CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 12 de setembro de 2013 ( 1 )

Processo C‑63/12

Comissão Europeia

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação — Estatuto dos Funcionários — Artigos 64.° e 65.° — Artigos 1.°, 3.° e 10.° do anexo XI — Adaptação anual das remunerações e das pensões, bem como dos coeficientes de correção — Proposta de regulamento de adaptação segundo o método ‘normal’ — Decisão do Conselho de não adotar a proposta — Conceito de ‘ato impugnável’ — Condições de aplicação da cláusula de exceção»

Processo C‑66/12

Conselho da União Europeia

contra

Comissão Europeia

«Recurso de anulação — Ação por omissão — Estatuto dos Funcionários — Artigos 64.° e 65.° — Artigos 1.°, 3.° e 10.° do anexo XI — Adaptação anual das remunerações e das pensões, bem como dos coeficientes de correção — Proposta de regulamento de adaptação segundo o método ‘normal’ — Recurso do Conselho — Decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça — Regra de maioria aplicável»

e

Processo C‑196/12

Comissão Europeia

contra

Conselho da União Europeia

«Ação por omissão — Estatuto dos Funcionários — Artigos 64.° e 65.° — Artigos 1.°, 3.° e 10.° do anexo XI — Adaptação anual das remunerações e das pensões, bem como dos coeficientes de correção — Proposta de regulamento de adaptação segundo o método ‘normal’ — Decisão do Conselho de não adotar a proposta — Abstenção»

Índice

 

I — Introdução

 

II — Disposições pertinentes do Estatuto

 

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

 

A — Processo C‑63/12

 

B — Processo C‑66/12

 

C — Processo C‑196/12

 

IV — Recursos nos processos C‑63/12 e C‑196/12

 

A — Quanto à admissibilidade dos recursos

 

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

 

2. Apreciação

 

a) Fiscalização jurisdicional dos comportamentos de recusa de uma instituição, órgão ou organismo da União

 

i) O recurso de anulação do artigo 263.o TFUE censura a ação ilegal da instituição

 

ii) A ação por omissão do artigo 265.o TFUE censura a inação da instituição

 

iii) A recusa de adotar um ato deve ser impugnada pela via do recurso de anulação

 

b) Apreciação do comportamento do Conselho

 

B — Quanto à procedência do recurso no processo C‑63/12

 

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

 

a) Observações liminares

 

b) Argumentos do pedido

 

i) A Comissão

 

— Recusa de adaptação das remunerações e das pensões

 

— Recusa de adaptação dos coeficientes de correção

 

ii) O Parlamento

 

c) Argumentos de defesa

 

i) O Conselho

 

— Recusa de adaptação das remunerações e das pensões

 

— Recusa de adaptação dos coeficientes de correção

 

ii) Os Estados‑Membros

 

— República Checa

 

— Reino da Dinamarca

 

— República Federal da Alemanha

 

— Reino de Espanha

 

— Reino dos Países Baixos

 

— Reino Unido

 

2. Apreciação

 

a) Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à função e aos poderes respetivos da Comissão e do Conselho no quadro do procedimento de adaptação das remunerações

 

b) Resolução do conflito que opõe a Comissão e o Conselho quanto à existência de uma «deterioração grave e súbita da situação económica e social existente na União»

 

i) Análise das condições que desencadeiam o procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto

 

ii) Apreciação do mérito dos fundamentos de anulação

 

— Quanto ao fundamento relativo ao desvio de poder

 

— Quanto ao fundamento relativo à violação da regra de direito pelo Conselho, que não devia ter‑se considerado autorizado a não adotar a proposta de regulamento

 

— Quanto ao fundamento relativo às condições de aplicação da cláusula de exceção devido a fundamentação insuficiente e errada

 

V — Recurso no processo C‑66/12

 

A — Mérito do recurso

 

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

 

a) Irlanda

 

b) República Francesa

 

2. Apreciação

 

B — Admissibilidade do recurso

 

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

 

2. Apreciação

 

VI — Quanto às despesas

 

VII — Conclusão

I — Introdução

1.

A questão da adaptação anual das remunerações dos funcionários e dos outros agentes da União Europeia, que é objeto comum dos processos C‑63/12, C‑66/12 e C‑196/12, foi analisada recentemente pelo Tribunal de Justiça e esteve na origem do acórdão de 24 de novembro 2010, Comissão/Conselho ( 2 ), no qual o Tribunal de Justiça anulou parcialmente o Regulamento (UE, Euratom) n.o 1296/2009 do Conselho, de 23 de dezembro de 2009 ( 3 ), que fixou uma percentagem de adaptação das remunerações inferior à proposta pela Comissão Europeia.

2.

As questões colocadas pelos três processos ora em análise apresentam, contudo, uma configuração diferente, que exige um aprofundamento da análise anterior. Adicionalmente, foram invocadas questões novas e delicadas, relativas à admissibilidade dos recursos e das ações.

3.

O Estatuto dos Funcionários e dos outros agentes da União foi aprovado pelo Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.o 259/68 do Conselho, de 29 de fevereiro de 1968, que fixa o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias assim como o regime aplicável aos outros agentes destas Comunidades, e estabeleceu medidas especiais temporariamente aplicáveis aos funcionários da Comissão ( 4 ), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 723/2004 do Conselho, de 22 de março de 2004 ( 5 ), e pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 1080/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 ( 6 ).

4.

Os artigos 1.° e 3.° do anexo XI do Estatuto determinavam, até 31 de dezembro de 2012, as condições em que as remunerações destes funcionários e outros agentes eram automaticamente revistas todos os anos pelo Conselho da União Europeia, sob proposta da Comissão.

5.

O artigo 10.o do anexo XI do Estatuto instituía, todavia, uma «cláusula de exceção» que permitia derrogar este método de adaptação «[e]m caso de deterioração grave e súbita da situação económica e social [da União]». Nessa hipótese, competia à Comissão apresentar «propostas adequadas» ao Conselho, que deliberava em conformidade com o processo legislativo ordinário.

6.

Em 17 de dezembro de 2010, o Conselho, constatando que «as recentes crises económica e financeira que se registaram na [União] e que implicam significativos ajustamentos orçamentais e uma insegurança acrescida a nível do emprego em vários Estados‑Membros, se traduzem numa deterioração grave e súbita da situação económica e social na [União]», solicitou à Comissão que, em conformidade com o artigo 241.o do TFUE, lhe apresentasse, com base no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto e à luz dos dados objetivos fornecidos pela Comissão, propostas adequadas, a tempo de serem analisadas e aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho antes do final de 2011 ( 7 ).

7.

Tendo a Comissão adotado, em 13 de julho de 2011, um relatório relativo a esta cláusula de exceção ( 8 ), que concluía pela inexistência de uma deterioração grave e súbita da situação económica e social na União, o Conselho contestou esta conclusão e decidiu, em 28 de outubro de 2011, por maioria «esmagadora» das delegações, dirigir à Comissão um novo pedido, em conformidade com o artigo 241.o do TFUE. Declarando‑se «convicto de que a crise financeira e económica que atualmente se faz sentir na [União] e conduziu a ajustamentos orçamentais significativos na maioria dos Estados‑Membros, constitui uma deterioração grave e súbita da situação económica e social na [União]», o Conselho, «[n]esta conjuntura particular e excecional, e à luz de dados objetivos que espelham a situação económica e social no outono de 2011», solicita à Comissão que aplique o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, e apresente uma proposta adequada de ajustamento das remunerações ( 9 ).

8.

Assim, a Comissão apresentou, em 24 de novembro de 2011, uma comunicação que fornecia informações suplementares ( 10 ), na qual afirmava que as condições de aplicação da cláusula não se verificavam e, na mesma data, submeteu ao Conselho uma proposta de adaptação para efeitos do exame anual de 2011 ( 11 ), tendo em vista, por um lado, proceder a um aumento de 1,7% das remunerações e das pensões, em resultando esta taxa da aplicação puramente mecânica do método de cálculo estabelecido no Estatuto, e, por outro lado, adaptar os coeficientes de correção.

9.

Considerando que a recusa da Comissão de apresentar uma proposta com base no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto se baseava em motivos insuficientes e errados, o Conselho, através de uma «decisão» de 19 de dezembro de 2011 ( 12 ), decidiu não adotar a proposta de regulamento.

10.

A Comissão interpôs, em 3 de fevereiro de 2012, um recurso de anulação contra este ato, registado sob o número C‑63/12.

11.

Paralelamente ao exercício deste recurso de anulação, a Comissão, que em 25 de janeiro de 2012 enviara ao Conselho um convite formal para agir, na eventualidade de a atitude deste ser analisada como uma abstenção de pronúncia constitutiva de uma omissão na aceção do artigo 265.o TFUE, intentou, em 26 de abril de 2012, uma ação por omissão, registada sob o número C‑196/12.

12.

Por seu lado, o Conselho, em 3 de fevereiro de 2012, interpôs um recurso de anulação e, subsidiariamente, uma ação por omissão contra a comunicação e a proposta de regulamento, tendo o respetivo processo sido registado sob o número C‑66/12.

13.

A Comissão, apoiada pelo Parlamento, entende que o Conselho, no âmbito do procedimento previsto pelo Estatuto para a adaptação das remunerações, era obrigado a aceitar a sua proposta de regulamento. Segundo a Comissão e o Parlamento, o Conselho só poderia ter afastado a aplicação automática do método de cálculo fixado no Estatuto para tomar em conta a crise económica e social se se tivesse baseado numa proposta da Comissão nesse sentido.

14.

A Comissão solicita, assim, a título principal, a anulação da decisão impugnada, e pede, subsidiariamente, ao Tribunal de Justiça, na ação por omissão, que declare que, ao não adotar a proposta de regulamento, o Conselho violou as obrigações que lhe incumbem por força do Estatuto.

15.

O Conselho, apoiado por diversos Estados‑Membros ( 13 ), contesta este pedido e a argumentação em que o mesmo se baseia. Segundo esta instituição e os Estados‑Membros que a apoiam, o Estatuto confere ao Conselho o poder de recusar a adaptação das remunerações quando entender que as condições de aplicação da cláusula de exceção estão preenchidas.

16.

O Conselho, apoiado pelos mesmos Estados‑Membros, a que se juntaram mais três ( 14 ), pede a anulação da comunicação, uma vez que nela a Comissão manifesta a sua recusa definitiva de apresentar propostas adequadas com base no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, bem como a proposta de regulamento subsequente. A título subsidiário, pede ao Tribunal de Justiça que declare, nos termos do artigo 265.o TFUE, uma violação dos Tratados causada pela abstenção da Comissão.

17.

Embora os três processos não tenham sido objeto de uma apensação formal, a interligação das presentes ações e recursos e a natureza comum dos fundamentos apresentados quanto ao mérito justificam a apresentação de conclusões únicas.

18.

Nestas conclusões, vamos defender que a decisão impugnada constitui um ato recorrível, o que nos conduzirá a propor ao Tribunal de Justiça que declare, por um lado, que o recurso de anulação interposto pela Comissão é admissível e, por outro lado, e em consequência, que a ação por omissão intentada em paralelo por esta instituição é inadmissível.

19.

Explicaremos também que a existência de uma deterioração grave e súbita da situação económica e social na União constitui uma condição de aplicação do procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, pelo que o Conselho só pode recusar a proposta de regulamento baseada no método «normal» se, e apenas se, esta condição se verificar.

20.

Acrescentaremos que, em caso de desacordo entre a Comissão e o Conselho quanto à existência desta deterioração, compete ao Tribunal de Justiça garantir o respeito pelo equilíbrio institucional, fiscalizando a apreciação efetuada pela Comissão, limitando‑se a determinar a existência de um erro manifesto de apreciação.

21.

Adicionalmente, defenderemos que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar, à luz de dados objetivos, que a crise económica com que os Estados‑Membros se confrontaram em 2010 não constituía uma circunstância que permitisse desencadear o procedimento excecional previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto.

22.

E, em consequência, demonstraremos que deve ser dado provimento ao recurso de anulação da Comissão e que a decisão impugnada deve ser anulada.

23.

Dado que a procedência do recurso de anulação da Comissão implica, consequentemente, a improcedência do recurso do Conselho, concluiremos propondo ao Tribunal de Justiça, por razões de boa administração da justiça e de economia processual, que não aprecie a admissibilidade deste recurso e que negue provimento ao mesmo.

24.

Concluiremos, a título subsidiário, pela inadmissibilidade do recurso do Conselho, sustentando que a decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça deveria ter sido adotada por maioria qualificada, conforme previsto pelo artigo 16.o, n.o 3, TUE, e que a irregularidade que afeta a decisão, e que Comissão pode invocar, constitui uma causa de inadmissibilidade do recurso.

II — Disposições pertinentes do Estatuto

25.

As disposições pertinentes são os artigos 64.°, 65.° e 65.°‑A do Estatuto, bem como os artigos 1.°, 3.°, 10.° e 15.° do seu anexo XI, intitulado «Regras de execução dos artigos 64.° e 65.° do Estatuto».

26.

O artigo 64.o do Estatuto prevê que:

«À remuneração do funcionário expressa em euros, após dedução dos descontos obrigatórios previstos no presente Estatuto e nos regulamentos adotados para a sua execução, é aplicado um coeficiente de correção superior, inferior ou igual a 100%, segundo as condições de vida dos diferentes lugares de afetação.

Estes coeficientes são fixados pelo Conselho, deliberando sob proposta da Comissão, pela maioria qualificada [...]»

27.

O artigo 65.o do Estatuto enuncia que:

«1.   O Conselho procede anualmente a um exame do nível de remunerações dos funcionários e dos outros agentes da União. Este exame ocorrerá em setembro, com base num relatório comum, apresentado pela Comissão e baseado no valor, em 1 de julho e em cada país da União, de um índice comum estabelecido pelo Serviço de Estatística da União Europeia [Eurostat], em ligação com os serviços nacionais de estatística dos Estados‑Membros.

No decurso deste exame, o Conselho examina […] a necessidade, no âmbito da política económica e social da União, de proceder a uma adaptação das remunerações. Serão especialmente tomados em consideração o eventual aumento dos vencimentos públicos e as necessidades de recrutamento.

2.   No caso de variação sensível do custo de vida, o Conselho decide, num prazo máximo de dois meses, medidas de adaptação dos coeficientes de correção e, se for caso disso, do seu efeito retroativo.

3.   Na aplicação do presente artigo, o Conselho delibera, sob proposta da Comissão, pela maioria qualificada [...]»

28.

O artigo 65.o‑A do Estatuto dispõe que as modalidades de aplicação dos artigos 64.° e 65.° deste Estatuto são definidas no anexo XI do Estatuto.

29.

O artigo 1.o, n.o 1, do anexo XI do Estatuto dispõe que, «[p]ara efeitos do exame previsto no n.o 1 do artigo 65.o do Estatuto, o Eurostat redigirá anualmente, antes do final do mês de outubro, um relatório sobre a evolução do custo de vida em Bruxelas, as paridades económicas entre Bruxelas e certos locais de afetação nos Estados‑Membros e a evolução do poder de compra das remunerações dos funcionários nacionais das administrações centrais».

30.

O artigo 3.o do anexo XI do Estatuto prevê que:

«1.   Nos termos do n.o 3 do artigo 65.o do Estatuto, o Conselho decide, antes do final do ano, a adaptação das remunerações e pensões proposta pela Comissão e baseada nos elementos previstos na secção 1 do presente anexo, com efeitos a partir de 1 de julho.

2.   O valor da adaptação é igual ao produto do indicador específico pelo índice internacional de Bruxelas. A adaptação é fixada em termos líquidos em percentagem igual para todos.

[...]

6.   Com efeito retroativo entre a data de aplicação e a data de entrada em vigor da decisão relativa à nova adaptação, as instituições procederão ao correspondente ajustamento, positivo ou negativo, das remunerações e pensões dos funcionários, antigos funcionários e outros beneficiários.

[...]»

31.

Os elementos necessários para o cálculo da adaptação anual, enumerados na secção 1 do anexo XI do Estatuto, são a evolução do custo de vida em Bruxelas, as paridades económicas entre Bruxelas e certos locais de afetação nos Estados‑Membros e, por último, a evolução do poder de compra das remunerações dos funcionários nacionais das administrações centrais em oito Estados‑Membros enumerados no artigo 1.o, n.o 4, alínea a), último parágrafo, do referido anexo ( 15 ).

32.

O artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, que constitui o único artigo do capítulo V do referido anexo, intitulado «Cláusula de exceção», dispõe que:

«Em caso de deterioração grave e súbita da situação económica e social na União, à luz dos dados objetivos fornecidos pela Comissão, esta deve apresentar propostas adequadas ao Parlamento Europeu e ao Conselho, que deliberam em conformidade com o artigo 336.o [TFUE].»

33.

Por fim, o artigo 15.o do anexo XI do Estatuto, que figura no capítulo 7 do referido anexo, intitulado «Disposição final e cláusula de revisão», enuncia:

«1.   O presente anexo é aplicável entre 1 de julho de 2004 e 31 de dezembro de 2012.

2.   No final do quarto ano, as presentes disposições serão objeto de revisão, especialmente no que se refere às respetivas implicações orçamentais. Para este efeito, a Comissão deve apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório e, se for o caso, uma proposta de alteração do presente anexo, com base no artigo 336.o [TFUE].»

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

A — Processo C‑63/12

34.

A Comissão apresentou o seu pedido de anulação no Tribunal de Justiça através de petição de 7 de fevereiro de 2012. O Conselho apresentou a sua contestação em 2 de abril de 2012, a Comissão a sua réplica em 11 de maio de 2012 e o Conselho a sua tréplica em 2 de julho de 2012.

35.

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de abril de 2012, foi admitida a intervenção do Parlamento em apoio dos pedidos da Comissão. Esta instituição apresentou as suas alegações de intervenção em 11 de junho de 2012. O Conselho apresentou as suas observações sobre este articulado em 27 de julho de 2012.

36.

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2012, foi admitida a intervenção da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, do Reino de Espanha, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido em apoio dos pedidos do Conselho.

37.

Apresentaram alegações de intervenção os seguintes Estados‑Membros: a República Checa, em 19 de setembro de 2012, o Reino de Espanha, em 20 de setembro de 2012, o Reino Unido, em 24 de setembro de 2012, e os outros Estados‑Membros, em 21 de setembro de 2012.

38.

A Comissão apresentou as suas observações quanto a estas alegações de intervenção, em 4 de janeiro de 2013.

39.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular a decisão impugnada e

condenar o Conselho nas despesas.

40.

O Parlamento pede que os pedidos da Comissão sejam julgados procedentes.

41.

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

julgar o recurso de anulação inadmissível;

a título subsidiário, negar provimento ao recurso; e

condenar a Comissão nas despesas.

42.

A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido pedem ao Tribunal de Justiça que julgue procedentes os pedidos formulados pelo Conselho.

B — Processo C‑66/12

43.

O Conselho apresentou o seu pedido de anulação no Tribunal de Justiça através de petição de 9 de fevereiro de 2012. A Comissão apresentou a sua contestação em 23 de março de 2012, o Conselho, a sua réplica, em 11 de maio de 2012, e a Comissão, a sua tréplica, em 22 de junho de 2012.

44.

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de abril de 2012, foi admitida a intervenção do Parlamento em apoio dos pedidos da Comissão. O Parlamento apresentou as suas alegações de intervenção, em 11 de junho de 2012. O Conselho apresentou as suas observações sobre este articulado, em 27 de julho de 2012.

45.

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2012, foi admitida a intervenção da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, da Irlanda, do Reino de Espanha, da República Francesa, da República da Letónia, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido em apoio dos pedidos do Conselho.

46.

Com exceção da República da Letónia, que não apresentou articulados, apresentaram alegações de intervenção os seguintes Estados‑Membros: a República Checa, em 19 de setembro de 2012, o Reino de Espanha, em 20 de setembro de 2012, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos, em 21 de setembro de 2012, a Irlanda, em 24 de setembro de 2012, e a República Francesa, em 25 de setembro de 2012.

47.

A Comissão apresentou as suas observações sobre estes articulados de intervenção, em 4 de janeiro de 2013.

48.

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

a título principal, anular a comunicação e a proposta de regulamento;

a título subsidiário, declarar a existência de uma violação dos Tratados, pelo facto de a Comissão se ter abstido de apresentar propostas adequadas ao Parlamento e ao Conselho, com base no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto; e

condenar a Comissão nas despesas.

49.

A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Letónia, o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido pedem que os pedidos do Conselho sejam julgados procedentes.

50.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar o Conselho nas despesas.

51.

O Parlamento pede que os pedidos da Comissão sejam julgados procedentes.

C — Processo C‑196/12

52.

A Comissão apresentou o seu pedido de anulação no Tribunal de Justiça através de petição de 26 de abril de 2012. O Conselho apresentou a sua contestação, em 18 de junho de 2012, a Comissão, a sua réplica, em 30 de julho de 2012, e o Conselho, a sua tréplica, em 17 de setembro de 2012.

53.

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de setembro de 2012, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha, do Reino de Espanha, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido em apoio dos pedidos do Conselho, tendo sido admitida a intervenção do Parlamento em apoio dos pedidos da Comissão.

54.

A República Federal da Alemanha apresentou as suas alegações de intervenção, em 16 de outubro de 2012, o Reino de Espanha, em 24 de outubro de 2012, o Reino Unido, em 14 de novembro de 2012, e o Reino dos Países Baixos, bem como o Parlamento, em 16 de novembro de 2012.

55.

A Comissão e o Conselho apresentaram as suas observações sobre estes articulados, respetivamente, em 16 de janeiro de 2013 e 21 de janeiro de 2013.

56.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

declarar que, não tendo adotado a proposta de regulamento, o Conselho violou as obrigações que lhe incumbem por força do Estatuto; e

condenar o Conselho nas despesas.

57.

O Parlamento pede que os pedidos da Comissão sejam julgados procedentes.

58.

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar a Comissão nas despesas.

59.

A República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido pedem ao Tribunal de Justiça que julgue procedentes os pedidos do Conselho.

IV — Recursos nos processos C‑63/12 e C‑196/12

A — Quanto à admissibilidade dos recursos

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

60.

O Conselho sustenta que o recurso de anulação é inadmissível porque a decisão impugnada não é um ato que produza efeitos jurídicos autónomos, dado que, ao adotá‑la, o Conselho não modificou nem rejeitou definitivamente a proposta de regulamento, tendo‑se limitado, por razões de transparência, a explicar as razões pelas quais não estava em condições de a adotar.

61.

A Comissão contesta esta análise e propõe que seja feita uma distinção entre as duas partes da proposta de regulamento que o Conselho recusou adotar.

62.

No que se refere, em primeiro lugar, à adaptação das remunerações e das pensões dos funcionários e dos outros agentes da União, a Comissão afirma que o recurso de anulação é admissível, resultando a natureza decisória do ato impugnado do instrumento jurídico utilizado, bem como do seu conteúdo.

63.

Quanto à forma, a Comissão observa que a decisão impugnada se enquadra nos atos jurídicos da União referidos no artigo 288.o TFUE, que foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, na série L, dedicada à legislação da União, e que indica como base jurídica o Estatuto, designadamente o seu artigo 65.o e os seus anexos VII, XI e XIII, bem como o artigo 20.o do regime aplicável aos outros agentes da União.

64.

Quanto ao conteúdo, o ato impugnado produz efeitos jurídicos autónomos indiscutíveis, uma vez que o resultado da decisão impugnada é a inexistência de adaptação anual das remunerações e das pensões, que, em consequência, são congeladas. A Comissão, que se questiona sobre como poderia o Conselho adotar a proposta sem previamente revogar a decisão de não a adotar, entende que a distinção que o Conselho procura estabelecer entre uma «decisão de não aprovação» e uma «decisão de recusa» não assenta numa tipologia existente.

65.

No que se refere, em segundo lugar, à adoção dos coeficientes de correção aplicáveis às remunerações e às pensões, a Comissão observa que a decisão impugnada não inclui qualquer fundamentação relativamente a este ponto e conclui que se deve considerar, a título principal, que, ainda que formalmente o Conselho tenha adotado uma decisão de recusa, a sua atitude consubstancia uma omissão ilegal de agir, que pode ser impugnada pela via do recurso de anulação.

66.

O Conselho, que se refere à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, para determinar se as medidas impugnadas constituem atos recorríveis, há que atender ao seu conteúdo ( 16 ), replica que a tese de que a decisão impugnada teria por efeito congelar os salários dos funcionários e dos outros agentes da União assenta na premissa errada de que o simples facto de a Comissão ter apresentado uma proposta com base no artigo 3.o do anexo XI do Estatuto seria suficiente para desencadear para o Conselho a obrigação incondicional de agir nos termos dessa base jurídica. Acrescenta que a existência de um direito dos funcionários à adaptação proposta pela Comissão está sujeita à condição de o Conselho decidir essa adaptação, o que pressupõe uma escolha entre duas bases jurídicas que se excluem mutuamente, a saber, o artigo 3.o do Estatuto e o artigo 10.o do seu anexo XI.

67.

Por último, o Conselho salienta que a decisão impugnada não é definitiva e não produz efeitos sobre a existência jurídica da proposta de regulamento, que poderia adotar a qualquer momento sem revogar o ato anterior, por efeito do princípio lex posterior derogat priori.

68.

O Parlamento adere à argumentação da Comissão. Alega que a distinção proposta pelo Conselho entre uma decisão de não aprovação e uma decisão de recusa deve ser considerada artificial e que é importante atender, na avaliação da natureza da decisão, ao facto de esta constituir a resposta do Conselho à obrigação de adaptar as remunerações e as pensões «antes do final de cada ano» e à proposta apresentada pela Comissão neste âmbito.

69.

Os Estados‑Membros intervenientes defendem a posição do Conselho, reportando‑se a alguns argumentos que este desenvolveu. A República Federal da Alemanha acrescenta que a decisão impugnada não produz efeitos uma vez que não vem concluir um qualquer procedimento, nem priva a proposta de regulamento de objeto. Esta decisão representaria apenas uma etapa intermédia no procedimento iniciado pela Comissão com o objetivo de determinar a adaptação anual das remunerações, o qual só estará concluído quando o Conselho adotar um regulamento de adaptação das remunerações com efeitos retroativos a 1 de julho de 2011.

2. Apreciação

70.

Como iremos demonstrar, é um recurso de anulação, e não uma ação por omissão, que deve ser interposto contra a decisão impugnada, nas suas duas vertentes.

71.

O recurso de anulação e a ação por omissão apresentados pela Comissão têm, na realidade, um único e mesmo objeto, uma vez que neles se requer que o comportamento do Conselho seja censurado na medida em que se opôs à adoção da proposta de regulamento, invocando o mecanismo da cláusula de exceção. Embora, prima facie, pareça que este comportamento pode ser analisado, por um lado, como consistindo numa decisão, por outro lado revela a eventual omissão do Conselho de proceder à adaptação anual das remunerações e à fixação dos coeficientes de correção, tendo a Comissão impugnado este ato sob dois ângulos diferentes, apresentando um recurso de anulação e uma ação por omissão, a que o Conselho respondeu interpondo um recurso de anulação e, subsidiariamente, uma ação por omissão.

72.

As hesitações da Comissão e do Conselho quanto à via de recurso a seguir são reveladoras da incerteza jurídica que envolve a determinação dos âmbitos respetivos do recurso de anulação e da ação por omissão, especialmente quando o comportamento contestado é um comportamento de recusa. Esta incerteza deve‑se à complexidade da articulação teórica entre estas duas vias de recurso e a certas evoluções dos textos, mas também é explicada por desenvolvimentos jurisprudenciais que favoreceram alguma flutuação. Em qualquer caso, a manifestação de dúvidas quanto à linha de separação entre os dois contenciosos, sobretudo por duas instituições da União, parece‑nos particularmente inquietante, porquanto o sistema jurisdicional de fiscalização da legalidade dos atos da União deve obedecer ao princípio da completude ( 17 ) e da coerência, a fim de garantir o respeito pelo princípio da proteção jurisdicional efetiva.

73.

Este último princípio, consagrado nos artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e reafirmado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, implica que qualquer ato ilegal que emane de uma instituição pode ser impugnado quando seja lesivo.

74.

Com o objetivo de garantir uma proteção jurisdicional tão ampla quanto possível, poderia defender‑se que importa predominantemente evitar qualquer lacuna na fiscalização da legalidade e, por conseguinte, que se deve permitir que uma decisão negativa de uma instituição, órgão ou um organismo da União que produza efeitos jurídicos obrigatórios, possa ser controlada pelo Tribunal de Justiça, que é o garante da legalidade, pouco importando que esta fiscalização seja orquestrada através de um recurso de anulação ou de uma ação por omissão.

75.

A ser assim, deveria admitir‑se a existência de duas vias de recurso concorrentes, e aceitar, se necessário, conferir aos recorrentes um direito de opção, podendo escolher livremente a via de recurso através da qual pretendem atacar uma decisão negativa.

76.

No sentido desta solução, importa recordar que estas duas vias de recurso prosseguem uma finalidade comum que, nas decisões do Tribunal de Justiça, se traduz pela fórmula segundo a qual estas «apenas constituem a expressão de uma única e mesma via de recurso» ( 18 ) ou pelo enunciado do princípio segundo o qual «o sistema das vias de recurso instituídas pelo Tratado implica uma conexão estreita [entre as mesmas]» ( 19 ).

77.

Todavia, apesar da sua finalidade comum, estas duas vias de recurso permanecem diferentes quanto à sua natureza ( 20 ), condições de admissibilidade e de exercício, bem como, embora em menor medida, quanto aos efeitos que são suscetíveis de produzir ( 21 ). Em consequência, estamos convencidos de que, no interesse dos recorrentes e da boa administração da justiça, não devem admitir‑se sobreposições. Pelo contrário, é indispensável traçar uma linha de demarcação clara entre estas duas vias de recurso, atribuindo um caráter de exclusividade de uma em relação à outra e garantido a sua coexistência harmoniosa, baseada numa conceção «sistemática» ( 22 ). A referida questão não é apenas teórica, porque obriga à análise da relação de complementaridade ou de concorrência entre os dois recurso, bem como do respetivo grau de autonomia ou de dependência ( 23 ). Comporta também um importante interesse prático, porque da resposta dada irá depender a possibilidade, para os recorrentes, de exercerem a via de recurso mais adequada para sancionar a ilegalidade cometida, numa perspetiva tendente a privilegiar o efeito útil da fiscalização da legalidade.

78.

Assim, antes de apreciar mais especificamente o comportamento do Conselho e a via de recurso a que se deve recorrer para impugnar a legalidade deste, vamos começar por enunciar as regras que regulam a fiscalização jurisdicional dos comportamentos «negativos», ou seja, aqueles através dos quais uma instituição, um órgão ou um organismo da União exprime uma recusa, que se podem identificar no estado atual da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

a) Fiscalização jurisdicional dos comportamentos de recusa de uma instituição, órgão ou organismo da União

79.

Penso que podemos dar como adquirido o seguinte: o recurso de anulação do artigo 263.o TFUE censura a ação ilegal da instituição (i), a ação por omissão do artigo 265.o TFUE a sua inação (ii), pelo que a recusa de adotar um ato deve ser atacada pela via do recurso de anulação (iii).

i) O recurso de anulação do artigo 263.o TFUE censura a ação ilegal da instituição

80.

Por força do artigo 263.o TFUE, o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos atos das instituições, designadamente do Conselho, que não sejam recomendações ou pareceres.

81.

Para que um ato possa ser objeto de um recurso de anulação, devem verificar‑se duas condições.

82.

Primeiro, é necessário que um ato jurídico, uma «disposição», tenha sido materialmente adotada por uma das instituições da União.

83.

Segundo, resulta de jurisprudência constante, desenvolvida no quadro de recursos de anulação interpostos pelos Estados‑Membros ou por instituições, que são consideradas atos recorríveis na aceção do artigo 263.o TFUE «todas as disposições adotadas pelas instituições, qualquer que seja a sua forma, que visem produzir efeitos de direito vinculativos» ( 24 ). Quando o recurso de anulação for interposto por uma pessoa singular ou coletiva contra um ato de que seja destinatária, os efeitos jurídicos vinculativos desse ato devem ser de molde a afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica ( 25 ).

84.

O critério do efeito jurídico vinculativo assume uma importância particular quando se trata de apreciar a natureza recorrível, ou não, de um ato intermédio que se inscreve num procedimento administrativo em diversas fases. Em princípio, para ser recorrível, o ato deve ter caráter definitivo. Segundo a expressão utilizada pelo Tribunal de Justiça, deve constituir a «manifestação definitiva da vontade [da instituição]» ( 26 ), pelo que não podem ser considerados atos recorríveis os atos intermédios cujo objetivo seja preparatório de uma decisão final, como os que exprimem uma opinião provisória da instituição ( 27 ).

85.

Nestes termos, foi declarado que uma proposta de regulamento submetida pela Comissão ao Conselho não pode ser considerada um ato recorrível, pois constitui um ato intermédio cujo objetivo é unicamente preparar a adoção de um ato final, sem fixar definitivamente a posição que adotará o Conselho ( 28 ).

86.

Em contrapartida, o ato intermédio que produza um «efeito jurídico autónomo» deve poder ser objeto de recurso de anulação ( 29 ).

87.

Esclareça‑se, por último, que as medidas intermédias desprovidas de natureza decisória não podem, em si mesmas, ser objeto de um recurso de anulação, mas as eventuais ilegalidades de que estas padeçam poderão, no entanto, ser invocadas para apoiar o recurso contra o ato definitivo, do qual constituem uma fase da elaboração ( 30 ).

ii) A ação por omissão do artigo 265.o TFUE censura a inação da instituição

88.

O artigo 265.o TFUE dispõe que, se, em violação dos Tratados, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão ou o Banco Central Europeu, se abstiverem de se pronunciar, os Estados‑Membros e as outras instituições da União podem recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que declare verificada essa violação.

89.

A ação por omissão pode também ser intentada por uma pessoa singular ou coletiva contra uma instituição, órgão ou organismo da União que não se tenham pronunciado através de um ato devido que não seja uma recomendação ou um parecer.

90.

Esta ação só é admissível se a instituição, órgão ou organismo em causa tiver sido previamente convidado a agir e se, decorrido um prazo de dois meses a contar da data desse convite, a instituição, o órgão ou o organismo não tiver «tomado posição».

91.

Segundo jurisprudência constante, a via da ação por omissão «baseia‑se na ideia de que a abstenção ilegal [da instituição em causa] permite [...] recorrer ao Tribunal de Justiça para que este declare que a abstenção é contrária ao Tratado, na medida em que a instituição em causa não a tenha corrigido» ( 31 ).

92.

O confronto entre esta regra e o objeto do recurso de anulação permite traçar a linha divisória entre as duas vias de recurso destinadas a garantir a fiscalização direta da legalidade do comportamento das instituições da União. Enquanto o recurso de anulação censura uma manifestação de vontade que reveste a forma de ato jurídico que produz efeitos jurídicos vinculativos, a ação por omissão censura, pelo contrário, a abstenção ilegal da instituição. Dito de outra forma, a fiscalização da legalidade realiza‑se através do recurso de anulação quando a instituição em causa tiver pecado por ação e através da ação por omissão quando tiver pecado por omissão.

93.

É desta summa divisio que se extrai a resposta à questão de saber que tipo de ação ou recurso deve ser exercido contra uma decisão de recusa.

iii) A recusa de adotar um ato deve ser impugnada pela via do recurso de anulação

94.

Embora a aparente clareza da distinção entre o recurso de anulação e a ação por omissão tenha sido obscurecida pelas diferenças conceptuais entre a definição de ação por omissão que figura no Tratado CECA e no Tratado CEE ( 32 ), parece‑nos que a análise da questão de saber qual a via de recurso a utilizar para denunciar a ilegalidade de que enferma uma decisão negativa ilustra claramente que a recusa é um ato suscetível de recurso de anulação.

95.

Com efeito, a recusa de adotar uma decisão equivale a uma decisão, porquanto exprime uma manifestação de vontade, ainda que negativa, obedecendo a decisão de recusa às mesmas regras de competência e de forma que a decisão positiva.

96.

A jurisprudência inscreve‑se claramente nesta lógica de assimilação e são numerosos os acórdãos que consideram admissível o recurso de anulação contra decisões de recusa ( 33 ).

97.

Contudo, num obiter dictum inserido no seu acórdão de 27 de setembro de 1988, Parlamento/Conselho ( 34 ), o Tribunal de Justiça admitiu que a não apresentação de um projeto de orçamento pelo Conselho podia ser objeto de uma ação por omissão intentada pelo Parlamento, enunciando que «uma recusa de agir, mesmo expressa, pode ser submetida ao Tribunal com base no artigo 175.o, uma vez que não põe fim à omissão» ( 35 ). Esta formulação, que a doutrina qualificou de «misteriosa» ( 36 ), explica‑se mais por considerações relacionadas com a legitimação ativa do Parlamento do que pela vontade de alargar o âmbito da ação por omissão. A jurisprudência posterior, de resto, regressou a uma posição mais ortodoxa ( 37 ).

98.

Adicionalmente, para determinar se uma decisão de recusa constitui ou não um ato recorrível, a jurisprudência distingue conforme o ato recusado fosse ou não suscetível de produzir efeitos jurídicos definitivos. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu repetidamente que, quando um ato tem caráter negativo, a decisão deve ser apreciada em função do objeto do pedido ao qual a decisão constitui uma resposta ( 38 ). Esta fórmula de aparência algo sibilina e sujeita a diversas variações de redação ( 39 ), traduz, na realidade, para as decisões negativas a proposta seguinte: a recusa de adotar um ato pode ser objeto de um recurso de anulação desde que este tipo de recurso pudesse ser exercido contra o ato que a instituição recusou adotar. Assim, se o ato recusado é suscetível de produzir efeitos jurídicos definitivos, a recusa pode ser objeto de recurso. Pelo contrário, se o ato cuja adoção foi recusada não produz este tipo de efeitos, a recusa da sua adoção não pode ser submetida ao Tribunal de Justiça pela via do recurso de anulação.

99.

A recusa de agir deve, portanto, ser impugnada pela via do recurso de anulação, independentemente da forma através da qual se exprime.

100.

É o que deve suceder, em primeiro lugar, em caso de recusa expressa. Quando a instituição responde através de uma decisão expressa de indeferimento, não deve ser utilizada a via da ação por omissão, uma vez que o demandante dispõe, dentro do prazo estabelecido no Tratado FUE, do direito de interpor um recurso de anulação que lhe permite obter a declaração de ilegalidade do ato adotado pela instituição.

101.

A recusa expressa pode manifestar‑se sob duas formas diferentes.

102.

Pode tratar‑se de uma recusa pura e simples de adotar a decisão requerida ( 40 ).

103.

Ou pode tratar‑se da adoção de um ato contrário ao que foi requerido. Nesse caso, a decisão tomada não pode ser atacada pela via da ação por omissão porque, de acordo com a explicação constante de diversos acórdãos, esta ação «visa a omissão pela abstenção de decidir ou de tomar posição e não a adoção de um ato diferente do que os interessados teriam desejado ou considerado necessário» ( 41 ).

104.

O Tribunal de Justiça considerou ainda, num acórdão de 23 de janeiro de 1992, Comissão/Conselho ( 42 ), proferido na sequência de um recurso de anulação interposto pela Comissão contra um regulamento do Conselho que retificava as remunerações e as pensões dos funcionários e dos outros agentes das Comunidades e adaptava os coeficientes de correção referentes a estas remunerações e pensões, que a adoção de um ato que ilegalmente omite integrar uma proposta da Comissão podia ser contestada pela via do recurso de anulação. No processo em que foi proferido esse acórdão, constatando que a proposta da Comissão tinha por objeto, designadamente, a introdução de um coeficiente de correção específico para Munique (Alemanha) e que o regulamento adotado pelo Conselho com base nesta proposta não continha disposições nesse sentido, o Tribunal de Justiça concluiu que a Comissão podia interpor um recurso de anulação contra este regulamento se considerasse que, com essa omissão, o Conselho tinha violado uma obrigação imposta pelo Tratado CEE ( 43 ). Assim, quando uma instituição age mas omite a adoção de uma parte da medida proposta, a ilegalidade daí decorrente poderá, segundo esta decisão, ser censurada pela via do recurso de anulação ( 44 ).

105.

O mesmo se aplica, em segundo lugar, no caso de uma decisão tácita de recusa, sendo neste caso fundamental esclarecer que a decisão tácita só pode ser deduzida do silêncio ou da inação de uma instituição quando uma disposição da União o preveja expressamente. Com efeito, resulta de jurisprudência assente que, «na falta de [...] disposições expressas, que fixem um prazo no termo do qual uma decisão implícita é considerada como tendo sido tomada e definam o conteúdo dessa decisão, a inação de uma instituição não pode ser equiparada a uma decisão, sob pena de pôr em causa o sistema de vias de recurso instituído pelo Tratado» ( 45 ). No entanto, «em certas circunstâncias específicas, [...] o silêncio ou a inação de uma instituição poderão ser excecionalmente considerados como equivalendo a uma decisão tácita de indeferimento» ( 46 ).

106.

Eis aqui, resumidos, os princípios orientadores que regulam os recursos contra decisões negativas.

107.

É ainda necessário acrescentar dois esclarecimentos seguintes.

108.

Primeiro, importa notar que a não adoção de uma decisão por falta da maioria necessária não equivale a uma recusa de decidir.

109.

O acórdão de 13 de julho de 2004, Comissão/Conselho ( 47 ), proferido num processo referente à aplicação do pacto de estabilidade e crescimento, ilustra esta distinção. A Comissão interpôs um recurso de anulação contra a «não adoção» pelo Conselho dos instrumentos formais contidos nas recomendações formuladas pela Comissão ao abrigo do artigo 104.o, parágrafos 8 e 9, CE ( 48 ) com vista a obrigar a República Federal da Alemanha e a República Francesa a reduzirem os seus défices públicos, tendo o Tribunal de Justiça considerado que o recurso era inadmissível na medida em que a não adoção denunciada resultava da falta da maioria necessária para adotar uma decisão a este respeito. O Tribunal de Justiça assinalou, além disso, que não existia nenhuma disposição de direito da União fixava um prazo findo o qual se presumia ocorrer uma decisão tácita e que definisse o conteúdo de tal decisão ( 49 ).

110.

Acrescentamos que não nos parece que o acórdão de 30 de setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho ( 50 ), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a não adoção pelo Conselho de uma proposta de regulamento que instituía direitos antidumping definitivos constituía um ato impugnável, possa ser invocado em sentido contrário. Embora possa ter criado alguma perturbação ao indicar que o simples facto de votar constitui uma «tomada de posição», apesar de a maioria necessária à adoção do regulamento não ser alcançada ( 51 ), parece‑nos que este acórdão, que toma em consideração as particularidades do processo antidumping, se explica principalmente pela existência, no âmbito deste processo, de um prazo que, depois de expirado, já não permite ao Conselho adotar a proposta da Comissão, pelo que a não adoção da proposta no prazo prescrito foi considerada constitutiva de um indeferimento tácito ( 52 ).

111.

Segundo, como a Comissão e o Conselho reconhecem, resulta de jurisprudência constante relativa à admissibilidade dos recurso de anulação, que, para a qualificação desses atos, há que atender à própria essência dos atos impugnados e à intenção dos seus autores ( 53 ).

112.

É à luz dos princípios acima recordados que vamos determinar que via de recurso deve ser exercida contra o comportamento do Conselho, averiguando se este comportamento constitui ou não uma decisão recorrível.

b) Apreciação do comportamento do Conselho

113.

A «decisão» impugnada, através da qual o Conselho decidiu não adotar a proposta de regulamento, apresentada com base no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, constitui uma decisão impugnável pela via do recurso de anulação?

114.

Em nosso entender, esta questão merece inquestionavelmente uma resposta afirmativa.

115.

Assinalamos, em primeiro lugar, que é através de uma desvirtuação da sua própria decisão que o Conselho afirma que não agiu quanto à proposta de regulamento, que não alterou nem recusou definitivamente, mas que se limitou a expor as razões pelas quais não a podia adotar. Longe de conter uma simples exposição explicativa, a decisão impugnada inclui uma parte dispositiva, nos termos da qual o Conselho «decide não adotar a proposta da Comissão».

116.

O ato adotado pelo Conselho apresenta, portanto, caráter decisório.

117.

Este ato assume, além disso, caráter definitivo, porque põe termo ao processo de adaptação, segundo o método «normal», das remunerações e das pensões dos funcionários e dos outros agentes da União, bem como dos coeficientes de correção referentes a estas remunerações e pensões para o ano de 2011, esclarecendo‑se que o artigo 3, n.o 1, do anexo XI do Estatuto prevê que o regulamento do Conselho deve ser adotado «antes do final de cada ano». A este respeito, é necessário assinalar que o argumento do Conselho segundo o qual estaria em causa uma resposta preparatória, de caráter provisório, está em total oposição com a fundamentação da decisão impugnada e com a posição defendida por esta instituição no presente processo. Conforme resulta do considerando 14 da decisão impugnada, o Conselho entendeu que, para ter em conta a crise económica, apenas se podia aplicar o procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto. No espírito do Conselho, não é assim de modo nenhum possível retomar aquele procedimento, no caso, por exemplo, de a Comissão o conseguir convencer da impossibilidade de aplicar a cláusula de exceção. Portanto, o Conselho manifestou claramente a sua vontade de abandonar definitivamente o procedimento do método «normal» previsto no artigo 3.o do anexo XI do Estatuto, a favor do procedimento específico previsto no artigo 10.o do referido anexo em caso de crise económica grave.

118.

O argumento da República Federal da Alemanha, segundo o qual a decisão impugnada representa uma simples etapa intermédia no procedimento iniciado pela Comissão para determinar a adaptação anual das remunerações, assenta, parece‑nos, numa confusão entre os dois tipos de procedimento que, conforme assinala corretamente o Reino dos Países Baixos, se excluem mutuamente.

119.

O Conselho argumenta com os termos em que a decisão impugnada está redigida, mas devo acrescentar que a distinção que propõe entre uma decisão «de não adotar» e uma decisão «de recusar» nos parece mais falaciosa do que astuciosa. O Conselho não se absteve de tomar posição quanto à proposta de regulamento, por exemplo, por falta da maioria exigida, antes adotou uma decisão que equivale a uma recusa pura e simples da proposta de regulamento.

120.

Além disso, deve observar‑se que o ato cuja adoção foi recusada pelo Conselho é um regulamento que, caso tivesse sido adotado, teria evidentemente produzido efeitos jurídicos vinculativos tanto em relação às instituições da União como aos funcionários e outros agentes que, desde 1 de julho de 2011, foram privados do aumento a que teriam tido direito se o Conselho tivesse adotado a proposta de regulamento.

121.

Por fim, o argumento da Comissão segundo o qual há que distinguir duas vertentes na proposta de regulamento, devendo a recusa relativamente à adaptação dos coeficientes de correção ser considerada, por falta de fundamentação, uma omissão ilegal de agir, provém, em nossa opinião, de uma confusão entre a falta de fundamentação de uma decisão e a inexistência de decisão.

122.

Atendendo às considerações anteriores, o recurso de anulação deve ser julgado admissível e a ação por omissão deve ser julgada inadmissível.

B — Quanto à procedência do recurso no processo C‑63/12

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

a) Observações liminares

123.

O recurso de anulação da Comissão (processo C‑63/12) e o recurso do Conselho (processo C‑66/12) não têm o mesmo objeto, porque o primeiro é dirigido contra a decisão impugnada, e o segundo impugna dois dos três atos preparatórios da Comissão ( 54 ).

124.

No entanto, é ponto assente e não foi contestado pelas partes que as críticas formuladas pelo Conselho quanto ao mérito no âmbito do recurso que apresentou são idênticas aos fundamentos de mérito apresentados por esta instituição ao contestar o recurso de anulação da Comissão.

125.

Como referiu o Conselho na sua contestação no processo C‑63/12, a questão de fundo que se coloca nos dois processos é a de saber se as condições de aplicação da cláusula de exceção estavam ou não reunidas. De resto, as petições e os articulados apresentados pelas partes neste processo remetem frequentemente para os argumentos desenvolvidos no processo C‑66/12.

126.

Não nos parece que esta forma de apresentar os fundamentos, remetendo parcialmente para articulados anexos, ponha em causa a sua admissibilidade, mas, em nosso entender, permite e torna mesmo necessária uma análise global do conjunto destes argumentos.

127.

Por conseguinte, os desenvolvimentos seguintes, apesar de consagrados à análise do mérito do recurso no processo C‑63/12, terão também em conta a argumentação desenvolvida pelas partes no âmbito do recurso no processo C‑66/12.

b) Argumentos do pedido

i) A Comissão

128.

A Comissão acusa o Conselho de ter recusado adaptar, por um lado, as remunerações e as pensões e, por outro lado, os coeficientes de correção.

— Recusa de adaptação das remunerações e das pensões

129.

A título principal, a Comissão invoca um fundamento dividido em duas partes, sendo a primeira relativa a desvio de poder e a segunda à violação dos limites da competência do Conselho ( 55 ).

130.

Sustenta, na primeira parte deste fundamento, relativa à violação dos artigos 3.° e 10.° do anexo XI do Estatuto, que o Conselho cometeu um desvio de procedimento e violou o princípio do equilíbrio institucional ao considerar que as condições do artigo 10.o do referido anexo estavam preenchidas e, por conseguinte, ao recusar adotar a proposta de adaptação das remunerações e das pensões, apesar de a Comissão não lhe ter apresentado uma proposta com base nesse artigo e de a medida excecional prevista nesta disposição dever ser adotada conjuntamente pelo Parlamento e pelo Conselho.

131.

A Comissão acrescenta, na segunda parte do referido fundamento, que o Conselho, que não dispunha de qualquer margem de apreciação, violou o artigo 65.o do Estatuto ao recusar adotar a proposta de regulamento e que, se entendesse que a Comissão tinha indevidamente omitido apresentar uma proposta nos termos do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, tinha a possibilidade de submeter o litígio ao Tribunal de Justiça e de pedir, sendo caso disso, que fossem decretadas medidas provisórias. Além disso, afastando‑se da proposta de regulamento, a Comissão considera que o Conselho violou o princípio patere legem quam ipse fecisti.

132.

A título subsidiário, a Comissão sustenta que o Conselho cometeu um erro de direito, violando as condições de aplicação da cláusula de exceção. Considera que a decisão impugnada padece de fundamentação «insuficiente e errada», dado que as condições de aplicação da cláusula de exceção não estão preenchidas.

133.

Recordando que, segundo jurisprudência constante, dispõe de um amplo poder de apreciação nos domínios em que é necessária uma avaliação económica ou social complexa ( 56 ), a Comissão explica que selecionou quinze indicadores económicos geralmente aceites, em particular pelos próprios Estados‑Membros, e que a escolha do período compreendido entre 1 de julho de 2010 e o início do mês de novembro de 2011 para realizar a sua apreciação se justifica, dado que uma deterioração súbita da situação se verifica, necessariamente, num período bastante curto.

134.

Acrescenta que a aplicação do método faria repercutir sobre os funcionários da União a diminuição do poder de compra sofrida por certos funcionários nacionais e entende ter procedido à análise da deterioração das finanças públicas, invocada pelo Conselho, que não pode ser qualificada de súbita, uma vez que remonta ao período anterior ao nítido declínio da atividade económica dos anos 2008 e 2009.

135.

A Comissão sustenta ainda que integrou a revisão em baixa das previsões de crescimento, que se refletiu nas decisões dos Estados‑Membros em matéria de salários públicos nacionais, e que analisou a crise do crédito, existente pelo menos desde 2008, ou mesmo desde 2007. Quanto à descida de preço dos ativos, a Comissão considera que o Conselho deveria ter explicado a relevância deste elemento que faz parte do ciclo económico normal e é extremamente volátil. Segundo a Comissão, as flutuações da taxa de desemprego ao longo de 2011 também não servem para demonstrar uma deterioração grave e súbita da situação económica e social.

— Recusa de adaptação dos coeficientes de correção

136.

Segundo a Comissão, a adaptação dos coeficientes de correção difere da adaptação das remunerações, porque esta, realizada com base no artigo 65.o do Estatuto, respeita ao ajustamento do nível geral das remunerações, por referência a Bruxelas (Bélgica) («variação no tempo»), e aquela, realizada com base no artigo 64.o do Estatuto, visa manter a igualdade de tratamento substantivo entre funcionários e pensionistas, independentemente do seu local de afetação ou de residência na União («variação no espaço»).

137.

A Comissão alega que o Conselho, ao recusar adaptar os coeficientes de correção, violou novamente os artigos 1.° e 3.° do anexo XI do Estatuto, bem como o artigo 64.o deste, e que não fundamentou a sua decisão, porque os fundamentos desta se reportam exclusivamente à adaptação das remunerações e das pensões, sendo o artigo 65.o do Estatuto apresentado como base jurídica, sem qualquer referência ao artigo 64.o do Estatuto.

ii) O Parlamento

138.

O Parlamento partilha a análise da Comissão. Em especial, entende que o Conselho violou as suas prerrogativas de colegislador porquanto, através da adoção da decisão impugnada, na realidade, aplicou o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, apesar de a aplicação da cláusula de exceção implicar o recurso ao processo legislativo ordinário.

139.

O Parlamento salienta as consequências nefastas para o equilíbrio interinstitucional que resultam do exercício excessivo de competência, como o cometido pelo Conselho, que, ao afastar o método «normal» estabelecido no Estatuto, subverteu a escolha política efetuada aquando da aprovação deste Estatuto. Para o Parlamento, que recorda as disposições do artigo 13.o TUE, nos termos das quais cada instituição deve atuar dentro dos limites das suas atribuições e respeitar as competências das outras instituições, se o Conselho, devido a razões políticas relacionadas com a crise financeira, pretendia alterar o método, devia ter seguido o processo legislativo ordinário, em que a escolha política é efetuada pelos dois colegisladores, sob proposta da Comissão e após consulta das outras instituições interessadas.

c) Argumentos de defesa

i) O Conselho

— Recusa de adaptação das remunerações e das pensões

140.

O Conselho começa por refutar os fundamentos relativos ao desvio de poder e à violação dos limites de competência.

141.

O Conselho entende, em primeiro lugar, que a decisão que tomou não se baseia no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, mas reflete a sua posição quanto à aplicação do método «normal».

142.

Considerando que a competência para constatar a deterioração grave e súbita da situação económica e social não pertence exclusivamente à Comissão, e que dispõe, juntamente com o Parlamento, de um poder de apreciação próprio para esse efeito, o Conselho argumenta que se, no exercício do seu poder de apreciação, concluir que as condições de aplicação deste artigo se verificam ou, admitindo que não dispõe deste poder de apreciação, se entender que a análise da Comissão enferma de um erro manifesto de apreciação, não lhe resta outra opção se não recusar adotar a proposta de adaptação e, ao mesmo tempo, interpor um recurso para obter a declaração de que a conclusão da Comissão é juridicamente errada. Confrontado com a recusa da Comissão de apresentar uma proposta com base na cláusula de exceção, o Conselho decidiu, de forma transparente e coerente, não adotar a proposta de regulamento, e decidiu paralelamente recorrer ao Tribunal de Justiça, para verificar se a recusa da Comissão de aplicar a cláusula de exceção era procedente. Segundo o Conselho, a tese da Comissão obrigá‑lo‑ia a adotar um regulamento em aplicação do método «normal», que este considera ilegal, e, por conseguinte, a seguir uma abordagem contraditória.

143.

O Conselho explica, em segundo lugar, que o procedimento do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto se subdivide em três etapas distintas, a saber, primeiro, a avaliação, à luz de dados objetivos fornecidos pela Comissão, da situação económica e social na União e, sendo esse o caso, a constatação da sua deterioração grave e súbita, dispondo o Conselho e o Parlamento de um poder de apreciação próprio para esse efeito; em seguida, a apresentação de propostas por iniciativa da Comissão, a qual, no entanto, exerce uma competência vinculada quando estiverem preenchidas as condições de aplicação da cláusula de exceção, e, por último, a adoção, pelo Parlamento e pelo Conselho, das medidas propostas pela Comissão.

144.

Sustenta que a decisão impugnada se situa claramente na primeira etapa do procedimento e que, na falta de uma proposta da Comissão, o Conselho não podia agir com base no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto. Por uma questão de transparência e para preservar a sua posição na expectativa de um acórdão do Tribunal de Justiça que decidisse a questão de saber se as condições de aplicação da cláusula de exceção estavam ou não reunidas, o Conselho limitou‑se a explicar as razões pelas quais considerava que não podia adotar a proposta de regulamento.

145.

O Conselho explica, em seguida, as razões pelas quais considera que o fundamento relativo à violação das condições de aplicação da cláusula de exceção, invocado a título subsidiário pela Comissão, é improcedente.

146.

O Conselho alega que, a admitir‑se que a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação para a análise da situação económica e social na União e da sua deterioração grave e súbita, o Conselho dispõe do mesmo poder de apreciação.

147.

Recordando a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à exigência de fundamentação resultante do artigo 296.o TFUE ( 57 ), o Conselho argumenta que a decisão impugnada não é um ato jurídico mas, ainda que se admitisse que produz apesar disso efeitos jurídicos, a decisão tem dezasseis considerandos que permitem conhecer as justificações da posição desta instituição, pelo que não pode ser censurada por padecer de insuficiência de fundamentação.

148.

O Conselho considera, além disso, que não se pode acusar a referida decisão de padecer de fundamentação manifestamente errada. Embora concorde com a Comissão quanto aos critérios gerais a tomar em consideração para verificar se as condições de aplicação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto estão preenchidas, o Conselho entende, todavia, que a Comissão aplicou estes critérios e qualificou os factos de forma imprópria, retirando conclusões erradas dos dados que analisou.

149.

Sem contestar que a deterioração grave e súbita da situação económica e social se deve verificar num período bastante curto, o Conselho começa por sustentar que o período de referência não deve corresponder ao abrangido pelo método «normal».

150.

Primeiro, esta limitação ignora a realidade económica e conduz a resultados que aniquilam de facto o efeito útil da cláusula de exceção, uma vez que frequentemente a crise estende‑se por dois períodos de referência. O Conselho considera, a este propósito, que a abordagem da Comissão tem como efeito cindir artificialmente um evento único, isto é, uma deterioração grave e súbita da situação económica e social na União, em várias «minicrises». Tomando como exemplo uma une crise com uma duração de oito meses, que começasse a manifestar‑se no mês de março do ano n, ou seja quatro meses antes do final do período de referência, o Conselho observa que, para efeitos da adaptação anual relativa ao período que vai de 1 de julho do ano n a 30 de junho do ano n + 1, a Comissão tomaria em conta apenas os últimos quatro meses da crise, cujas repercussões nos dados económicos e sociais seriam, assim, niveladas pelo efeito da média anual.

151.

Assim, segundo o Conselho, a abordagem seguida pela Comissão torna a aplicação da cláusula de exceção extremamente difícil, ou quase impossível, e ignora o objetivo desta cláusula, que é permitir uma reação rápida numa situação de crise. Portanto, a referida cláusula poderia ser aplicada não apenas no final do ano, em vez da adaptação anual segundo o método «normal», mas também ao longo do ano, em caso de deterioração grave e súbita da situação económica e social.

152.

Segundo, a questão de saber se, em caso de crise grave e súbita, as remunerações dos funcionários não seriam ajustadas com rapidez suficiente não deve ser apreciada em abstrato, mas tomando em conta as circunstâncias concretas do caso e a necessidade de uma reação rápida, sem esperar que as medidas de austeridade tomadas pelos Estados‑Membros afetem os salários dos seus funcionários, tendo, consequentemente, um impacto retardado nos salários dos funcionários da União.

153.

Terceiro, a abordagem da Comissão ignora o facto de, após o fim de uma crise, os indicadores não voltarem, pura e simplesmente, a zero, dado que é necessário tempo para consolidar as finanças públicas e as reservas de capital das empresas.

154.

O Conselho conclui que o facto de a Comissão não ter tomado suficientemente em conta os factos que se produziram antes do início do período de referência e que tiveram repercussões importantes na situação económica e social durante o período compreendido entre 1 de julho de 2010 e o início do mês de novembro de 2011, bem como sua a interpretação errada e demasiado restritiva dos critérios para desencadear a cláusula de exceção falsearam consideravelmente as conclusões da Comissão, conforme assinalou no considerando 7 da decisão impugnada.

155.

O Conselho alega, em seguida, que a criatividade dos Estados‑Membros no que se refere a medidas de austeridade e de saneamento orçamental não se reflete em nenhum dos indicadores utilizados pela Comissão, que não pediu informações quanto a estas medidas e se limitou a tomar em conta a descida do poder de compra dos funcionários nacionais nos oito Estados‑Membros de referência, repercutida no resultado do método «normal», apesar de este indicador muito simplificado não ser representativo da situação económica e social no conjunto da União, nem das medidas de austeridade orçamental que afetam a função pública em numerosos Estados‑Membros.

156.

O Conselho recorda, a este respeito, que, no final do ano de 2011, só quatro Estados‑Membros não estavam sujeitos ao procedimento de défice excessivo e que o crescimento da dívida pública na União, já muito elevada após a crise dos anos 2008 e 2009, se acelerou novamente na sequência da deterioração económica do segundo semestre de 2011.

157.

Para ilustrar as medidas de consolidação orçamental decididas pelos governos dos Estados‑Membros, o Conselho indica que o governo espanhol, depois de ter adotado, em abril de 2011, um programa de estabilidade que previa um esforço orçamental de mais de 1,5% do PIB até 2013, adotou, com urgência, em 30 de dezembro de 2011, medidas adicionais. Acrescenta que o governo italiano implementou, em meados de agosto de 2011, medidas adicionais que atingiam um montante líquido acumulado de 59,8 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 3,5% do PIB, para posteriormente adotar um novo conjunto de medidas representativas de 1,3% do PIB, a fim de atingir o equilíbrio orçamental em 2013.

158.

O Conselho remete, além disso, para a descrição das medidas de consolidação orçamental constante das previsões do outono de 2011 da Direção‑Geral (DG) «Assuntos económicos e financeiros» da Comissão, estranhando que, perante este contexto, esta instituição não tenha tomado estas medidas em consideração, apesar de constituírem um índice fiável da gravidade e do caráter súbito da crise económica e social.

159.

Segundo o Conselho, a Comissão também não tomou em consideração a evolução do poder de compra dos funcionários dos Estados‑Membros que não fazem parte dos oito Estados‑Membros que compõem a amostra, enumerados no artigo 1.o, n.o 4, do anexo XI do Estatuto, embora este dado fosse significativo ( 58 ).

160.

Entende também que a Comissão ignorou o grande número de medidas de consolidação dos Estados‑Membros que afetam os serviços públicos nacionais, bem como as medidas adotadas ao nível da União, como o mecanismo europeu de estabilidade (MES), a reforma do pacto de estabilidade e crescimento, o Tratado sobre a estabilidade, a coordenação e a governação na União económica e monetária e as duas propostas da Comissão, de 23 de novembro de 2011 ( 59 ), destinadas a implementar um dispositivo ao nível União apto a reforçar a fiscalização orçamental nos Estados‑Membros da zona euro.

161.

No entender do Conselho, a Comissão abstraiu completamente do facto de que a crise, que inicialmente afetou apenas certos Estados‑Membros, se tornou uma crise de confiança séria para toda a União, em especial para os Estados‑Membros da zona euro, e que o nível muito elevado da dívida pública nos Estados‑Membros constitui um elemento agravante desta crise. Portanto, o Conselho não vislumbra como pode a Comissão concluir, apesar da acentuada deterioração do crescimento económico, que a própria assinalou, que as condições económicas e sociais não podem ser qualificadas de «extraordinárias».

162.

O Conselho alega igualmente que a Comissão simplificou demasiado a apresentação da crise do crédito, que não tomou em conta a diminuição do preço dos ativos e que considerou de forma insuficiente a situação do mercado de trabalho, caracterizada por uma taxa de desemprego muito elevada.

163.

De forma mais geral, acusa a Comissão de ter decidido que um elemento de análise já refletido nos resultados do método «normal» não podia ser tomado em conta para efeitos da aplicação da cláusula de exceção, quando teria sido necessário fazer a distinção entre as duas etapas do processo de avaliação da situação económica e social. Era necessário, primeiro, examinar a situação tomando em conta todos os elementos pertinentes e, só em seguida, caso se constatasse uma deterioração grave e súbita da situação, haveria que analisar se essa deterioração se refletia com suficiente rapidez no ajustamento das remunerações em aplicação do método «normal». Segundo o Conselho, a imagem da situação económica e social na União fica necessariamente incompleta ou falseada se afastarmos à partida determinados elementos pertinentes.

164.

A Comissão replica que a cláusula de exceção está vocacionada para ser utilizada apenas em caso de evoluções extremas na União e unicamente quando não seja possível avaliá‑las segundo o método «normal». Segundo a Comissão, os efeitos a médio prazo de uma crise já são tomados em consideração por via deste método, pelo que o recurso à cláusula de exceção não se justifica.

165.

A Comissão acusa igualmente o Conselho de não ter indicado o período de referência que deveria ser definido e os critérios que deveriam ser selecionados para permitir a obtenção de dados objetivos.

— Recusa de adaptação dos coeficientes de correção

166.

Em primeiro lugar, o Conselho, que concorda com a Comissão quanto ao facto de que a adaptação dos coeficientes de correção tem um objeto diferente do da fixação anual do nível das remunerações, argumenta, no entanto, que não existe nenhuma disposição no anexo XI do Estatuto que preveja que o Conselho deve decidir esta adaptação antes do final do ano e que as diferenças entre os coeficientes de correção aplicáveis desde 1 de julho de 2010 e os propostos pela Comissão se mantêm globalmente numa margem que garante uma correspondência substancial e efetiva de tratamento.

167.

Em segundo lugar, o Conselho sustenta que não estava sujeito ao dever de fundamentação, porque a sua decisão não constitui um ato jurídico e que, em qualquer caso, a adaptação dos coeficientes de correção constitui um aspeto acessório que, por esta razão, não tem de ser objeto de uma fundamentação específica.

ii) Os Estados‑Membros

— República Checa

168.

A República Checa associa‑se às observações apresentadas pelo Conselho. Em especial, alega que a Comissão limitou no tempo a avaliação da situação económica e social na União ao período de referência utilizado para a aplicação do método «normal», que apenas tomou em conta determinados indicadores, de forma isolada, sem realizar uma observação permanente das evoluções, e que analisou de forma errada as medidas de austeridade orçamental adotadas ou notificadas pelos Estados‑Membros. Segundo este Estado‑Membro, a Comissão, que aplicou o método «normal», embora este tome em conta somente a evolução do poder de compra dos funcionários em oito Estados‑Membros, não considerou a situação no conjunto da União. Além disso, a Comissão contradiz‑se quando recusa tomar em conta a situação na Hungria, sob o pretexto de que este Estado‑Membro não faz parte dos Estados cuja situação é considerada para efeitos da aplicação do método «normal», e recusa simultaneamente considerar as situações respetivas do Reino de Espanha, da República Francesa e da República Italiana, com o fundamento de que já são refletidas pela aplicação do método «normal».

— Reino da Dinamarca

169.

O Reino da Dinamarca considera que o acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido, não exclui o Conselho de participar na apreciação da questão de saber se as condições de aplicação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto estão ou não preenchidas. Segundo este Estado, ao apresentar uma proposta de adaptação das remunerações seguindo o método «normal», quando as condições de aplicação deste método não estavam reunidas, a Comissão violou o seu dever de cooperação leal. Entendendo que é da maior importância que, em caso de crise, sejam rapidamente adotadas medidas eficazes, sob pena de agravamento, este Estado‑Membro explica que, tendo registado uma diminuição de quase quatro pontos do PIB entre 2008 e 2011 na sequência da crise económica mundial, reduziu as despesas de funcionamento dos ministérios, reviu os escalões do imposto sobre o rendimento e congelou as remunerações dos funcionários.

— República Federal da Alemanha

170.

A República Federal da Alemanha assinala que a Comissão não detém o monopólio da apreciação da existência de uma deterioração grave e súbita da situação económica e social na União, na aceção do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, e que, em consequência, o Conselho não estava obrigado a aceitar «cegamente» qualquer proposta que a Comissão apresentasse. Segundo este Estado‑Membro, embora a Comissão disponha do poder de iniciativa, o Conselho e o Parlamento, que são responsáveis pela aprovação do orçamento da União, dispõem, no entanto, por força do princípio do equilíbrio institucional, de poderes para verificarem se as condições para desencadear a cláusula de exceção do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto estão preenchidas.

171.

Este Estado‑Membro acrescenta que não restava ao Conselho outra alternativa se não recusar aprovar a proposta de regulamento e que a decisão impugnada não põe em causa o efeito vinculativo do anexo XI do Estatuto, assegurando, contudo, a possibilidade de um recurso do Conselho contra a Comissão com fundamento na não aplicação da cláusula de exceção.

172.

Além disso, a República Federal da Alemanha entende que os relatórios da Comissão de 13 de julho e de 25 de novembro de 2011 são inexatos e que os dados objetivos comunicados não permitem retirar outra conclusão que não seja a existência de uma deterioração grave e súbita da situação económica e social. Contesta a existência de um princípio de paralelismo entre a evolução das remunerações dos funcionários da União e das remunerações dos funcionários nacionais.

— Reino de Espanha

173.

O Reino de Espanha considera que a questão que o Tribunal de Justiça deve decidir é fundamentalmente um problema de facto, porquanto se trata de determinar se as circunstâncias económicas que existiam na União em dezembro de 2011 exigiam a aplicação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto.

174.

Entende que, no momento em que a Comissão apresentou a sua proposta de regulamento, existiam dados suficientes que comprovavam a existência de uma crise grave, excecional e generalizada, cujos efeitos não eram refletidos pelo método «normal», a qual se veio ainda a agravar posteriormente. Segundo este Estado, as previsões económicas do outono de 2011, publicadas em 10 de novembro de 2011 pela Comissão, não coincidem com a posição que esta defende no âmbito do presente recurso, uma vez que demonstram que se passou de uma previsão de crescimento do PIB de 1,8% em 2011 e de 1,9% em 2012 para uma previsão de 1,6% e de 0,6% respetivamente.

— Reino dos Países Baixos

175.

O Reino dos Países Baixos entende que uma vez que considerava que a União se confrontava com uma grave crise económica, o Conselho tinha legitimidade para rejeitar a proposta de regulamento, porquanto o procedimento de adaptação segundo o método «normal» e o procedimento excecional previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto se excluem mutuamente. Insiste no facto de que, embora forneça os dados objetivos para a avaliação da situação económica e social, a Comissão não dispõe de uma competência exclusiva para proceder a essa avaliação. Considera que o Conselho detém, no quadro da cláusula de exceção, uma competência discricionária para proceder à referida avaliação.

176.

Por outro lado, o Reino dos Países Baixos alega que não existe nenhuma diferença entre o conceito de crise económica geral e de deterioração da situação objeto da cláusula de exceção, o qual não pode ser circunscrito a uma situação de crise causada por «acontecimentos externos». Acrescenta que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao não distinguir de forma estrita o procedimento do artigo 65.o, n.o 1, do Estatuto e a cláusula de exceção e, em particular, por ter restringido a análise dos dados aos utilizados no quadro do método «normal», sem tomar em consideração os dados numéricos referentes ao conjunto da União e excluindo certos dados, como o preço dos ativos ou a crise de confiança dos mercados em relação às dívidas públicas. Este erro de apreciação priva a cláusula de exceção de todo o seu efeito útil. Por último, contesta a aplicação, no quadro da cláusula de exceção, da regra do paralelismo entre a evolução das remunerações na função pública da União e nas funções públicas dos Estados‑Membros.

— Reino Unido

177.

Segundo o Reino Unido, o Conselho, à luz dos dados objetivos fornecidos pela Comissão, pode constatar que se produziu uma deterioração grave e súbita da situação económica e social e, nesse caso, decidir não aceitar a proposta da Comissão apresentada em aplicação do artigo 3.o do anexo XI do Estatuto.

178.

Entende, por outro lado, que a Comissão baseou a sua análise na premissa errada da manutenção do princípio do paralelismo, apesar de a aplicação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto implicar unicamente a constatação objetiva de uma deterioração grave e súbita da situação económica e social.

179.

O Reino Unido acrescenta que a abordagem da Comissão não é minimamente conforme com o objetivo da cláusula de exceção e considera que a gravidade da crise não pode ser seriamente posta em causa, quando o seu caráter súbito se manifesta nas medidas urgentes que os Estados‑Membros e as próprias instituições tiveram de adotar.

2. Apreciação

180.

As questões que estão no centro dos presentes litígios que opõem a Comissão ao Conselho referem‑se ao papel e aos poderes respetivos das instituições envolvidas em caso de apreciações divergentes relativas à situação económica e social.

181.

Os conflitos «puramente horizontais» ( 60 ) que opõem a Comissão e o Conselho quanto à determinação do nível das remunerações dos funcionários e dos outros agentes da União constituíram sempre uma questão fundamental para o respeito do equilíbrio institucional ( 61 ). Os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça no âmbito dos referidos conflitos fornecem preciosos elementos de resposta, que é necessário recordar antes de examinar mais precisamente os fundamentos invocados pela Comissão à luz destes ensinamentos e das circunstâncias particulares deste novo conflito.

a) Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à função e aos poderes respetivos da Comissão e do Conselho no quadro do procedimento de adaptação das remunerações

182.

O Tribunal de Justiça proferiu quatro acórdãos sobre o procedimento de adaptação anual das remunerações e das pensões, que consagraram uma autolimitação dos poderes do Conselho no caso do método «normal» e um dever de iniciativa da Comissão em caso de aplicação da cláusula de exceção.

183.

Sem que seja necessário abordar detalhadamente a génese e as evoluções históricas do método de adaptação das remunerações e das pensões dos funcionários e dos outros agentes da União ( 62 ), recorde‑se que as disposições contidas no anexo XI do Estatuto, intitulado «Modalidades de aplicação dos artigos 64.° e 65.° do Estatuto», foram adotadas para evitar os conflitos entre as instituições da União e os seus funcionários e outros agentes no que respeita à adaptação das remunerações.

184.

Tendo em conta estes objetivos, o Tribunal de Justiça constatou que o próprio Conselho tinha estabelecido limites ao poder de apreciação resultante do artigo 65.o do Estatuto e obrigou‑o a respeitar esses limites.

185.

No seu acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido, o Tribunal de Justiça, após ter assinalado que a versão em vigor do anexo XI do Estatuto representava «o culminar de uma evolução contínua [...] caracterizada por um enquadramento cada vez mais preciso e mais rigoroso do método de adaptação anual das remunerações» ( 63 ), declarou que, através da adoção deste anexo, o Conselho tinha aprovado disposições relativas à aplicação deste artigo e que, através deste «enquadramento», restringiu o seu poder de apreciação decorrente do referido artigo. Segundo o Tribunal de Justiça, «o Conselho […] vinculou[‑se], através de uma decisão autónoma, pelo período de validade [do] anexo [XI do Estatuto], no exercício do seu poder de apreciação decorrente do artigo 65.o do Estatuto, a respeitar os critérios determinados de maneira exaustiva no artigo 3.o do referido anexo» ( 64 ), e deduziu que o Conselho não podia invocar, no âmbito deste artigo 3.o, uma margem de apreciação que ultrapassasse os critérios determinados no referido artigo 3.o

186.

O acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido, que retoma e confirma a solução que o Tribunal de Justiça já enunciara nos seus acórdãos de 5 de junho de 1973, Comissão/Conselho ( 65 ), e de 26 de junho de 1975, Comissão/Conselho ( 66 ), obriga portanto o Conselho a respeitar os limites que ele próprio fixou para o seu poder de decisão, o que significa que deve respeitar o método «normal», salvo quando recorra ao procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto.

187.

Esse acórdão fornece, além disso, diversos esclarecimentos quanto à aplicação do procedimento da cláusula de exceção e à possibilidade de ter em conta uma crise económica grave.

188.

Este procedimento permite, «numa situação extraordinária, afastar pontualmente o método previsto no artigo 3.o do anexo XI do Estatuto, sem todavia o alterar ou revogar para os anos seguintes» ( 67 ), «[permitindo] às instituições reagir a acontecimentos súbitos que imponham uma reação pontual e não tanto a alteração completa do método ‘normal’» ( 68 ).

189.

Constitui, segundo o Tribunal de Justiça, «a única» possibilidade de ter em conta uma crise económica no âmbito da adaptação das remunerações e de afastar, por conseguinte, a aplicação dos critérios fixados no artigo 3.o, n.o 2, do anexo XI do Estatuto ( 69 ).

190.

O Tribunal de Justiça acrescentou que o exercício da competência conferida à Comissão pelo artigo 10.o do anexo XI do Estatuto não constituía uma simples faculdade para a Comissão, pelo que era necessário concluir que o poder de iniciativa reconhecido à Comissão no processo legislativo de direito comum, no âmbito do procedimento especial do artigo 10.o, se transforma num dever de iniciativa ( 70 ).

191.

Por último, o Tribunal de Justiça esclareceu que, em aplicação do artigo 241.o TFUE, o Conselho pode convidar a Comissão a apresentar‑lhe uma proposta adequada ( 71 ).

192.

Dois ensinamentos principais decorrem desta decisão.

193.

O primeiro é relativo à articulação entre os dois procedimentos previstos, respetivamente, nos artigos 3.° e 10.° do anexo XI do Estatuto. Estes procedimentos, que se excluem mutuamente, organizam‑se, segundo o Tribunal de Justiça, numa relação de princípio e exceção. O procedimento do método «normal» deve ser, em princípio, aplicado quando vigora o anexo XI do Estatuto, ao passo que o procedimento «específico» que permite tomar em conta uma crise económica grave só pode ser utilizado de forma excecional. A formulação do acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido, acentua claramente o caráter exorbitante do procedimento do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, qualificando de «extraordinária» a situação que permite recorrer a este instrumento, a qual permite reagir a acontecimentos «súbitos» que imponham uma reação «pontual», sempre que, através da aplicação do método «normal», as remunerações dos funcionários não possam ser ajustadas com suficiente rapidez.

194.

O segundo ensinamento é relativo ao processo de tomada de decisão para a determinação do nível das remunerações e das pensões. Este processo sofre um duplo movimento de transformação em comparação com o sistema decisório habitual, isto é, por um lado, a margem de apreciação do Conselho transforma‑se em obrigação de aplicar o método «normal», exceto em caso de aplicação da cláusula de exceção, e, por outro, o poder de iniciativa da Comissão torna‑se num dever de recorrer à cláusula de exceção quando as condições para o efeito estiverem reunidas.

195.

Resta determinar a base em que deve assentar o equilíbrio institucional quando a Comissão e o Conselho divergem quanto à avaliação da existência de uma crise económica grave e súbita que justifique o recurso à cláusula de exceção.

b) Resolução do conflito que opõe a Comissão e o Conselho quanto à existência de uma «deterioração grave e súbita da situação económica e social existente na União»

196.

Na audiência, o debate centrou‑se essencialmente, por iniciativa do Tribunal de Justiça, nas condições de desencadeamento da cláusula de exceção quando o Conselho e a Comissão estão em desacordo quanto à existência de uma crise económica grave. Esta questão parece ser determinante para a possibilidade de o Conselho recusar ou não a proposta da Comissão baseada na aplicação do método «normal». Se o procedimento da cláusula de exceção for desencadeado unicamente pelo «diálogo» entre o Conselho e a Comissão, o desencadeamento deste procedimento deveria tornar ilegal a proposta de regulamento apresentada pela Comissão com fundamento no método «normal» e permitir que, por conseguinte, o Conselho se recusasse a adotá‑la.

197.

Portanto, iremos concentrar‑nos, num primeiro momento, nesta dificuldade, antes de estudarmos, num segundo momento, os diferentes fundamentos invocados pela Comissão em apoio do seu recurso de anulação.

i) Análise das condições que desencadeiam o procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto

198.

O artigo 10.o do anexo XI do Estatuto não especifica a que instituição compete efetuar, à luz dos dados «objetivos fornecidos [...] pela Comissão», a avaliação necessária para determinar se a cláusula de exceção é aplicável. A redação desta disposição dificulta a determinação das responsabilidades respetivas porquanto agrega a utilização da voz passiva, com a expressão «avaliada», e um presente do indicativo, que marca uma ação a realizar pela Comissão, a qual «apresenta» propostas adequadas. Apesar de esta formulação não permitir determinar claramente se compete à Comissão, e a esta exclusivamente, avaliar a situação, ou se o Conselho poderá efetuar a sua própria avaliação, na realidade, entendemos que a questão que se coloca não é a de saber se cada uma destas duas instituições poderá realizar a sua própria avaliação, à luz dos dados «objetivos» que sabemos deverem ser fornecidos pela Comissão, mas determinar de que forma, em caso de divergência de apreciação, se deverá resolver este desacordo interinstitucional.

199.

À questão de saber se o Conselho tem o direito de recusar adotar a proposta de adaptação das remunerações e das pensões segundo o método «normal» por entender que existe uma crise económica grave justificativa do recurso ao procedimento da cláusula de exceção, as partes responderam com propostas antinómicas, a saber, que o próprio pedido do Conselho, nos termos do artigo 241.o TFUE, desencadeia por si só o procedimento da cláusula de exceção, ou que, pelo contrário, este procedimento só pode ser desencadeado por iniciativa da Comissão, pelo que o Conselho não dispõe de outra possibilidade, em caso de recusa da Comissão, senão a de pedir que o Tribunal de Justiça declare que a Comissão ultrapassou os limites da sua margem de apreciação na avaliação da situação económica e social.

200.

Parece‑nos que a primeira proposta, que confere um efeito fecundo ao diálogo entre a Comissão e o Conselho, ou, para utilizar uma expressão menos eufemística, ao desacordo entre as duas instituições ( 72 ), do qual nasceria o procedimento da cláusula de exceção, parece‑nos resolver a questão do desencadeamento deste procedimento por preterição. Sem o dizer, esta tese implica que se admita que o pedido do Conselho baseado no artigo 241.o TFUE obriga a Comissão a apresentar uma proposta de regulamento baseada no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto e que, no entanto, se a Comissão formular, em resposta, uma proposta de regulamento baseada no artigo 3.o do referido anexo, esta proposta se transformará, graças ao desacordo do Conselho, numa «proposta adequada» por força da cláusula de exceção.

201.

A segunda proposta é mais clássica. Subordina o desencadeamento do procedimento da cláusula de exceção a uma condição de fundo, a existência de uma crise económica e social grave e súbita, e a uma condição processual, a formulação de uma proposta adequada pela Comissão.

202.

Pela nossa parte, não podemos aderir à primeira proposta e, sem hesitação, propomos ao Tribunal de Justiça que escolha a segunda, a favor da qual nos fazem pender diversos argumentos.

203.

O primeiro argumento é de ordem textual e é duplo.

204.

Por um lado, é necessário observar que o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto está redigido em termos que instituem claramente a existência de uma «deterioração grave e súbita da situação económica e social na União» como condição para o desencadeamento do procedimento da cláusula de exceção. Através da expressão «[e]m caso de», este artigo remete para a existência objetiva desta deterioração. Se o legislador da União tivesse pretendido que a vontade do Conselho fosse o fator que desencadeia este procedimento, teria utilizado outra expressão para esse efeito ( 73 ). O afastamento do método «normal» e a aplicação concomitante do procedimento «específico» são, portanto, claramente impostos pela existência de uma crise que responda aos critérios de gravidade e de caráter súbito exigidos por esta disposição.

205.

Por outro lado, o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto prevê que a Comissão «apresenta propostas adequadas» ao Parlamento e ao Conselho. Ora, numa situação de diálogo conflitual como a que opõe o Conselho e a Comissão acerca da adaptação das remunerações a partir de 1 de julho de 2011, só à custa de uma dupla desvirtuação do conteúdo da proposta da Comissão, apresentada com fundamento no método «normal» e tendo como único destinatário o Conselho, se poderia considerar que esta equivale a uma proposta feita ao Parlamento e ao Conselho com fundamento neste artigo 10.o

206.

O segundo argumento resulta da jurisprudência existente do Tribunal de Justiça quanto à aplicação da cláusula de exceção.

207.

O simples respeito do acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido, e da lógica desta jurisprudência parece‑nos pôr definitivamente em causa a interpretação nos termos da qual o Conselho teria um poder de iniciativa para o desencadeamento do procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto. Para o Tribunal de Justiça, a aplicação deste artigo «depende» de uma proposta da Comissão ( 74 ), pelo que fazê‑la depender de uma iniciativa do Conselho marcaria uma rutura com esta solução. A ideia de que a proposta da Comissão baseada no método «normal» desencadeia o procedimento da cláusula de exceção quando enfrenta uma oposição do Conselho constitui, em nosso entender, um artifício que implica a desvirtuação da proposta da Comissão.

208.

O Tribunal de Justiça declarou, além disso, que o Conselho não dispunha, no âmbito do procedimento do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, de mais poderes do que os que detém, segundo o direito comum, por força do artigo 241 TFUE. Ora, este artigo limita‑se a conferir ao Conselho um poder de «estimulação», permitindo‑lhe solicitar à Comissão que proceda a quaisquer estudos que o Conselho considere oportunos para a realização dos objetivos comuns e que lhe apresente todas as propostas adequadas. Assim, embora o exercício da competência conferida à Comissão pelo artigo 10.o do anexo XI do Estatuto não constitua uma simples faculdade para esta instituição ( 75 ), a verdade é que o Conselho não dispõe de um poder de iniciativa concorrente que lhe permita substituir‑se a esta instituição, em caso de omissão, para desencadear o procedimento da cláusula de exceção em vez da Comissão.

209.

O terceiro argumento é relativo ao respeito pelo princípio do equilíbrio institucional.

210.

Este princípio essencial implica que cada uma das instituições exerça as suas competências no respeito pelas competências das outras.

211.

Ora, o princípio da autolimitação dos poderes do Conselho estabelecido na configuração tradicional do processo decisório de adaptação das remunerações não condiz com o reconhecimento de uma liberdade total ao Conselho para desencadear o procedimento da cláusula de exceção.

212.

Recorde‑se, a este respeito, que, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça, o processo decisório que resulta do método «normal» de adaptação das remunerações se caracteriza por uma limitação do poder de decisão do Conselho, o qual é vinculado, durante o período de validade do anexo XI do Estatuto, quanto ao exercício do seu poder de apreciação decorrente do artigo 65.o deste Estatuto. Este processo é igualmente marcado pela participação da Comissão, donde resulta «uma espécie de formação da decisão por consenso, que implica que o Conselho perde o direito de se afastar unilateralmente da sua anterior decisão de princípio nos casos de aplicação concreta» ( 76 ).

213.

Na medida em que a aplicação da cláusula de exceção está necessariamente associada ao afastamento do método «normal», admitir que o Conselho pode desencadear o procedimento da cláusula de exceção por sua própria iniciativa e invocando apenas uma crise económica grave equivale a abrir uma brecha nesta lógica de equilíbrio e a conferir ao Conselho a possibilidade de pôr em causa a participação da Comissão, e também de contornar os critérios fixados no artigo 3.o do anexo XI do Estatuto.

214.

Adicionalmente, entendemos que a afirmação do Conselho segundo a qual não teria renunciado definitivamente ao seu poder de apreciação, que recuperaria em caso de ocorrência de uma crise económica, não é conforme com a nova configuração do equilíbrio institucional decorrente do Tratado de Lisboa.

215.

Esta tese implica que se conceba o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto como uma exceção ao procedimento de adaptação automática previsto no artigo 3.o deste anexo, cujo efeito seria o de provocar o regresso ao poder de decisão do Conselho decorrente do artigo 65.o do Estatuto.

216.

Ora, esta leitura, admitindo que fosse válida antes do Tratado de Lisboa, deixou de ser possível a partir da entrada em vigor deste Tratado, que fez evoluir, em benefício do Parlamento, a repartição dos poderes entre instituições.

217.

A este respeito, recorde‑se que o artigo 336.o TFUE dispõe que o Estatuto dos Funcionários é aprovado de acordo com o processo legislativo ordinário. A remissão para esta disposição efetuada pelo artigo 10.o do anexo XI do Estatuto é desprovida de ambiguidade e não significa que através do procedimento da cláusula de exceção o Conselho retome o poder de decisão previsto no artigo 65.o do Estatuto, mas ao invés um retorno ao processo legislativo ordinário. Não é, portanto, possível sustentar o raciocínio de que o Conselho recuperaria, por força do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, o livre exercício da margem de apreciação que o próprio aceitou enquadrar, vinculando‑se a respeitar as regras previstas nos artigos 1.° e 3.° do referido anexo.

218.

O quarto argumento refere‑se às exigências da fiscalização jurisdicional.

219.

Numa União de direito dotada de um sistema de vias de recurso que garantem a fiscalização jurisdicional da conformidade dos atos adotados pelas instituições da União com as normas superiores e com os princípios fundamentais, uma interpretação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto que transformasse o diálogo conflitual entre a Comissão e o Conselho no fator de desencadeamento da cláusula de exceção teria, em nosso entender, o inconveniente fundamental de impedir qualquer fiscalização jurisdicional da decisão de recorrer à cláusula de exceção.

220.

Se o procedimento nascer apenas do «diálogo» entre o Conselho e a Comissão, que se realiza a montante e a jusante da proposta da Comissão, não será possível exercer uma fiscalização jurisdicional, ainda que restrita, nem antes da adoção de um regulamento, nem sequer depois.

221.

A Comissão não poderá agir preventivamente para impedir a adoção de um regulamento, pois, supondo que esta manifesta o seu desacordo através da apresentação de uma proposta baseada no método «normal», essa proposta será equiparada a uma «proposta adequada» que faz intervir validamente o Conselho e o Parlamento para os efeitos da cláusula de exceção.

222.

A fiscalização também não poderá ocorrer a posteriori, porque, se a Comissão pretender a anulação do regulamento adotado a final pelo Parlamento e pelo Conselho, não poderá invocar, em apoio do seu recurso, a inexistência de uma crise económica, uma vez que a legalidade do recurso ao procedimento da cláusula de exceção não está, por hipótese, dependente da condição de existência dessa crise.

223.

Imaginemos que o Conselho, sem invocar a existência de uma crise económica, ou mesmo reconhecendo expressamente que esta crise não existe, solicita formalmente à Comissão que lhe apresente uma proposta com base na cláusula de exceção, apenas com o fundamento de que a aplicação do método «normal» resultaria num aumento demasiado importante do montante das remunerações. Se a legalidade da decisão de recorrer à cláusula de exceção decorresse unicamente do «diálogo» interinstitucional, esta evasão ilegal ao método «normal» não poderia ser censurada.

224.

Não nos parece que a circunstância de o Parlamento ter uma palavra a dizer e poder fazer valer, no decurso do processo legislativo ordinário, a sua própria apreciação da situação económica e social, permita justificar esta solução, dado que a participação desta instituição no processo decisório não serve para suprir a falta de fiscalização jurisdicional.

225.

O procedimento previsto no artigo 10.o do anexo XI do Estatuto foi concebido como uma exceção, tão circunscrita quanto possível, pelo que o seu desencadeamento não pode ser incondicional. A legalidade da ação das instituições no âmbito deste procedimento deve ficar subordinada à existência de uma situação de facto determinada, consistente numa crise económica, que deve, por acréscimo, obedecer a critérios de gravidade e de caráter súbito.

226.

De um ponto de vista mais geral, permita‑se‑me um certo ceticismo perante uma solução que, na realidade, teria como efeito produzir, fora do domínio da política externa e de segurança comum (PESC), uma categoria de atos suscetíveis de escapar à fiscalização da legalidade. São duas as justificações que se podem apresentar para apoiar esta solução, a saber, a dimensão política da apreciação em causa e a o caráter técnico do assunto. Ora, estas justificações são idênticas às que a doutrina habitualmente utiliza para explicar que o juiz da União pode decidir não prescindir de efetuar a sua fiscalização, mas que exercerá uma fiscalização restrita, em especial quando deva efetuar uma apreciação económica complexa ( 77 ). Em nosso entender, não existe nenhuma razão específica que permita explicar porque deveria o Tribunal de Justiça, na aplicação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, não apenas limitar a sua fiscalização mas, pura e simplesmente, renunciar à mesma.

227.

Existe uma forte corrente jurisprudencial que atesta a capacidade do Tribunal de Justiça de mobilizar o conjunto dos recursos processuais para assumir plenamente as suas responsabilidades jurisdicionais nos domínios mais complexos, designadamente quando está em causa o respeito pelos equilíbrios institucionais ou pelos princípios fundamentais.

228.

Pela nossa parte, não vemos nenhuma razão válida para o Tribunal de Justiça abdicar do seu poder de fiscalização da legalidade ou limitar‑se a exercer uma fiscalização emasculada, reduzida a uma constatação mecânica de um «diálogo» interinstitucional com efeito desencadeador. Em conformidade com o princípio do equilíbrio institucional, cada uma das instituições da União em causa deve assumir a sua parte da responsabilidade e o Tribunal de Justiça, exercendo a sua missão de guardião dos Tratados, tem um dever de fiscalização, cuja intensidade, se necessário, poderá fazer variar.

229.

Resumindo. A interpretação segundo a qual o procedimento do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto seria desencadeado pelo diálogo entre a Comissão e o Conselho parece‑nos contrária à letra do referido artigo, à interpretação que deste foi feita pelo Tribunal de Justiça, ao princípio do equilíbrio institucional e aos requisitos da fiscalização da legalidade. A aplicação do procedimento extraordinário implica, pelo contrário, a constatação objetiva de uma deterioração grave e súbita da situação económica e social na União. Em caso de desacordo entre a Comissão e o Conselho quanto à existência desta deterioração, compete ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre a apreciação da Comissão.

230.

Partindo destas premissas, iremos agora proceder ao exame dos fundamentos de anulação invocados pela Comissão.

ii) Apreciação do mérito dos fundamentos de anulação

231.

Não nos parece que a Comissão tenha dedicado um especial cuidado à diferenciação dos casos de abertura que invoca em apoio do seu recurso de anulação. Em especial, na primeira parte do seu fundamento principal, alega que o Conselho não é competente para a adoção da decisão impugnada, considerando ao mesmo tempo que este cometeu um desvio de procedimento e ainda que violou os «requisitos de forma», o princípio do equilíbrio institucional, o princípio patere legem quam ipse fecisti, e os artigos 3.° e 10.° do anexo XI do Estatuto.

232.

Baseando‑nos na lista dos fundamentos do artigo 263.o, n.o 2, TFUE, analisaremos em seguida o fundamento relativo ao desvio de poder, o que censura o Conselho por ter violado a regra de direito comum por entender que estava autorizado a não adotar a proposta de regulamento e o fundamento relativo à violação das condições de aplicação da cláusula de exceção, devido a fundamentação insuficiente e errada.

— Quanto ao fundamento relativo ao desvio de poder

233.

O fundamento relativo ao desvio de poder, através do qual a Comissão acusa o Conselho de se ter esquivado ao procedimento do artigo 3.o do anexo XI do Estatuto, como forma de reagir às circunstâncias do caso vertente, também não pode vingar, por duas razões alternativas: esta alegação confunde‑se com a violação do Tratado FUE ou é improcedente.

234.

Primeiro, o desvio de poder, de que o desvio de procedimento constitui uma «categoria» ( 78 ), só se pode conceber, logicamente, se o autor do ato dispuser de um amplo poder de apreciação. Em contrapartida, não se pode verificar quando está em causa o exercício de uma competência vinculada ( 79 ). Neste caso, com efeito, o desvio de poder confunde‑se necessariamente com a violação do Tratado, porquanto, se a medida adotada pela instituição não for a imposta pela regulamentação em vigor, esta será ilegal, sem que seja necessário interrogarmo‑nos sobre os motivos do seu autor.

235.

Ora, a decisão que o Conselho adota através da aplicação do método «normal» de adaptação das remunerações enquadra‑se no exercício de uma competência vinculada. Assim, entendemos que a alegação tem por objeto uma violação de lei, sem que seja necessário interrogarmo‑nos sobre os motivos do Conselho.

236.

Segundo, como resulta de jurisprudência constante, o desvio de poder existe quando uma instituição adota um ato com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de alcançar fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelos Tratados para fazer face às circunstâncias com as quais é confrontado ( 80 ).

237.

No presente caso, o desvio de poder implicaria que se tivesse tentado atingir outra finalidade diferente da tomada em conta da existência de uma crise económica grave.

238.

Ora, no caso vertente, a Comissão não demonstra minimamente que a decisão impugnada tenha sido inspirada por outros motivos além dos descritos nos considerandos desta decisão. Por seu turno, o erro eventualmente cometido pelo Conselho na apreciação da existência de uma crise económica grave não consubstancia um desvio de poder mas uma violação do Tratado.

— Quanto ao fundamento relativo à violação da regra de direito pelo Conselho, que não devia ter‑se considerado autorizado a não adotar a proposta de regulamento

239.

O fundamento que censura o Conselho por ter recusado adotar a proposta de regulamento e por ter aplicado, na realidade, o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto, parece‑nos improcedente.

240.

Desde logo, contrariamente ao que defende a Comissão, o Conselho, perante a proposta de regulamento, limitou‑se a recusar a aplicação do método «normal», sem deliberar no âmbito do procedimento da cláusula de exceção.

241.

Em seguida, entendemos que o Conselho, a quem foi atribuída a competência, nos termos do artigo 65.o do Estatuto e dos artigos 1.° e 3.° do seu anexo, para proceder à adaptação anual das remunerações segundo o método «normal», será igualmente competente para a recusar, se as condições não estiverem verificadas.

242.

Ora, a existência de uma crise económica grave e súbita permite ao Conselho recusar a proposta de adaptação segundo o método «normal», uma vez que obriga a Comissão a apresentar uma proposta adequada com base na cláusula de exceção.

— Quanto ao fundamento relativo às condições de aplicação da cláusula de exceção devido a fundamentação insuficiente e errada

243.

Começamos por afastar, quanto à questão principal da recusa de adaptação das remunerações, a alegação de uma fundamentação insuficiente, atendendo a que a decisão impugnada comporta dezasseis considerandos que apresentam as razões pelas quais o Conselho entendeu que não podia adotar a proposta de regulamento.

244.

Resta, portanto, analisar se a decisão impugnada padece de fundamentação errada.

245.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça está fixada, desde há muito tempo, no sentido de que, regra geral, o juiz da União exerce uma fiscalização restrita sobre as apreciações económicas complexas, que se limita a censurar o erro manifesto de apreciação. Segundo uma fórmula inúmeras vezes recordada pelo Tribunal de Justiça, a fiscalização jurisdicional de um ato que envolva uma apreciação desse tipo deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exatidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da inexistência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da inexistência de desvio de poder ( 81 ).

246.

Ora, a análise da questão de saber se situação económica e social verificada na União se deteriorou grave e subitamente implica uma avaliação à luz de dados objetivos complexos, que pressupõe o recurso a múltiplos indicadores.

247.

Assim, é forçoso admitir que o juiz da União deve limitar a fiscalização que exerce sobre esta apreciação ao caráter suficiente da fundamentação, à exatidão da matéria de facto, bem como à inexistência de erro manifesto de apreciação.

248.

Antes de examinarmos mais precisamente as diferentes alegações formuladas pelo Conselho e pelos Estados‑Membros intervenientes, vamos recordar as grandes linhas da avaliação da situação económica e social a que a Comissão procedeu.

249.

O relatório sobre a cláusula de exceção analisa as condições de aplicação desta cláusula referindo que a deterioração da situação não pode ser apenas grave e súbita, mas também que «deve ser tal que o método não permitiria tê‑la adequadamente em conta, devido à sua natureza excecional em termos de rapidez e de magnitude» ( 82 ). Assenta, com efeito, no postulado segundo o qual o «princípio do paralelismo com os funcionários públicos nacionais em termos de evolução do poder de compra [...] tem de ser mantido também em tempos de recessão económica na União» ( 83 ), o que implica que a cláusula de exceção não deve ser aplicada quando o método «normal» tenha «capacidade de identificar adequadamente os desenvolvimentos económicos e sociais na [União] através do seu efeito sobre os vencimentos dos funcionários públicos nacionais» ( 84 ).

250.

O relatório sobre a cláusula de exceção acrescenta, no seu n.o 4.1, que o termo «deterioração» é utilizado para descrever o agravamento da situação económica e social, e que a questão de saber se a deterioração é grave deve ser determinada «em função da amplitude e duração dos impactos económicos e sociais», ao passo que a questão de saber se esta é súbita deve ter em conta «a rapidez e a previsibilidade dos impactos económicos e sociais», pelo que, segundo a Comissão, «é particularmente importante a distinção entre as flutuações normais da conjuntura económica e as ocasionadas por acontecimentos externos».

251.

Em seguida, examinando os indicadores «objetivos» que podem ser utilizados, o relatório sobre a cláusula de exceção, que indica que estes devem respeitar um conjunto de princípios comummente aceites e relevantes, identifica quinze indicadores relativos à atividade económica ( 85 ), às finanças públicas ( 86 ), ao mercado de trabalho ( 87 ) e ao clima económico ( 88 ), baseando‑se nas previsões económicas europeias pulicadas pela DG «Assuntos económicos e financeiros» em 13 de maio de 2011.

252.

Por último, observando que estes indicadores revelam que a recessão terminou no outono de 2009 e que a retoma económica prossegue progressivamente na União, o relatório sobre a cláusula de exceção assinala que não se registou qualquer deterioração grave e súbita da situação económica e social na União «durante o período de referência de 1 de julho de 2010 até meados de maio de 2011», e que não foram identificados eventos que não tenham, ou não tenham podido ser, refletidos através do método «normal» e conclui que não é adequado apresentar uma proposta nos termos do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto.

253.

Na sua comunicação, baseada nos «desenvolvimentos mais recentes na União [...] desde as previsões económicas europeias da primavera» ( 89 ), e em especial nas previsões económicas comunicadas pela DG «Assuntos económicos e financeiros» em 10 de novembro de 2011, a Comissão mostra‑se mais reservada e procede a uma apreciação mais matizada da situação.

254.

Confirma a conclusão da análise anterior, observando, no entanto, uma deterioração das perspetivas económicas e um «abrandamento contínuo da atividade económica», que o método «normal» não permitiria refletir.

255.

Segundo a comunicação, estas previsões indicam uma tendência de agravamento para 2011 em relação às previsões publicadas na primavera, «demonstrando que a economia europeia está a atravessar um período de turbulência» ( 90 ), embora a União não enfrente uma situação extraordinária em que as remunerações dos funcionários da União «não seriam ajustadas com suficiente rapidez para ter em conta as medidas tomadas pelos Estados‑Membros em relação aos funcionários públicos» ( 91 ).

256.

As alegações formuladas pelo Conselho e pelos Estados‑Membros intervenientes contra a apreciação da Comissão podem organizar‑se em quatro categorias, conforme se referem ao período a tomar em conta para avaliar a situação económica e social, à natureza e ao número de indicadores relevantes, à área geográfica no interior da qual a degradação se produz ou, por último, à manutenção do princípio do paralelismo entre a evolução das remunerações e das pensões dos funcionários e dos outros agentes da União e das remunerações dos funcionários nacionais.

257.

Iremos analisar sucessivamente estas quatro categorias de alegações para verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

258.

A primeira alegação é relativa ao período que deve ser tomado em consideração.

259.

Entendemos que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao estabelecer como período de referência o período compreendido entre 1 de julho de 2010 e meados de maio de 2011, atendendo a que havia que tomar em conta o período prévio, já considerado para efeitos do exercício anterior, e porque as últimas informações disponíveis datavam de meados de maio de 2011.

260.

Importa salientar, de maneira geral, que o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto não permite tomar em conta uma qualquer crise, mas apenas uma crise que assuma um relevo especial devido ao seu «caráter súbito». Para determinar se um acontecimento apresenta caráter súbito, afigura‑se lógico tomar em conta a sua duração e considerar que um acontecimento dificilmente localizável no tempo que resulte de um processo de evolução progressiva não é súbito.

261.

Daqui resulta, em nosso entender, que o critério do caráter súbito, imposto pela legislação da União, exclui a tomada em consideração de crises duradoras, mesmo que sejam profundas, e implica que o período de avaliação seja limitado no tempo.

262.

Adicionalmente, é necessário observar que o Tribunal de Justiça consagrou, no seu acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido, o princípio segundo o qual o recurso à cláusula de exceção pressupõe uma deterioração da situação que o método «normal» não permita tomar em conta com suficiente rapidez, na medida em que este método funciona com um desfasamento temporal ( 92 ). O Conselho, de resto, não contesta este princípio, ao qual se refere nas suas observações escritas.

263.

Decorre, portanto, claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a justificação do recurso à cláusula de exceção reside na insuficiente rapidez do método «normal» para tomar em conta uma crise súbita. É, assim, necessário identificar um acontecimento, ou uma série de acontecimentos, que se produzam durante um período específico e recente.

264.

No que se refere ao início do período de avaliação, a Comissão argumenta acertadamente que o período que antecede 1 de julho de 2010 não deve ser considerado, porquanto corresponde ao anterior exercício, relativamente ao qual o Conselho não pediu a aplicação da cláusula de exceção.

265.

Observamos, por outro lado, que o Conselho não censura diretamente a Comissão por não ter considerado a crise dos anos de 2008 e 2009, alegando, diversamente, que esta não tomou em conta os «efeitos contínuos» desta crise na situação económica e social durante o período de referência, indicando que a crise «teve o efeito de tornar extremamente frágil a situação económica e social de muitos Estados‑Membros» ( 93 ).

266.

Todavia, o facto de a crise dos anos 2008 e 2009 poder produzir efeitos que persistem durante o período de referência não desqualifica a escolha efetuada pela Comissão, desde que os indicadores utilizados não se limitem a medir as consequências de acontecimentos novos ocorridos durante esse período.

267.

Ora, somos forçados a constatar que, globalmente, a Comissão mediu a conjuntura económica e social durante o período de referência, sem excluir as eventuais incidências da crise anterior. Em especial, se, como era lógico, tomou em conta a «amostra» de retoma económica ocorrida durante o ano de 2010, a Comissão mencionou igualmente o estado preocupante das finanças públicas e o impacto negativo das intervenções dos Estados‑Membros, assinalando designadamente que, entre os anos de 2007 e 2009, o défice orçamental público total tinha passado de menos de 1% do PIB a cerca de 7% do PIB.

268.

No que se refere ao final do período de avaliação, é necessário acrescentar que, na realidade, a Comissão e o Conselho parecem estar implicitamente de acordo quanto ao facto de que o final do período deve corresponder à data em que os dados mais recentes tenham sido disponibilizados.

269.

A crítica segundo a qual a abordagem da Comissão negaria a realidade económica e privaria a cláusula de exceção de qualquer efeito útil assenta, na realidade, numa visão errada desta abordagem. Ao contrário do que defende o Conselho, não resulta da análise da Comissão que esta pretenda fazer coincidir perfeitamente o início e o final da crise com o período de referência coberto pelo método «normal». De outra forma, a Comissão não teria esperado pelo fim deste período para efetuar a sua análise e avaliar a aplicabilidade do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto. Pelo contrário, resulta do seu relatório sobre a cláusula de exceção e da sua comunicação que, se esta tivesse constatado uma deterioração da situação económica e social entre o mês de julho de 2010 e meados de maio de 2011, ou seja, durante um período diferente do período de referência, a Comissão poderia ter considerado justificada a aplicação da cláusula de exceção.

270.

Em definitivo, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação na escolha do período de avaliação da situação.

271.

A segunda alegação é relativa à natureza e ao número dos indicadores pertinentes.

272.

O Conselho defende que a avaliação da situação económica e social para efeitos da aplicação da cláusula de exceção deve ser efetuada à luz da situação económica e social em sentido lato e que não pode ser feita à luz dos dois parâmetros determinantes para a adaptação anual segundo o método «normal». Em especial, acusa a Comissão de não ter tomado em conta a diminuição do poder de compra dos funcionários nacionais nos oito Estados‑Membros que servem de referência para a aplicação do método «normal» e de ter ignorado as inúmeras outras medidas de consolidação que afetam os serviços públicos nacionais. Alega igualmente que a Comissão não tomou em consideração um determinado número de outros indicadores essenciais.

273.

A primeira crítica parece‑nos não poder proceder, porque não é sustentada pelos factos. Na verdade, a Comissão não apreciou a situação económica e social baseando‑se no resultado da aplicação do método «normal», que toma em conta a evolução do poder de compra dos funcionários em oito Estados‑Membros de referência. Como recordámos ( 94 ), a avaliação foi realizada com base num conjunto de quinze indicadores que é suposto abrangerem simultaneamente os domínios económico e social. Designadamente, há que salientar que a Comissão tomou em conta a evolução das remunerações no setor público ao nível de toda a União. Também não deixou de tomar em conta as medidas de austeridade orçamental adotadas pelos Estados‑Membros, porque referiu que as consequências da crise iriam continuar a fazer‑se sentir durante muito tempo para os funcionários «dada a necessidade de efetuar cortes orçamentais significativos nos próximos anos» ( 95 ).

274.

A segunda crítica relativa à omissão de um determinado número de outros indicadores essenciais afigura‑se improcedente.

275.

Limitando‑se a prever que a avaliação deve ser efetuada com base em dados objetivos fornecidos pela Comissão, sem elaborar uma lista, ainda que indicativa, dos indicadores pertinentes, o legislador da União deixou a esta instituição uma margem de manobra para identificar os indicadores que traduzem a evolução da situação económica e social. Por outro lado, devido ao caráter especialmente vago do conceito de situação económica e social, o processo de avaliação inclui necessariamente elementos que poderão ser aperfeiçoados.

276.

Nestas condições, o Conselho não se pode limitar a alegar que estavam disponíveis outros indicadores, além dos quinze utilizados, para demonstrar que a análise da Comissão enferma de um erro manifesto de apreciação.

277.

De resto, certos indicadores propostos pelo Conselho demonstram rapidamente os seus limites, como por exemplo o indicador, muito volátil, relativo à perceção da dívida pública pelos agentes nos mercados financeiros.

278.

Portanto, não ficou provado que a apreensão da situação decorrente da grelha de análise utilizada pela Comissão resulte de um erro manifesto de apreciação.

279.

A terceira alegação refere‑se à área geográfica a considerar.

280.

O Conselho e os Estados‑Membros intervenientes acusam, em substância, a Comissão de, por um lado, se ter limitado a analisar a situação nos Estados‑Membros que compõem a amostra de referência para a criação dos indicadores específicos utilizados no método «normal» e, por outro lado, de não ter tomado em conta as situações especiais de determinados Estados‑Membros que criavam riscos para o conjunto da União.

281.

Esta dupla alegação é improcedente.

282.

Por um lado, resulta do relatório sobre a cláusula de exceção e da comunicação que a Comissão analisou os dados relativos ao conjunto da União, sem excluir um ou vários Estados‑Membros a pretexto de que não faziam parte da amostra de referência.

283.

Por outro lado, as situações especiais de certos Estados‑Membros estão necessariamente refletidas nos dados gerais relativos ao conjunto da União nos quais a Comissão baseou o seu raciocínio. Tomar em conta a situação económica e social «no interior da União» implica, logicamente, que os dados refletem não só a situação dos Estados‑Membros confrontados com uma conjuntura difícil, mas também a dos Estados‑Membros cuja situação é melhor. Além disso, é forçoso constatar que a Comissão não ignorou as disparidades que podem existir entre os Estados‑Membros. Assim, no que se refere à taxa de desemprego, a Comissão teve o cuidado de mencionar as diferenças de evolução entre os Estados‑Membros, mas, ao colocar estes elementos em perspetiva relativamente à situação de conjunto, considerou que as situações em determinados Estados‑Membros não justificavam o recurso à cláusula de exceção.

284.

A quarta alegação, mais genérica, é relativa à manutenção, em caso de crise, do princípio do paralelismo entre a adaptação das remunerações dos funcionários e dos outros agentes da União e a dos funcionários nacionais. A Comissão é acusada de ter feito uma interpretação demasiado restritiva da cláusula de exceção, considerando que esta só deveria funcionar no caso de a degradação da situação económica e social não estar já refletida na perda de poder de compra dos funcionários nacionais, que se repercute através da aplicação do método «normal».

285.

Parece‑nos que esta alegação é tão improcedente como as anteriores.

286.

É pacífico que o método «normal» de adaptação das remunerações dos funcionários da União assenta, desde a origem, num princípio de paralelismo entre a evolução do poder de compra dos funcionários da União e do poder de compra dos funcionários nacionais. Este princípio ditou o recurso a indicadores específicos, destinados a apresentar uma imagem o mais fiel possível da evolução em alta e em baixa do poder de compra das remunerações nas funções públicas nacionais. Ora, a degradação da situação económica e social na União tem, como o próprio Conselho reconheceu ( 96 ), incidência nas remunerações dos funcionários nacionais, pelo que se reflete, ainda que parcialmente e com um certo desfasamento, na aplicação da método «normal».

287.

Contrariamente ao que sustenta o Conselho, a Comissão não nega que a redução do poder de compra dos funcionários da União, que poderá resultar da aplicação do método, possa ser insuficiente perante a gravidade e o caráter súbito da crise que afeta a União, mas entende que a crise de 2011 não teve um impacto suficiente para justificar a adoção de outras medidas que excedessem as repercussões decorrentes da aplicação do método «normal».

288.

O Conselho não demonstra que esta apreciação assente numa análise parcial ou inexata dos dados disponíveis ou negligencie ou minore certos indicadores em benefício de outros mas menos pertinentes. Embora os dados que serviram de base à avaliação sejam objetivos, a análise que deles é feita e a determinação do grau de representatividade atribuído a cada um implica necessariamente uma certa subjetividade. Nenhuma das alegações formuladas demonstra que a análise efetuada pela Comissão tenha excedido a margem de ação reconhecida a esta instituição e padeça de um erro manifesto de apreciação.

289.

Embora a degradação da situação económica e social no interior da União possa obrigar a uma inflexão da política salarial e justificar, se for necessário, uma diminuição do poder de compra, semelhante evolução deverá ser conforme aos princípios de uma União de direito e respeitar as regras estabelecidas no Estatuto e as garantias que este reconhece aos funcionários e aos outros agentes da União.

290.

No quadro dos poderes que lhe confere o artigo 65.o do Estatuto, o Conselho vinculou‑se a respeitar, durante um período determinado, um procedimento obrigatório e automático de adaptação das remunerações, acompanhado de um procedimento de salvaguarda que tem como ponto de passagem obrigatório a verificação da existência, pela Comissão, de uma crise económica «qualificada», e que requer, em seguida, um julgamento de conveniência a efetuar, de acordo com o processo legislativo ordinário, pelo Conselho e pelo Parlamento.

291.

O rigor das condições processuais e de fundo necessárias à aplicação do procedimento da cláusula de exceção não pode justificar que o Conselho se exima unilateralmente à aplicação destas condições, sob pena de uma dupla violação das normas estatutárias e do princípio da proteção da confiança legítima, que os funcionários e outros agentes da União podem esperar.

292.

Bem entendido, nada impede que se proceda a uma alteração estatutária para prever um procedimento diferente, após 31 de dezembro de 2012, data do final do método.

293.

A este respeito, para remediar a assimetria entre a lógica mecânica da adaptação segundo o método «normal» e a inexistência de automatismo na aplicação da cláusula de exceção, a posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 2 de julho de 2013 ( 97 ) prevê precisamente a instituição de uma nova cláusula de exceção de caráter automático, dado que se aplicaria mecanicamente em caso de diminuição do PIB da União ( 98 ).

294.

De resto, é irónico observar que a aplicação desta nova cláusula de crise teria conduzido em 2011, atendendo ao aumento do PIB ( 99 ), à aprovação da proposta de regulamento.

295.

Em definitivo, a partir do momento em que entendemos que a apreciação da Comissão não padece de erro manifesto, concluímos pela anulação da decisão impugnada, que recusou a adaptação das remunerações.

296.

Vamos fazer apenas uma breve referência à questão da adaptação dos coeficientes de correção, que não nos parece suscitar dificuldades especiais.

297.

Com efeito, das duas, uma.

298.

Ou o procedimento da cláusula de exceção se aplica igualmente à adaptação dos coeficientes de correção e a decisão que recusa a adaptação destes será ilegal pelas mesmas razões que as da decisão que recusa a adaptação das remunerações.

299.

Ou, como pensamos, o artigo 10.o do anexo XI do Estatuto não permite justificar a recusa de adotar os coeficientes de correção e, nesse caso, a decisão controvertida está sujeita a anulação, porque não contém a mais pequena fundamentação que explique as razões pelas quais o Conselho se opõe a esta adaptação.

300.

Consequentemente, propomos ao Tribunal de Justiça que anule integralmente a decisão impugnada.

V — Recurso no processo C‑66/12

301.

Exporemos, em primeiro lugar, as razões pelas quais propomos, a título principal, que o Tribunal de Justiça negue provimento a este recurso sem que seja necessário apreciar a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão.

302.

No caso de o Tribunal de Justiça não partilhar este ponto de vista, indicaremos, em segundo lugar e a título subsidiário, as razões pelas quais propomos que esta exceção de inadmissibilidade seja acolhida.

A — Mérito do recurso

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

303.

Os argumentos do Conselho, da Comissão, da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, do Reino de Espanha, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido já foram apresentados aquando da análise do mérito do recurso no processo C‑63/12, pelo que nos limitaremos a apresentar os fundamentos desenvolvidos pela Irlanda e pela República Francesa.

a) Irlanda

304.

A Irlanda sustenta que uma perturbação grave e súbita pode ser constituída pela probabilidade de os Estados‑Membros sofrerem um desequilíbrio orçamental e entende que o Conselho pode ir além dos dados objetivos fornecidos pela Comissão avaliando o risco de agravamento da crise.

305.

Acusa a Comissão de não ter tomado corretamente em conta o estado das finanças públicas dos Estados‑Membros, que constitui o elemento característico e fundamental da crise económica atual.

306.

No que se refere mais concretamente à situação irlandesa, indica que efetuou adaptações orçamentais de grande envergadura, que incluíram, designadamente, reduções salariais na função pública, e que aceitou diversos compromissos para preservar o seu setor bancário. A Irlanda refere igualmente a contração sensível do PIB real nos anos de 2008 a 2010, a que se seguiu, em 2011, uma contração do produto nacional bruto (PNB), o aumento da dívida pública, a degradação do emprego e uma fraca inflação, que comprova a debilidade persistente da economia interna da Irlanda.

b) República Francesa

307.

A República Francesa sustenta que o Tribunal de Justiça deve exercer uma fiscalização normal relativamente à recusa da Comissão de aplicar a cláusula de exceção, designadamente porque a Comissão não dispõe de qualquer margem de apreciação na aplicação desta cláusula e porque a complexidade das apreciações a efetuar não é suficiente para justificar a limitação da fiscalização jurisdicional.

308.

Este Estado‑Membro adere à argumentação do Conselho tanto no que se refere à limitação no tempo dos dados relevantes como no que se refere à apreciação da gravidade e do caráter súbito da situação.

309.

Considera que a Comissão não tomou em conta todos os dados objetivos e pertinentes e salienta, especialmente no que se refere à República Francesa, que as medidas de ajustamento orçamental adotadas para reagir à crise conduziram a um bloqueio da evolução dos dois componentes principais da remuneração dos funcionários, na sequência do congelamento do ponto de base de cálculo desta. Segundo este Estado‑Membro, o desfasamento de um ano induzido pelo método «normal» não permite um ajustamento suficientemente rápido.

310.

A República Francesa entende, além disso, que a Comissão ignorou e minorou a gravidade da crise e que faz uma interpretação do artigo 10.o do anexo XI do Estatuto que torna excessivamente difícil, ou mesmo impossível, reunir as condições que permitem derrogar o método «normal».

311.

Por último, salienta que a Comissão, na qualidade de guardiã do interesse geral da União, tem deveres específicos e que não pode exonerar os funcionários da União do necessário esforço coletivo envidado pelos funcionários dos Estados‑Membros em prol da redução dos défices orçamentais e para enfrentar uma crise de gravidade sem precedentes na história da União.

2. Apreciação

312.

O Tribunal de Justiça decidiu repetidamente que cabe ao juiz da União apreciar, nas circunstâncias de cada caso, se uma boa administração da justiça justifica que o recurso seja julgado improcedente, sem apreciar previamente a questão da sua admissibilidade ( 100 ).

313.

O recurso a este processo de inversão da ordem lógica — ou natural — de análise das questões é por vezes discutido ( 101 ). No entanto, se existe uma hipótese em que os princípios da economia processual e da boa administração da justiça justificam que se decida sobre o mérito do recurso sem apreciar a sua admissibilidade, é precisamente quando há que negar provimento ao recurso em consequência da decisão proferida relativamente a outro recurso conexo.

314.

Ora, é exatamente o que sucede no caso vertente.

315.

Já anteriormente salientámos o nexo de conexão entre os três processos objeto das presentes conclusões e a interdependência dos fundamentos invocados ( 102 ).

316.

Se, como propomos, o Tribunal de Justiça decidir, no processo C‑63/12, dar provimento ao recurso de anulação interposto contra a decisão impugnada com o fundamento de que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as condições de aplicação da cláusula de exceção não estavam preenchidas ( 103 ), só poderá decidir, em consequência, negar provimento ao recurso de anulação no qual o Conselho acusa a Comissão de ter cometido, em dois dos atos preparatórios da decisão impugnada, um erro manifesto de apreciação.

317.

Portanto, concluímos, a título principal, que deve ser negado provimento ao recurso no processo C‑66/12.

318.

Por conseguinte, só a título subsidiário analisaremos a questão, complexa e delicada, da admissibilidade deste recurso.

B — Admissibilidade do recurso

1. Observações das partes principais e das partes intervenientes

319.

A Comissão suscita a inadmissibilidade integral do recurso, alegando que o Conselho o interpôs sem decidir por maioria qualificada dos seus membros, uma vez que seis delegações indicaram, na discussão no Comité dos Representantes Permanentes (Coreper), que se iriam abster e que este ponto foi adotado sem debate no Conselho «Ambiente» de 19 de dezembro de 2011.

320.

A Comissão argumenta que, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o artigo 16.o, n.o 3, TUE, dispõe que o Conselho delibera por maioria qualificada, salvo disposição em contrário dos Tratados. Ora, se o Conselho, no caso vertente, se reporta à exceção prevista no artigo 240.o, n.o 3, TFUE, que autoriza o Conselho a deliberar por maioria simples sobre questões processuais e sobre a adoção do seu regulamento interno, a decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça, apesar de não produzir efeitos jurídicos vinculativos, não constitui, no entanto, uma simples questão processual e consubstancia, pelo contrário, uma decisão de princípio substantiva, porque exprime a oposição do Conselho às conclusões da Comissão sobre a aplicação do método.

321.

O Conselho não deliberou por maioria qualificada, pelo que se deve considerar que a sua decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça não foi adotada. Com efeito, as normas processuais estabelecidas pelos Tratados não estão na disponibilidade dos Estados‑Membros nem das instituições da União e têm uma importância fundamental. Além disso, quando a vontade do recorrente de apresentar um recurso não está comprovada, deve declarar‑se o recurso inadmissível.

322.

O Conselho replica que a decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça é, por definição, uma decisão processual e não uma decisão substantiva, dado que não tem como objeto a adoção de um ato ou de uma medida previstos nos Tratados e não implica uma decisão de fundo sobre as questões jurídicas submetidas ao Tribunal de Justiça.

323.

Alegando que, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, sempre se considerou — o que a Comissão não contradisse — que a regra de voto para a decisão de agir judicialmente não correspondia à prevista na base jurídica específica que regula a matéria em que se enquadram as questões de fundo apresentadas ao Tribunal de Justiça, mas que correspondia à regra supletiva da maioria simples prevista no artigo 205.o, n.o 1, CE, o Conselho sustenta que o artigo 16.o, n.o 3, TUE não institui o voto por maioria qualificada como um princípio geral, mas simplesmente como uma regra supletiva.

324.

Por outro lado, admitindo que a decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça devesse ser adotada por maioria qualificada, seria necessário, em aplicação do artigo 3.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Protocolo (n.o 36) sobre as disposições transitórias, anexo aos Tratados UE e FUE, recolher, pelo menos, 255 votos favoráveis representativos de, pelo menos, dois terços dos membros do Conselho, dado que essa decisão não é tomada sob proposta da Comissão. Assim, paradoxalmente, a adoção da decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça tornar‑se‑ia mais difícil do que a adoção de decisões políticas importantes, apesar de não existirem indícios de que os autores do Tratado de Lisboa tenham pretendido reduzir as possibilidades de o Conselho fazer valer os seus direitos no Tribunal de Justiça e criar um desequilíbrio entre as instituições da União, dado que a Comissão delibera, por sua vez, por maioria dos seus membros sobre a apresentação de um recurso ( 104 ).

325.

O Reino de Espanha acrescenta que a limitação da possibilidade de apresentar um recurso judicial constitui uma violação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, dado que o Tratado de Lisboa não pretendeu tornar mais difícil o exercício das ações judiciais pelas instituições da União. Adicionalmente, a regra da maioria qualificada seria incoerente com a prática das outras instituições, cujos regulamentos internos favorecem as ações judiciais, e afetaria o princípio do equilíbrio institucional, impedindo uma instituição de apresentar um recurso para defender as suas competências.

326.

A República francesa alega que as únicas disposições expressas dos Tratados relativas à regra de maioria aplicável aos recursos do Conselho para o Tribunal de Justiça são as que constam dos artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE, quanto ao pedido de demissão compulsiva de um membro da Comissão, e sustenta que é tanto mais paradoxal impor uma regra de maioria mais estrita para a apresentação de um recurso de anulação ou de uma ação por omissão do que para um pedido de demissão quanto, tradicionalmente, as condições de aplicação dos procedimentos de demissão são acompanhadas de regras protetoras, justificadas pelo princípio da separação de poderes e pelo princípio da continuidade do governo.

327.

A República Federal da Alemanha sustenta que o princípio da proteção jurisdicional efetiva impõe que o artigo 240.o, n.o 3, TFUE não seja interpretado de modo demasiado restrito. Segundo este Estado‑Membro, a decisão, admitindo que é irregular, deve ser considerada válida atendendo à presunção de legalidade de que beneficiam os atos das instituições da União enquanto não forem retirados ou anulados.

328.

O Reino Unido sustenta que, admitindo que a decisão deveria ter sido adotada por maioria qualificada, essa maioria qualificada foi obtida no Conselho «Ambiente» de 19 de dezembro de 2011, dado que a questão, inscrita no ponto A da ordem de trabalhos, foi adotada por consenso no Conselho, uma vez que nenhum dos seus membros exprimiu uma opinião, nem pediu que fossem consignadas declarações em ata, nem sugeriu que aquele ponto poderia necessitar de um novo debate, o que justificaria que fosse retirado da ordem de trabalhos.

329.

A Comissão interroga‑se sobre a admissibilidade do fundamento invocado pelo Reino Unido, que é parte interveniente, na medida em que o Conselho, que é o recorrente, não contesta que adotou a decisão por maioria simples. Quanto ao mérito, argumenta que a adoção de um ponto «sem debate» não significa que este tenha sido adotado por unanimidade e que resulta claramente da nota do Coreper ao Conselho ( 105 ) e da lista dos pontos A propostos para adoção pelo Conselho ( 106 ) que não existia uma maioria qualificada dos membros do Conselho a favor desta decisão.

2. Apreciação

330.

Antes de analisar a questão de saber se a decisão de pedir a anulação ou a declaração de omissão exigem uma maioria qualificada no Conselho, afigura‑se‑nos indispensável verificar, a título preliminar, que maioria adotou, efetivamente, a decisão porque, se esta tiver sido adotada por maioria qualificada, a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão reporta‑se a factos inexistentes.

331.

Primeiro, o Reino Unido, que é parte interveniente, convida‑nos a proceder a esta verificação, através de um fundamento que, contrariamente ao que argumenta a Comissão, não pode ser declarado inadmissível. Com efeito, o princípio enunciado no artigo 129.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, nos termos do qual a intervenção só pode ter por objeto apoiar os pedidos de uma das partes, não proíbe o interveniente de invocar os seus próprios argumentos.

332.

Em seguida, entendemos, em qualquer caso, que compete ao Tribunal de Justiça, perante o qual seja suscitada uma exceção de inadmissibilidade baseada numa maioria insuficiente, verificar, se necessário oficiosamente, que maioria adotou a decisão contestada.

333.

Ora, à luz dos elementos apresentados pelas partes, designadamente da nota do Coreper ao Conselho, em que se confirma que seis delegações indicaram que se iriam abster ( 107 ), e da lista dos pontos A examinados na 3139.a sessão do Conselho «Ambiente», há que considerar que as decisões não foram objeto de voto pela maioria «especial» exigida quando o Conselho não delibera sob proposta da Comissão ( 108 ).

334.

Resta determinar se esta maioria é exigida, ou não, para o exercício de um recurso de anulação ou de uma ação por omissão.

335.

Antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o artigo 205.o, n.o 1, CE previa que a regra de voto aplicável supletivamente no Conselho era a da «maioria dos membros que o compõe», ou seja, a maioria simples, estando, assim, todos os Estados‑Membros em pé de igualdade.

336.

Na realidade, esta regra era artificial, dado que o Conselho votava geralmente por unanimidade ou por maioria qualificada, votando por maioria simples apenas num número muito limitado de casos.

337.

Considerou‑se, portanto, que a substituição da regra da maioria simples pela regra da maioria qualificada, enquanto regra supletiva comum, pôs termo a este absurdo e reaproximou a letra dos textos da realidade.

338.

Obrigou os autores do Tratado de Lisboa a enumerarem expressamente os casos em que, por exceção, se aplica a maioria simples.

339.

Assim, o Tratado de Lisboa e o Protocolo n.o 1, que altera os protocolos anexos ao Tratado da União Europeia, ao Tratado que institui a Comunidade Europeia e/ou ao Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, anexo ao Tratado de Lisboa, incluíram, entre as suas «alterações horizontais», disposições cujo objeto era inserir a expressão «deliberando por maioria simples» a seguir à expressão «o Conselho».

340.

O artigo 2.o, A, 3, do Tratado de Lisboa altera neste sentido sete disposições do Tratado FUE, isto é, os artigos 150.°, primeiro parágrafo, TFUE, 160.°, primeiro parágrafo, TFUE e 242.° TFUE, relativos à criação de comités consultivos ( 109 ) e à adoção do estatuto dos comités previstos pelos Tratados, o artigo 241.o TFUE, relativo ao pedido à Comissão para que proceda a estudos e submeta ao Conselho propostas adequadas, os artigos 245.°, último parágrafo, último período, TFUE e 247.° TFUE, relativos ao pedido ao Tribunal de Justiça para que ordene a demissão compulsiva de um membro da Comissão e, por último, o artigo 337.o TFUE, referente à fixação das condições em que a Comissão pode recolher informações e proceder às verificações necessárias.

341.

O artigo 1.o, A, 7, alíneas a) e b), do Protocolo n.o 1, acima referido, altera os artigos 4.°, segundo parágrafo, e 13.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que regulam, respetivamente, a concessão de uma derrogação para o exercício de uma atividade profissional e a nomeação de relatores adjuntos, bem como o artigo 6.o, primeiro parágrafo, primeiro período, do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias, sobre a forma dos livre‑trânsitos que os presidentes das instituições da União podem atribuir aos membros e aos agentes destas.

342.

Adicionalmente, o Tratado de Lisboa alterou o artigo 207.o CE, relativo à organização do Conselho. Doravante, o artigo 240.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, estabelece que o Conselho decide por maioria simples sobre a organização do Secretariado‑Geral, e o artigo 240.o, n.o 3, TFUE enuncia que o Conselho «delibera por maioria simples sobre as questões processuais e sobre a adoção do seu regulamento interno».

343.

Afigura‑se, portanto, que os autores do Tratado de Lisboa dedicaram o maior cuidado a enumerar os casos em que o voto podia ocorrer por maioria simples, derrogando a regra da maioria qualificada, novamente promovida a regra supletiva.

344.

A dificuldade maior reside na apreciação do alcance do silêncio dos autores do Tratado de Lisboa no que respeita à regra de maioria aplicável ao exercício dos recursos previstos nos artigos 263.° TFUE e 265.° TFUE ( 110 ).

345.

O Conselho e os Estados‑Membros intervenientes consideram que a resposta deve ser encontrada na natureza da decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça, que seria uma «questão processual» na aceção do artigo 240.o, n.o 3, TFUE.

346.

Não subscrevemos esta análise.

347.

Primeiro, parece‑nos que o conceito de questão processual se refere ao processo interno no Conselho e não aos processos externos, como os processos judiciais perante o juiz da União.

348.

Segundo, mesmo admitindo que o conceito de questão processual possa englobar o processo judicial, pensamos que existe uma diferença fundamental entre a decisão do Conselho de recorrer ao Tribunal de Justiça e a determinação pelo mesmo Conselho das modalidades práticas para desencadear e, em seguida, para exercer o recurso. Se é possível admitir que as decisões tomadas para fixar as modalidades de exercício de um recurso podem constituir questões processuais, em contrapartida, a decisão de princípio quanto ao início da ação não pode ser equiparada a esta categoria de questões. A decisão do Conselho de exercer o seu direito de acesso ao juiz da União para fazer controlar a legalidade de uma ação ou de uma omissão de outra instituição da União e para fazer respeitar a repartição das competências internas é uma decisão importante, que não cabe no conceito de questão processual. O facto de o recurso ter por objeto uma questão relativamente à qual o Conselho já tomou uma posição de fundo através de uma decisão distinta em nada altera o problema, porque dessa tomada de posição prévia não pode ser deduzida a vontade tácita do Conselho de recorrer ao Tribunal de Justiça, nem, na falta de qualquer fundamento literal, a desqualificação da decisão de recurso ao Tribunal de Justiça numa simples questão processual.

349.

Também não pensamos que a resposta possa ser deduzida, através de um raciocínio a fortiori, dos artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE, que preveem que o Conselho delibera por maioria simples em caso de recurso ao Tribunal de Justiça para pedir que seja ordenada a demissão compulsiva de um membro da Comissão que tenha deixado de respeitar os deveres que lhe são impostos pelo exercício das suas funções ou que tenha cometido uma falta grave.

350.

Não se nos afigura pertinente interpretar estas disposições específicas do sistema institucional da União, que apresenta uma originalidade fundamental em relação às ordens constitucionais internas, comparando‑as com as disposições que regulam, em direito francês ou em direito alemão, os processos de destituição dos membros do poder executivo ( 111 ).

351.

Sustentar, como faz a República Francesa, que as disposições do Tratado FUE têm por finalidade evitar que os membros da Comissão sejam postos em causa perante o Tribunal de Justiça consubstancia uma extrapolação relativamente a disposições nacionais que, de resto, são controversas.

352.

O argumento que o Conselho e certos Estados‑Membros intervenientes retiram do princípio da proteção jurisdicional e do equilíbrio institucional, bem como, mais amplamente, das exigências de uma União de direito, parece‑nos menos frágil, embora não tenha sido desenvolvido, designadamente pelo Conselho, que se contentou em afirmar de forma lapidar que não existe nenhum indício de que os autores do Tratado de Lisboa tenham pretendido diminuir de forma tão radical as possibilidades de o Conselho fazer valer os seus direitos perante o Tribunal de Justiça.

353.

Recorde‑se que foi em nome do «interesse fundamental que se prende com a manutenção e o respeito do equilíbrio institucional» ( 112 ) e fazendo apelo ao «sistema» ( 113 ) dos Tratados que o Tribunal de Justiça preencheu a «lacuna processual» do Tratado e reconheceu a legitimidade do Parlamento para interpor recursos de anulação para proteção das suas próprias prerrogativas.

354.

Resta averiguar se a necessidade de fornecer ao Conselho, depositário da legitimidade intergovernamental, os meios para garantir a defesa das suas competências justifica que se afaste a regra supletiva do artigo 16.o, n.o 3, TUE em benefício da maioria simples.

355.

Não nos convence o argumento de que princípio do equilíbrio institucional, que impõe que cada instituição aja dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados ( 114 ), implica uma igualdade das regras de votação entre as instituições da União que compõem o triângulo decisório.

356.

É verdade que o artigo 250.o TFUE prevê que as deliberações da Comissão são tomadas por maioria dos seus membros. Além disso, o Tribunal de Justiça, baseando‑se no princípio da colegialidade, esclareceu que uma decisão de intentar uma ação por incumprimento contra um Estado‑Membro, tomada pela Comissão no âmbito do seu papel de guardiã dos Tratados, deve ser deliberada em comum pelo colégio e que todos os elementos em que se baseia esta decisão devem estar disponíveis para os membros do colégio ( 115 ).

357.

Quanto ao Parlamento, o artigo 231.o, n.o 1, TFUE dispõe que este delibera por maioria dos votos expressos, salvo disposição em contrário dos Tratados. Mais: o artigo 128.o do seu regimento interno prevê que a interposição de um recurso para o Tribunal de Justiça pelo Presidente do Parlamento, em nome deste, se for feita sob recomendação da comissão competente, pode ser decidida mesmo sem o voto da assembleia parlamentar ( 116 ).

358.

Todavia, as regras de votação aplicáveis nestas instituições não são diretamente comparáveis, porque lhes estão subjacentes lógicas de organização radicalmente diferentes.

359.

Além disso, a argumentação baseada na aplicação de regras de maioria desiguais parece‑nos paradoxal, porque submeter a decisão no Conselho à regra da maioria qualificada conduz, pelo contrário, à aplicação igualitária da regra ordinária — ou supletiva — prevista pelos Tratados para cada uma das três instituições em causa.

360.

É verdade que o princípio do equilíbrio institucional reveste outro aspeto, que exige que qualquer violação do princípio da regra de repartição das competências entre as instituições, se vier a ocorrer, possa ser sancionada. Nesta perspetiva, o facto de o Conselho dever adotar a sua decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça por maioria qualificada pode ser analisado como uma situação que o impede de exercer de forma certa e eficaz um recurso judicial. Portanto, é o efeito útil do direito de recurso do Conselho que exige que este tenha a possibilidade de adotar a sua decisão sem exigências de uma maioria especial.

361.

Sensíveis a esta argumentação, questionámo‑nos sobre se seria possível, dado que o recurso ao artigo 240.o, n.o 3, TFUE nos parece duvidoso, discernir, no artigo 16.o, n.o 1, TUE, uma limitação ao alcance da regra enunciada no artigo 16.o, n.o 3, TUE e considerar que esta regra se aplica apenas às decisões do Conselho abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 16.o, n.o 1, TUE, ou seja, quando o Conselho exerce as funções legislativa e orçamental ou de definição ou coordenação de políticas. Assim, na falta de regulamentação, nos Tratados, sobre o modo de votação aplicável à decisão de agir judicialmente, esta questão faria parte daquelas em que o Conselho está habilitado a decidir ao abrigo do seu poder de organização interno.

362.

No entanto, este raciocínio depara‑se com três objeções que nos parecem irremediáveis.

363.

A primeira objeção reporta‑se às observações do próprio Conselho, que salienta que, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a regra de votação para a decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça não seguia a regra prevista pela base jurídica específica que regulava a matéria em causa, antes se aplicando a regra supletiva do artigo 205.o, n.o 1, CE. Uma vez que é inquestionável que a regra do artigo 16.o, n.o 3, TUE veio substituir, como regra supletiva, a regra do artigo 205, n.o 1, CE, não nos parece coerente declará‑la inaplicável às decisões que eram indubitavelmente abrangidas pelo âmbito de aplicação da regra anterior.

364.

A segunda objeção é relativa à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

365.

Em primeiro lugar, pensamos ser possível descortinar a preocupação de conferir à regra da maioria supletiva o mais amplo âmbito de aplicação possível, sem qualquer restrição. Com efeito, no seu acórdão de 9 de novembro de 1995, Alemanha/Conselho ( 117 ), o Tribunal declarou que o artigo do Tratado que estabelecia uma regra de maioria supletiva no Conselho «seria inútil se a ausência de regra de voto específica numa disposição do Tratado impedisse que a mesma servisse de base jurídica para um ato do Conselho» ( 118 ). Ora, se este artigo não é supérfluo é porque se aplica quando a regra aí estabelecida não é afastada por uma disposição expressa, que indique, para a base jurídica considerada, qual a regra de maioria aplicável. Apesar de esta jurisprudência ser anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o referido Tratado não alterou o caráter de regra geral e supletiva da regra enunciada no artigo 16.o, n.o 3, TUE, pelo que será difícil interpretá‑la restritivamente na falta de uma disposição expressa em contrário.

366.

Também retiramos da jurisprudência do Tribunal de Justiça esclarecimentos interessantes quanto à natureza jurídica da decisão de agir judicialmente. Num processo relativo a uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça declarou que a decisão de interpor um recurso, adotada pela Comissão no âmbito da sua missão de guardiã dos Tratados, «não pode ser qualificada de medida de administração ou de gestão» ( 119 ). Esta decisão, transponível para o recurso de anulação, leva a condenar a tese segundo a qual este tipo de decisão escapa aos modos de votação previstos pelo Tratado e se enquadrara no poder de organização interna do Conselho.

367.

A terceira objeção, a mais fundamental, é relativa às regras que regulam o processo decisório no Conselho e o sistema de ponderação dos votos atribuídos aos Estados‑Membros. Esta questão extremamente sensível tem sido constantemente objeto de discussões no âmbito das conferências intergovernamentais e os autores dos Tratados demonstraram sempre um cuidado especial na definição, expressa e precisa, por ocasião das revisões sucessivas dos Tratados, das modalidades de voto para cada uma das bases jurídicas em que se baseia a ação do Conselho, sem se limitarem ao perímetro das funções definidas no artigo 16.o, n.o 1, TUE.

368.

Globalmente, pensamos que existem objeções irremediáveis ao afastamento, para a decisão do Conselho de recorrer ao Tribunal de Justiça através de um recurso de anulação ou de uma ação por omissão, a regra da maioria qualificada, que os autores dos Tratados estabeleceram como sendo a regra supletiva.

369.

Resta determinar se a irregularidade que afeta a decisão do Conselho provoca a inadmissibilidade do recurso e se a Comissão pode invocar esta irregularidade.

370.

Sem hesitar, respondemos afirmativamente à primeira questão.

371.

Por um lado, as regras referentes às modalidades de voto constituem regras essenciais a cujo respeito o Tribunal atribui particular importância, como é testemunhado pelo contencioso da base jurídica. Assim, o Tribunal declarou que utilizar erradamente um artigo do Tratado como base jurídica, com a consequência de substituir a maioria qualificada pela unanimidade no Conselho, não pode ser considerado um mero vício de forma, visto que uma alteração do modo de votação é suscetível de ter consequências sobre o conteúdo do ato adotado ( 120 ). Deixar sem sanção regras tão essenciais não nos parece conforme às exigências de uma União de direito.

372.

Por outro lado, contrariamente ao que defende a República Federal da Alemanha, não é possível invocar a irregularidade da decisão do Conselho interpondo um recurso de anulação, porquanto resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a decisão de apresentar um recurso jurisdicional não pode, em princípio, ser considerada uma decisão recorrível ( 121 ). Portanto, é unicamente pela via da exceção, no quadro da defesa contra a ação interposta pelo Conselho, que poderá ser invocada a violação da regra da maioria qualificada.

373.

A segunda questão requer também uma resposta afirmativa.

374.

Como acabámos de indicar, as regras de votação são regras essenciais cuja sanção não interessa exclusivamente aos Estados‑Membros mas contribui para o respeito da legalidade numa União de direito. Além disso, a jurisprudência consagra, como regra geral, o caráter de ordem pública dos fundamentos relativos à violação dos requisitos de admissibilidade do recurso de anulação, de onde resulta que podem ser apreciados oficiosamente pelo juiz da União. Por último, em diversos acórdãos, o Tribunal analisou o mérito do fundamento relativo à violação de regras de votação numa instituição, invocado pela recorrida, admitindo, assim, implicitamente a sua admissibilidade ( 122 ).

375.

Efetivamente, entendemos que a decisão impugnada foi adotada em violação da regra da maioria qualificada enunciada no artigo 16.o, n.o 3, TUE e que esta irregularidade, que a Comissão pode invocar, acarreta a inadmissibilidade integral do recurso do Conselho.

376.

Dispensamo‑nos, consequentemente, de analisar os outros fundamentos de inadmissibilidade invocados pela Comissão.

VI — Quanto às despesas

377.

Em aplicação do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, que prevê que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido, entendemos que deve ser dado provimento aos pedidos de condenação do Conselho nas despesas nos processos C‑63/12 e C‑66/12, bem como aos pedidos de condenação da Comissão nas despesas no processo C‑196/12.

378.

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Parlamento e os Estados‑Membros intervenientes devem suportar, em cada um dos processos, as respetivas despesas.

VII — Conclusão

379.

À luz das considerações anteriores, propomos ao Tribunal que decida o seguinte:

1)

Quanto ao recurso no processo C‑63/12:

anular a Decisão 2011/866/UE do Conselho, de 19 de dezembro de 2011, sobre a proposta da Comissão relativa ao regulamento do Conselho que adapta, com efeitos a partir de 1 de julho de 2011, as remunerações e as pensões dos funcionários e outros agentes da União Europeia, bem como os coeficientes de correção aplicáveis a essas remunerações e pensões;

condenar o Conselho da União Europeia nas despesas; e

declarar que a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como o Parlamento Europeu devem suportar as respetivas despesas.

2)

Quanto ao recurso no processo C‑66/12:

negar provimento ao recurso sem analisar a sua admissibilidade;

condenar o Conselho da União Europeia nas despesas; e

declarar que a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Letónia, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como o Parlamento Europeu devem suportar as respetivas despesas.

3)

Quanto à ação no processo C‑196/12:

julgar a ação inadmissível;

condenar a Comissão Europeia nas despesas; e

declarar que o Reino de Espanha, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como o Parlamento Europeu devem suportar as respetivas despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) C-40/10, Colet., p. I-12043.

( 3 ) Regulamento que adapta, com efeitos a partir de 1 de julho de julho 2009, as remunerações e as pensões dos funcionários e outros agentes da União Europeia, bem como os coeficientes de correção aplicáveis a essas remunerações e pensões (JO L 348, p. 10).

( 4 ) JO L 56, p. 1.

( 5 ) JO L 124, p. 1,

( 6 ) JO L 311, p. 1, a seguir «Estatuto».

( 7 ) Documento do Conselho 17946/10 ADD 1, de 17 de dezembro de 2010.

( 8 ) Relatório da Comissão ao Conselho sobre a cláusula de exceção (artigo 10.o do anexo XI do Estatuto) [COM(2011) 440 final, a seguir «relatório sobre a cláusula de exceção»].

( 9 ) Documento do Conselho 16281/11, de 31 de outubro de 2011 (decisão adotada por procedimento escrito concluído em 4 de novembro de 2011).

( 10 ) Comunicação da Comissão ao Conselho que fornece informações suplementares para o relatório da Comissão de 13 de julho de 2011 sobre a cláusula de exceção [COM(2011) 829 final, a seguir «comunicação»].

( 11 ) Proposta de regulamento do Conselho que adapta, com efeitos a partir de 1 de julho de 2011, as remunerações e as pensões dos funcionários e outros agentes da União Europeia, bem como os coeficientes de correção aplicáveis a essas remunerações e pensões [COM(2011) 820 final, a seguir «proposta de regulamento»].

( 12 ) Decisão 2011/866/UE sobre a proposta da Comissão relativa ao regulamento do Conselho que adapta, com efeitos a partir de 1 de julho de 2011, as remunerações e as pensões dos funcionários e outros agentes da União Europeia, bem como os coeficientes de correção aplicáveis a essas remunerações e pensões (JO L 341, p. 54, a seguir «decisão impugnada»).

( 13 ) Trata‑se da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, do Reino de Espanha, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

( 14 ) A Irlanda, a República Francesa e a República da Letónia.

( 15 ) Trata‑se dos Estados‑Membros seguintes: o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido. Prevê‑se, na mesma disposição, a seguir a esta enumeração, que o Conselho, deliberando sob proposta da Comissão nos termos do n.o 3 do artigo 65.o do Estatuto, pode aprovar uma nova amostra que represente, no mínimo, 75% do PIB da União Europeia e que será aplicável a partir do ano seguinte ao da sua aprovação.

( 16 ) O Conselho cita os acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, Recueil, p. 2639), e do Tribunal de 10 de julho de 1990, Automec/Comissão (T-64/89, Colet., p. II-367).

( 17 ) O Tribunal de Justiça declarou repetidamente que a União de direito assenta no estabelecimento de um sistema completo de vias de recurso e de processos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União (v., designadamente, acórdão de 14 de junho de 2012, CIVAD, C‑533/10, n.o 32 e jurisprudência referida).

( 18 ) V. acórdãos de 18 de novembro de 1970, Chevalley/Comissão (15/70, Recueil, p. 975, n.o 6), e de 26 de novembro de 1996, T. Port (C-68/95, Colet., p. I-6065, n.o 59), e despacho de 1 de outubro de 2004, Pérez Escolar/Comissão (C‑379/03 P, n.o 15). Deduz‑se destas decisões que os particulares, que podem interpor um recurso de anulação contra um ato de uma instituição do qual não sejam destinatários, desde que esse ato lhes diga direta e individualmente respeito, devem também poder intentar uma ação por omissão contra uma instituição diferente tenha adotado um ato que os afeta da mesma forma.

( 19 ) V. acórdão de 22 de maio de 1985, Parlamento/Conselho (13/83, Recueil, p. 1513, n.o 36).

( 20 ) Diferentemente do Tratado CECA que, definindo a omissão como «a decisão implícita de recusa que se deduz deste silêncio» (artigo 35.o), a transformava numa modalidade especial do recurso de anulação, o Tratado CE conferiu autonomia à ação por omissão, definindo‑a como destinando‑se a obter uma «declaração» de violação do Tratado resultante da abstenção de pronúncia (antigo artigo 175.o do Tratado CE, ex‑artigo 232.o CE, atual artigo 265.o TFUE).

( 21 ) Estes efeitos não são fundamentalmente diferentes e, de resto, são clarificados por uma disposição única, a saber, o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, que impõe que a instituição recorrida «deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia». Todavia, a anulação de um ato provoca o desaparecimento imediato e retroativo desse ato do ordenamento jurídico, enquanto a declaração da omissão da instituição não causa uma alteração imediata da situação jurídica, obrigando a instituição em questão a adotar o ato que se tinha recusado a tomar.

( 22 ) Quanto a esta questão, ver, designadamente, tese de Berrod, F., La systématique des voies de droit communautaires, Dalloz, Paris, 2003; Ritleng, D., Pour une systématique des contentieux au profit d’une protection juridictionnelle effective,«Mélanges en hommage a Guy Isaac: 50 ans de droit communautaire», PU Toulouse, 2004, p. 735, e Lenaerts, K., La systémique des voies de recours dans l’ordre juridique de l’Union européenne,«Mélanges en hommage à Georges Vandersanden», Bruylant, Bruxelles, 2008, p. 257.

( 23 ) Ver, a este propósito, tese de Berrod,. F., op. cit., n.o 388, p. 356, e n.o 392, p. 359. Este autor resume a tensão dialética que existe entre os dois recurso evocando a «conexão consubstancial» que os une, ao mesmo tempo que salienta, contudo, a existência de uma «autonomia existencial» do recurso por omissão em relação ao recurso de anulação.

( 24 ) V. acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C-463/10 P e C-475/10 P, Colet., p. I-9639, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 25 ) V. despacho de 14 de maio de 2012, Sepracor Pharmaceuticals (Ireland)/Comissão (C‑477/11 P, n.o 51 e jurisprudência referida).

( 26 ) V. acórdão de 5 de dezembro de 1963, Henricot e o./Haute Autorité (23/63, 24/63 e 52/63, Recueil, pp. 439, 455; Colet. 1962‑1964, p. 337).

( 27 ) V., designadamente, acórdão IBM/Comissão, já referido (n.o 10), e despacho Sepracor Pharmaceuticals (Irlanda)/Comissão, já referido (n.os 55 e 56).

( 28 ) Despacho do Tribunal de 15 de maio de 1997, Berthu/Comissão (T-175/96, Colet., p. II-811, n.os 21 e 22).

( 29 ) V. despacho Sepracor Pharmaceuticals (Irlanda)/Comissão, já referido (n.o 58 e jurisprudência referida).

( 30 ) V. acórdão IBM/Comissão, já referido (n.o 12), e acórdão do Tribunal Geral de 21 de junho de 2012, Espanha/Comissão (T‑264/10 e T‑266/10, n.o 13).

( 31 ) V. acórdão de 16 de fevereiro de 1993, ENU/Comissão (C-107/91, Colet., p. I-599, n.o 10 e jurisprudência referida).

( 32 ) Deve assinalar‑se, em particular, que, devido à equiparação do silêncio a uma decisão tácita de recusa no Tratado CECA, se produziu um efeito de contágio na impugnação pela via da ação por omissão de qualquer decisão de recusa, ainda que expressa. V., sobre esta questão, Soldatos, P., «L’introuvable recours en carence devant la Cour de justice des Communautés européennes», Cahiers de droit européen, 1969, pp. 316 e segs.

( 33 ) V., designadamente, acórdãos de 23 de fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Haute Autorité (30/59, Colet. 1954-1961, p. 551); de 15 de dezembro de 1988, Irish Cement/Comissão (166/86 e 220/86, Colet., p. 6473), sobre a rejeição de uma denúncia contra a concessão de um auxílio; de 9 de dezembro de 2004, Comissão/Greencore (C-123/03 P, Colet., p. I-11647), sobre a recusa da Comissão de pagar juros de mora sobre o montante reembolsado de uma coima; e de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão (C-322/09 P, Colet., p. I-11911), sobre a decisão de recusa de abrir um procedimento formal de investigação em matéria de auxílios de Estado.

( 34 ) 302/87, Colet., p. 5615.

( 35 ) N.o 17.

( 36 ) V. Simon, D., Le système juridique communautaire, PUF, Paris, 2è éd., 1998, n.o 379, p. 402.

( 37 ) V. acórdão NDSHT/Comissão, já referido (n.os 44 a 56).

( 38 ) V. acórdão de 8 de março de 1972, Nordgetreide/Comissão (42/71, Colet., p. 55, n.o 5), relativo à recusa, pela Comissão, de alterar a lista dos produtos aos quais podia ser aplicado o mecanismo dos montantes compensatórios. V., no mesmo sentido, acórdão de 24 de novembro de 1992, Buckl e o./Comissão (C-15/91 e C-108/91, Colet., p. I-6061, n.o 22), relativo à recusa, pela Comissão, de reinstaurar uma imposição aplicada à importação de certos produtos agrícolas. V. também despachos de 6 de abril de 2006, GISTI/Comissão (C‑408/05 P, n.o 10), bem como de 15 de dezembro de 2011, Altner/Comissão (C‑411/11 P, n.o 7 e jurisprudência referida), a propósito da recusa da Comissão de dar início a um procedimento de declaração de incumprimento. Este último despacho explica a inexistência de um recurso de anulação contra esta recusa pela exclusão do recurso individual contra os atos que a Comissão pode ser levada a adotar no âmbito do processo por incumprimento regulado pelo artigo 258. TFUE, na medida em que estes atos são dirigidos aos Estados‑Membros e não a destinatários individuais. Duas outras explicações são geralmente adiantadas para excluir este tipo de recurso, a saber, a ausência de efeitos jurídicos vinculativos dos pareceres fundamentados proferidos pela Comissão e o poder discricionário reconhecido à Comissão para avaliar a existência do incumprimento e para desencadear o processo por incumprimento. Parece‑nos que esta última explicação assenta numa confusão entre condição de admissibilidade e condição de fundo. Com efeito, a existência de um poder discricionário da instituição em causa não deveria implicar a inadmissibilidade do recurso de anulação (em caso de rejeição expressa de um pedido de propositura de uma ação por incumprimento) ou da ação por omissão (em caso de abstenção de pronúncia na sequência de interpelação para a propositura de uma ação por incumprimento), mas antes determinar a sua improcedência, impedindo que se considere que o ato ou a abstenção da instituição é ilegal.

( 39 ) O acórdão Buckl e o./Comissão, já referido, evoca uma apreciação em função da «natureza» do pedido, ao passo que o acórdão Nordgetreide/Comissão, já referido, analisa o «objeto» desta.

( 40 ) V., designadamente, acórdão de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico (C-312/00 P, Colet., p. I-11355), sobre um recurso de anulação dirigido contra a recusa, pela Comissão, de adotar um regulamento em aplicação do artigo 16.o, n.o 3, do Regulamento (CEE) n.o 404/93 do Conselho, de 13 de fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no setor das bananas (JO L 47, p. 1), a fim de adaptar o contingente pautal previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 404/93 para fazer face aos efeitos das inundações excecionais ocorridas em 1997 e em 1998 sobre a produção de bananas na Somália.

( 41 ) V. acórdão de 13 de julho de 1971, Deutscher Komponistenverband/Comissão (8/71, Colet., p. 247, n.o 2). Esta formulação foi retomada nos mesmos termos nos acórdãos, já referidos, Irish Cement/Comissão (n.o 17), Buckl e o./Comissão (n.o 17), e ENU/Comissão (n.o 10). V. também despacho do Tribunal Geral de 17 de novembro de 2010, Victoria Sánchez/Parlamento e Comissão (T‑61/10, n.o 38).

( 42 ) C-301/90, Colet., p. I-221.

( 43 ) N.o 14.

( 44 ) No n.o 11 das conclusões que apresentou no processo que esteve na origem do referido acórdão, o advogado‑geral Jacobs expõe que embora possa parecer estranho pedir‑se a anulação de um regulamento na medida em que nele se omite uma determinada disposição, a questão, no essencial, é a mesma «quer o regulamento seja ilegal por ter incluído ou por ter omitido determinada disposição». Estas explicações não nos convencem totalmente. Num caso como este, a ilicitude não se reporta ao regulamento adotado, que, em si mesmo, não é ilícito, mas resulta da omissão de estatuir. Além disso, parece‑nos que a adoção de uma disposição diferente da que foi pedida e a não adoção de uma disposição são duas coisas diferentes. Assimilar a primeira à segunda pressupõe que a omissão parcial de pronúncia quanto a um pedido seja equiparada a uma recusa tácita, o que não nos parece possível, pela razão evocada no n.o 107 das presentes conclusões.

( 45 ) V. despacho de 13 de dezembro de 2000, Sodima/Comissão (C-44/00 P, Colet., p. I-11231, n.o 24). V. também acórdão Comissão/Greencore, já referido (n.o 45), bem como despachos do Tribunal Geral de 24 de março de 2011, Internationaler Hilfsfonds/Comissão (T-36/10, Colet., p. II-1403, n.o 38), e de 13 de novembro de 2012, ClientEarth e o./Comissão (T‑278/11, n.o 32). Estes dois despachos oferecem um exemplo claro de uma disposição que equipara a falta de resposta de uma instituição no prazo fixado a uma resposta negativa. Trata‑se do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), que prevê que a falta de resposta da instituição a um pedido confirmativo para aceder a um documento no prazo prescrito «será considerada como uma resposta negativa». Todavia, o domínio de eleição deste tipo de dispositivo é o direito da função pública, apesar de se encontrar noutras matérias. V., para ilustrações diversas, Mariatte, F., e Muñoz, R., Contentieux de l’Union européenne / 2CarenceResponsabilité, Lamy Axe droit, Paris, 2011, p. 29.

( 46 ) Acórdão Comissão/Greencore, já referido (n.o 45). Não temos conhecimento de decisões do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral que apliquem esta exceção declarando a existência de circunstâncias excecionais.

( 47 ) C-27/04, Colet., p. I-6649.

( 48 ) Artigo 126.o, n.os 8 e 9, TFUE.

( 49 ) N.o 32 deste acórdão.

( 50 ) C-76/01 P, Colet., p. I-10091.

( 51 ) N.os 58 e 59.

( 52 ) N.o 64.

( 53 ) Acórdão de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C-521/06 P, Colet., p. I-5829, n.o 42).

( 54 ) A comunicação e a proposta de regulamento.

( 55 ) V. título do fundamento principal que figura entre o n.o 38 e o n.o 39 da petição da Comissão.

( 56 ) A Comissão indica, em matéria de auxílios de Estado, os acórdãos de 29 de outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho (138/79, Colet., p. 3333, n.o 25); de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão (142/84 e 156/84, Colet., p. 4487, n.o 62); de 10 de março de 1992, Ricoh/Conselho (C-174/87, Colet., p. I-1335, n.o 68); e de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão (C-225/91, Colet., p. I-3203, n.o 25); bem como, em matéria de dumping, o acórdão do Tribunal Geral de 28 de outubro de 1999, EFMA/Conselho (T-210/95, Colet., p. II-3291, n.o 57).

( 57 ) O Conselho refere‑se, a título de exemplo, ao acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C-413/06 P, Colet., p. I-4951).

( 58 ) O Conselho refere‑se, por um lado, às previsões da DG «Assuntos económicos e financeiros» do mês de março de 2011, que constata uma previsão de descida da remuneração em 17 dos 19 Estados‑Membros envolvidos e, por outro lado, ao documento Eurostat A65/11/12 do mês de março de 2011, intitulado «Forecast of the trend in purchasing power of national officials to July 2011».

( 59 ) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados‑Membros afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira na área do euro [COM(2011) 819 final] e Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção de défices excessivos dos Estados‑Membros da área do euro [COM(2011) 821 final].

( 60 ) Retomamos a terminologia proposta por K. Lenaerts na sua tese intitulada «Le juge et la constitution aux États‑Unis d’Amérique et dans l’ordre juridique européen», Bruylant, Bruxelles, 1988, n.o 298, p. 343.

( 61 ) Ver, para uma análise destes conflitos sob a perspetiva da repartição e da regulação das relações de poderes entre instituições, Lenaerts, K., op. cit., n.os 295 a 307, p. 340 e segs.

( 62 ) Desde 1972 sucederam‑se cinco métodos, em aplicação das disposições seguintes: Decisão do Conselho de 20 e 21 de março de 1972; Decisão 81/1061/Euratom, CECA, CEE do Conselho, de 15 de dezembro de 1981, relativa à alteração do método de adaptação das remunerações dos funcionários e outros agentes das Comunidades (JO L 386, p. 6); Decisão 87/530/Euratom, CECA, CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1987, que completa o método de adaptação das remunerações dos funcionários e outros agentes das Comunidades (JO L 307, p. 40); Regulamento (CECA, CEE, Euratom) n.o 3830/91 do Conselho, de 19 de dezembro de 1991, que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o regime aplicável aos outros agentes das Comunidades, no que diz respeito às modalidades de adaptação das remunerações (JO L 361, p. 1); Regulamento (CE, Euratom) n.o 2181/2003 do Conselho, de 8 de dezembro de 2003, relativo a medidas transitórias a adotar no quadro da reforma do Estatuto, em especial no que respeita às remunerações e pensões (JO L 327, p. 1), e Regulamento (CE, Euratom) n.o 723/2004 do Conselho, de 22 de março de 2004, que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (JO L 124, p. 1).

( 63 ) N.o 63 desse acórdão.

( 64 ) N.o 71 do referido acórdão.

( 65 ) 81/72, Colet., p. 239, Recueil, p. 575. No n.o 9 deste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, «pela sua decisão de 21 de março de 1972, o Conselho, deliberando no âmbito dos poderes que lhe confere o artigo 65.o do Estatuto em matéria de remunerações do pessoal, assumiu obrigações a cujo respeito se vinculou por um período por si próprio definido».

( 66 ) 70/74, Colet., p. 291, Recueil, p. 795. No n.o 20 deste acórdão, o Tribunal de Justiça enunciou que «o Conselho, através da sua decisão de 20 e de 21 de março de 1972, entendeu, para a implementação do artigo 65.o [do Estatuto], vincular‑se, durante um período definido, à observância de critérios determinados».

( 67 ) N.o 74 do referido acórdão.

( 68 ) N.o 75 do mesmo acórdão.

( 69 ) Acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, já referido (n.o 77).

( 70 ) Ibidem (n.o 79).

( 71 ) Ibidem (n.o 80).

( 72 ) As negociações entre a Comissão e o Conselho apresentam todas as características de um diálogo de surdos.

( 73 ) A título de exemplo, o referido artigo 10.o poderia ter previsto o recurso à cláusula de exceção «se o Conselho [ou o Parlamento] entenderem que existe uma crise económica grave e súbita».

( 74 ) N.o 78 deste acórdão.

( 75 ) N.o 79 do referido acórdão.

( 76 ) Lenaerts, K., op. cit., n.o 305, p. 354.

( 77 ) V., neste sentido, tese de Ritleng, D., «Le contrôle de la légalité des actes communautaires par la Cour de justice et le Tribunal de première instance des Communautés européennes», 1998, n.o 683, p. 583.

( 78 ) V. acórdão de 21 de junho de 1988, ISA e o./Comissão (32/87, 52/87 e 57/87, Colet., p. 3305, n.o 8 e jurisprudência referida).

( 79 ) V., neste sentido, acórdãos do Tribunal de 15 de dezembro de 1994, Unifruit Hellas/Comissão (T-489/93, Colet., p. II-1201, n.o 84), e de 14 de dezembro de 2011, Nycomed Danmark/EMA (T-52/09, Colet., p. II-8133, n.o 103). V. também a tese de Ritleng, D., op. cit., n.o 193, p. 182.

( 80 ) V., neste sentido, acórdão de 15 de maio de 2008, Espanha/Conselho (C-442/04, Colet., p. I-3517, n.o 49 e jurisprudência referida).

( 81 ) V. acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o. (C-341/06 P e C-342/06 P, Colet., p. I-4777, n.o 143 e jurisprudência referida), e despacho de 25 de abril de 2002, DSG/Comissão (C-323/00 P, Colet., p. I-3919, n.o 43).

( 82 ) N.o 4, p. 5.

( 83 ) N.o 4.2, p. 7.

( 84 ) Idem.

( 85 ) Crescimento do PIB, procura interna, existências, exportações líquidas, consumo privado, consumo público, investimento total e inflação (IHPC) na União.

( 86 ) Saldo do setor público administrativo e dívida pública na União.

( 87 ) Emprego total, taxa de desemprego e remunerações dos trabalhadores na União.

( 88 ) Indicadores das expectativas económicas e das expectativas de emprego na União.

( 89 ) N.o 1, sexto parágrafo, p. 3.

( 90 ) N.o 3, quarto parágrafo, p. 11.

( 91 ) N.o 3, nono parágrafo, p. 12.

( 92 ) Este desfasamento explica‑se porque, em conformidade com as disposições do artigo 1.o, n.os 2 e 4, do anexo XI do Estatuto, o índice internacional de Bruxelas considera a evolução observada entre o mês de junho do ano anterior e o mês de junho do ano em curso, e os indicadores específicos estabelecidos pelo Eurostat retratam as evoluções das remunerações reais dos funcionários nacionais das administrações centrais entre o mês de julho do ano anterior e o mês de julho do ano em curso. O Tribunal de Justiça, no n.o 70 deste acórdão, considerou este desfasamento, assinalando que a evolução salarial que se produziu entre os meses de julho do ano anterior e o mês de julho do ano em curso nos Estados‑Membros de referência, em si, reflete as decisões relativas à remuneração dos funcionários, adotadas pelas autoridades dos referidos Estados‑Membros face à situação económica existente durante o referido período.

( 93 ) V. n.o 40 da tréplica do Conselho no processo C‑63/12.

( 94 ) Ver n.o 251 das presentes conclusões.

( 95 ) V. Relatório sobre a cláusula de exceção, n.o 5.2.5, quinto parágrafo, p. 23.

( 96 ) No considerando 8 da decisão impugnada, o Conselho assinala que a crise financeira «condu[ziu] a ajustamentos orçamentais significativos num grande número de Estados‑Membros, nomeadamente através de redução dos salários dos trabalhadores da função pública».

( 97 ) Posição tendo em vista a aprovação do Regulamento (UE) n.o../2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera o Estatuto dos Funcionários e o regime aplicável aos outros agentes da União Europeia.

( 98 ) V. artigo 1.o, ponto 53, desta posição, que altera o anexo XI do Estatuto, introduzindo uma nova cláusula de exceção (novo artigo 11.o). Se a evolução do PIB se situar entre ‑0,1% e ‑1%, 33% do valor do índice específico é contabilizado imediatamente, e os restantes 67% são reportados a 1 de abril do ano n + 1; se a evolução do PIB se situar entre ‑1% e ‑3%, a contabilização do valor do índice é integralmente reportada a 1 de abril do ano n + 1; por último, se o PIB diminuir mais de 3%, não será efetuada nenhuma atualização enquanto o crescimento acumulado do PIB, medido a partir do ano em curso, não voltar a ser positivo. O considerando 4 da referida posição esclarece que esta cláusula automática de crise tem como finalidade «sanar as dificuldades decorrentes da aplicação do método no passado».

( 99 ) Segundo as estatísticas do Eurostat, a taxa de crescimento do PIB real da União elevou‑se a 1,6% em 2011 [tabela relativa à taxa de crescimento do PIB real (em volume), disponível no endereço Internet seguinte: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/product_details/dataset?p_product_code=tec00115].

( 100 ) V., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer (C-23/00 P, Colet., p. I-1873, n.os 51 e 52), e de 23 de março de 2004, França/Comissão (C-233/02, Colet., p. I-2759, n.o 26), e acórdão do Tribunal Geral de 25 de abril de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão (T‑526/10, n.o 20).

( 101 ) V., designadamente, n.os 46 a 53 das conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo em que foi proferido o acórdão de 7 de março de 2013, Suíça/Comissão (C‑547/10 P), bem como Bouveresse, A., «Recevabilité et moyens d’annulation», anotação ao TUE, de 24 de abril de 2013, processo T‑256/10, Revue Europe, com. 257.

( 102 ) V. n.os 123 a 127 das presentes conclusões.

( 103 ) Esclarecemos que os argumentos apresentados pela Irlanda e pela República Francesa não permitem pôr em causa esta conclusão.

( 104 ) V. artigo 250.o TFUE.

( 105 ) Documento do Conselho 18771/11, de 16 de dezembro de 2011 (anexo B. 7 da contestação da Comissão no processo C‑66/12).

( 106 ) Documento do Conselho 18665/11, de 16 de dezembro de 2011 (anexo B. 8 da contestação da Comissão no processo C‑66/12).

( 107 ) O Reino da Bélgica, a República Helénica, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Polónia e a República Portuguesa.

( 108 ) Ver artigo 3.o, n.o 3, do Protocolo (n.o 36), acima referido.

( 109 ) Trata‑se do Comité do Emprego e do Comité de Proteção Social.

( 110 ) Deve observar‑se que o artigo 218.o, n.o 11, TFUE, relativo ao recurso ao Tribunal de Justiça para obter o parecer deste sobre a compatibilidade entre um projeto de acordo e os Tratados, também não menciona nenhuma regra de maioria específica.

( 111 ) Note‑se, em particular, que o princípio da separação de poderes assume, no sistema institucional da União, uma configuração diferente da que existe na ordem jurídica interna. V., neste sentido, Georgopoulos, T., «Doctrine de séparation des pouvoirs et intégration européenne», La prise de décision dans le système de l’Union européenne, 2011, p. 3.

( 112 ) Acórdão de 22 de maio de 1990, Parlamento/Conselho (C-70/88, Colet., p. I-2041, n.o 26).

( 113 ) Ibidem (n.o 14).

( 114 ) Artigo 13.o, n.o 2, TUE.

( 115 ) Acórdãos de 29 de setembro de 1998, Comissão/Alemanha (C-191/95, Colet., p. I-5449, n.o 48), e de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França (C-1/00, Colet., p. I-9989, n.o 80).

( 116 ) O artigo 128.o, n.o 3, segundo período, deste regimento interno prevê que o presidente do Parlamento «poderá» submeter ao plenário da assembleia a decisão de manter o recurso no início do período de sessões seguinte.

( 117 ) C-426/93, Colet., p. I-3723.

( 118 ) N.o 18.

( 119 ) Acórdão Comissão/Alemanha, já referido (n.o 37).

( 120 ) Acórdão de 11 de setembro de 2003, Comissão/Conselho (C-211/01, Colet., p. I-8913, n.o 52).

( 121 ) Acórdão Comissão/Alemanha, já referido (n.o 47); acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão (C-131/03 P, Colet., p. I-7795, n.o 56); e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de janeiro de 2003, Philip Morris International e o./Comissão (T-377/00, T-379/00, T-380/00, T-260/01 e T-272/01, Colet., p. II-1, n.o 79).

( 122 ) V., designadamente, acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Comissão/Chipre (C‑251/09, n.os 13 a 17).