1. Na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho da União Europeia e os Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União podem adotar em conjunto decisões (ditas «mistas» ou «híbridas») para tomarem as medidas necessárias no quadro das diferentes fases do processo de negociação e de celebração de acordos internacionais, conforme estabelece o artigo 218.° TFUE? No direito da União, designadamente no caso da negociação e da celebração de acordos mistos, é admissível a fusão entre, por um lado, um ato da União, como uma decisão do Conselho que, no domínio dos acordos internacionais, deve ser aprovada por maioria qualificada, e, por outro, um ato que tenha natureza intergovernamental que, por definição, deve ser aprovado por todos os Estados interessados? Neste contexto, que papéis desempenham a exigência de representação unitária da União no plano internacional, o dever conexo de cooperação estreita entre a União e os seus Estados‑Membros, a exigência de segurança jurídica no direito internacional para as partes contratantes dos acordos mistos celebrados com a União e os seus Estados‑Membros, bem como o princípio da autonomia das instituições da União?
2. Estas são, no essencial, as questões com as quais o Tribunal de Justiça é confrontado no presente processo, no qual a Comissão Europeia pede a anulação da Decisão 2011/708/UE, adotada em 16 de junho de 2011 pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União Europeia, reunidos no Conselho (2) (a seguir «decisão impugnada»), relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória, pela União e os seus Estados‑Membros, de dois acordos internacionais no setor do transporte aéreo.
3. Ainda que à primeira vista este processo possa parecer de natureza principalmente processual, o seu alcance ultrapassa na realidade as simples questões de processo. Com efeito, este processo respeita a questões sensíveis relacionadas com o exercício das competências externas da União. Na solução que terá de encontrar, o Tribunal de Justiça deverá, por conseguinte, fazer uma ponderação das diferentes exigências que estão em jogo no presente processo, tendo em conta a realidade do funcionamento prático tanto do processo de decisão como da ação externa da União.
I – Antecedentes do litígio
4. Em 25 e 30 de abril de 2007, a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e os Estados Unidos da América, por outro, assinaram um acordo de transporte aéreo (3), alterado em seguida por um protocolo assinado no Luxemburgo em 24 de junho de 2010 (4) (a seguir «Acordo de Transporte Aéreo UE/Estados Unidos»). Este acordo tinha por objetivo designadamente favorecer o desenvolvimento do transporte aéreo internacional com a abertura dos mercados e com a maximização das vantagens para os consumidores, os transportadores aéreos, os trabalhadores e as populações dos dois lados do Oceano Atlântico.
5. Uma vez que o acordo de transporte aéreo UE‑Estados Unidos previa a possibilidade de adesão de Estados terceiros, a República da Islândia e o Reino da Noruega apresentaram os respetivos pedidos de adesão em 2007. Assim, para efeitos de adesão destes dois Estados, foram negociados dois acordos internacionais. Por um lado, a União e os seus Estados‑Membros, os Estados Unidos da América, a República da Islândia e o Reino da Noruega negociaram um acordo de adesão que visa alargar o âmbito de aplicação do acordo de transporte aéreo UE‑Estados Unidos, mutatis mutandis, a cada uma das partes contratantes (JO 2011, L 283, p. 3, a seguir, «Acordo de Adesão»). Por outro lado, a União e os seus Estados‑Membros, a Islândia e o Reino da Noruega negociaram o Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro (JO 2011, L 283, p. 16, a seguir, «Acordo Adicional»). Esse acordo visa garantir a manutenção da bilateralidade do referido acordo de transporte aéreo UE‑Estados Unidos.
6. Em 2 de maio de 2011, a Comissão adotou uma proposta de decisão do Conselho COM(2011) 239 final, relativa à assinatura e à aplicação provisória do Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro. Essa proposta previa uma decisão unicamente do Conselho e baseava‑se no artigo 100.°, n.° 2, TFUE (5), conjugado com o artigo 218.°, n.° 5, TFUE (6) .
7. Afastando‑se da referida proposta, o Conselho adotou a decisão impugnada sob a forma de uma decisão híbrida, isto é, de uma decisão aprovada simultaneamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho. A decisão impugnada baseava‑se no artigo 100.°, n.° 2, TFUE, conjugado com o artigo 218.°, n. os 5 e 8, TFUE (7) .
8. Nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada «[é] autorizada, em nome da União, a assinatura do [Acordo de Adesão] e do Acordo Adicional [...], sob reserva da celebração dos referidos Acordos.»
9. O artigo 2.° desta decisão enuncia que «[o] Presidente do Conselho fica autorizado a designar a(s) pessoa(s) com poderes para assinar o Acordo de Adesão e o Acordo Adicional, em nome da União.»
10. O artigo 3.° da mesma decisão enuncia que «[o] Acordo de Adesão e o Acordo Adicional são aplicados a título provisório a partir da data da sua assinatura pela União e, na medida em que a legislação nacional aplicável o permita, pelos seus Estados‑Membros e as outras Partes, enquanto se aguarda a conclusão das formalidades necessárias à celebração dos referidos Acordos.»
11. O Acordo de Adesão e o Acordo Adicional foram assinados no Luxemburgo e em Oslo, em 16 e 21 de junho de 2011.
II – Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça
12. A Comissão pede que o Tribunal de Justiça anule a decisão, com manutenção dos efeitos da referida decisão, e condene o Conselho nas despesas.
13. O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso inadmissível ou improcedente; a título subsidiário, se e na medida em que o Tribunal de Justiça anule a decisão impugnada, declare que os efeitos desta decisão são definitivos e condene a Comissão nas despesas.
14. Por despacho de 18 de junho de 2012, o Presidente do Tribunal de Justiça admitiu as intervenções do Parlamento Europeu em apoio dos pedidos da Comissão, da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, da República Helénica, da República Francesa, da República Italiana, do Reino dos Países Baixos, da República da Polónia, da República Portuguesa, da República da Finlândia, do Reino da Suécia e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos do Conselho.
15. O Tribunal de Justiça realizou a audiência em 11 de novembro de 2014.
III – Análise
16. Com o seu recurso, a Comissão contesta a decisão impugnada na totalidade, com base em três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a uma violação do processo e das condições relativas à autorização da assinatura e da aplicação provisória dos acordos internacionais pela União. O segundo fundamento respeita a uma violação das regras de votação no Conselho e o terceiro fundamento é relativo a uma violação dos objetivos definidos nos Tratados e ao desrespeito do princípio da cooperação leal. Antes de analisar estes três fundamentos, importa todavia analisar a exceção de inadmissibilidade deduzida pelo Conselho.
A – Quanto à admissibilidade
17. O Conselho invoca três causas de inadmissibilidade do recurso da Comissão. Em primeiro lugar, o recurso é inadmissível porque devia ter sido interposto contra os Estados‑Membros e não contra o Conselho. Com efeito, a Comissão contesta a participação dos Estados‑Membros na decisão impugnada e não uma ação censurável imputável ao Conselho. Em segundo lugar, o Conselho sustenta que o recurso é inadmissível pelo facto de respeitar a uma decisão dos Estados‑Membros a qual está fora do âmbito de aplicação do artigo 263.° TFUE e, assim, não pode ser objeto de fiscalização jurisdicional pelo Tribunal de Justiça. Em terceiro lugar, segundo o Conselho, a Comissão não tem interesse em agir, uma vez que a anulação pedida não tem nenhuma consequência jurídica.
18. Em relação aos primeiro e segundo argumentos apresentados pelo Conselho, importa antes de mais recordar que pode ser interposto recurso de anulação de todas as medidas adotadas pelas instituições, quaisquer que sejam a sua natureza ou forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos (8) .
19. Ora, neste caso, o recurso da Comissão diz respeito a um ato adotado conjuntamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Estados‑Membros, com base nomeadamente no artigo 218.°, n. os 5 e 8, TFUE. Conforme resulta dos n. os 8 a 10 das presentes conclusões, este ato autoriza tanto a assinatura e a aplicação provisória dos acordos internacionais em questão no que respeita à União como a aplicação provisória dos referidos acordos pelos Estados‑Membros, na medida permitida pela legislação nacional aplicável.
20. Daqui resulta, por um lado, que o Conselho participou na aprovação da decisão impugnada e que, por conseguinte, se trata efetivamente de uma disposição aprovada por esta instituição e, por outro, a decisão impugnada constitui um ato que produz efeitos jurídicos e que, enquanto tal, é suscetível de fiscalização jurisdicional (9) . Os primeiro e segundo argumentos do Conselho devem assim ser julgados improcedentes.
21. Em relação ao terceiro argumento do Conselho, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 263.°, n.° 2, TFUE confere às instituições nele mencionadas e a todos os Estados‑Membros o direito de impugnarem, em recurso de anulação, a legalidade de qualquer ato do Conselho que produza efeitos jurídicos, sem que o exercício desse direito seja condicionado pela demonstração do interesse em agir (10) . Consequentemente, a Comissão não tem que provar nenhum interesse em agir para interpor o presente recurso. Assim, uma vez que o terceiro argumento do Conselho deve ser também julgado improcedente, o recurso é, na minha opinião, admissível quanto à decisão impugnada no seu todo.
B – Quanto ao mérito
1. Argumentação das partes
a) Quanto ao primeiro fundamento, respeitante a uma violação do processo e das condições relativas à autorização da assinatura e da aplicação provisória dos acordos internacionais pela União
22. A Comissão, apoiada pelo Parlamento, alega que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho violou o artigo 13.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TUE (11), conjugado com o artigo 218.°, n. os 2 e 5, TFUE. Nos termos desta última disposição, o Conselho é a única instituição com competência para autorizar a assinatura e a aplicação provisória de um acordo internacional pela União. Por conseguinte, a decisão impugnada devia ter sido adotada apenas pelo Conselho, sem a participação dos Estados‑Membros reunidos no Conselho.
23. Ao fazer os Estados‑Membros participarem no processo decisório, decidindo coletivamente no Conselho, este derrogou unilateralmente o processo previsto pelo artigo 218.° TFUE, quando resulta da jurisprudência que não se pode afastar regras estabelecidas pelos Tratados e recorrer a processos alternativos para a adoção dos atos da União. Nestas condições, o Conselho também incumpriu a sua obrigação de exercer as suas competências nos limites definidos pelos procedimentos e nas condições previstos pelos Tratados na aceção do artigo 13.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TUE.
24. Em especial, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os procedimentos da União devem distinguir‑se claramente dos domínios nos quais os Estados‑Membros mantêm a possibilidade de exercerem as suas competências. Deste modo, não é possível operar uma fusão entre um ato intergovernamental e um ato da União. A prática anterior que consistia em recorrer a atos híbridos, designadamente no setor da aviação, desvirtua atualmente os procedimentos da União e não pode ser admitida.
25. A natureza mista de um acordo internacional, celebrado pela União e cada um dos Estados‑Membros não implica necessariamente que a decisão do Conselho relativa à sua assinatura e à sua aplicação provisória, adotada ao abrigo do artigo 218.° TFUE, possa ser alterada para se fundir com uma decisão intergovernamental dos Estados‑Membros. Essa inclusão no processo decisório do Conselho não é necessária nem para a assinatura do acordo nem para a sua aplicação provisória.
26. O Conselho, apoiado por todos os Governos intervenientes, considera, pelo contrário, que a adoção da decisão impugnada sob a forma de decisão híbrida não infringe nenhuma disposição dos Tratados.
27. Antes de mais, o Conselho não derrogou as disposições do artigo 218.°, n. os 2 e 5, TFUE, nem recorreu a um processo alternativo. Com efeito, os Representantes dos Estados‑Membros reunidos no Conselho adotaram duas decisões distintas que estão contidas na decisão impugnada. Por um lado, em conformidade com o artigo 218.° TFUE, na sua qualidade de membros do Conselho, autorizaram a assinatura e a aplicação provisória dos acordos em questão pela União. Por outro, na qualidade de Representantes dos Estados‑Membros, autorizaram a aplicação provisória desses acordos pelos Estados‑Membros na medida permitida pela legislação nacional aplicável. Esta última parte da decisão impugnada foi adotada com fundamento em procedimentos que não estão previstos nos Tratados. Por conseguinte, os Estados‑Membros não participaram no processo previsto no artigo 218.°, n. os 2 e 5, TFUE.
28. Em seguida, segundo o Conselho, atendendo a que os acordos em causa são acordos mistos, a adoção de uma decisão híbrida, da qual os Estados‑Membros são coautores, é totalmente coerente com a natureza mista dos acordos subjacentes e com o facto de os Estados‑Membros exercerem, em certos aspetos, as suas próprias competências. Constitui uma consequência admissível da celebração de acordos mistos que se inscreve numa simetria jurídica com estes.
29. A escolha do instrumento da decisão híbrida é, na realidade, a expressão do dever de cooperação estreita entre a União e os Estados‑Membros e da exigência de uma representação unitária da União tal como exigido pela jurisprudência. Este tipo de decisões constitui a melhor forma de assegurar essa unidade na representação internacional e de garantir uma abordagem comum e coordenada da União e dos seus Estados‑Membros. Isto é ainda mais verdade quando, como é o caso dos acordos em questão, as cláusulas do acordo internacional que são da competência da União estão intrinsecamente ligadas às cláusulas que são da competência dos Estados‑Membros e quando essas cláusulas são, por conseguinte, indissociáveis. A tese da Comissão segundo a qual as decisões da União devem constar de um instrumento diferente do das decisões intergovernamentais ameaça a cooperação entre os Estados‑Membros e a União e prejudica a eficácia do quadro institucional para a celebração de acordos internacionais.
30. Além disso, por força do princípio da autonomia das instituições, o Conselho e os Estados‑Membros são livres de determinar a forma exata da organização dos seus trabalhos. A circunstância de essa autorização ser comunicada numa decisão única não prejudica minimamente a integridade do processo imposta pelo artigo 218.°, n.° 5, TFUE. Em todo o caso, a adoção de uma decisão híbrida leva, na prática, ao mesmo resultado que a adoção de duas decisões, uma pelo Conselho e outra pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho, ou que a adoção de uma única decisão do Conselho. Por fim, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa não teve incidência na legalidade das decisões híbridas nem proibiu a sua adoção. Pelo contrário, a adoção de decisões mistas constitui uma prática consolidada, designadamente no setor do transporte aéreo, mesmo depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.
b) Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação das regras de votação no Conselho
31. Com o seu segundo fundamento, a Comissão, apoiada pelo Parlamento, alega que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho infringiu o artigo 218.°, n.° 8, primeiro parágrafo, TFUE, conjugado com a base jurídica material para a adoção de medidas no domínio do transporte aéreo, a saber, o artigo 100.°, n.° 2, TFUE. Com efeito, enquanto uma decisão nos termos destas disposições deve ser adotada pelo Conselho por maioria qualificada, um ato intergovernamental adotado coletivamente pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros deve, em contrapartida, pela sua própria natureza, ser adotado de comum acordo por todos os Estados‑Membros. Ora, a fusão desses atos numa única decisão e a sua subordinação ao comum acordo torna, em concreto, impossível a aplicação da votação por maioria qualificada e torna, de facto, inoperante a instauração dessa votação pelo Tratado de Lisboa enquanto regra geral para o processo de negociação e de celebração de acordos internacionais pela União. Tal fusão esvaziaria assim da própria substância o processo previsto no artigo 218.°, n.° 8, primeiro parágrafo, TFUE e comprometeria, de uma forma geral, a eficácia dos procedimentos da União. Além disso, a fusão entre esses dois atos teria a consequência de a base jurídica indicada na decisão híbrida não determinar, na realidade, o procedimento de votação no Conselho, o qual seria implícita mas inevitavelmente substituído devido à sua composição intergovernamental.
32. O Parlamento acrescenta que a fusão entre estes dois tipos de atos implica também uma violação do equilíbrio institucional no processo aplicável à celebração de acordos internacionais pela União, em violação do artigo 218.°, n. os 6 e 10, TFUE.
33. O Conselho, apoiado pelos Governos intervenientes, considera ter cumprido as regras de votação enunciadas nos Tratados. Com efeito, segundo o Conselho, a decisão impugnada foi adotada por maioria qualificada dos votos no Conselho, quando estavam em causa competências exclusivas da União, e por comum acordo dos Representantes do Estados‑Membros, quando se tratava de competências dos Estados‑Membros. Por conseguinte, não é certo dizer que foi adotada por unanimidade ou que a regra da maioria qualificada foi alterada. O facto de nenhuma delegação no Conselho se ter oposto à decisão impugnada não pode significar que a votação por maioria qualificada não foi seguida. Em todo o caso, qualquer decisão adotada por unanimidade comporta, com efeito, necessariamente, uma maioria qualificada. De resto, o facto de se ter alcançado o consenso dos Estados‑Membros não compromete a eficácia da ação da União nem dos seus processos.
34. O Conselho e alguns Governos também alegaram que, em matéria de acordos internacionais, a cumulação de diversas regras de votação é uma prática corrente conforme com a jurisprudência. Além disso, segundo o Governo finlandês, o modo de votação escolhido pelo Conselho baseia‑se no artigo 293.°, n.° 1, TFUE, nos termos do qual o Conselho, quando delibere sob proposta da Comissão, só a pode alterar por unanimidade. Neste caso, como o Conselho alterou a proposta da Comissão relativamente ao artigo 3.° da decisão impugnada, devia, em todo o caso, proceder à votação por unanimidade.
c) Quanto ao terceiro fundamento relativo a uma violação dos objetivos definidos no Tratado e do princípio da cooperação leal
35. A Comissão, apoiada pelo Parlamento, censura o Conselho por ter infringido os objetivos dos Tratados e o princípio da cooperação leal enunciado no artigo 13.°, n.° 2, TUE. Ao permitir que os Estados‑Membros intervenham nos processos da União, o Conselho, antes de mais, «semeou a confusão» sobre a autonomia da União nas suas relações internacionais. A mensagem enviada pelo Conselho para a cena internacional é que a União não tem competência para, por si própria, tomar uma decisão. Em seguida, ao agir desta forma, o Conselho não respeitou o princípio da cooperação leal na medida em que devia exercer os seus poderes de forma a não contornar os procedimentos da União previstos no artigo 218.° TFUE. O Conselho violou este princípio tanto nas relações institucionais como em relação à União no seu todo. Por último, o Conselho fragilizou o quadro institucional da União ao dar aos Estados‑Membros uma competência no seio da União que não está prevista nos Tratados, nomeadamente, no artigo 218.° TFUE, correndo assim o risco de fazer prevalecer os interesses dos Estados‑Membros sobre os da União.
36. O Conselho, apoiado pelos Governos intervenientes, considera que a decisão impugnada não gerou a menor confusão em terceiros ou na comunidade internacional. No contexto de acordos mistos, a situação seria, pelo contrário, fonte de confusão para terceiros se estes apenas dispusessem da decisão do Conselho, sem uma decisão que associasse os Estados‑Membros. Aliás, a decisão impugnada é não só conforme com o objetivo de unidade de representação internacional da União mas também o garante, promove e reforça, ao pôr claramente em evidência a posição comum da União e dos seus Estados‑Membros. A adoção desta decisão é a expressão do dever de cooperação estreita e de abordagem comum da União e dos Estados‑Membros. Pelo contrário, a adoção de uma decisão no Conselho sem os Estados‑Membros poderia dar para o exterior a imagem de uma União desunida e a via de um processo intergovernamental paralelo apresentaria riscos de divergência entre os Estados‑Membros e atrasos. Consequentemente, tal processo seria menos favorável face aos objetivos prosseguidos pelo Tratado. Em todo o caso, uma decisão híbrida constitui um ato interno da União que não se destina a chegar ao conhecimento de Estados terceiros e, mesmo que chegue, é pouco provável que seja dada alguma importância à determinação dos seus autores.
2. Análise
37. Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule a decisão impugnada, relativa, por um lado, à assinatura pela União e, por outro, à aplicação provisória do Acordo de Adesão e do Acordo Adicional pela União e pelos seus Estados‑Membros, por essa decisão ter sido adotada conjuntamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Estados‑Membros enquanto ato híbrido que funde um ato da União e um ato intergovernamental.
38. Há que observar, a título preliminar, que a Comissão afirmou expressamente que, com o seu recurso, não pretende contestar a natureza mista dos dois acordos internacionais em questão (12) . Por conseguinte, o âmbito do recurso neste processo está limitado apenas à questão da legalidade da adoção da decisão impugnada enquanto decisão híbrida.
39. Em seguida, saliento também, a título preliminar, que, embora a decisão impugnada constitua, de um ponto de vista formal, um ato único, contém na realidade duas decisões distintas do ponto de vista material, a saber, por um lado, uma decisão do Conselho, relativa à assinatura e à aplicação provisória dos acordos em questão pela União, e, por outro, um ato intergovernamental dos Representantes dos Estados‑Membros, relativo à aplicação provisória dos referidos acordos por estes últimos. É precisamente a questão da legalidade da adoção conjunta destes dois atos diferentes e da sua fusão num único ato que é objeto da contestação da Comissão.
40. Os três fundamentos apresentados pela Comissão no seu recurso, que se referem a esta questão sob diferentes ângulos, sobrepõem‑se, na minha opinião, em vários aspetos. Com efeito, este recurso suscita, no essencial, dois tipos de problemas. Por um lado, numa vertente que se poderia definir de interna , o presente processo tem por objeto a aplicação das disposições relativas aos processos e às regras de votação para a adoção dos atos da União em matéria de negociação e de celebração de acordos internacionais no quadro processual estabelecido no artigo 218.° TFUE. Neste contexto, coloca‑se também a questão do alcance da autonomia organizacional e funcional das instituições da União. Por outro lado, na sua vertente externa , o presente processo abrange também exigências relativas ao desenvolvimento concreto da ação externa da União. Suscita de facto questões que respeitam, designadamente, à exigência de representação unitária da União na cena internacional e ao dever conexo de cooperação estreita entre a União e os Estados‑Membros no quadro do processo de negociação e de celebração de acordos mistos. Também diz respeito às obrigações de direito internacional que decorrem da ação externa da União para com as outras partes contratantes.
41. Por conseguinte, a solução para os problemas jurídicos levantados pelo presente processo não se pode limitar à consideração das questões processuais internas, mas deve também ter em conta o impacto que essas questões têm na ação externa da União. Consequentemente, isso faz com que seja necessário proceder a uma avaliação que pondere os diferentes princípios e exigências práticas que estão em causa no presente processo. Nestas condições, considero apropriado analisar os três fundamentos em conjunto, partindo de uma apresentação geral das questões levantadas no presente processo, para depois analisar as alegações apresentadas pela Comissão no seu recurso à luz dos princípios consagrados na jurisprudência.
a) Quanto ao quadro processual da negociação e celebração de acordos internacionais pela União previsto no artigo 218.° TFUE
42. No que respeita à sua vertente interna, o presente processo levanta, antes de mais, uma questão que respeita à conformidade do processo seguido para a adoção da decisão impugnada com as disposições do artigo 218.° TFUE.
43. Resulta do artigo 218.°, n.° 1, TFUE que este artigo visa regular o processo de negociação e de celebração de acordos entre a União e países terceiros ou organizações internacionais. Este artigo, que integra o título V, com a epígrafe «Acordos internacionais», da parte V do Tratado FUE, por sua vez com a epígrafe «Ação externa da União», constitui uma disposição de caráter geral que tem por objetivo criar um processo único e unificado para a negociação e celebração dos referidos acordos pela União. Esta disposição é a expressão, por um lado, da nova estrutura da União na sequência do desaparecimento formal dos pilares com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa (13) e, por outro, da nova dimensão reforçada da ação externa da União refletida pela introdução dos artigos 21.° TUE e 22.° TUE e da quinta parte do TFUE.
44. Por conseguinte, o processo previsto no artigo 218.° TFUE destina‑se a ser aplicado a todos os acordos negociados e celebrados pela União, independentemente da sua natureza e do seu conteúdo, com exceção das situações expressamente previstas por disposições especiais dos Tratados (14) . Inclusivamente, esta disposição aplica‑se aos acordos celebrados no âmbito da política externa e de segurança comum. Em especial, não há nada que indique que este artigo não seja aplicável no caso de o acordo internacional ser celebrado sob a forma de acordo misto.
45. Dado que o processo que leva à celebração de um acordo internacional é um processo por etapas, o artigo 218.° TFUE define as regras de desenvolvimento dessas diferentes etapas, bem como o papel e as competências respetivas das diferentes instituições que participam na negociação e na celebração dos acordos internacionais pela União.
46. Mais concretamente, no que diz respeito às disposições pertinentes para o presente processo, decorre do artigo 218.°, n.° 2, TFUE que o Conselho é a instituição competente para autorizar a abertura de negociações, definir as diretrizes de negociação, autorizar a assinatura e celebrar os acordos pela União. Assim, nos termos do n.° 5 do referido artigo, é o Conselho que, sob proposta do negociador, adota a decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor. O n.° 6 desse artigo, por um lado, prevê que o Conselho, sob proposta do negociador, adota a decisão de celebração do acordo e, por outro, confere ao Parlamento um poder de aprovação ou de mera consulta, consoante o objeto do acordo que deve ser celebrado. O artigo 218.°, n.° 8, TFUE consagra a regra geral segundo a qual ao longo de todo o processo, o Conselho delibera por maioria qualificada, salvo no âmbito das exceções previstas no segundo parágrafo dessa disposição.
47. Resulta do contexto em que o artigo 218.° TFUE se inscreve, bem como da sua letra e da sua sistemática ‑ e, designadamente, do seu objetivo que visa instaurar um sistema e regras processuais de caráter geral para a negociação e celebração de acordos internacionais pela União ‑ que, salvo no caso das exceções expressamente previstas pelos próprios Tratados, o Conselho não se pode afastar dos processos aí previstos, recorrendo a processos alternativos ou diferentes dos previstos no referido artigo nas diferentes fases que compõem o processo de negociação e de celebração dos acordos internacionais. O Conselho não pode, designadamente, adotar atos que não constituam uma das decisões previstas numa determinada fase do referido processo ou que seja adotada em condições diferentes das exigidas pelo próprio artigo 218.° TFUE (15) . A obrigação de o Conselho seguir os procedimentos impostos pelos Tratados tem também origem no artigo 13.°, n.° 2, TUE nos termos do qual cada instituição deve atuar de acordo com os procedimentos, condições e finalidades estabelecidos pelos Tratados.
48. A este propósito, importa ainda salientar que, salvo em relação a duas questões específicas (16), o artigo 218.° não prevê, em nenhum momento, a intervenção dos Estados‑Membros no processo de negociação ou de celebração de acordos internacionais pela União (17) . Por conseguinte, não é suposto que os Estados‑Membros, enquanto tais, desempenhem algum papel no âmbito do processo na aceção do artigo 218.° TFUE, o qual é um processo próprio da União.
49. Ora, esta constatação não é posta em causa pelo facto de o artigo 218.° TFUE não ser aplicável apenas aos acordos exclusivos da União, mas também aos acordos mistos. Com efeito, no caso dos acordos mistos, o artigo 218.° TFUE aplica‑se exclusivamente à participação da União no acordo misto e não à dos Estados‑Membros. A participação destes últimos nos acordos mistos será disciplinada, no que respeita à vertente interna da sua participação, por cada direito nacional, e, no que respeita à vertente externa da sua participação, pelo direito internacional público (18) .
b) Quanto à base jurídica e às regras de votação
50. A adoção da decisão impugnada enquanto decisão híbrida que funde um ato da União e um ato intergovernamental suscita, em seguida, questões em relação, por um lado, à base jurídica utilizada e, por outro, ao respeito das regras de votação previstas pelos Tratados.
51. A este propósito, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o imperativo de segurança jurídica requer que qualquer ato que vise produzir efeitos jurídicos adquira a sua força vinculativa de uma disposição de direito da União, que deve expressamente ser referida como base legal e que prescreva a forma jurídica de que o ato se deve revestir. Em primeiro lugar, esta indicação é necessária para determinar as modalidades de voto no Conselho, em segundo lugar reveste uma importância especial para preservar as prerrogativas das instituições intervenientes no âmbito do processo de adoção de um ato e, em terceiro lugar, fixa a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, evitando provocar uma confusão quanto à natureza da competência da União e prejudicá‑la na defesa da sua posição nas negociações internacionais (19) .
52. Além disso, importa também sublinhar que o Tribunal de Justiça afirmou, reiteradamente, que as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão na disponibilidade dos Estados‑Membros ou das próprias instituições (20) ., Apenas os Tratados podem, em casos especiais, autorizar uma instituição a alterar um processo decisório neles previsto. De resto, reconhecer a uma instituição a possibilidade de afastar um processo decisório conforme previsto pelos Tratados e adotar um processo alternativo equivaleria, por um lado, a atribuir‑lhe o poder de derrogar unilateralmente as regras previstas pelo Tratado, o que não é certamente admissível (21), e, por outro lado, permitir‑lhe violar o princípio do equilíbrio institucional, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras (22) .
53. A este propósito, importa ainda salientar que o Tribunal de Justiça adotou uma abordagem bastante desconfiada relativamente à fusão de processos diferentes para a adoção de atos da União. Assim, em relação ao recurso a uma dupla base jurídica, é jurisprudência constante que o cúmulo de duas bases jurídicas está excluído quando os procedimentos previstos para uma e para outra dessas bases sejam incompatíveis (23) . Este era justamente o caso do processo «Dióxido de titânio» (24) cuja aplicabilidade ao presente processo foi objeto de um longo debate entre as partes. Nesse processo, o Conselho tinha adotado uma diretiva (25) por unanimidade com base no artigo 130.°S do Tratado CEE (26), ao passo que a Comissão alegava no seu recurso de anulação que essa diretiva deveria ter sido adotada com fundamento no artigo 100.°A do Tratado CEE que previa que o Conselho decidia por maioria qualificada (27) . O Tribunal de Justiça concluiu que, em caso de cumulação de bases jurídicas, o Conselho estava, em todo o caso, obrigado a votar por unanimidade, o que comprometia um elemento essencial do processo de cooperação, a saber, a votação por maioria qualificada privando assim este processo da própria essência (28)(29) .
c) Quanto ao princípio da autonomia das instituições
54. O Conselho e alguns Estados‑Membros alegaram que a adoção de decisões híbridas é a expressão do princípio da autonomia das instituições da União que permite ao Conselho escolher a forma para conceder as autorizações necessárias no processo de negociação e de celebração de acordos internacionais.
55. Com efeito, no âmbito das suas competências, as instituições da União têm o poder de organizar livremente as suas modalidades de funcionamento. Esse poder é a expressão do princípio da autonomia das instituições, que tem origem nas disposições dos Tratados que atribuem às referidas instituições competência para adotarem elas próprias os seus regulamentos internos com vista a assegurar o seu próprio funcionamento e o dos seus serviços (30) . Este princípio, que o Tribunal de Justiça reconheceu reiteradamente (31), é o corolário da própria missão atribuída às instituições de agir no interesse da União e constitui uma condição essencial ao seu bom funcionamento (32) . O Conselho adotou assim o seu próprio regulamento interno que estabelece as regras do seu funcionamento e da sua organização (33) .
56. Todavia, o princípio da autonomia das instituições não é ilimitado. Nos termos do artigo 13.°, n.° 2, TUE, esta autonomia deve ser exercida «dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados» e «de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem». Por conseguinte, embora cada instituição esteja autorizada, por força do poder de organização interna que lhe atribuem as disposições pertinentes dos Tratados, a adotar as medidas apropriadas para assegurar o seu bom funcionamento e o andamento dos seus processos (34), essas medidas ou a sua aplicação não podem derrogar os processos previstos nos Tratados. Além disso, o poder de organização interna não pode afetar o equilíbrio institucional ou a repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros.
57. Por outro lado, o princípio da autonomia das instituições constitui uma limitação relativamente aos Estados‑Membros. Com efeito, este princípio implica que o funcionamento interno e organizacional das instituições deve ser totalmente independente dos Estados‑Membros (35), os quais devem abster‑se de interferir na autodeterminação da organização, dos processos e das funções das instituições da União, dentro dos limites estabelecidos pelos Tratados. Este dever de não ingerência dos Estados‑Membros é, de resto, a expressão do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE.
d) Quanto à exigência de unidade de representação internacional da União e quanto ao princípio de cooperação leal
58. No que se refere à sua vertente externa, o presente processo levanta, antes de mais, questões relacionadas com a representação da União na cena internacional e com a configuração das relações entre a União e os seus Estados‑Membros a esse respeito.
59. As posições das partes a este propósito são totalmente opostas. Com efeito, a Comissão considera que a adoção de decisões híbridas é suscetível de «semear a confusão» sobre a autonomia da União nas relações internacionais, ao passo que o Conselho considera que as decisões híbridas constituem a expressão máxima da cooperação entre a União e os Estados‑Membros.
60. A este respeito, importa recordar antes de mais que os Tratados preveem explicitamente um dever de cooperação leal recíproca entre a União e os seus Estados‑Membros (artigo 4.°, n.° 3, TUE), bem como entre as instituições da União (artigo 13.°, n.° 2, segundo período TUE) (36) . Em especial, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, terceiro parágrafo, TUE, os Estados‑Membros têm a obrigação de facilitar à União o cumprimento da sua missão e de se absterem de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos desta.
61. Em seguida, importa também salientar que, quando teve que se debruçar sobre questões relativas à ação externa da União, o Tribunal de Justiça pôs reiteradamente em evidência a exigência de a União ser representada de forma unitária na cena internacional (37), bem como a necessidade de garantir a unidade e a coerência da ação e da representação da União nas relações externas (38) .
62. Essas exigências tornam‑se tanto mais prementes quando a matéria de um acordo ou Convenção é em parte da competência da Comunidade e em parte da competência dos Estados‑Membros e os acordos são celebrados como acordos mistos, como no caso do Acordo de Adesão e do Acordo Adicional. Nestes casos, a jurisprudência insistiu especialmente no facto de que as referidas exigências de representação unitária da União e de garantia de unidade e de coerência nas relações externas da União impõem que seja assegurada uma cooperação estreita entre os Estados‑Membros e as instituições da União, tanto no processo de negociação e conclusão como na execução dos compromissos assumidos (39) . Há, por conseguinte, uma relação estreita entre a exigência de representação unitária da União na cena internacional e o dever de cooperação leal recíproca existente entre a União e os Estados‑Membros (40) .
63. Neste contexto, o Tribunal de Justiça reconheceu, por um lado, que compete às instituições e aos Estados‑Membros tomarem todas as medidas necessárias para, da melhor forma possível, assegurar essa cooperação (41) . Por outro lado, reconheceu que decorre da obrigação de cooperação leal, conforme prevista no artigo 4.°, n.° 3, terceiro parágrafo, TUE, que os Estados‑Membros não devem intervir no exercício destas prerrogativas da União, cabendo este direito exclusivamente às instituições da União, e não devem pôr em causa a capacidade de autonomia de ação da União nas relações externas (42) .
e) Quanto à relevância da decisão impugnada para os Estados terceiros
64. O presente processo levanta também a questão da relevância das decisões híbridas para os Estados terceiros partes contratantes do acordo internacional. Com efeito, o Conselho e alguns Governos qualificam as decisões como a decisão impugnada de atos exclusivamente internos. Na sua opinião, resulta desses atos que os mesmos não se destinam a chegar ao conhecimento dos Estados terceiros e que, consequentemente, estes não dão importância à determinação dos autores desses atos.
65. A este propósito, há que recordar, por um lado, que quando a União adota um ato, é obrigada a respeitar o direito internacional na sua totalidade, incluindo o direito internacional consuetudinário que vincula as instituições da União (43) . Por outro lado, quando a União e os seus Estados‑Membros celebram acordos internacionais, sob a forma mista ou não, devem conformar‑se com o direito internacional, conforme codificado, no que respeita às regras consuetudinárias do direito dos tratados, pelas Convenções de Viena de 1969 e 1986 (44) .
66. Ora, no direito internacional, a regra geral é a de que as medidas pelas quais uma parte executa, em conformidade com o seu direito interno ou, no caso de uma organização internacional, com as suas regras organizacionais internas, as suas obrigações decorrentes de um tratado internacional não vinculam, em princípio, os outros Estados partes na convenção (45) .
67. Contudo, por um lado, o direito internacional reconhece uma certa relevância, ainda que limitada, às disposições do direito interno relativas à competência para concluir tratados, bem como às regras internas de uma organização internacional (46) . Por conseguinte, a pertinência, para os outros Estados contratantes, de uma decisão adotada no âmbito do processo previsto no artigo 281.° TFUE não está totalmente excluída no direito internacional.
68. Por outro lado, quando o acordo é celebrado como acordo misto, em que a União e os seus Estados‑Membros podem ser considerados partes no acordo, coligadas, é certo, mas distintas, as exigências de segurança jurídica entre as partes de um acordo internacional, bem como o dever de execução dos tratados de boa fé (47), impõem, no meu entender, que o ato interno da União com o qual autoriza um acordo misto não é suscetível de mitigar o facto de que a União é uma parte contratante de pleno direito do acordo.
f) Quanto à legalidade da decisão impugnada
69. Neste caso, é à luz de todos os princípios expostos nos números anteriores e das exigências evidenciadas que se deve apreciar a legalidade da decisão impugnada. Para o efeito, importa partir de uma análise desta decisão.
70. No que respeita, antes de mais, aos seus autores, resulta do título da decisão impugnada e da indicação contida antes do início do seu preâmbulo que a mesma constitui um ato adotado conjuntamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho. Em seguida, no que respeita à base jurídica da decisão impugnada, importa observar que a decisão refere expressamente ser fundada no artigo 100.°, n.° 2, TFUE, conjugado com o artigo 218.°, n. os 5 e 8, primeiro parágrafo, TFUE. Estas bases jurídicas preveem ambas a adoção de um ato por maioria qualificada. A decisão impugnada não menciona nenhuma outra base jurídica.
71. Seguidamente, quanto ao conteúdo da decisão impugnada, resulta dos n. os 8 a 10 e 19 das presentes conclusões, que autoriza tanto a assinatura e a aplicação provisória dos acordos internacionais em causa em relação à União como a aplicação provisória dos referidos acordos pelos Estados‑Membros, na medida em que a legislação nacional aplicável o permita. Este ato agrupa todos estes elementos sem que seja possível distinguir com clareza qual a parte atribuível à decisão (em sentido material) do Conselho e qual a parte atribuível à decisão dos Representantes dos Estados‑Membros. Isto resulta especialmente da formulação do artigo 3.° da decisão impugnada que agrupa na mesma disposição a autorização da aplicação provisória dos acordos em causa pela União e pelos Estados‑Membros.
72. Atendendo ao conteúdo da decisão impugnada e à forma como foi estruturada, não se pode deixar de observar que tanto o Conselho como os Representantes dos Estados‑Membros participaram na adoção desta decisão na sua totalidade e em todos os seus elementos. Assim, por um lado, os Representantes dos Estados‑Membros participaram na autorização da assinatura e da aplicação provisória dos acordos em causa pela União e o Conselho participou na autorização da aplicação provisória dos referidos acordos pelos Estados‑Membros (48) .
73. Esta conclusão é aliás confirmada pelas modalidades processuais utilizadas para a adoção da decisão impugnada, que mostram que não houve separação entre o processo de adoção da decisão da União e o do ato intergovernamental dos Estados‑Membros. Com efeito, embora nos seus articulados diversos Estados‑Membros tenham considerado a possibilidade de as duas partes materiais da decisão impugnada terem sido adotadas na sequência de processos de votação distintos, o Conselho, na audiência no Tribunal de Justiça, clarificou definitivamente que a decisão impugnada foi adotada de uma só vez por consenso, seguindo um processo simplificado sem discussão e sem votação. Por conseguinte, não houve recurso a processos decisórios distintos para as duas partes do ato, mas um só e único processo de aprovação.
74. Isto leva‑me às considerações seguintes.
75. Em primeiro lugar, a decisão impugnada, enquanto ato híbrido, constitui um ato que não está previsto nos Tratados. Mais especificamente, trata‑se de um ato que o Conselho adotou no âmbito de uma das etapas do processo de negociação e de celebração de acordos internacionais pela União, mas que não está previsto no artigo 218.° TFUE. Além disso, este ato foi adotado utilizando um processo que também não está previsto no referido artigo. Com efeito, como já evidenciei no n.° 48 das presentes conclusões, o artigo 218.° TFUE não prevê nenhum papel para os Estados‑Membros, enquanto tais, no âmbito do processo de adoção das medidas que a União deve tomar nas diferentes etapas do processo aí previsto. Portanto, ao envolver os Estados‑Membros na adoção da decisão impugnada, o Conselho derrogou unilateralmente esse processo e adotou um ato não previsto nos Tratados.
76. Em segundo lugar, a adoção do ato híbrido de uma só vez em todas as suas componentes indissociáveis teve como consequência o facto de ter sido seguido um único processo decisório para a sua adoção, processo no qual se confundiram o processo previsto no artigo 218.°, n. os 5 e 8, TFUE para a adoção de um ato da União por maioria qualificada e um processo alheio ao quadro jurídico da União, especialmente aplicável à adoção de um ato não previsto pelos Tratados, que requer o comum acordo de todos os Estados intervenientes. Acresce que o Conselho e alguns Governos admitiram, eles próprios, que as regras processuais da adoção da decisão intergovernamental não fazem parte do quadro jurídico dos Tratados.
77. Ora, esta fusão teve também como consequência que as bases jurídicas indicadas na decisão impugnada não determinaram, na realidade, a regra de votação necessária para a adoção do ato híbrido. Com efeito, enquanto essas bases jurídicas requerem a adoção de uma decisão por maioria qualificada, o ato híbrido, para ser adotado nesta forma, necessita do comum acordo devido à sua configuração como ato cujas duas partes materiais constituem uma unidade indissociável. Na minha opinião, isto teve necessariamente como consequência que o processo de votação por maioria qualificada foi esvaziado da sua substância e que a regra da maioria, elemento essencial do processo previsto no artigo 218.° TFUE, ficou comprometida nos termos da jurisprudência «Dióxido de titânio» (49) .
78. Resulta desta considerações que a adoção da decisão impugnada sob a forma de um ato híbrido não está em conformidade com o artigo 218.°, n. os 2, 5 e 8, TFUE nem com as exigências expressas na jurisprudência mencionada nos n. os 47, 51, 52 e 53 das presentes conclusões.
79. Quanto ao respeito das regras de votação, devo ainda salientar que não se trata aqui de pôr em dúvida as modalidades dos processos de votação no Conselho, cuja organização faz parte da sua esfera de autonomia. O objeto do presente processo não está relacionado com a legalidade do processo interno de votação simplificado e sem discussão, utilizado para a adoção da decisão impugnada e ao qual o Conselho fez menção na audiência. No entanto, neste caso, esse processo simplificado foi utilizado para a adoção de uma decisão que funde um ato adotado segundo um processo previsto nos Tratados e um ato alheio ao quadro jurídico da União, adotado segundo processos também eles alheios a esse quadro e cuja adoção necessita de uma regra de votação diferente da requerida para a adoção do ato da União.
80. Ora, creio que aceitar essa fusão pode constituir, apesar do eventual caráter consolidado (50) ou residual (51) da prática, um precedente perigoso de contaminação do processo de decisão autónomo das instituições da União suscetível portanto de prejudicar a autonomia da União enquanto ordem jurídica própria (52), quando, como resulta do n.° 53 das presentes conclusões, a jurisprudência do Tribunal de Justiça adota uma abordagem restritiva mesmo no que respeita à fusão dos processos internos da União e à cumulação de bases jurídicas (53) .
81. Além disso, não me parece procedente o argumento de que, neste caso, a regra de votação prevista no artigo 218.° TFUE não foi violada uma vez que a unanimidade inclui necessariamente a maioria qualificada. Antes de mais, como já acima realcei nos n. os 76 e 77, a decisão impugnada não foi adotada por unanimidade segundo um processo previsto pelos — e enquadrado nos — Tratados, mas sim segundo um processo e uma regra de votação que não se enquadram no âmbito dos Tratados. Aliás, esta constatação exclui que o Conselho pudesse recorrer ao artigo 293.°, n.° 1, TFUE como sustenta o Governo finlandês. Em seguida, como já foi acertadamente realçado pela advogada‑geral E. Sharpston, uma decisão à qual ninguém se opõe não equivale necessariamente a uma decisão com a qual uma maioria qualificada concorda, na medida em que pode ser necessário diluir o conteúdo de uma decisão cuja aprovação careça de maioria qualificada para que possa ser aprovada por unanimidade e sem qualquer oposição (54) .
82. Quanto à invocação do princípio da autonomia, resulta das considerações acima feitas no n.° 56 das presentes conclusões que este princípio não pode justificar uma derrogação dos processos previstos nos Tratados. Embora seja verdade que o Conselho é livre de organizar o seu funcionamento interno e as modalidades de adoção das suas decisões, não pode todavia recorrer a processos alternativos ou alterar as regras de votação previstas nos Tratados. Na realidade, à luz do exposto no n.° 57 das presentes conclusões, pergunto‑me mesmo se o princípio da autonomia das instituições não foi violado ao ser admitida a participação dos Estados‑Membros no processo decisório de uma instituição da União.
83. A adoção de uma decisão híbrida é todavia a consequência necessária da natureza mista dos acordos internacionais subjacentes? A adoção de uma decisão dessa natureza é necessária para garantir a representação unitária da União na cena internacional? Não estou convencido disso.
84. Em primeiro lugar, é verdade que a adoção de uma decisão comum constitui a forma de cooperação mais estreita entre a União e os seus Estados‑Membros e que, no caso da celebração de acordos mistos, o Tribunal de Justiça realçou especialmente a necessidade de uma cooperação estreita. Todavia, por um lado, como já foi observado com razão (55), o princípio da cooperação leal, do qual, como salientado no n.° 62 das presentes conclusões, decorre do dever de estreita cooperação, não pode ser invocado para justificar uma violação das regras de processo. Deste modo, a estreita cooperação entre a União e os seus Estados‑Membros no quadro dos acordos mistos dever ter lugar no respeito as regras consagradas nos Tratados.
85. A intervenção dos Estados‑Membros, enquanto tais, no processo da União não era necessária nem para a assinatura do acordo em nome da União nem para a sua aplicação provisória pela União. Assim, ao permitir a intervenção dos Estados‑Membros na decisão da União, o Conselho não serviu os interesses dos Estados‑Membros nos termos do artigo 13.°, n.° 1, TUE, como alegou na audiência, mas permitiu‑lhes intervir no exercício das prerrogativas da União, pondo em causa a capacidade de ação autónoma da União nas suas relações externas, em violação da jurisprudência acima mencionada no n.° 63 das presentes conclusões.
86. Com efeito, essa intervenção é suscetível de dar a entender que a União não tem competência para tomar sozinha a decisão de assinar e de aplicar provisoriamente acordos internacionais nos domínios em que exerce as suas próprias competências que lhe foram conferidas pelos Estados‑Membros. Esta abordagem, longe de reforçar a imagem internacional da União, é, na minha opinião, suscetível de a enfraquecer enquanto atora de pleno direito na cena internacional, ao afetar a sua personalidade internacional independente e autónoma.
87. Daqui decorre que, ao atuar desta forma, o Conselho, ultrapassou na minha opinião, os limites das suas atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados e atuou contrariamente aos objetivos por estes, em violação do artigo 13, n.° 2, TUE (56) .
88. Em segundo lugar, importa realçar que o próprio Conselho admitiu que há soluções alternativas à adoção de uma decisão híbrida, como, por exemplo, a adoção simultânea de duas decisões distintas, uma do Conselho e outra dos Representantes dos Estados‑Membros (57) . No entanto, o Conselho e os Estados‑Membros alegam que essa solução é claramente menos adequada porquanto é menos eficaz, uma vez que é suscetível de criar importantes problemas de natureza prática, designadamente em relação à delimitação das competências quando, como é normalmente o caso dos acordos no setor do transporte aéreo, o acordo constitui um todo indivisível de forma que as competências da União e as dos Estados‑Membros são indissociáveis.
89. Antes de mais, observo, a este respeito, que as razões de eficácia ou de conveniência não podem justificar a violação dos processos previstos pelos Tratados. O quadro processual para a negociação e celebração de acordos internacionais da União foi estabelecido pelo Tratado de Lisboa que, entre outras, acrescentou, enquanto regra geral, a regra da maioria qualificada. Os Estados‑Membros aprovaram e ratificaram este Tratado e estão vinculados por ele. Não podem, invocando pretensas razões de oportunidade ou de eficácia, eludir ou menosprezar regras que eles próprios aprovaram.
90. Ora, o problema jurídico que se coloca neste processo não está, do meu ponto de vista, relacionado com a circunstância de as duas decisões terem sido adotadas em coordenação e mesmo estarem contidas num ato formalmente único. No meu entendimento, o que levanta problema é a natureza híbrida da decisão impugnada qu e teve como consequência que o Conselho permitiu a inclusão de um elemento externo no processo de adoção de um ato próprio da União, que o desvirtuou e, além disso, participou na adoção de um ato que não se enquadra na sua competência, a saber, uma decisão que autoriza os Estados‑Membros a aplicarem provisoriamente os acordos em causa. Ora, na medida em que resulte claramente de uma decisão do Conselho adotada nos termos do artigo 218.° TFUE que os processos da União, nomeadamente os de votação, foram respeitados e que a União, tendo em conta as suas competências, adotou uma decisão que lhe é própria enquanto atora de pleno direito na cena internacional, não tenho nenhuma objeção a que essa decisão e uma decisão intergovernamental dos Estados‑Membros, adotadas em coordenação, estejam contidas num ato formalmente único.
91. Em seguida, no que diz respeito à questão da indissociabilidade das competências, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça salientou que neste tipo de caso o dever de estreita cooperação entre a União e os Estados‑Membros se impõe de maneira particularmente imperativa (58), o Conselho não explica, todavia, porque é que no caso de serem adotadas duas decisões coordenadas — a saber, uma do Conselho relativa à aplicação provisória do acordo misto pela União, na medida em que a União tenha competência, e a outra dos Representantes dos Estados‑Membros relativa à aplicação provisória do mesmo acordo misto, na medida em que as matérias reguladas por esse acordo sejam da sua competência — é necessário especificar sistematicamente quais as partes do acordo que são da competência da União e quais as que são da competência dos Estados‑Membros. Aliás, observo que essa especificação também não consta da decisão híbrida.
92. Por último, ao contrário do que sustenta o Conselho e alguns Governos, as decisões adotadas nos termos do artigo 218.°, n.° 5, TFUE, não têm um alcance exclusivamente interno. O facto de serem notificadas às partes contratantes e de serem publicadas no Jornal Oficial da União Europeia prova que essas decisões podem chegar ao conhecimento tanto das outras partes do acordo internacional como de terceiros em geral. Consequentemente, na medida em que, como realcei no n.° 86 acima, a adoção dessas decisões, enquanto decisões híbridas, é suscetível de dissimular a personalidade internacional independente da União, mesmo apesar de ser parte de pleno direito do acordo misto, essa adoção é também, na minha opinião, suscetível de levantar problemas de segurança jurídica nas relações entre as partes no acordo internacional.
g) Conclusão
93. Resulta de todas estas considerações que, ao adotar a decisão impugnada como decisão híbrida, o Conselho violou o artigo 218.°, n. os 2, 5 e 8 TFUE e excedeu as competências que lhe são conferidas pelos Tratados, violando, consequentemente, o artigo 13.°, n.° 2, TUE. Por conseguinte, considero que a decisão impugnada deve ser anulada.
C – Quanto à manutenção dos efeitos da decisão anulada no tempo
94. Em conformidade com a vontade das partes e para evitar qualquer repercussão negativa nas relações entre a União e os Estados terceiros partes nos acordos cuja assinatura e aplicação provisória já foram decididos na decisão impugnada, considero que há que aceder ao pedido das partes de que o Tribunal de Justiça use da possibilidade que lhe confere o artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, de manter os efeitos da decisão anulada no tempo até à adoção de uma nova decisão.
IV – Quanto às despesas
95. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho sido vencido e tendo a Comissão pedido a condenação deste último, há que condená‑lo nas despesas. Nos termos do artigo 140.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições intervenientes no litígio devem suportar as suas próprias despesas, as partes intervenientes no presente litígio suportarão as suas próprias despesas.
V – Conclusão
96. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida nos seguintes termos:
«1) É anulada a Decisão 2011/708/UE, do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União Europeia, reunidos no Conselho, de 16 de junho de 2011, relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, e relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro.
2) São mantidos os efeitos da Decisão 2011/708 até à adoção de uma nova decisão.
3) O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.
4) A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Parlamento Europeu suportarão as suas próprias despesas.»
(1) .
(2) — Decisão do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União Europeia, reunidos no Conselho, de 16 de junho de 2011, relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, e relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro (JO L 283, p. 1).
(3) — JO 2007 L 134, p. 4.
(4) — Protocolo de alteração do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em 25 e 30 de abril de 2007, assinado no Luxemburgo em 24 de junho de 2010 (JO 2010, L 223, p. 3).
(5) — Nos termos desta disposição «[o] Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer disposições adequadas para os transportes marítimos e aéreos. […]»
(6) — Nos termos desta disposição «[o] Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor».
(7) — Nos termos do artigo 218.°, n.° 8, primeiro parágrafo, TFUE «[a]o longo de todo o processo, o Conselho delibera por maioria qualificada.»
(8) — Acórdão Comissão/Conselho, C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.° 39 e jurisprudência aí referida.
(9) — V., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, EU:C:2014:2151, n. os 40 e 41.
(10) — V., neste sentido, Conselho/Comissão, C‑45/86, EU:C:1987:163, n.° 3. Em especial, o tratamento mais favorável aplicável às instituições da União encontra o seu fundamento no seu papel de proteção da ordem jurídica da União, de onde resulta que estas não podem ser portadoras de interesses distintos dos da própria União.
(11) — Nos termos do artigo 13.°, n.° 2, TUE «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem. As instituições mantêm entre si uma cooperação leal.»
(12) — A Comissão explica nos seus articulados que, dado que os dois acordos em questão respeitavam simplesmente à adesão da República da Islândia e do Reino da Noruega ao Acordo de Transporte Aéreo UE/Estados Unidos que já tinha sido celebrado sob a forma de um acordo misto, não tencionava contestar o caráter misto desses acordos, para evitar criar uma incerteza jurídica e política nas relações da União com os Estados Unidos da América.
(13) — Anteriormente, diversas disposições dos Tratados previam regras processuais diferentes relativas à negociação e à celebração de acordos internacionais, consoante esses acordos fossem celebrados no âmbito do primeiro pilar (artigo 300.° CE) ou no âmbito do segundo ou do terceiro pilares (respetivamente, artigos 24.° UE e 38.° UE).
(14) — Conforme o artigo 207.° TFUE ou o artigo 219.° TFUE.
(15) — V., por analogia, acórdão Comissão/Conselho (C‑27/04, EU:C:2004:436, n.° 81). Nos seus articulados, o Conselho contesta a aplicabilidade desse acórdão no presente processo na medida em que diz respeito a uma situação diferente, a saber um caso em que o Conselho não tinha adotado um ato determinado e num domínio diferente das relações internacionais. A este propósito, considero, todavia, que as afirmações de princípio feitas pelo Tribunal de Justiça nesse processo têm um alcance geral sempre que, como no caso do artigo 218.° TFUE, os Tratados prevejam disposições precisas sobre o processo a seguir em determinadas matérias.
(16) — Trata‑se, por um lado, do Acordo relativo à adesão da União à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, abordada no artigo 218.°, n.° 8, segundo parágrafo, TFUE e, por outro, da possibilidade de obter o parecer prévio do Tribunal de Justiça, ao abrigo no n.° 11 do mesmo artigo.
(17) — V. ainda, neste mesmo sentido, conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:224, n.° 174).
(18) — Neste mesmo sentido, ibidem (n.° 171).
(19) — Acórdão Comissão/Conselho, dito «CITES» (C‑370/07, EU:C:2009:590, n. os 39, 48 e 49).
(20) — V. acórdãos Reino‑Unido/Conselho (68/86, EU:C:1988:85, n.° 38) e Parlamento/Conselho (C‑133/06, EU:C:2008:257, n.° 54).
(21) — V. acórdão Parlamento/Conselho (EU:C:2008:257, n. os 55 e 56).
(22) — Ibidem (n.° 57) e acórdão Parlamento/Conselho (C‑70/88, EU:C:1990:217, n.° 22). V. também artigo 13.°, n.° 2, TUE.
(23) — Acórdãos Parlamento/Conselho (C‑164/97 e C‑165/97, EU:C:1999:99, n.° 14) e Comissão/Conselho (C‑338/01, EU:C:2004:253, n.° 57) e Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n. os 45 e segs. e jurisprudência aí referida).
(24) — Acórdão Comissão/Conselho, dito «Dióxido de titânio» (C‑300/89, EU:C:1991:244, v. especificamente n. os 17 a 21).
(25) — Especificamente, Diretiva 89/428/CEE do Conselho, de 21 de junho de 1989 que estabelece as regras de harmonização dos programas de redução, tendo em vista a sua eliminação, da poluição causada por resíduos provenientes da indústria do dióxido de titânio (JO L 201, p. 56).
(26) — Este artigo previa, para as ações em matéria ambiental, o voto por unanimidade do Conselho, após simples consulta do Parlamento.
(27) — Este artigo, que corresponde no essencial ao atual artigo 114.° TFUE, previa a aplicação do processo de cooperação com o Parlamento Europeu no âmbito do qual o Conselho decidia por maioria qualificada.
(28) — V. n. os 16 a 20 do referido acórdão. No n.° 21 desse acórdão, o Tribunal de Justiça também considerou que as prerrogativas do Parlamento tinham sido violadas. No entanto, conforme decorre dos acórdãos referidos na nota seguinte, a violação das prerrogativas do Parlamento não constitui na jurisprudência uma condição necessária para a constatação da incompatibilidade das bases jurídicas, sendo o caráter inconciliável das regras de votação uma condição suficiente para esse fim.
(29) — Noutros processos, o Tribunal de Justiça declarou que as duas bases jurídicas em questão eram incompatíveis na medida em que era requerida a unanimidade para adoção de um ato com fundamento numa, ao passo que a maioria qualificada bastava para que um ato pudesse ser validamente adotado com fundamento noutra. V. acórdãos Comissão/Conselho (EU:C:2004:253, n.° 58) e Parlamento/Conselho (EU:C:2012:472, n.° 48).
(30) — V., nomeadamente, em relação ao Parlamento, artigo 232.° TFUE, em relação ao Conselho Europeu, artigo 235.°, n.° 3, TFUE, em relação ao Conselho, artigo 240.°, n.° 3, TFUE, em relação à Comissão, artigo 249.°, n.° 1, TFUE.
(31) — O Tribunal de Justiça reconheceu o princípio da autonomia das instituições tendo em conta diferentes aspetos das suas atividades como, por exemplo, no que respeita à seleção dos seus funcionários e agentes (v., inter alia , acórdão AB, C‑288/04, EU:C:2005:526, n. os 26 e 30) ou no quadro da reparação de danos causados pelas suas instituições e pelos seus agentes no exercício das suas funções (v. acórdão Sayag, 9/69, EU:C:1969:37, n. os 5 e 6).
(32) — A este respeito, v. conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Betriebsrat der Vertretung der Europäischen Kommission in Österreich (C‑165/01, EU:C:2003:224, n.° 98) e no processo AB (C‑288/04, EU:C:2005:262 n.° 23).
(33) — V. regulamento interno do Conselho, anexo à Decisão 2009/93/UE do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, relativa à adoção do seu regulamento interno (JO L 325, p. 36), conforme alterada posteriormente.
(34) — V., neste sentido, acórdão Luxemburgo/Parlamento (230/81, EU:C:1983:32, n.° 38).
(35) — V. conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Betriebsrat der Vertretung der Europäischen Kommission in Österreich (EU:C:2003:224, n.° 98) e no processo AB (EU:C:2005:262 n.° 23).
(36) — V., a este respeito, acórdão Parlamento/Conselho (C‑65/93, EU:C:1995:91, n. os 27 e 28).
(37) — V., inter alia , parecer 2/91 (EU:C:1993:106, n.° 36), parecer 1/94 (EU:C:1994:384 n.° 108) e acórdão Comissão/Suécia (C‑246/07, EU:C:2010:203, n.° 73 e jurisprudência referida).
(38) — Acórdãos Comissão/Luxemburgo (C‑266/03, EU:C:2005:341, n.° 60) Comissão/Alemanha (C‑433/03, EU:C:2005:462, n.° 66), Comissão/Suécia (EU:C:2010:203, n.° 75).
(39) — V., neste sentido, acórdão Comissão/Suécia, EU:C:2010:203, n.° 73 e jurisprudência aí referida.
(40) — V., a este respeito, acórdãos Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n. os 173 e 174) e Comissão/Suécia (EU:C:2010:203, n. os 69 a 71 e 73 e jurisprudência aí referida).
(41) — V., a este propósito, Parecer 2/91 (EU:C:1993:106, n.° 38) e acórdão Comissão/Conselho (C‑25/94, EU:C:1996:114, n.° 48).
(42) — V., neste sentido, Decisão 1/78 (Colet.,1978‑2151, n.° 33), relativa ao artigo 192.° do Tratado CEEA, cujo texto corresponde, no essencial, ao artigo 4.°, n.° 3, terceiro parágrafo TUE.
(43) — Acórdão Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 101 e jurisprudência aí referida.
(44) — Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em Viena em 23 de maio de 1969 ( Recueil des traités des Nations Unies , volume 1155, p. 331), e Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, assinada em 21 de março de 1986 em Viena (A/CONF.129/15).
(45) — Com efeito, resulta do artigo 27.° das duas Convenções de Viena de 1969 e de 1986 que uma parte num Tratado não pode invocar as disposições do seu direito interno — ou, no caso de um organismo internacional, as regras da organização ‑ para justificar o incumprimento de um tratado. Todavia, esta norma não prejudica o disposto no artigo 46.° das duas Convenções (v. nota seguinte).
(46) — Nos termos do respetivo artigo 46.° de cada uma das Convenções de Viena de 1969 e de 1986, uma violação de uma disposição do direito interno relativa à competência para concluir tratados adquire importância apenas se houver violação manifesta da disposição em causa ou se disser respeito a uma norma de importância fundamental. V. também artigo 5.° das referidas Convenções.
(47) — V. respetivos artigos 26.° das Convenções de Viena de 1969 e de 1986.
(48) — O Tribunal de Justiça interpretou da mesma maneira uma decisão híbrida do Conselho e dos Representantes dos Estados‑Membros reunidos no Conselho, na sua análise da admissibilidade do recurso no acórdão Comissão/Conselho (EU:C:2014:2151, n.° 41).
(49) — O Conselho e alguns Governos intervenientes contestam a aplicabilidade da jurisprudência «Dióxido de titânio» ao caso concreto. A este propósito, considero que é verdade que o processo «Dióxido de titânio» e o presente processo diferem na medida em que o primeiro estava relacionado com a aplicação de duas bases jurídicas do direito da União, enquanto no presente processo não é necessária uma base jurídica de direito da União para a componente intergovernamental da decisão híbrida. No entanto, considero que os princípios jurisprudenciais expressos naquele acórdão (v. n.° 53 supra ) podem indubitavelmente ser aplicáveis por analogia, e por maioria de razão, num caso como o do presente processo que diz respeito à fusão não de dois processos internos da União mas de um processo da União com um processo estranho ao seu quadro legal.
(50) — A circunstância invocada pelo Conselho de que a adoção de decisões híbridas era uma prática consolidada, nomeadamente no setor do transporte aéreo, mesmo depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, não pode justificar nem influenciar a legalidade da decisão impugnada na medida em que, segundo jurisprudência constante, uma simples prática do Conselho não é suscetível de derrogar disposições do Tratado (v. parecer 1/08, EU:C:2009:739, n.° 172 e acórdão Comissão/Conselho, EU:C:2009:590, n.° 54 e jurisprudência aí referida).
(51) — O facto, referido na audiência, de a adoção de atos híbridos constituir uma prática que tem natureza quase residual utilizada, designadamente, no setor da aviação, quando não há, manifestamente, desacordo entre os sujeitos interveniente (Estados‑Membros e instituições) não constitui uma justificação para a adoção de uma prática ilegal. Além disso, resultou da discussão na audiência que a aplicação desta prática não estava necessariamente limita a este caso.
(52) — Quanto à autonomia da ordem jurídica da União, v. acórdão Costa/E.N.E.L. (6/64, EU:C:1964:66, p. 1158) e parecer 2/13 (EU:C:2014: 2454, n. os 174, 183 e 201 e jurisprudência aí referida).
(53) — A este propósito, importa observar que o Conselho, apoiado por diversos Estados‑Membros, sustenta que a combinação das diferentes regras de votação é frequente no Conselho e que o Tribunal de Justiça tinha admitido a combinação de diferentes regras de votação no Conselho. Este refere os acórdãos Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n. os 211 a 214) e Parlamento/Conselho (C‑166/07, EU:C:2009:499, n.° 69). Todavia, essa jurisprudência, que respeita exclusivamente à utilização do artigo do Tratado que corresponde ao atual artigo 352.° TFUE, não invalida de maneira nenhuma o princípio jurisprudencial exposto no n.° 53 das presentes conclusões, segundo o qual a cumulação de bases jurídicas fica excluída quando os processos aí previstos são incompatíveis. Ora, no presente caso, não se trata sequer da questão da compatibilidade entre duas bases jurídicas diferentes no quadro dos processos da União, mas sim da fusão entre um ato da União e um ato adotado totalmente fora dos processos da União, em aplicação de uma regra de votação diferente. Por conseguinte, o referido princípio jurisprudencial é, na minha opinião, aplicável, por maioria de razão, no presente caso.
(54) — Neste mesmo sentido, v. conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas no processo Comissão/Conselho (EU:C:2014:224, n.° 189).
(55) — Neste mesmo sentido, ibidem (n.° 195).
(56) — A este respeito, devo acrescentar que não estou convencido da possibilidade, preconizada pela Comissão, de configurar um dever de cooperação das instituições da União para com a União enquanto tal. Com efeito, as instituições da União fazem parte da União e, portanto, constituem a própria União. A configuração desse dever de cooperação parece‑me corresponder à afirmação de um dever de cooperar consigo própria. Em contrapartida, afigura‑se‑me, que os comportamentos que, segundo a Comissão, constituem uma violação do dever de cooperação do Conselho em relação à União podem ser melhor qualificados de violação do princípio de cooperação entre instituições e/ou de violação da obrigação de atuar no interesse da União, em conformidade com os objetivos previstos para esta, nos termos do artigo 13.°, n.° 2, TUE.
(57) — Não me parece necessário, para efeitos da decisão da presente causa, abordar a questão, contudo muito sensível, suscitada pela Comissão, relativa à possibilidade, neste caso, de garantir a aplicação provisória dos acordos em questão com uma decisão apenas do Conselho, não obstante o caráter misto dos acordos subjacentes. Com efeito, na minha opinião, esta questão não interfere com a legalidade da decisão impugnada. Todavia, deixa em aberto várias questões jurídicas que claramente surgiram na pendência do processo. O Conselho explicou nos seus articulados que nunca houve vontade política no seu seio de adotar uma decisão que autorizasse a União a exercer plenamente a sua competência potencial, e isso nem mesmo ao nível da aplicação provisória dos acordos. Tal opção, de caráter político, gera todavia inevitavelmente um certo grau de insegurança jurídica quanto à possibilidade de aplicar provisoriamente acordos internacionais nos Estados‑Membros onde a aplicação provisória dos tratados internacionais não é constitucionalmente admissível ou onde está sujeita à aplicação de regras de direito interno. Consciente da sensibilidade desta questão, que é suscetível de interferir com as prerrogativas dos parlamentos nacionais, pergunto‑me, todavia, se a solução considerada pela Comissão — que consiste em fazer garantir a aplicação provisória dos acordos pela União, na medida em que isso faz parte das suas competências — não será juridicamente preferível. Com efeito, a aplicação provisória «por via administrativa» dos referidos acordos, à qual o Conselho e diversos Estados‑Membros se referiram, que teria lugar nos Estados‑Membros onde a aplicação provisória dos acordos internacionais é problemática, parece pôr, em todo o caso, problemas de conformidade com as exigências constitucionais desses Estados‑Membros.
(58) — V. parecer 1/94 (EU:C:1994:384, n.° 109).
PAOLO MENGOZZI
apresentadas em 29 de janeiro de 2015 ( 1 )
Processo C‑28/12
Comissão Europeia
contra
Conselho da União Europeia
«Recurso de anulação — Artigo 218.o TFUE — Decisão relativa à assinatura e à aplicação provisória de acordos internacionais — Decisão híbrida do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros — Processo alternativo — Regras de votação — Obrigação de cooperação leal — Princípio da autonomia organizacional das instituições — Representação unitária da União»
1. |
Na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho da União Europeia e os Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União podem adotar em conjunto decisões (ditas «mistas» ou «híbridas») para tomarem as medidas necessárias no quadro das diferentes fases do processo de negociação e de celebração de acordos internacionais, conforme estabelece o artigo 218.o TFUE? No direito da União, designadamente no caso da negociação e da celebração de acordos mistos, é admissível a fusão entre, por um lado, um ato da União, como uma decisão do Conselho que, no domínio dos acordos internacionais, deve ser aprovada por maioria qualificada, e, por outro, um ato que tenha natureza intergovernamental que, por definição, deve ser aprovado por todos os Estados interessados? Neste contexto, que papéis desempenham a exigência de representação unitária da União no plano internacional, o dever conexo de cooperação estreita entre a União e os seus Estados‑Membros, a exigência de segurança jurídica no direito internacional para as partes contratantes dos acordos mistos celebrados com a União e os seus Estados‑Membros, bem como o princípio da autonomia das instituições da União? |
2. |
Estas são, no essencial, as questões com as quais o Tribunal de Justiça é confrontado no presente processo, no qual a Comissão Europeia pede a anulação da Decisão 2011/708/UE, adotada em 16 de junho de 2011 pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União Europeia, reunidos no Conselho ( 2 ) (a seguir «decisão impugnada»), relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória, pela União e os seus Estados‑Membros, de dois acordos internacionais no setor do transporte aéreo. |
3. |
Ainda que à primeira vista este processo possa parecer de natureza principalmente processual, o seu alcance ultrapassa na realidade as simples questões de processo. Com efeito, este processo respeita a questões sensíveis relacionadas com o exercício das competências externas da União. Na solução que terá de encontrar, o Tribunal de Justiça deverá, por conseguinte, fazer uma ponderação das diferentes exigências que estão em jogo no presente processo, tendo em conta a realidade do funcionamento prático tanto do processo de decisão como da ação externa da União. |
I – Antecedentes do litígio
4. |
Em 25 e 30 de abril de 2007, a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e os Estados Unidos da América, por outro, assinaram um acordo de transporte aéreo ( 3 ), alterado em seguida por um protocolo assinado no Luxemburgo em 24 de junho de 2010 ( 4 ) (a seguir «Acordo de Transporte Aéreo UE/Estados Unidos»). Este acordo tinha por objetivo designadamente favorecer o desenvolvimento do transporte aéreo internacional com a abertura dos mercados e com a maximização das vantagens para os consumidores, os transportadores aéreos, os trabalhadores e as populações dos dois lados do Oceano Atlântico. |
5. |
Uma vez que o acordo de transporte aéreo UE‑Estados Unidos previa a possibilidade de adesão de Estados terceiros, a República da Islândia e o Reino da Noruega apresentaram os respetivos pedidos de adesão em 2007. Assim, para efeitos de adesão destes dois Estados, foram negociados dois acordos internacionais. Por um lado, a União e os seus Estados‑Membros, os Estados Unidos da América, a República da Islândia e o Reino da Noruega negociaram um acordo de adesão que visa alargar o âmbito de aplicação do acordo de transporte aéreo UE‑Estados Unidos, mutatis mutandis, a cada uma das partes contratantes (JO 2011, L 283, p. 3, a seguir, «Acordo de Adesão»). Por outro lado, a União e os seus Estados‑Membros, a Islândia e o Reino da Noruega negociaram o Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro (JO 2011, L 283, p. 16, a seguir, «Acordo Adicional»). Esse acordo visa garantir a manutenção da bilateralidade do referido acordo de transporte aéreo UE‑Estados Unidos. |
6. |
Em 2 de maio de 2011, a Comissão adotou uma proposta de decisão do Conselho COM(2011) 239 final, relativa à assinatura e à aplicação provisória do Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro. Essa proposta previa uma decisão unicamente do Conselho e baseava‑se no artigo 100.o, n.o 2, TFUE ( 5 ), conjugado com o artigo 218.o, n.o 5, TFUE ( 6 ). |
7. |
Afastando‑se da referida proposta, o Conselho adotou a decisão impugnada sob a forma de uma decisão híbrida, isto é, de uma decisão aprovada simultaneamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho. A decisão impugnada baseava‑se no artigo 100.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o artigo 218.o, n.os 5 e 8, TFUE ( 7 ). |
8. |
Nos termos do artigo 1.o da decisão impugnada «[é] autorizada, em nome da União, a assinatura do [Acordo de Adesão] e do Acordo Adicional [...], sob reserva da celebração dos referidos Acordos.» |
9. |
O artigo 2.o desta decisão enuncia que «[o] Presidente do Conselho fica autorizado a designar a(s) pessoa(s) com poderes para assinar o Acordo de Adesão e o Acordo Adicional, em nome da União.» |
10. |
O artigo 3.o da mesma decisão enuncia que «[o] Acordo de Adesão e o Acordo Adicional são aplicados a título provisório a partir da data da sua assinatura pela União e, na medida em que a legislação nacional aplicável o permita, pelos seus Estados‑Membros e as outras Partes, enquanto se aguarda a conclusão das formalidades necessárias à celebração dos referidos Acordos.» |
11. |
O Acordo de Adesão e o Acordo Adicional foram assinados no Luxemburgo e em Oslo, em 16 e 21 de junho de 2011. |
II – Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça
12. |
A Comissão pede que o Tribunal de Justiça anule a decisão, com manutenção dos efeitos da referida decisão, e condene o Conselho nas despesas. |
13. |
O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso inadmissível ou improcedente; a título subsidiário, se e na medida em que o Tribunal de Justiça anule a decisão impugnada, declare que os efeitos desta decisão são definitivos e condene a Comissão nas despesas. |
14. |
Por despacho de 18 de junho de 2012, o Presidente do Tribunal de Justiça admitiu as intervenções do Parlamento Europeu em apoio dos pedidos da Comissão, da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, da República Helénica, da República Francesa, da República Italiana, do Reino dos Países Baixos, da República da Polónia, da República Portuguesa, da República da Finlândia, do Reino da Suécia e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos do Conselho. |
15. |
O Tribunal de Justiça realizou a audiência em 11 de novembro de 2014. |
III – Análise
16. |
Com o seu recurso, a Comissão contesta a decisão impugnada na totalidade, com base em três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a uma violação do processo e das condições relativas à autorização da assinatura e da aplicação provisória dos acordos internacionais pela União. O segundo fundamento respeita a uma violação das regras de votação no Conselho e o terceiro fundamento é relativo a uma violação dos objetivos definidos nos Tratados e ao desrespeito do princípio da cooperação leal. Antes de analisar estes três fundamentos, importa todavia analisar a exceção de inadmissibilidade deduzida pelo Conselho. |
A – Quanto à admissibilidade
17. |
O Conselho invoca três causas de inadmissibilidade do recurso da Comissão. Em primeiro lugar, o recurso é inadmissível porque devia ter sido interposto contra os Estados‑Membros e não contra o Conselho. Com efeito, a Comissão contesta a participação dos Estados‑Membros na decisão impugnada e não uma ação censurável imputável ao Conselho. Em segundo lugar, o Conselho sustenta que o recurso é inadmissível pelo facto de respeitar a uma decisão dos Estados‑Membros a qual está fora do âmbito de aplicação do artigo 263.o TFUE e, assim, não pode ser objeto de fiscalização jurisdicional pelo Tribunal de Justiça. Em terceiro lugar, segundo o Conselho, a Comissão não tem interesse em agir, uma vez que a anulação pedida não tem nenhuma consequência jurídica. |
18. |
Em relação aos primeiro e segundo argumentos apresentados pelo Conselho, importa antes de mais recordar que pode ser interposto recurso de anulação de todas as medidas adotadas pelas instituições, quaisquer que sejam a sua natureza ou forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos ( 8 ). |
19. |
Ora, neste caso, o recurso da Comissão diz respeito a um ato adotado conjuntamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Estados‑Membros, com base nomeadamente no artigo 218.o, n.os 5 e 8, TFUE. Conforme resulta dos n.os 8 a 10 das presentes conclusões, este ato autoriza tanto a assinatura e a aplicação provisória dos acordos internacionais em questão no que respeita à União como a aplicação provisória dos referidos acordos pelos Estados‑Membros, na medida permitida pela legislação nacional aplicável. |
20. |
Daqui resulta, por um lado, que o Conselho participou na aprovação da decisão impugnada e que, por conseguinte, se trata efetivamente de uma disposição aprovada por esta instituição e, por outro, a decisão impugnada constitui um ato que produz efeitos jurídicos e que, enquanto tal, é suscetível de fiscalização jurisdicional ( 9 ). Os primeiro e segundo argumentos do Conselho devem assim ser julgados improcedentes. |
21. |
Em relação ao terceiro argumento do Conselho, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 263.o, n.o 2, TFUE confere às instituições nele mencionadas e a todos os Estados‑Membros o direito de impugnarem, em recurso de anulação, a legalidade de qualquer ato do Conselho que produza efeitos jurídicos, sem que o exercício desse direito seja condicionado pela demonstração do interesse em agir ( 10 ). Consequentemente, a Comissão não tem que provar nenhum interesse em agir para interpor o presente recurso. Assim, uma vez que o terceiro argumento do Conselho deve ser também julgado improcedente, o recurso é, na minha opinião, admissível quanto à decisão impugnada no seu todo. |
B – Quanto ao mérito
1. Argumentação das partes
a) Quanto ao primeiro fundamento, respeitante a uma violação do processo e das condições relativas à autorização da assinatura e da aplicação provisória dos acordos internacionais pela União
22. |
A Comissão, apoiada pelo Parlamento, alega que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho violou o artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TUE ( 11 ), conjugado com o artigo 218.o, n.os 2 e 5, TFUE. Nos termos desta última disposição, o Conselho é a única instituição com competência para autorizar a assinatura e a aplicação provisória de um acordo internacional pela União. Por conseguinte, a decisão impugnada devia ter sido adotada apenas pelo Conselho, sem a participação dos Estados‑Membros reunidos no Conselho. |
23. |
Ao fazer os Estados‑Membros participarem no processo decisório, decidindo coletivamente no Conselho, este derrogou unilateralmente o processo previsto pelo artigo 218.o TFUE, quando resulta da jurisprudência que não se pode afastar regras estabelecidas pelos Tratados e recorrer a processos alternativos para a adoção dos atos da União. Nestas condições, o Conselho também incumpriu a sua obrigação de exercer as suas competências nos limites definidos pelos procedimentos e nas condições previstos pelos Tratados na aceção do artigo 13.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TUE. |
24. |
Em especial, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os procedimentos da União devem distinguir‑se claramente dos domínios nos quais os Estados‑Membros mantêm a possibilidade de exercerem as suas competências. Deste modo, não é possível operar uma fusão entre um ato intergovernamental e um ato da União. A prática anterior que consistia em recorrer a atos híbridos, designadamente no setor da aviação, desvirtua atualmente os procedimentos da União e não pode ser admitida. |
25. |
A natureza mista de um acordo internacional, celebrado pela União e cada um dos Estados‑Membros não implica necessariamente que a decisão do Conselho relativa à sua assinatura e à sua aplicação provisória, adotada ao abrigo do artigo 218.o TFUE, possa ser alterada para se fundir com uma decisão intergovernamental dos Estados‑Membros. Essa inclusão no processo decisório do Conselho não é necessária nem para a assinatura do acordo nem para a sua aplicação provisória. |
26. |
O Conselho, apoiado por todos os Governos intervenientes, considera, pelo contrário, que a adoção da decisão impugnada sob a forma de decisão híbrida não infringe nenhuma disposição dos Tratados. |
27. |
Antes de mais, o Conselho não derrogou as disposições do artigo 218.o, n.os 2 e 5, TFUE, nem recorreu a um processo alternativo. Com efeito, os Representantes dos Estados‑Membros reunidos no Conselho adotaram duas decisões distintas que estão contidas na decisão impugnada. Por um lado, em conformidade com o artigo 218.o TFUE, na sua qualidade de membros do Conselho, autorizaram a assinatura e a aplicação provisória dos acordos em questão pela União. Por outro, na qualidade de Representantes dos Estados‑Membros, autorizaram a aplicação provisória desses acordos pelos Estados‑Membros na medida permitida pela legislação nacional aplicável. Esta última parte da decisão impugnada foi adotada com fundamento em procedimentos que não estão previstos nos Tratados. Por conseguinte, os Estados‑Membros não participaram no processo previsto no artigo 218.o, n.os 2 e 5, TFUE. |
28. |
Em seguida, segundo o Conselho, atendendo a que os acordos em causa são acordos mistos, a adoção de uma decisão híbrida, da qual os Estados‑Membros são coautores, é totalmente coerente com a natureza mista dos acordos subjacentes e com o facto de os Estados‑Membros exercerem, em certos aspetos, as suas próprias competências. Constitui uma consequência admissível da celebração de acordos mistos que se inscreve numa simetria jurídica com estes. |
29. |
A escolha do instrumento da decisão híbrida é, na realidade, a expressão do dever de cooperação estreita entre a União e os Estados‑Membros e da exigência de uma representação unitária da União tal como exigido pela jurisprudência. Este tipo de decisões constitui a melhor forma de assegurar essa unidade na representação internacional e de garantir uma abordagem comum e coordenada da União e dos seus Estados‑Membros. Isto é ainda mais verdade quando, como é o caso dos acordos em questão, as cláusulas do acordo internacional que são da competência da União estão intrinsecamente ligadas às cláusulas que são da competência dos Estados‑Membros e quando essas cláusulas são, por conseguinte, indissociáveis. A tese da Comissão segundo a qual as decisões da União devem constar de um instrumento diferente do das decisões intergovernamentais ameaça a cooperação entre os Estados‑Membros e a União e prejudica a eficácia do quadro institucional para a celebração de acordos internacionais. |
30. |
Além disso, por força do princípio da autonomia das instituições, o Conselho e os Estados‑Membros são livres de determinar a forma exata da organização dos seus trabalhos. A circunstância de essa autorização ser comunicada numa decisão única não prejudica minimamente a integridade do processo imposta pelo artigo 218.o, n.o 5, TFUE. Em todo o caso, a adoção de uma decisão híbrida leva, na prática, ao mesmo resultado que a adoção de duas decisões, uma pelo Conselho e outra pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho, ou que a adoção de uma única decisão do Conselho. Por fim, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa não teve incidência na legalidade das decisões híbridas nem proibiu a sua adoção. Pelo contrário, a adoção de decisões mistas constitui uma prática consolidada, designadamente no setor do transporte aéreo, mesmo depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. |
b) Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação das regras de votação no Conselho
31. |
Com o seu segundo fundamento, a Comissão, apoiada pelo Parlamento, alega que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho infringiu o artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE, conjugado com a base jurídica material para a adoção de medidas no domínio do transporte aéreo, a saber, o artigo 100.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, enquanto uma decisão nos termos destas disposições deve ser adotada pelo Conselho por maioria qualificada, um ato intergovernamental adotado coletivamente pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros deve, em contrapartida, pela sua própria natureza, ser adotado de comum acordo por todos os Estados‑Membros. Ora, a fusão desses atos numa única decisão e a sua subordinação ao comum acordo torna, em concreto, impossível a aplicação da votação por maioria qualificada e torna, de facto, inoperante a instauração dessa votação pelo Tratado de Lisboa enquanto regra geral para o processo de negociação e de celebração de acordos internacionais pela União. Tal fusão esvaziaria assim da própria substância o processo previsto no artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE e comprometeria, de uma forma geral, a eficácia dos procedimentos da União. Além disso, a fusão entre esses dois atos teria a consequência de a base jurídica indicada na decisão híbrida não determinar, na realidade, o procedimento de votação no Conselho, o qual seria implícita mas inevitavelmente substituído devido à sua composição intergovernamental. |
32. |
O Parlamento acrescenta que a fusão entre estes dois tipos de atos implica também uma violação do equilíbrio institucional no processo aplicável à celebração de acordos internacionais pela União, em violação do artigo 218.o, n.os 6 e 10, TFUE. |
33. |
O Conselho, apoiado pelos Governos intervenientes, considera ter cumprido as regras de votação enunciadas nos Tratados. Com efeito, segundo o Conselho, a decisão impugnada foi adotada por maioria qualificada dos votos no Conselho, quando estavam em causa competências exclusivas da União, e por comum acordo dos Representantes do Estados‑Membros, quando se tratava de competências dos Estados‑Membros. Por conseguinte, não é certo dizer que foi adotada por unanimidade ou que a regra da maioria qualificada foi alterada. O facto de nenhuma delegação no Conselho se ter oposto à decisão impugnada não pode significar que a votação por maioria qualificada não foi seguida. Em todo o caso, qualquer decisão adotada por unanimidade comporta, com efeito, necessariamente, uma maioria qualificada. De resto, o facto de se ter alcançado o consenso dos Estados‑Membros não compromete a eficácia da ação da União nem dos seus processos. |
34. |
O Conselho e alguns Governos também alegaram que, em matéria de acordos internacionais, a cumulação de diversas regras de votação é uma prática corrente conforme com a jurisprudência. Além disso, segundo o Governo finlandês, o modo de votação escolhido pelo Conselho baseia‑se no artigo 293.o, n.o 1, TFUE, nos termos do qual o Conselho, quando delibere sob proposta da Comissão, só a pode alterar por unanimidade. Neste caso, como o Conselho alterou a proposta da Comissão relativamente ao artigo 3.o da decisão impugnada, devia, em todo o caso, proceder à votação por unanimidade. |
c) Quanto ao terceiro fundamento relativo a uma violação dos objetivos definidos no Tratado e do princípio da cooperação leal
35. |
A Comissão, apoiada pelo Parlamento, censura o Conselho por ter infringido os objetivos dos Tratados e o princípio da cooperação leal enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE. Ao permitir que os Estados‑Membros intervenham nos processos da União, o Conselho, antes de mais, «semeou a confusão» sobre a autonomia da União nas suas relações internacionais. A mensagem enviada pelo Conselho para a cena internacional é que a União não tem competência para, por si própria, tomar uma decisão. Em seguida, ao agir desta forma, o Conselho não respeitou o princípio da cooperação leal na medida em que devia exercer os seus poderes de forma a não contornar os procedimentos da União previstos no artigo 218.o TFUE. O Conselho violou este princípio tanto nas relações institucionais como em relação à União no seu todo. Por último, o Conselho fragilizou o quadro institucional da União ao dar aos Estados‑Membros uma competência no seio da União que não está prevista nos Tratados, nomeadamente, no artigo 218.o TFUE, correndo assim o risco de fazer prevalecer os interesses dos Estados‑Membros sobre os da União. |
36. |
O Conselho, apoiado pelos Governos intervenientes, considera que a decisão impugnada não gerou a menor confusão em terceiros ou na comunidade internacional. No contexto de acordos mistos, a situação seria, pelo contrário, fonte de confusão para terceiros se estes apenas dispusessem da decisão do Conselho, sem uma decisão que associasse os Estados‑Membros. Aliás, a decisão impugnada é não só conforme com o objetivo de unidade de representação internacional da União mas também o garante, promove e reforça, ao pôr claramente em evidência a posição comum da União e dos seus Estados‑Membros. A adoção desta decisão é a expressão do dever de cooperação estreita e de abordagem comum da União e dos Estados‑Membros. Pelo contrário, a adoção de uma decisão no Conselho sem os Estados‑Membros poderia dar para o exterior a imagem de uma União desunida e a via de um processo intergovernamental paralelo apresentaria riscos de divergência entre os Estados‑Membros e atrasos. Consequentemente, tal processo seria menos favorável face aos objetivos prosseguidos pelo Tratado. Em todo o caso, uma decisão híbrida constitui um ato interno da União que não se destina a chegar ao conhecimento de Estados terceiros e, mesmo que chegue, é pouco provável que seja dada alguma importância à determinação dos seus autores. |
2. Análise
37. |
Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule a decisão impugnada, relativa, por um lado, à assinatura pela União e, por outro, à aplicação provisória do Acordo de Adesão e do Acordo Adicional pela União e pelos seus Estados‑Membros, por essa decisão ter sido adotada conjuntamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Estados‑Membros enquanto ato híbrido que funde um ato da União e um ato intergovernamental. |
38. |
Há que observar, a título preliminar, que a Comissão afirmou expressamente que, com o seu recurso, não pretende contestar a natureza mista dos dois acordos internacionais em questão ( 12 ). Por conseguinte, o âmbito do recurso neste processo está limitado apenas à questão da legalidade da adoção da decisão impugnada enquanto decisão híbrida. |
39. |
Em seguida, saliento também, a título preliminar, que, embora a decisão impugnada constitua, de um ponto de vista formal, um ato único, contém na realidade duas decisões distintas do ponto de vista material, a saber, por um lado, uma decisão do Conselho, relativa à assinatura e à aplicação provisória dos acordos em questão pela União, e, por outro, um ato intergovernamental dos Representantes dos Estados‑Membros, relativo à aplicação provisória dos referidos acordos por estes últimos. É precisamente a questão da legalidade da adoção conjunta destes dois atos diferentes e da sua fusão num único ato que é objeto da contestação da Comissão. |
40. |
Os três fundamentos apresentados pela Comissão no seu recurso, que se referem a esta questão sob diferentes ângulos, sobrepõem‑se, na minha opinião, em vários aspetos. Com efeito, este recurso suscita, no essencial, dois tipos de problemas. Por um lado, numa vertente que se poderia definir de interna, o presente processo tem por objeto a aplicação das disposições relativas aos processos e às regras de votação para a adoção dos atos da União em matéria de negociação e de celebração de acordos internacionais no quadro processual estabelecido no artigo 218.o TFUE. Neste contexto, coloca‑se também a questão do alcance da autonomia organizacional e funcional das instituições da União. Por outro lado, na sua vertente externa, o presente processo abrange também exigências relativas ao desenvolvimento concreto da ação externa da União. Suscita de facto questões que respeitam, designadamente, à exigência de representação unitária da União na cena internacional e ao dever conexo de cooperação estreita entre a União e os Estados‑Membros no quadro do processo de negociação e de celebração de acordos mistos. Também diz respeito às obrigações de direito internacional que decorrem da ação externa da União para com as outras partes contratantes. |
41. |
Por conseguinte, a solução para os problemas jurídicos levantados pelo presente processo não se pode limitar à consideração das questões processuais internas, mas deve também ter em conta o impacto que essas questões têm na ação externa da União. Consequentemente, isso faz com que seja necessário proceder a uma avaliação que pondere os diferentes princípios e exigências práticas que estão em causa no presente processo. Nestas condições, considero apropriado analisar os três fundamentos em conjunto, partindo de uma apresentação geral das questões levantadas no presente processo, para depois analisar as alegações apresentadas pela Comissão no seu recurso à luz dos princípios consagrados na jurisprudência. |
a) Quanto ao quadro processual da negociação e celebração de acordos internacionais pela União previsto no artigo 218.o TFUE
42. |
No que respeita à sua vertente interna, o presente processo levanta, antes de mais, uma questão que respeita à conformidade do processo seguido para a adoção da decisão impugnada com as disposições do artigo 218.o TFUE. |
43. |
Resulta do artigo 218.o, n.o 1, TFUE que este artigo visa regular o processo de negociação e de celebração de acordos entre a União e países terceiros ou organizações internacionais. Este artigo, que integra o título V, com a epígrafe «Acordos internacionais», da parte V do Tratado FUE, por sua vez com a epígrafe «Ação externa da União», constitui uma disposição de caráter geral que tem por objetivo criar um processo único e unificado para a negociação e celebração dos referidos acordos pela União. Esta disposição é a expressão, por um lado, da nova estrutura da União na sequência do desaparecimento formal dos pilares com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa ( 13 ) e, por outro, da nova dimensão reforçada da ação externa da União refletida pela introdução dos artigos 21.° TUE e 22.° TUE e da quinta parte do TFUE. |
44. |
Por conseguinte, o processo previsto no artigo 218.o TFUE destina‑se a ser aplicado a todos os acordos negociados e celebrados pela União, independentemente da sua natureza e do seu conteúdo, com exceção das situações expressamente previstas por disposições especiais dos Tratados ( 14 ). Inclusivamente, esta disposição aplica‑se aos acordos celebrados no âmbito da política externa e de segurança comum. Em especial, não há nada que indique que este artigo não seja aplicável no caso de o acordo internacional ser celebrado sob a forma de acordo misto. |
45. |
Dado que o processo que leva à celebração de um acordo internacional é um processo por etapas, o artigo 218.o TFUE define as regras de desenvolvimento dessas diferentes etapas, bem como o papel e as competências respetivas das diferentes instituições que participam na negociação e na celebração dos acordos internacionais pela União. |
46. |
Mais concretamente, no que diz respeito às disposições pertinentes para o presente processo, decorre do artigo 218.o, n.o 2, TFUE que o Conselho é a instituição competente para autorizar a abertura de negociações, definir as diretrizes de negociação, autorizar a assinatura e celebrar os acordos pela União. Assim, nos termos do n.o 5 do referido artigo, é o Conselho que, sob proposta do negociador, adota a decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor. O n.o 6 desse artigo, por um lado, prevê que o Conselho, sob proposta do negociador, adota a decisão de celebração do acordo e, por outro, confere ao Parlamento um poder de aprovação ou de mera consulta, consoante o objeto do acordo que deve ser celebrado. O artigo 218.o, n.o 8, TFUE consagra a regra geral segundo a qual ao longo de todo o processo, o Conselho delibera por maioria qualificada, salvo no âmbito das exceções previstas no segundo parágrafo dessa disposição. |
47. |
Resulta do contexto em que o artigo 218.o TFUE se inscreve, bem como da sua letra e da sua sistemática ‑ e, designadamente, do seu objetivo que visa instaurar um sistema e regras processuais de caráter geral para a negociação e celebração de acordos internacionais pela União ‑ que, salvo no caso das exceções expressamente previstas pelos próprios Tratados, o Conselho não se pode afastar dos processos aí previstos, recorrendo a processos alternativos ou diferentes dos previstos no referido artigo nas diferentes fases que compõem o processo de negociação e de celebração dos acordos internacionais. O Conselho não pode, designadamente, adotar atos que não constituam uma das decisões previstas numa determinada fase do referido processo ou que seja adotada em condições diferentes das exigidas pelo próprio artigo 218.o TFUE ( 15 ). A obrigação de o Conselho seguir os procedimentos impostos pelos Tratados tem também origem no artigo 13.o, n.o 2, TUE nos termos do qual cada instituição deve atuar de acordo com os procedimentos, condições e finalidades estabelecidos pelos Tratados. |
48. |
A este propósito, importa ainda salientar que, salvo em relação a duas questões específicas ( 16 ), o artigo 218.o não prevê, em nenhum momento, a intervenção dos Estados‑Membros no processo de negociação ou de celebração de acordos internacionais pela União ( 17 ). Por conseguinte, não é suposto que os Estados‑Membros, enquanto tais, desempenhem algum papel no âmbito do processo na aceção do artigo 218.o TFUE, o qual é um processo próprio da União. |
49. |
Ora, esta constatação não é posta em causa pelo facto de o artigo 218.o TFUE não ser aplicável apenas aos acordos exclusivos da União, mas também aos acordos mistos. Com efeito, no caso dos acordos mistos, o artigo 218.o TFUE aplica‑se exclusivamente à participação da União no acordo misto e não à dos Estados‑Membros. A participação destes últimos nos acordos mistos será disciplinada, no que respeita à vertente interna da sua participação, por cada direito nacional, e, no que respeita à vertente externa da sua participação, pelo direito internacional público ( 18 ). |
b) Quanto à base jurídica e às regras de votação
50. |
A adoção da decisão impugnada enquanto decisão híbrida que funde um ato da União e um ato intergovernamental suscita, em seguida, questões em relação, por um lado, à base jurídica utilizada e, por outro, ao respeito das regras de votação previstas pelos Tratados. |
51. |
A este propósito, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o imperativo de segurança jurídica requer que qualquer ato que vise produzir efeitos jurídicos adquira a sua força vinculativa de uma disposição de direito da União, que deve expressamente ser referida como base legal e que prescreva a forma jurídica de que o ato se deve revestir. Em primeiro lugar, esta indicação é necessária para determinar as modalidades de voto no Conselho, em segundo lugar reveste uma importância especial para preservar as prerrogativas das instituições intervenientes no âmbito do processo de adoção de um ato e, em terceiro lugar, fixa a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, evitando provocar uma confusão quanto à natureza da competência da União e prejudicá‑la na defesa da sua posição nas negociações internacionais ( 19 ). |
52. |
Além disso, importa também sublinhar que o Tribunal de Justiça afirmou, reiteradamente, que as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão na disponibilidade dos Estados‑Membros ou das próprias instituições ( 20 )., Apenas os Tratados podem, em casos especiais, autorizar uma instituição a alterar um processo decisório neles previsto. De resto, reconhecer a uma instituição a possibilidade de afastar um processo decisório conforme previsto pelos Tratados e adotar um processo alternativo equivaleria, por um lado, a atribuir‑lhe o poder de derrogar unilateralmente as regras previstas pelo Tratado, o que não é certamente admissível ( 21 ), e, por outro lado, permitir‑lhe violar o princípio do equilíbrio institucional, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras ( 22 ). |
53. |
A este propósito, importa ainda salientar que o Tribunal de Justiça adotou uma abordagem bastante desconfiada relativamente à fusão de processos diferentes para a adoção de atos da União. Assim, em relação ao recurso a uma dupla base jurídica, é jurisprudência constante que o cúmulo de duas bases jurídicas está excluído quando os procedimentos previstos para uma e para outra dessas bases sejam incompatíveis ( 23 ). Este era justamente o caso do processo «Dióxido de titânio» ( 24 ) cuja aplicabilidade ao presente processo foi objeto de um longo debate entre as partes. Nesse processo, o Conselho tinha adotado uma diretiva ( 25 ) por unanimidade com base no artigo 130.oS do Tratado CEE ( 26 ), ao passo que a Comissão alegava no seu recurso de anulação que essa diretiva deveria ter sido adotada com fundamento no artigo 100.oA do Tratado CEE que previa que o Conselho decidia por maioria qualificada ( 27 ). O Tribunal de Justiça concluiu que, em caso de cumulação de bases jurídicas, o Conselho estava, em todo o caso, obrigado a votar por unanimidade, o que comprometia um elemento essencial do processo de cooperação, a saber, a votação por maioria qualificada privando assim este processo da própria essência ( 28 ) ( 29 ). |
c) Quanto ao princípio da autonomia das instituições
54. |
O Conselho e alguns Estados‑Membros alegaram que a adoção de decisões híbridas é a expressão do princípio da autonomia das instituições da União que permite ao Conselho escolher a forma para conceder as autorizações necessárias no processo de negociação e de celebração de acordos internacionais. |
55. |
Com efeito, no âmbito das suas competências, as instituições da União têm o poder de organizar livremente as suas modalidades de funcionamento. Esse poder é a expressão do princípio da autonomia das instituições, que tem origem nas disposições dos Tratados que atribuem às referidas instituições competência para adotarem elas próprias os seus regulamentos internos com vista a assegurar o seu próprio funcionamento e o dos seus serviços ( 30 ). Este princípio, que o Tribunal de Justiça reconheceu reiteradamente ( 31 ), é o corolário da própria missão atribuída às instituições de agir no interesse da União e constitui uma condição essencial ao seu bom funcionamento ( 32 ). O Conselho adotou assim o seu próprio regulamento interno que estabelece as regras do seu funcionamento e da sua organização ( 33 ). |
56. |
Todavia, o princípio da autonomia das instituições não é ilimitado. Nos termos do artigo 13.o, n.o 2, TUE, esta autonomia deve ser exercida «dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados» e «de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem». Por conseguinte, embora cada instituição esteja autorizada, por força do poder de organização interna que lhe atribuem as disposições pertinentes dos Tratados, a adotar as medidas apropriadas para assegurar o seu bom funcionamento e o andamento dos seus processos ( 34 ), essas medidas ou a sua aplicação não podem derrogar os processos previstos nos Tratados. Além disso, o poder de organização interna não pode afetar o equilíbrio institucional ou a repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros. |
57. |
Por outro lado, o princípio da autonomia das instituições constitui uma limitação relativamente aos Estados‑Membros. Com efeito, este princípio implica que o funcionamento interno e organizacional das instituições deve ser totalmente independente dos Estados‑Membros ( 35 ), os quais devem abster‑se de interferir na autodeterminação da organização, dos processos e das funções das instituições da União, dentro dos limites estabelecidos pelos Tratados. Este dever de não ingerência dos Estados‑Membros é, de resto, a expressão do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE. |
d) Quanto à exigência de unidade de representação internacional da União e quanto ao princípio de cooperação leal
58. |
No que se refere à sua vertente externa, o presente processo levanta, antes de mais, questões relacionadas com a representação da União na cena internacional e com a configuração das relações entre a União e os seus Estados‑Membros a esse respeito. |
59. |
As posições das partes a este propósito são totalmente opostas. Com efeito, a Comissão considera que a adoção de decisões híbridas é suscetível de «semear a confusão» sobre a autonomia da União nas relações internacionais, ao passo que o Conselho considera que as decisões híbridas constituem a expressão máxima da cooperação entre a União e os Estados‑Membros. |
60. |
A este respeito, importa recordar antes de mais que os Tratados preveem explicitamente um dever de cooperação leal recíproca entre a União e os seus Estados‑Membros (artigo 4.o, n.o 3, TUE), bem como entre as instituições da União (artigo 13.o, n.o 2, segundo período TUE) ( 36 ). Em especial, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE, os Estados‑Membros têm a obrigação de facilitar à União o cumprimento da sua missão e de se absterem de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos desta. |
61. |
Em seguida, importa também salientar que, quando teve que se debruçar sobre questões relativas à ação externa da União, o Tribunal de Justiça pôs reiteradamente em evidência a exigência de a União ser representada de forma unitária na cena internacional ( 37 ), bem como a necessidade de garantir a unidade e a coerência da ação e da representação da União nas relações externas ( 38 ). |
62. |
Essas exigências tornam‑se tanto mais prementes quando a matéria de um acordo ou Convenção é em parte da competência da Comunidade e em parte da competência dos Estados‑Membros e os acordos são celebrados como acordos mistos, como no caso do Acordo de Adesão e do Acordo Adicional. Nestes casos, a jurisprudência insistiu especialmente no facto de que as referidas exigências de representação unitária da União e de garantia de unidade e de coerência nas relações externas da União impõem que seja assegurada uma cooperação estreita entre os Estados‑Membros e as instituições da União, tanto no processo de negociação e conclusão como na execução dos compromissos assumidos ( 39 ). Há, por conseguinte, uma relação estreita entre a exigência de representação unitária da União na cena internacional e o dever de cooperação leal recíproca existente entre a União e os Estados‑Membros ( 40 ). |
63. |
Neste contexto, o Tribunal de Justiça reconheceu, por um lado, que compete às instituições e aos Estados‑Membros tomarem todas as medidas necessárias para, da melhor forma possível, assegurar essa cooperação ( 41 ). Por outro lado, reconheceu que decorre da obrigação de cooperação leal, conforme prevista no artigo 4.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE, que os Estados‑Membros não devem intervir no exercício destas prerrogativas da União, cabendo este direito exclusivamente às instituições da União, e não devem pôr em causa a capacidade de autonomia de ação da União nas relações externas ( 42 ). |
e) Quanto à relevância da decisão impugnada para os Estados terceiros
64. |
O presente processo levanta também a questão da relevância das decisões híbridas para os Estados terceiros partes contratantes do acordo internacional. Com efeito, o Conselho e alguns Governos qualificam as decisões como a decisão impugnada de atos exclusivamente internos. Na sua opinião, resulta desses atos que os mesmos não se destinam a chegar ao conhecimento dos Estados terceiros e que, consequentemente, estes não dão importância à determinação dos autores desses atos. |
65. |
A este propósito, há que recordar, por um lado, que quando a União adota um ato, é obrigada a respeitar o direito internacional na sua totalidade, incluindo o direito internacional consuetudinário que vincula as instituições da União ( 43 ). Por outro lado, quando a União e os seus Estados‑Membros celebram acordos internacionais, sob a forma mista ou não, devem conformar‑se com o direito internacional, conforme codificado, no que respeita às regras consuetudinárias do direito dos tratados, pelas Convenções de Viena de 1969 e 1986 ( 44 ). |
66. |
Ora, no direito internacional, a regra geral é a de que as medidas pelas quais uma parte executa, em conformidade com o seu direito interno ou, no caso de uma organização internacional, com as suas regras organizacionais internas, as suas obrigações decorrentes de um tratado internacional não vinculam, em princípio, os outros Estados partes na convenção ( 45 ). |
67. |
Contudo, por um lado, o direito internacional reconhece uma certa relevância, ainda que limitada, às disposições do direito interno relativas à competência para concluir tratados, bem como às regras internas de uma organização internacional ( 46 ). Por conseguinte, a pertinência, para os outros Estados contratantes, de uma decisão adotada no âmbito do processo previsto no artigo 281.o TFUE não está totalmente excluída no direito internacional. |
68. |
Por outro lado, quando o acordo é celebrado como acordo misto, em que a União e os seus Estados‑Membros podem ser considerados partes no acordo, coligadas, é certo, mas distintas, as exigências de segurança jurídica entre as partes de um acordo internacional, bem como o dever de execução dos tratados de boa fé ( 47 ), impõem, no meu entender, que o ato interno da União com o qual autoriza um acordo misto não é suscetível de mitigar o facto de que a União é uma parte contratante de pleno direito do acordo. |
f) Quanto à legalidade da decisão impugnada
69. |
Neste caso, é à luz de todos os princípios expostos nos números anteriores e das exigências evidenciadas que se deve apreciar a legalidade da decisão impugnada. Para o efeito, importa partir de uma análise desta decisão. |
70. |
No que respeita, antes de mais, aos seus autores, resulta do título da decisão impugnada e da indicação contida antes do início do seu preâmbulo que a mesma constitui um ato adotado conjuntamente pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho. Em seguida, no que respeita à base jurídica da decisão impugnada, importa observar que a decisão refere expressamente ser fundada no artigo 100.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o artigo 218.o, n.os 5 e 8, primeiro parágrafo, TFUE. Estas bases jurídicas preveem ambas a adoção de um ato por maioria qualificada. A decisão impugnada não menciona nenhuma outra base jurídica. |
71. |
Seguidamente, quanto ao conteúdo da decisão impugnada, resulta dos n.os 8 a 10 e 19 das presentes conclusões, que autoriza tanto a assinatura e a aplicação provisória dos acordos internacionais em causa em relação à União como a aplicação provisória dos referidos acordos pelos Estados‑Membros, na medida em que a legislação nacional aplicável o permita. Este ato agrupa todos estes elementos sem que seja possível distinguir com clareza qual a parte atribuível à decisão (em sentido material) do Conselho e qual a parte atribuível à decisão dos Representantes dos Estados‑Membros. Isto resulta especialmente da formulação do artigo 3.o da decisão impugnada que agrupa na mesma disposição a autorização da aplicação provisória dos acordos em causa pela União e pelos Estados‑Membros. |
72. |
Atendendo ao conteúdo da decisão impugnada e à forma como foi estruturada, não se pode deixar de observar que tanto o Conselho como os Representantes dos Estados‑Membros participaram na adoção desta decisão na sua totalidade e em todos os seus elementos. Assim, por um lado, os Representantes dos Estados‑Membros participaram na autorização da assinatura e da aplicação provisória dos acordos em causa pela União e o Conselho participou na autorização da aplicação provisória dos referidos acordos pelos Estados‑Membros ( 48 ). |
73. |
Esta conclusão é aliás confirmada pelas modalidades processuais utilizadas para a adoção da decisão impugnada, que mostram que não houve separação entre o processo de adoção da decisão da União e o do ato intergovernamental dos Estados‑Membros. Com efeito, embora nos seus articulados diversos Estados‑Membros tenham considerado a possibilidade de as duas partes materiais da decisão impugnada terem sido adotadas na sequência de processos de votação distintos, o Conselho, na audiência no Tribunal de Justiça, clarificou definitivamente que a decisão impugnada foi adotada de uma só vez por consenso, seguindo um processo simplificado sem discussão e sem votação. Por conseguinte, não houve recurso a processos decisórios distintos para as duas partes do ato, mas um só e único processo de aprovação. |
74. |
Isto leva‑me às considerações seguintes. |
75. |
Em primeiro lugar, a decisão impugnada, enquanto ato híbrido, constitui um ato que não está previsto nos Tratados. Mais especificamente, trata‑se de um ato que o Conselho adotou no âmbito de uma das etapas do processo de negociação e de celebração de acordos internacionais pela União, mas que não está previsto no artigo 218.o TFUE. Além disso, este ato foi adotado utilizando um processo que também não está previsto no referido artigo. Com efeito, como já evidenciei no n.o 48 das presentes conclusões, o artigo 218.o TFUE não prevê nenhum papel para os Estados‑Membros, enquanto tais, no âmbito do processo de adoção das medidas que a União deve tomar nas diferentes etapas do processo aí previsto. Portanto, ao envolver os Estados‑Membros na adoção da decisão impugnada, o Conselho derrogou unilateralmente esse processo e adotou um ato não previsto nos Tratados. |
76. |
Em segundo lugar, a adoção do ato híbrido de uma só vez em todas as suas componentes indissociáveis teve como consequência o facto de ter sido seguido um único processo decisório para a sua adoção, processo no qual se confundiram o processo previsto no artigo 218.o, n.os 5 e 8, TFUE para a adoção de um ato da União por maioria qualificada e um processo alheio ao quadro jurídico da União, especialmente aplicável à adoção de um ato não previsto pelos Tratados, que requer o comum acordo de todos os Estados intervenientes. Acresce que o Conselho e alguns Governos admitiram, eles próprios, que as regras processuais da adoção da decisão intergovernamental não fazem parte do quadro jurídico dos Tratados. |
77. |
Ora, esta fusão teve também como consequência que as bases jurídicas indicadas na decisão impugnada não determinaram, na realidade, a regra de votação necessária para a adoção do ato híbrido. Com efeito, enquanto essas bases jurídicas requerem a adoção de uma decisão por maioria qualificada, o ato híbrido, para ser adotado nesta forma, necessita do comum acordo devido à sua configuração como ato cujas duas partes materiais constituem uma unidade indissociável. Na minha opinião, isto teve necessariamente como consequência que o processo de votação por maioria qualificada foi esvaziado da sua substância e que a regra da maioria, elemento essencial do processo previsto no artigo 218.o TFUE, ficou comprometida nos termos da jurisprudência «Dióxido de titânio» ( 49 ). |
78. |
Resulta desta considerações que a adoção da decisão impugnada sob a forma de um ato híbrido não está em conformidade com o artigo 218.o, n.os 2, 5 e 8, TFUE nem com as exigências expressas na jurisprudência mencionada nos n.os 47, 51, 52 e 53 das presentes conclusões. |
79. |
Quanto ao respeito das regras de votação, devo ainda salientar que não se trata aqui de pôr em dúvida as modalidades dos processos de votação no Conselho, cuja organização faz parte da sua esfera de autonomia. O objeto do presente processo não está relacionado com a legalidade do processo interno de votação simplificado e sem discussão, utilizado para a adoção da decisão impugnada e ao qual o Conselho fez menção na audiência. No entanto, neste caso, esse processo simplificado foi utilizado para a adoção de uma decisão que funde um ato adotado segundo um processo previsto nos Tratados e um ato alheio ao quadro jurídico da União, adotado segundo processos também eles alheios a esse quadro e cuja adoção necessita de uma regra de votação diferente da requerida para a adoção do ato da União. |
80. |
Ora, creio que aceitar essa fusão pode constituir, apesar do eventual caráter consolidado ( 50 ) ou residual ( 51 ) da prática, um precedente perigoso de contaminação do processo de decisão autónomo das instituições da União suscetível portanto de prejudicar a autonomia da União enquanto ordem jurídica própria ( 52 ), quando, como resulta do n.o 53 das presentes conclusões, a jurisprudência do Tribunal de Justiça adota uma abordagem restritiva mesmo no que respeita à fusão dos processos internos da União e à cumulação de bases jurídicas ( 53 ). |
81. |
Além disso, não me parece procedente o argumento de que, neste caso, a regra de votação prevista no artigo 218.o TFUE não foi violada uma vez que a unanimidade inclui necessariamente a maioria qualificada. Antes de mais, como já acima realcei nos n.os 76 e 77, a decisão impugnada não foi adotada por unanimidade segundo um processo previsto pelos — e enquadrado nos — Tratados, mas sim segundo um processo e uma regra de votação que não se enquadram no âmbito dos Tratados. Aliás, esta constatação exclui que o Conselho pudesse recorrer ao artigo 293.o, n.o 1, TFUE como sustenta o Governo finlandês. Em seguida, como já foi acertadamente realçado pela advogada‑geral E. Sharpston, uma decisão à qual ninguém se opõe não equivale necessariamente a uma decisão com a qual uma maioria qualificada concorda, na medida em que pode ser necessário diluir o conteúdo de uma decisão cuja aprovação careça de maioria qualificada para que possa ser aprovada por unanimidade e sem qualquer oposição ( 54 ). |
82. |
Quanto à invocação do princípio da autonomia, resulta das considerações acima feitas no n.o 56 das presentes conclusões que este princípio não pode justificar uma derrogação dos processos previstos nos Tratados. Embora seja verdade que o Conselho é livre de organizar o seu funcionamento interno e as modalidades de adoção das suas decisões, não pode todavia recorrer a processos alternativos ou alterar as regras de votação previstas nos Tratados. Na realidade, à luz do exposto no n.o 57 das presentes conclusões, pergunto‑me mesmo se o princípio da autonomia das instituições não foi violado ao ser admitida a participação dos Estados‑Membros no processo decisório de uma instituição da União. |
83. |
A adoção de uma decisão híbrida é todavia a consequência necessária da natureza mista dos acordos internacionais subjacentes? A adoção de uma decisão dessa natureza é necessária para garantir a representação unitária da União na cena internacional? Não estou convencido disso. |
84. |
Em primeiro lugar, é verdade que a adoção de uma decisão comum constitui a forma de cooperação mais estreita entre a União e os seus Estados‑Membros e que, no caso da celebração de acordos mistos, o Tribunal de Justiça realçou especialmente a necessidade de uma cooperação estreita. Todavia, por um lado, como já foi observado com razão ( 55 ), o princípio da cooperação leal, do qual, como salientado no n.o 62 das presentes conclusões, decorre do dever de estreita cooperação, não pode ser invocado para justificar uma violação das regras de processo. Deste modo, a estreita cooperação entre a União e os seus Estados‑Membros no quadro dos acordos mistos dever ter lugar no respeito as regras consagradas nos Tratados. |
85. |
A intervenção dos Estados‑Membros, enquanto tais, no processo da União não era necessária nem para a assinatura do acordo em nome da União nem para a sua aplicação provisória pela União. Assim, ao permitir a intervenção dos Estados‑Membros na decisão da União, o Conselho não serviu os interesses dos Estados‑Membros nos termos do artigo 13.o, n.o 1, TUE, como alegou na audiência, mas permitiu‑lhes intervir no exercício das prerrogativas da União, pondo em causa a capacidade de ação autónoma da União nas suas relações externas, em violação da jurisprudência acima mencionada no n.o 63 das presentes conclusões. |
86. |
Com efeito, essa intervenção é suscetível de dar a entender que a União não tem competência para tomar sozinha a decisão de assinar e de aplicar provisoriamente acordos internacionais nos domínios em que exerce as suas próprias competências que lhe foram conferidas pelos Estados‑Membros. Esta abordagem, longe de reforçar a imagem internacional da União, é, na minha opinião, suscetível de a enfraquecer enquanto atora de pleno direito na cena internacional, ao afetar a sua personalidade internacional independente e autónoma. |
87. |
Daqui decorre que, ao atuar desta forma, o Conselho, ultrapassou na minha opinião, os limites das suas atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados e atuou contrariamente aos objetivos por estes, em violação do artigo 13, n.o 2, TUE ( 56 ). |
88. |
Em segundo lugar, importa realçar que o próprio Conselho admitiu que há soluções alternativas à adoção de uma decisão híbrida, como, por exemplo, a adoção simultânea de duas decisões distintas, uma do Conselho e outra dos Representantes dos Estados‑Membros ( 57 ). No entanto, o Conselho e os Estados‑Membros alegam que essa solução é claramente menos adequada porquanto é menos eficaz, uma vez que é suscetível de criar importantes problemas de natureza prática, designadamente em relação à delimitação das competências quando, como é normalmente o caso dos acordos no setor do transporte aéreo, o acordo constitui um todo indivisível de forma que as competências da União e as dos Estados‑Membros são indissociáveis. |
89. |
Antes de mais, observo, a este respeito, que as razões de eficácia ou de conveniência não podem justificar a violação dos processos previstos pelos Tratados. O quadro processual para a negociação e celebração de acordos internacionais da União foi estabelecido pelo Tratado de Lisboa que, entre outras, acrescentou, enquanto regra geral, a regra da maioria qualificada. Os Estados‑Membros aprovaram e ratificaram este Tratado e estão vinculados por ele. Não podem, invocando pretensas razões de oportunidade ou de eficácia, eludir ou menosprezar regras que eles próprios aprovaram. |
90. |
Ora, o problema jurídico que se coloca neste processo não está, do meu ponto de vista, relacionado com a circunstância de as duas decisões terem sido adotadas em coordenação e mesmo estarem contidas num ato formalmente único. No meu entendimento, o que levanta problema é a natureza híbrida da decisão impugnada que teve como consequência que o Conselho permitiu a inclusão de um elemento externo no processo de adoção de um ato próprio da União, que o desvirtuou e, além disso, participou na adoção de um ato que não se enquadra na sua competência, a saber, uma decisão que autoriza os Estados‑Membros a aplicarem provisoriamente os acordos em causa. Ora, na medida em que resulte claramente de uma decisão do Conselho adotada nos termos do artigo 218.o TFUE que os processos da União, nomeadamente os de votação, foram respeitados e que a União, tendo em conta as suas competências, adotou uma decisão que lhe é própria enquanto atora de pleno direito na cena internacional, não tenho nenhuma objeção a que essa decisão e uma decisão intergovernamental dos Estados‑Membros, adotadas em coordenação, estejam contidas num ato formalmente único. |
91. |
Em seguida, no que diz respeito à questão da indissociabilidade das competências, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça salientou que neste tipo de caso o dever de estreita cooperação entre a União e os Estados‑Membros se impõe de maneira particularmente imperativa ( 58 ), o Conselho não explica, todavia, porque é que no caso de serem adotadas duas decisões coordenadas — a saber, uma do Conselho relativa à aplicação provisória do acordo misto pela União, na medida em que a União tenha competência, e a outra dos Representantes dos Estados‑Membros relativa à aplicação provisória do mesmo acordo misto, na medida em que as matérias reguladas por esse acordo sejam da sua competência — é necessário especificar sistematicamente quais as partes do acordo que são da competência da União e quais as que são da competência dos Estados‑Membros. Aliás, observo que essa especificação também não consta da decisão híbrida. |
92. |
Por último, ao contrário do que sustenta o Conselho e alguns Governos, as decisões adotadas nos termos do artigo 218.o, n.o 5, TFUE, não têm um alcance exclusivamente interno. O facto de serem notificadas às partes contratantes e de serem publicadas no Jornal Oficial da União Europeia prova que essas decisões podem chegar ao conhecimento tanto das outras partes do acordo internacional como de terceiros em geral. Consequentemente, na medida em que, como realcei no n.o 86 acima, a adoção dessas decisões, enquanto decisões híbridas, é suscetível de dissimular a personalidade internacional independente da União, mesmo apesar de ser parte de pleno direito do acordo misto, essa adoção é também, na minha opinião, suscetível de levantar problemas de segurança jurídica nas relações entre as partes no acordo internacional. |
g) Conclusão
93. |
Resulta de todas estas considerações que, ao adotar a decisão impugnada como decisão híbrida, o Conselho violou o artigo 218.o, n.os 2, 5 e 8 TFUE e excedeu as competências que lhe são conferidas pelos Tratados, violando, consequentemente, o artigo 13.o, n.o 2, TUE. Por conseguinte, considero que a decisão impugnada deve ser anulada. |
C – Quanto à manutenção dos efeitos da decisão anulada no tempo
94. |
Em conformidade com a vontade das partes e para evitar qualquer repercussão negativa nas relações entre a União e os Estados terceiros partes nos acordos cuja assinatura e aplicação provisória já foram decididos na decisão impugnada, considero que há que aceder ao pedido das partes de que o Tribunal de Justiça use da possibilidade que lhe confere o artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, de manter os efeitos da decisão anulada no tempo até à adoção de uma nova decisão. |
IV – Quanto às despesas
95. |
Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho sido vencido e tendo a Comissão pedido a condenação deste último, há que condená‑lo nas despesas. Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições intervenientes no litígio devem suportar as suas próprias despesas, as partes intervenientes no presente litígio suportarão as suas próprias despesas. |
V – Conclusão
96. |
Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida nos seguintes termos:
|
( 1 ) Língua original: francês.
( 2 ) Decisão do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União Europeia, reunidos no Conselho, de 16 de junho de 2011, relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, e relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória do Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro (JO L 283, p. 1).
( 3 ) JO 2007 L 134, p. 4.
( 4 ) Protocolo de alteração do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em 25 e 30 de abril de 2007, assinado no Luxemburgo em 24 de junho de 2010 (JO 2010, L 223, p. 3).
( 5 ) Nos termos desta disposição «[o] Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer disposições adequadas para os transportes marítimos e aéreos. […]»
( 6 ) Nos termos desta disposição «[o] Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor».
( 7 ) Nos termos do artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE «[a]o longo de todo o processo, o Conselho delibera por maioria qualificada.»
( 8 ) Acórdão Comissão/Conselho, C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 39 e jurisprudência aí referida.
( 9 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, EU:C:2014:2151, n.os 40 e 41.
( 10 ) V., neste sentido, Conselho/Comissão, C‑45/86, EU:C:1987:163, n.o 3. Em especial, o tratamento mais favorável aplicável às instituições da União encontra o seu fundamento no seu papel de proteção da ordem jurídica da União, de onde resulta que estas não podem ser portadoras de interesses distintos dos da própria União.
( 11 ) Nos termos do artigo 13.o, n.o 2, TUE «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem. As instituições mantêm entre si uma cooperação leal.»
( 12 ) A Comissão explica nos seus articulados que, dado que os dois acordos em questão respeitavam simplesmente à adesão da República da Islândia e do Reino da Noruega ao Acordo de Transporte Aéreo UE/Estados Unidos que já tinha sido celebrado sob a forma de um acordo misto, não tencionava contestar o caráter misto desses acordos, para evitar criar uma incerteza jurídica e política nas relações da União com os Estados Unidos da América.
( 13 ) Anteriormente, diversas disposições dos Tratados previam regras processuais diferentes relativas à negociação e à celebração de acordos internacionais, consoante esses acordos fossem celebrados no âmbito do primeiro pilar (artigo 300.o CE) ou no âmbito do segundo ou do terceiro pilares (respetivamente, artigos 24.° UE e 38.° UE).
( 14 ) Conforme o artigo 207.o TFUE ou o artigo 219.o TFUE.
( 15 ) V., por analogia, acórdão Comissão/Conselho (C‑27/04, EU:C:2004:436, n.o 81). Nos seus articulados, o Conselho contesta a aplicabilidade desse acórdão no presente processo na medida em que diz respeito a uma situação diferente, a saber um caso em que o Conselho não tinha adotado um ato determinado e num domínio diferente das relações internacionais. A este propósito, considero, todavia, que as afirmações de princípio feitas pelo Tribunal de Justiça nesse processo têm um alcance geral sempre que, como no caso do artigo 218.o TFUE, os Tratados prevejam disposições precisas sobre o processo a seguir em determinadas matérias.
( 16 ) Trata‑se, por um lado, do Acordo relativo à adesão da União à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, abordada no artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE e, por outro, da possibilidade de obter o parecer prévio do Tribunal de Justiça, ao abrigo no n.o 11 do mesmo artigo.
( 17 ) V. ainda, neste mesmo sentido, conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:224, n.o 174).
( 18 ) Neste mesmo sentido, ibidem (n.o 171).
( 19 ) Acórdão Comissão/Conselho, dito «CITES» (C‑370/07, EU:C:2009:590, n.os 39, 48 e 49).
( 20 ) V. acórdãos Reino‑Unido/Conselho (68/86, EU:C:1988:85, n.o 38) e Parlamento/Conselho (C‑133/06, EU:C:2008:257, n.o 54).
( 21 ) V. acórdão Parlamento/Conselho (EU:C:2008:257, n.os 55 e 56).
( 22 ) Ibidem (n.o 57) e acórdão Parlamento/Conselho (C‑70/88, EU:C:1990:217, n.o 22). V. também artigo 13.o, n.o 2, TUE.
( 23 ) Acórdãos Parlamento/Conselho (C‑164/97 e C‑165/97, EU:C:1999:99, n.o 14) e Comissão/Conselho (C‑338/01, EU:C:2004:253, n.o 57) e Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.os 45 e segs. e jurisprudência aí referida).
( 24 ) Acórdão Comissão/Conselho, dito «Dióxido de titânio» (C‑300/89, EU:C:1991:244, v. especificamente n.os 17 a 21).
( 25 ) Especificamente, Diretiva 89/428/CEE do Conselho, de 21 de junho de 1989 que estabelece as regras de harmonização dos programas de redução, tendo em vista a sua eliminação, da poluição causada por resíduos provenientes da indústria do dióxido de titânio (JO L 201, p. 56).
( 26 ) Este artigo previa, para as ações em matéria ambiental, o voto por unanimidade do Conselho, após simples consulta do Parlamento.
( 27 ) Este artigo, que corresponde no essencial ao atual artigo 114.o TFUE, previa a aplicação do processo de cooperação com o Parlamento Europeu no âmbito do qual o Conselho decidia por maioria qualificada.
( 28 ) V. n.os 16 a 20 do referido acórdão. No n.o 21 desse acórdão, o Tribunal de Justiça também considerou que as prerrogativas do Parlamento tinham sido violadas. No entanto, conforme decorre dos acórdãos referidos na nota seguinte, a violação das prerrogativas do Parlamento não constitui na jurisprudência uma condição necessária para a constatação da incompatibilidade das bases jurídicas, sendo o caráter inconciliável das regras de votação uma condição suficiente para esse fim.
( 29 ) Noutros processos, o Tribunal de Justiça declarou que as duas bases jurídicas em questão eram incompatíveis na medida em que era requerida a unanimidade para adoção de um ato com fundamento numa, ao passo que a maioria qualificada bastava para que um ato pudesse ser validamente adotado com fundamento noutra. V. acórdãos Comissão/Conselho (EU:C:2004:253, n.o 58) e Parlamento/Conselho (EU:C:2012:472, n.o 48).
( 30 ) V., nomeadamente, em relação ao Parlamento, artigo 232.o TFUE, em relação ao Conselho Europeu, artigo 235.o, n.o 3, TFUE, em relação ao Conselho, artigo 240.o, n.o 3, TFUE, em relação à Comissão, artigo 249.o, n.o 1, TFUE.
( 31 ) O Tribunal de Justiça reconheceu o princípio da autonomia das instituições tendo em conta diferentes aspetos das suas atividades como, por exemplo, no que respeita à seleção dos seus funcionários e agentes (v., inter alia, acórdão AB, C‑288/04, EU:C:2005:526, n.os 26 e 30) ou no quadro da reparação de danos causados pelas suas instituições e pelos seus agentes no exercício das suas funções (v. acórdão Sayag, 9/69, EU:C:1969:37, n.os 5 e 6).
( 32 ) A este respeito, v. conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Betriebsrat der Vertretung der Europäischen Kommission in Österreich (C‑165/01, EU:C:2003:224, n.o 98) e no processo AB (C‑288/04, EU:C:2005:262 n.o 23).
( 33 ) V. regulamento interno do Conselho, anexo à Decisão 2009/93/UE do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, relativa à adoção do seu regulamento interno (JO L 325, p. 36), conforme alterada posteriormente.
( 34 ) V., neste sentido, acórdão Luxemburgo/Parlamento (230/81, EU:C:1983:32, n.o 38).
( 35 ) V. conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Betriebsrat der Vertretung der Europäischen Kommission in Österreich (EU:C:2003:224, n.o 98) e no processo AB (EU:C:2005:262 n.o 23).
( 36 ) V., a este respeito, acórdão Parlamento/Conselho (C‑65/93, EU:C:1995:91, n.os 27 e 28).
( 37 ) V., inter alia, parecer 2/91 (EU:C:1993:106, n.o 36), parecer 1/94 (EU:C:1994:384 n.o 108) e acórdão Comissão/Suécia (C‑246/07, EU:C:2010:203, n.o 73 e jurisprudência referida).
( 38 ) Acórdãos Comissão/Luxemburgo (C‑266/03, EU:C:2005:341, n.o 60) Comissão/Alemanha (C‑433/03, EU:C:2005:462, n.o 66), Comissão/Suécia (EU:C:2010:203, n.o 75).
( 39 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/Suécia, EU:C:2010:203, n.o 73 e jurisprudência aí referida.
( 40 ) V., a este respeito, acórdãos Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n.os 173 e 174) e Comissão/Suécia (EU:C:2010:203, n.os 69 a 71 e 73 e jurisprudência aí referida).
( 41 ) V., a este propósito, Parecer 2/91 (EU:C:1993:106, n.o 38) e acórdão Comissão/Conselho (C‑25/94, EU:C:1996:114, n.o 48).
( 42 ) V., neste sentido, Decisão 1/78 (Colet.,1978‑2151, n.o 33), relativa ao artigo 192.o do Tratado CEEA, cujo texto corresponde, no essencial, ao artigo 4.o, n.o 3, terceiro parágrafo TUE.
( 43 ) Acórdão Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 101 e jurisprudência aí referida.
( 44 ) Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em Viena em 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations Unies, volume 1155, p. 331), e Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, assinada em 21 de março de 1986 em Viena (A/CONF.129/15).
( 45 ) Com efeito, resulta do artigo 27.o das duas Convenções de Viena de 1969 e de 1986 que uma parte num Tratado não pode invocar as disposições do seu direito interno — ou, no caso de um organismo internacional, as regras da organização ‑ para justificar o incumprimento de um tratado. Todavia, esta norma não prejudica o disposto no artigo 46.o das duas Convenções (v. nota seguinte).
( 46 ) Nos termos do respetivo artigo 46.o de cada uma das Convenções de Viena de 1969 e de 1986, uma violação de uma disposição do direito interno relativa à competência para concluir tratados adquire importância apenas se houver violação manifesta da disposição em causa ou se disser respeito a uma norma de importância fundamental. V. também artigo 5.o das referidas Convenções.
( 47 ) V. respetivos artigos 26.° das Convenções de Viena de 1969 e de 1986.
( 48 ) O Tribunal de Justiça interpretou da mesma maneira uma decisão híbrida do Conselho e dos Representantes dos Estados‑Membros reunidos no Conselho, na sua análise da admissibilidade do recurso no acórdão Comissão/Conselho (EU:C:2014:2151, n.o 41).
( 49 ) O Conselho e alguns Governos intervenientes contestam a aplicabilidade da jurisprudência «Dióxido de titânio» ao caso concreto. A este propósito, considero que é verdade que o processo «Dióxido de titânio» e o presente processo diferem na medida em que o primeiro estava relacionado com a aplicação de duas bases jurídicas do direito da União, enquanto no presente processo não é necessária uma base jurídica de direito da União para a componente intergovernamental da decisão híbrida. No entanto, considero que os princípios jurisprudenciais expressos naquele acórdão (v. n.o 53 supra) podem indubitavelmente ser aplicáveis por analogia, e por maioria de razão, num caso como o do presente processo que diz respeito à fusão não de dois processos internos da União mas de um processo da União com um processo estranho ao seu quadro legal.
( 50 ) A circunstância invocada pelo Conselho de que a adoção de decisões híbridas era uma prática consolidada, nomeadamente no setor do transporte aéreo, mesmo depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, não pode justificar nem influenciar a legalidade da decisão impugnada na medida em que, segundo jurisprudência constante, uma simples prática do Conselho não é suscetível de derrogar disposições do Tratado (v. parecer 1/08, EU:C:2009:739, n.o 172 e acórdão Comissão/Conselho, EU:C:2009:590, n.o 54 e jurisprudência aí referida).
( 51 ) O facto, referido na audiência, de a adoção de atos híbridos constituir uma prática que tem natureza quase residual utilizada, designadamente, no setor da aviação, quando não há, manifestamente, desacordo entre os sujeitos interveniente (Estados‑Membros e instituições) não constitui uma justificação para a adoção de uma prática ilegal. Além disso, resultou da discussão na audiência que a aplicação desta prática não estava necessariamente limita a este caso.
( 52 ) Quanto à autonomia da ordem jurídica da União, v. acórdão Costa/E.N.E.L. (6/64, EU:C:1964:66, p. 1158) e parecer 2/13 (EU:C:2014: 2454, n.os 174, 183 e 201 e jurisprudência aí referida).
( 53 ) A este propósito, importa observar que o Conselho, apoiado por diversos Estados‑Membros, sustenta que a combinação das diferentes regras de votação é frequente no Conselho e que o Tribunal de Justiça tinha admitido a combinação de diferentes regras de votação no Conselho. Este refere os acórdãos Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 211 a 214) e Parlamento/Conselho (C‑166/07, EU:C:2009:499, n.o 69). Todavia, essa jurisprudência, que respeita exclusivamente à utilização do artigo do Tratado que corresponde ao atual artigo 352.o TFUE, não invalida de maneira nenhuma o princípio jurisprudencial exposto no n.o 53 das presentes conclusões, segundo o qual a cumulação de bases jurídicas fica excluída quando os processos aí previstos são incompatíveis. Ora, no presente caso, não se trata sequer da questão da compatibilidade entre duas bases jurídicas diferentes no quadro dos processos da União, mas sim da fusão entre um ato da União e um ato adotado totalmente fora dos processos da União, em aplicação de uma regra de votação diferente. Por conseguinte, o referido princípio jurisprudencial é, na minha opinião, aplicável, por maioria de razão, no presente caso.
( 54 ) Neste mesmo sentido, v. conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas no processo Comissão/Conselho (EU:C:2014:224, n.o 189).
( 55 ) Neste mesmo sentido, ibidem (n.o 195).
( 56 ) A este respeito, devo acrescentar que não estou convencido da possibilidade, preconizada pela Comissão, de configurar um dever de cooperação das instituições da União para com a União enquanto tal. Com efeito, as instituições da União fazem parte da União e, portanto, constituem a própria União. A configuração desse dever de cooperação parece‑me corresponder à afirmação de um dever de cooperar consigo própria. Em contrapartida, afigura‑se‑me, que os comportamentos que, segundo a Comissão, constituem uma violação do dever de cooperação do Conselho em relação à União podem ser melhor qualificados de violação do princípio de cooperação entre instituições e/ou de violação da obrigação de atuar no interesse da União, em conformidade com os objetivos previstos para esta, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, TUE.
( 57 ) Não me parece necessário, para efeitos da decisão da presente causa, abordar a questão, contudo muito sensível, suscitada pela Comissão, relativa à possibilidade, neste caso, de garantir a aplicação provisória dos acordos em questão com uma decisão apenas do Conselho, não obstante o caráter misto dos acordos subjacentes. Com efeito, na minha opinião, esta questão não interfere com a legalidade da decisão impugnada. Todavia, deixa em aberto várias questões jurídicas que claramente surgiram na pendência do processo. O Conselho explicou nos seus articulados que nunca houve vontade política no seu seio de adotar uma decisão que autorizasse a União a exercer plenamente a sua competência potencial, e isso nem mesmo ao nível da aplicação provisória dos acordos. Tal opção, de caráter político, gera todavia inevitavelmente um certo grau de insegurança jurídica quanto à possibilidade de aplicar provisoriamente acordos internacionais nos Estados‑Membros onde a aplicação provisória dos tratados internacionais não é constitucionalmente admissível ou onde está sujeita à aplicação de regras de direito interno. Consciente da sensibilidade desta questão, que é suscetível de interferir com as prerrogativas dos parlamentos nacionais, pergunto‑me, todavia, se a solução considerada pela Comissão — que consiste em fazer garantir a aplicação provisória dos acordos pela União, na medida em que isso faz parte das suas competências — não será juridicamente preferível. Com efeito, a aplicação provisória «por via administrativa» dos referidos acordos, à qual o Conselho e diversos Estados‑Membros se referiram, que teria lugar nos Estados‑Membros onde a aplicação provisória dos acordos internacionais é problemática, parece pôr, em todo o caso, problemas de conformidade com as exigências constitucionais desses Estados‑Membros.
( 58 ) V. parecer 1/94 (EU:C:1994:384, n.o 109).