ( 22 ).

43.

Igualmente, o facto de uma empresa estar obrigada a cumprir, enquanto concessionária exclusiva, um serviço de interesse público não basta para que lhe sejam oponíveis as disposições de uma diretiva não transposta para a ordem interna. Deve entender‑se que a referida empresa dispõe de poderes exorbitantes e está sujeita ao controlo das autoridades públicas ( 23 ).

44.

Voltando ao processo principal, resulta, à primeira vista, dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça ( 24 ) que a relação que une a Portgás às autoridades estatais portuguesas não é tão estreita como a que, no processo que deu origem ao acórdão Foster e o., já referido, ligava a entidade em questão às autoridades britânicas. As prerrogativas de controlo que as autoridades portuguesas têm relativamente à Portgás são, parece‑me, bastante mais limitadas ( 25 ).

45.

Todavia, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu informações suficientes sobre a Portgás para determinar se a referida empresa dispunha, à data dos factos controvertidos, de poderes exorbitantes e se encontrava submetida ao controlo das autoridades públicas, caberá, de acordo com a regra enunciada no acórdão Foster e o. ( 26 ) e a abordagem tradicionalmente adotada pelo Tribunal de Justiça em processos semelhantes ( 27 ), a esse órgão jurisdicional examinar se os requisitos estavam preenchidos quanto à situação da Portgás à data dos factos controvertidos.

46.

Na falta de elementos que demonstrem que a Portgás deve ser equiparada ao Estado, a invocabilidade da diretiva deve ser excluída, uma vez que, conforme resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça recordada anteriormente, não pode criar obrigações para um particular e serem‑lhe opostas as disposições de uma diretiva não transposta.

47.

Decidir de forma diferente seria atribuir efeito direto descendente às disposições da Diretiva 93/38 e, além disso, permitir ao Estado, entendido de forma unitária, aproveitar‑se do seu erro em relação aos particulares.

48.

Em contrapartida, na hipótese de a Portgás dever equiparar‑se a uma empresa que dispõe de prerrogativas de poder público, e como tal abrangida pelo conceito funcional de Estado — ou de emanação deste — acima evocado, é ainda necessário determinar se o ministério visado no caso vertente pode invocar a aplicação da diretiva não transposta.

B — Quanto à questão de saber se as disposições da diretiva controvertida podem ser invocadas por uma autoridade estatal contra uma entidade qualificada de «emanação do Estado»

49.

Conforme mencionei anteriormente, não parecem existir dúvidas de que as disposições das diretivas não podem ser invocadas ao abrigo do efeito direto contra particulares, uma vez que as diretivas só criam obrigações a cargo dos Estados‑Membros destinatários.

50.

Feita esta precisão, uma pergunta subsiste. Deve excluir‑se em todos os casos a possibilidade de o Estado invocar disposições de uma diretiva não transposta, ou esta limitação só se aplica aos casos em que a invocabilidade das disposições da diretiva não transposta é reivindicada contra um particular? Neste caso, na hipótese de se dever considerar que a Portgás deve equiparar‑se a uma «emanação do Estado» à qual são oponíveis as disposições da diretiva, deve, por essa razão, excluir‑se a possibilidade de o ministério invocar a referida diretiva?

51.

Entendo que se deve responder negativamente a esta questão.

52.

Todavia, pelos motivos que passarei a expor, em tal hipótese, a possibilidade de uma autoridade estatal invocar contra um outro desmembramento do Estado o desrespeito das disposições de uma diretiva estaria abrangida, parece‑me, por uma problemática alheia à discussão tradicional relativa ao efeito vertical — e a fortiori horizontal — das diretivas, encontrando antes a sua origem no dever de todas as autoridades estatais agirem em conformidade com as disposições das diretivas (artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE) e cooperarem de forma leal e assegurarem a plena execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições (artigo 4.o, n.o 3, TUE).

53.

Em primeiro lugar, não me parece que a problemática tenha relação direta com a jurisprudência relativa à intensidade do efeito direto que deve ser reconhecido às disposições das diretivas.

54.

Com efeito, decorre dos termos adotados pela jurisprudência e da leitura que, de resto, é feita pela doutrina que os «dois polos da relação vertical característica do efeito direto das diretivas» ( 28 ) consiste, conforme foi anteriormente mencionado, na presença, por um lado, de um «Estado‑Membro» — ou de um dos seus desmembramentos ou emanações — contra o qual podem ser invocadas as disposições de uma diretiva não transposta ou transposta incorretamente e, por outro, de um «particular», único autorizado a invocar essas disposições, uma vez expirado o prazo para a transposição ( 29 ).

55.

Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça admitiu que coletividades públicas, a priori equiparáveis a desmembramentos do Estado, podiam eventualmente invocar disposições precisas e incondicionais de uma diretiva não transposta ao abrigo do efeito direto das diretivas, as referidas coletividades ou entidades devem precisamente ser consideradas particulares tendo em conta a diretiva em questão. Assim, no processo que deu origem ao acórdão Comune di Carpaneto Piacentino e o., o Tribunal de Justiça salientou que «[o]s organismos de direito público, que neste contexto devem ser equiparados aos particulares, podem, assim, invocar a regra de não tributação pelas atividades que exerçam na qualidade de autoridades públicas e não constantes do anexo D da diretiva» ( 30 ).

56.

Em segundo lugar, parece‑me importante esclarecer que o argumento inspirado no princípio do «estoppel» ou da regra nemo auditur propriam turpitudinem allegans não tem o mesmo eco numa configuração em que é uma entidade estatal que invoca disposições de uma diretiva contra outra entidade estatal ou outro desmembramento do Estado. Embora este argumento faça sentido quando o Estado pretenda opor aos particulares o não cumprimento das obrigações contidas numa diretiva europeia, na medida em que visa evitar que o Estado possa tirar vantagens da sua obrigação de transposição, tal não se verifica no caso em que o litígio opõe dois desmembramentos do Estado.

57.

Assim, voltando ao processo principal, admitindo que a Portgás deva ser equiparada a uma emanação do Estado na aceção da jurisprudência Foster e o., já referida, estaríamos, definitivamente, perante dois incumprimentos: por um lado, o Estado não respeitou o seu dever previsto no artigo 288.o TFUE de transpor a Diretiva 93/38, mas, por outro, a Portgás, enquanto autoridade adjudicante, não respeitou as disposições da referida diretiva.

58.

Em face de tal configuração, entendo que esta problemática não tem relação alguma com uma discussão relativa ao alcance e à intensidade do efeito direto que deve ser reconhecido às disposições precisas e incondicionais das diretivas, inserindo‑se, sim, no âmbito das obrigações impostas às autoridades estatais por força do seu dever de cooperação leal e do seu dever de assegurar a execução das obrigações que decorrem do direito da União.

59.

Parece‑me importante sublinhar a este respeito que, embora a primeira obrigação que cabe aos Estados‑Membros no que respeita à execução das diretivas consista inegavelmente em tornar o direito nacional conforme com as diretivas através da adoção, nos prazos fixados, de medidas de transposição conformes quer com os termos quer com as finalidades prosseguidas, não está limitada a isso. O efeito obrigatório reconhecido às diretivas implica que, além da obrigação de transposição, o conjunto das autoridades e desmembramentos do Estado garantam a execução efetiva desses atos.

60.

Por força do princípio da cooperação leal, os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias, gerais ou especiais, adequadas a assegurar a execução das suas obrigações decorrentes do direito da União. Conforme o Tribunal de Justiça esclareceu, a obrigação decorrente de uma diretiva, para os Estados‑Membros, de alcançar o resultado nela previsto, bem como o dever, por força dos Tratados, de adotar todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação, é imposta a todas as autoridades dos Estados‑Membros ( 31 ).

61.

O Tribunal de Justiça considerou, assim, que, além das autoridades estatais centrais, estão sujeitas à obrigação de tomar todas as medidas adequadas para assegurar a execução das diretivas as autoridades descentralizadas independentemente do seu nível de autonomia, bem como as instâncias jurisdicionais.

62.

Em meu entender, não se pode limitar a imposição desta obrigação de execução apenas a estas autoridades, e há que, por uma questão de coerência, tornar esta obrigação extensiva a todos os organismos e entidades que preenchem os requisitos para poderem ser qualificados de emanações do Estado na aceção funcional do termo, qualificação cujos contornos foram precisados no acórdão Foster e o., já referido.

63.

Assim, voltando ao caso que nos é submetido, devendo entender‑se que uma entidade, como a Portgás, concessionária de um serviço público, que tem além disso a qualidade de autoridade adjudicante, é equiparável ao Estado, não vejo nenhum obstáculo a que lhe sejam oponíveis as disposições da Diretiva 93/38. Pelo contrário, não apenas estas disposições lhe são oponíveis como, além disso, tem a obrigação de, na sua qualidade de desmembramento do Estado, tomar todas as medidas necessárias à execução destas disposições, independentemente, de resto, da questão de saber se estas preenchem os requisitos técnicos de invocabilidade a título de efeito direto. Nessa hipótese, deve concluir‑se que a Portgás estava sujeita às obrigações previstas por esta diretiva desde 1 de janeiro de 1998 e que, além disso, podia ter sido sancionada pelo seu incumprimento, quer através de decisão da autoridade da tutela competente quer através de decisão de órgãos jurisdicionais nacionais, a pedido de terceiros lesados por esse incumprimento. Tais sanções constituiriam medidas de execução adequadas da diretiva em questão porque têm precisamente por objetivo favorecer a adoção de decisões ou de procedimentos conformes com a referida diretiva.

64.

Por outro lado, ao invocar a violação de certas disposições da Diretiva 93/38 em causa por parte da Portgás, o ministério, na sua qualidade de autoridade de tutela, apenas cumpriu a sua obrigação de execução e cooperação leal, independentemente da transposição da referida diretiva. Nesta perspetiva, não pode ser acusado de ter tirado qualquer vantagem da situação de não transposição.

65.

Esta obrigação de cooperação e de conformidade parece‑me, de resto, reforçada no caso em que, como no processo principal, a autoridade estatal em questão está, enquanto autoridade da tutela, encarregada de assegurar a boa gestão e a conformidade das operações que são objeto de financiamento pelos fundos estruturais. Como a Comissão sublinhou nos seus articulados, as autoridades de gestão que foram designadas pelos Estados‑Membros para gerir as intervenções desses fundos assumem uma responsabilidade especial, pois devem assegurar‑se expressamente de que tais intervenções são conformes com as disposições do Tratado e dos atos de direito derivado, entre os quais figuram os que são aplicáveis em matéria de contratos públicos ( 32 ).

66.

Por conseguinte, se se entender que a Portgás é equiparável ao Estado, não vejo nenhum obstáculo a que as disposições da Diretiva 93/38 lhe sejam oponíveis, mesmo que isso seja invocado por uma autoridade do Estado. Na verdade, a jurisprudência só admite o efeito direto das diretivas não transpostas quando esse efeito é invocado por um particular contra o Estado ou um organismo que lhe possa ser equiparado, excluindo‑o expressamente quando é invocado pelo Estado contra um particular. Todavia, isso não implica que as disposições de uma diretiva não possam ser invocadas num litígio entre o Estado e um organismo que lhe está ligado. Já não se trata de uma questão de efeito direto, mas de imperativos da execução de uma diretiva tendo em conta a obrigação de execução das obrigações que decorrem do direito da União e de cooperação leal que se impõem a todas as autoridades e desmembramentos do Estado.

IV — Conclusão

67.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto do seguinte modo:

«Os artigos 4.°, n.o 1, e 14.°, n.o 1, alínea c), i), da Diretiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, conforme alterada pela Diretiva 98/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, não podem ser invocados pelas autoridades de um Estado‑Membro contra uma empresa privada, pelo simples motivo de que se trata de um concessionário exclusivo de um serviço de interesse público abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal desta diretiva, uma vez que a referida diretiva ainda não foi transposta para a ordem interna do referido Estado‑Membro. Cabe ao juiz nacional identificar se, além da sua qualidade de concessionária de um serviço público, a empresa em questão dispõe de prerrogativas exorbitantes.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 5 de fevereiro de 1963, 26/62, Colet. 1962-1964, p. 205.

( 3 ) JO L 199, p. 84.

( 4 ) JO L 101, p. 1.

( 5 ) Diário da República, I série‑A, n.o 184, de 9 de agosto de 2001, p. 5002.

( 6 ) Segundo informações fornecidas pela demandante no processo principal, esta é, desde a sua constituição, detida maioritariamente por acionistas privados.

( 7 ) Segundo jurisprudência assente, em todos os casos em que, tendo em conta o seu conteúdo, as disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado, seja quando este não tenha transposto dentro do prazo a diretiva para o direito nacional, seja quando tenha feito uma transposição incorreta desta [v., designadamente, acórdãos de 19 de janeiro de 1982, Becker (8/81, Recueil, p. 53, n.o 25), e de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, n.o 33 e jurisprudência referida)].

( 8 ) V., designadamente, acórdãos de 20 de setembro de 1988, Beentjes (31/87, Colet., p. 4635, n.os 40 a 44); de 22 de junho de 1989, Costanzo (103/88, Colet., p. 1839, n.os 29 a 31); de 24 de setembro de 1998, Tögel (C-76/97, Colet., p. I-5357, n.os 42 a 47); de 4 de março de 1999, HI (C-258/97, Colet., p. I-1405, n.os 34 a 39); de 16 de setembro de 1999, Fracasso e Leitschutz (C-27/98, Colet., p. I-5697, n.os 36 e 37); e de 18 de outubro de 2001, SIAC Construction (C-19/00, Colet., p. I-7725, n.os 35 a 45).

( 9 ) V., em particular, acórdão de 26 de fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colet., p. 723, n.o 47).

( 10 ) Acórdãos Marshall, já referido (n.o 48); de 8 de outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen (80/86, Colet., p. 3969, n.o 9); e de 26 de setembro de 1996, Arcaro (C-168/95, Colet., p. I-4705, n.o 36).

( 11 ) V., designadamente, acórdão Kolpinghuis Nijmegen, já referido (n.o 10).

( 12 ) Não é possível recensear aqui os múltiplos comentários de jurisprudência e contributos doutrinários que são dedicados aos requisitos de invocabilidade das diretivas, designadamente nos litígios horizontais. Limito‑me, a este respeito, a remeter para as referências mencionadas pelo advogado‑geral P. Cruz Villalón no n.o 75 (nota de pé de página 32) das suas recentes conclusões no processo Association de médiation sociale (C‑176/12), pendente no Tribunal de Justiça.

( 13 ) V., em particular, acórdão Arcaro, já referido (n.o 42).

( 14 ) V., designadamente, acórdão Costanzo, já referido (n.o 32).

( 15 ) V., designadamente, acórdão Marshall, já referido (n.o 49).

( 16 ) Acórdão de 12 de julho de 1990 (C-188/89, Colet., p. I-3313, n.o 20).

( 17 ) Acórdãos de 14 de setembro de 2000, Collino e Chiappero (C-343/98, Colet., p. I-6659, n.o 23); de 5 de fevereiro de 2004, Rieser Internationale Transporte (C-157/02, Colet., p. I-1477, n.o 24); de 19 de abril de 2007, Farrell (C-356/05, Colet., p. I-3067, n.o 40); e Dominguez, já referido (n.o 39).

( 18 ) V. acórdão Rieser Internationale Transporte, já referido (n.o 29).

( 19 ) V. acórdão Collino e Chiappero, já referido (n.o 23).

( 20 ) V. n.os 25 a 27 do acórdão. Para decidir se as disposições de uma diretiva suscetíveis de terem um efeito direto eram oponíveis à Asfinag, o Tribunal de Justiça constatou previamente que este organismo, além de estar encarregado de um serviço de interesse geral por força de um ato de uma autoridade pública sob o controlo desta, dispunha de poderes exorbitantes.

( 21 ) V., designadamente, acórdãos de 14 de julho de 1994, Faccini Dori (C-91/92, Colet., p. I-3325), relativamente à Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), e de 12 de dezembro de 1996, X (C-74/95 e C-129/95, Colet., p. I-6609), relativamente a pessoas que se inserem no âmbito de aplicação da Diretiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (Quinta Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO L 156, p. 14).

( 22 ) Conforme referiu o advogado‑geral S. Alber nas suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Rieser Internationale Transporte, já referido (n.o 35), «o conceito de entidade adjudicante não tem necessariamente de ter o mesmo significado que o de Estado no sentido funcional, perante o qual o particular pode invocar o efeito direto de uma diretiva».

( 23 ) Conforme salientou o advogado‑geral W. Van Gerven nas suas conclusões no processo Foster e o., já referido (n.o 22), a empresa em relação à qual pode ser invocada uma disposição incondicional e suficientemente precisa é aquela em relação à qual o Estado «assuma uma responsabilidade que lhe permita influenciar de forma determinante ou de qualquer outro modo (ressalvado o exercício da competência legislativa geral) o comportamento desse sujeito ou desse organismo e isso na matéria para a qual a disposição em questão da diretiva lhe imponha uma obrigação que não tenha transposto para o seu direito interno».

( 24 ) Estes elementos consistem, designadamente, no Decreto‑Lei n.o 33/91 (Diário da República, I série‑A, n.o 13, de 16 de janeiro de 1991, p. 235) e no contrato de concessão de distribuição de gás celebrado, em dezembro de 1993, entre a Portgás e o Estado português.

( 25 ) Neste sentido, afigura‑se que o Estado não dispõe de poder de nomeação dos dirigentes da sociedade, da possibilidade de dirigir diretrizes gerais — e, em certos casos, instruções obrigatórias — sobre questões diversas ou ainda do poder de ordenar o destino de certos fundos, o que poderia exercer pressão sobre a direção da empresa em questão.

( 26 ) Conforme resulta do n.o 15 do acórdão Foster e o., já referido, embora o Tribunal de Justiça seja competente para determinar, a título prejudicial, as categorias de sujeitos de direito face aos quais as disposições de uma diretiva podem ser invocadas, em contrapartida, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais decidir se uma das partes no litígio que lhe foi submetido se enquadra numa das categorias aí definidas.

( 27 ) V., designadamente, acórdãos, já referidos, Collino e Chiappero (n.o 24); Farrell (n.o 41); e Dominguez (n.o 40).

( 28 ) V. Simon, D. — La directive européenne, Dalloz, 1997, p. 73.

( 29 ) Se, por outro lado, retomarmos a fórmula original utilizada pelo juiz da União, é sobre «a vigilância dos particulares, interessados na salvaguarda dos seus direitos», que repousa a consagração do efeito direto (v. acórdão van Gend & Loos, já referido, n.o 25).

( 30 ) Acórdão de 17 de outubro de 1989 (231/87 e 129/88, Colet., p. 3233, n.o 31).

( 31 ) V., designadamente, acórdãos de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann (14/83, Recueil, p. 1891), e Kolpinghuis Nijmegen, já referido (n.o 12).

( 32 ) V., designadamente, artigos 12.° e 38.° do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais (JO L 161, p. 1), aplicável aos factos em questão no processo principal. No caso em apreço, pode estranhar‑se que o debate se centre na questão da invocabilidade da Diretiva 93/38, uma vez que, em todo o caso, as autoridades nacionais competentes estavam obrigadas a garantir o pleno respeito das disposições do regulamento europeu, que reenviam para as regras aplicáveis em matéria de contratos públicos, cujo caráter obrigatório e diretamente aplicável não suscita nenhuma dúvida.