Processo C-155/11 PPU

Bibi Mohammad Imran

contra

Minister van Buitenlandse Zaken

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank's-Gravenhage)

«Reenvio prejudicial – Não conhecimento do mérito»

Sumário do despacho

Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio que deixou de ter objecto – Não conhecimento do mérito – Intenção do recorrente no processo principal de intentar uma acção de indemnização – Irrelevância

(Artigo 267.º TFUE)

Não há que decidir do pedido de decisão prejudicial quando a decisão que é objecto do recurso no processo principal caducou e, consequentemente, o litígio no processo principal deixou de ter objecto, apesar da vontade manifestada pelo órgão jurisdicional de reenvio de manter o seu pedido de decisão prejudicial na medida em que o recorrente aí pretende intentar uma acção de indemnização.

Com efeito, a justificação do reenvio prejudicial não é a formulação de opiniões de natureza consultiva sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à solução efectiva de um contencioso. Ora, a propositura da acção de indemnização é, em tais circunstâncias, apenas eventual e hipotética.

(cf. n.os 16 a 22 e disp.)







DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de Junho de 2011 (*)

«Reenvio prejudicial – Não conhecimento do mérito»

No processo C‑155/11 PPU,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage (Países Baixos), por decisão de 31 de Março de 2011, entrado no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

Bibi Mohammad Imran

contra

Minister van Buitenlandse Zaken,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator), M. Ilešič, M. Safjan e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

ouvido o advogado‑geral,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe B. Mohammad Imran ao Minister van Buitenlandse Zaken (Ministro dos Negócios Estrangeiros), a propósito da recusa deste de conceder a B. Mohammad Imran uma autorização de residência provisória no território neerlandês.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

3        Em 19 de Junho de 2009, B. Mohammad Imran apresentou na Embaixada neerlandesa em Nova Deli (Índia) um pedido de autorização de residência provisória para poder residir com o seu marido, A. Safi, nos Países Baixos.

4        Por decisão de 20 de Julho de 2009, o Minister van Buitenlandse Zaken indeferiu esse pedido.

5        Por carta de 10 de Agosto de 2009, B. Mohammad Imran apresentou uma reclamação dessa decisão.

6        Resulta da decisão de reenvio que os oito filhos de B. Mohammad Imran, sete dos quais são menores, residem regularmente nos Países Baixos desde 5 de Agosto de 2009. A. Safi e os filhos têm nacionalidade afegã. A. Safi nunca foi titular de uma autorização de residência temporária ao abrigo do artigo 29.°, proémio, alíneas a), b) ou c), da Lei de 2000 sobre os estrangeiros (Vreemdelingenwet 2000).

7        Por decisão de 15 de Fevereiro de 2010, o Minister van Buitenlandse Zaken declarou improcedente a reclamação de B. Mohammad Imran, porque não foi demonstrado que esta tinha sido aprovada no exame de base de integração cívica exigido pela regulamentação neerlandesa. Segundo o Minister van Buitenlandse Zaken, B. Mohammad Imran não alegou nenhum elemento concreto que pusesse em dúvida a exactidão ou a exaustividade do relatório médico de 21 de Abril de 2009, elaborado pelo médico de confiança do posto diplomático em Nova Deli, do qual não resulta que poderia ser dispensada desse exame por razões médicas.

8        Em 15 de Março de 2010, B. Mohammad Imran interpôs recurso dessa decisão no Rechtbank ’s‑Gravenhage.

9        O Rechtbank ’s‑Gravenhage pergunta se a obrigação imposta pela regulamentação neerlandesa aos membros da família de nacionais de países terceiros que pretendam beneficiar do direito ao reagrupamento familiar, de serem aprovados, no estrangeiro, num exame sobre a integração cívica, antes de se poderem juntar à sua família nos Países Baixos, não constitui uma interpretação demasiado estrita do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/86.

10      Nestas condições, o Rechtbank ’s‑Gravenhage decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 7.°, n.° 2, da Directiva [2003/86] permite que um Estado‑Membro recuse o acesso e permanência a um familiar, na acepção do artigo 4.° da directiva, de um cidadão de um país terceiro que resida legalmente nesse Estado‑Membro, exclusivamente com o fundamento de que este familiar não realizou o exame de integração no estrangeiro previsto na legislação desse Estado‑Membro?

2)      É relevante para a resposta a dar à [primeira questão] o facto de o familiar ser mãe de oito filhos, dos quais sete são menores, com residência legal nesse Estado‑Membro?

3)      É relevante para a resposta a dar à [primeira questão] saber se, no país em que reside, existe ensino acessível a esse familiar na língua desse Estado‑Membro?

4)      É relevante para a resposta a dar à [primeira questão] saber se o familiar, tendo em conta as suas habilitações literárias e a sua situação pessoal, nomeadamente os seus problemas de saúde, se encontra em condições de, num futuro previsível, obter a aprovação nesse exame?

5)      É relevante para a resposta a dar à [primeira questão] a ausência de qualquer controlo à luz dos artigos 5.°, n.° 5, e 17.° da Directiva [2003/86], do artigo 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ainda do princípio da proporcionalidade?

6)      É relevante para a resposta a dar à [primeira questão] o facto de os cidadãos de outros países terceiros estarem dispensados, exclusivamente com base na sua nacionalidade, da obrigação de aprovação no exame de integração no estrangeiro?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

11      Por carta de 11 de Abril de 2011, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no mesmo dia, o Rechtbank ’s‑Gravenhage pediu que o reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação urgente, em conformidade com o artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

12      Por decisão de 14 de Abril de 2011, a Primeira Secção deferiu esse pedido.

13      Por carta de 19 de Maio de 2011, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no mesmo dia, o Minister van Buitenlandse Zaken informou o Tribunal de Justiça de que, por decisão de 12 de Maio de 2011 e após reapreciação, tinha declarado procedente a reclamação de 10 de Agosto de 2009 de B. Mohammad Imran e que, por conseguinte, tinha caducado a decisão de 15 de Fevereiro de 2010 contra a qual é dirigido o recurso.

14      Por carta de 30 de Maio de 2011, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no mesmo dia, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que, nesse mesmo dia, foi emitida uma autorização de residência provisória a B. Mohammad Imran, pela Embaixada neerlandesa em Islamabad (Paquistão). Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as questões prejudiciais perderam o seu carácter urgente e pede ao Tribunal de Justiça que não dê seguimento à tramitação processual prevista no artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo. Todavia, considera que, de momento, não é oportuno retirar o pedido de decisão prejudicial, na medida em que B. Mohammad Imran ainda não desistiu do seu recurso da decisão de 15 de Fevereiro de 2010 e que, além disso, pretende intentar uma acção de indemnização nesse tribunal.

 Sobre o pedido de decisão prejudicial

15      Conforme jurisprudência constante, o processo previsto no artigo 267.° TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que são chamados a dirimir (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Março de 1998, Djabali, C‑314/96, Colect., p. I‑1149, n.° 17; de 20 de Janeiro de 2005, García Blanco, C‑225/02, Colect., p. I‑523, n.° 26; e despacho de 14 de Outubro de 2010, Reinke, C‑336/08, n.° 13).

16      No presente processo, o Governo neerlandês comunicou ao Tribunal de Justiça que tinha caducado a decisão de 15 de Fevereiro de 2010 contra a qual é dirigido o recurso no processo principal, uma vez que, através da decisão de 12 de Maio de 2011, a reclamação de 10 de Agosto de 2009 de B. Mohammad Imran foi declarada procedente após reapreciação.

17      Esta informação foi confirmada, no essencial, pelo órgão jurisdicional de reenvio, na sua carta de 30 de Maio de 2011.

18      Observe-se que o pedido de autorização de residência provisória apresentado por B. Mohammad Imran foi deferido e que, consequentemente, o litígio no processo principal deixou de ter objecto.

19      É verdade que, através da referida carta de 30 de Maio de 2011, o órgão jurisdicional de reenvio quis manter o seu pedido de decisão prejudicial, na medida em que B. Mohammad Imran pretende intentar uma acção de indemnização nesse tribunal.

20      Todavia, há que constatar que a propositura de tal acção é, nesta fase, apenas eventual e hipotética.

21      Ora, segundo jurisprudência constante, a justificação do reenvio prejudicial não é a formulação de opiniões de natureza consultiva sobre questões gerais ou hipotéticas, mas sim a necessidade inerente à resolução efectiva de um litígio (v., nomeadamente, acórdão García Blanco, já referido, n.° 28, e despacho de 24 de Março de 2009, Nationale Loterij, C‑525/06, Colect., p. I‑2197, n.° 10).

22      Resulta das considerações precedentes que não há que decidir do pedido de decisão prejudicial.

 Quanto às despesas

23      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

Não há que decidir do pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage (Países Baixos) por decisão de 31 de Março de 2011.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.