ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

11 de abril de 2013 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado italiano da compra e da primeira transformação do tabaco em rama — Pagamento da coima pelo codevedor solidário — Interesse em agir — Ónus da prova»

No processo C-652/11 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 15 de dezembro de 2011,

Mindo Srl, em liquidação judicial, com sede em Roma (Itália), representada por G. Mastrantonio, C. Osti e A. Prastaro, avvocati,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por N. Khan e L. Malferrari, na qualidade de agentes, assistidos por F. Ruggeri Laderchi e R. Nazzini, avvocati, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: G. Arestis, presidente de secção, J.-C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado-geral: V. Trstenjak,

secretário: K. Maacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de outubro de 2012,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

No seu recurso, a Mindo Srl (a seguir «Mindo») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de outubro de 2011, Mindo/Comissão (T-19/06, Colet., p. II-6795), através do qual foi negado provimento ao recurso respeitante à anulação parcial e, a título subsidiário, à alteração da Decisão C (2005) 4012 final da Comissão, de 20 de outubro de 2005, relativa a um processo nos termos do n.o 1 do artigo 81.o [CE] (processo COMP/C.38.281/B.2 — Tabaco em rama, Itália) (JO 2006, L 353, p. 45, a seguir «decisão controvertida»), e, subsidiariamente, a um pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

2

A Mindo é uma sociedade italiana, atualmente em liquidação judicial, que tem como atividade principal a primeira transformação do tabaco em rama. Originariamente era uma empresa familiar que foi comprada em 1995 por uma filial da Dimon Inc. Na sequência desta aquisição, a sua denominação social passou a Dimon Italia Srl. Em 30 de setembro de 2004, as suas participações sociais foram vendidas a quatro particulares que não tinham nenhuma ligação ao grupo Dimon, passando a sua denominação social a Mindo. Em maio de 2005, a Dimon Inc. fundiu-se com a Standard Commercial Corporation para formar uma nova entidade denominada Alliance One International Inc. (a seguir «AOI»).

3

Em 19 de fevereiro de 2002, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu um pedido de imunidade em matéria de coimas de um dos transformadores de tabaco em rama em Itália, a saber, a Deltafina SpA.

4

Em 4 de abril de 2002, a Comissão recebeu da Mindo, à época ainda denominada Dimon Italia Srl, um pedido de imunidade em matéria de coimas e, a título subsidiário, um pedido de redução da eventual coima, e, em 8 de abril de 2002, determinados elementos de prova.

5

Em 9 de abril de 2002, a Comissão acusou a receção dos pedidos da Mindo, quer de imunidade em matéria de coimas quer de redução da eventual coima. A Comissão informou esta sociedade de que o seu pedido de imunidade não satisfazia os requisitos da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3).

6

Em 20 de outubro de 2005, a Comissão adotou a decisão controvertida em que declarou que, de 1995 até ao início de 2002, os transformadores de tabaco em rama em Itália visados pela decisão controvertida, entre os quais a Mindo, incorreram em diversas práticas que constituem uma infração única e contínua ao artigo 81.o, n.o 1, CE.

7

A Comissão especificou designadamente que, dado que o grupo a que a Mindo pertencia no período da infração tinha deixado de existir na sequência da sua fusão com o grupo Standard Commercial Corporation, a AOI, enquanto sucessora destes dois grupos, era destinatária da decisão controvertida. A Mindo, enquanto sucessora da Dimon Italia Srl, era igualmente destinatária desta decisão.

8

A Comissão fixou em 12,5 milhões de euros o montante inicial da coima aplicada à Mindo, agravado de 25% a título do caráter muito grave da infração e de 60% a título da duração da infração de seis anos e quatro meses. A Comissão limitou a responsabilidade desta sociedade a 10% do volume de negócios do seu exercício mais recente. A Comissão aceitou o pedido de redução da coima da Mindo e procedeu à sua redução em 50% a título da cooperação. Assim, a Comissão fixou o montante final da coima a aplicar à Mindo e à AOI em 10 milhões de euros, sendo a AOI responsável pela totalidade do montante e a Mindo responsável solidariamente apenas por 3,99 milhões de euros.

9

Em 14 de fevereiro de 2006, a AOI pagou a totalidade do montante da coima que a Comissão lhe tinha aplicado, bem como à Mindo.

10

Em 4 de julho de 2006, a Mindo entrou em liquidação, do que nunca informou o Tribunal Geral.

11

A Mindo apresentou, em 5 de março de 2007, ao abrigo do artigo 161.o do Decreto Real n.o 267, de 16 de março de 1942, relativo à regulamentação da insolvência, da concordata preventiva, da gestão controlada e da liquidação administrativa coerciva (regio decreto 16 marzo 1942, n.o 267, recante disciplina del fallimento, del concordato preventivo, dell’amministrazione controlata e della liquidazione coatta amministrativa), conforme alterado (suplemento ordinário do GURI n.o 81, de 6 de abril de 1942), um pedido de admissão ao processo de concordata preventiva com cessão de bens no Tribunale ordinario di Roma, sezione fallimentare. Por decisão de 27 de novembro de 2007, esse órgão jurisdicional homologou a concordata preventiva proposta pela Mindo.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

12

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de janeiro de 2006, a Mindo pediu a anulação parcial da decisão controvertida e, a título subsidiário, a redução do montante da coima aplicada à Mindo e, a título solidário, à AOI.

13

Na audiência de 29 de novembro de 2010, a Comissão, tendo tomado conhecimento, alguns dias antes, de que a recorrente estava em processo de liquidação judicial desde julho de 2006, alegou, no essencial, que esta deixara de ter interesse em agir. O Tribunal Geral convidou a Mindo a fornecer-lhe toda a informação e documentação pertinente relacionada com qualquer eventual acordo que tivesse celebrado com a AOI relativamente ao pagamento feito por esta da coima e à possibilidade de a AOI poder intentar uma ação de cobrança de parte da coima paga. A Mindo acedeu a este pedido.

14

Por carta de 30 de março de 2011, a AOI respondeu a questões que o Tribunal Geral lhe colocara, referindo, no essencial, que não tinha ainda intentado uma ação de cobrança contra a Mindo, porquanto preferia esperar pela conclusão do processo no Tribunal Geral.

15

Antes de mais, explicou que, para esse efeito, seria provavelmente obrigada a solicitar uma decisão judicial e uma injunção de pagamento baseada nessa decisão e que, em caso de anulação total ou parcial da coima, seria obrigada a restituir à Mindo o montante reembolsado acrescido de juros, o que tornaria o processo pesado, custoso e longo. A AOI considerou, em seguida, que a sua ação não estava prescrita e não prescreveria antes da conclusão do processo no Tribunal Geral. Por último, realçou que a existência de um processo de concordata preventiva não obsta a que os credores recorram às jurisdições competentes para obter uma sentença declaratória contra o devedor que é objeto da referida concordata e peçam uma injunção de pagamento assim que a homologação tenha lugar.

16

Após a apreciação das circunstâncias do processo e designadamente do objeto do pedido, o Tribunal Geral concluiu que a Mindo não tinha demonstrado o seu interesse efetivo e atual na prossecução do processo e considerou, por conseguinte, que não havia que conhecer do mérito do recurso.

Pedidos das partes

17

No seu recurso, a Mindo pede a anulação do acórdão recorrido na íntegra, a remessa do processo ao Tribunal Geral para reapreciação quanto ao mérito e a condenação da Comissão na totalidade das despesas.

18

A Comissão conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que a Mindo seja condenada nas despesas.

Quanto ao presente recurso

19

Em apoio do seu recurso, a Mindo invoca dois fundamentos. Com o primeiro fundamento, alega, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar de forma inexata a sua situação e ao declarar, consequentemente, que não tinha nenhum interesse em agir. O segundo fundamento, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação do direito a um processo equitativo da AOI e da Mindo.

20

A Comissão sustenta que o primeiro fundamento do recurso é manifestamente inadmissível e que o segundo fundamento é manifestamente improcedente.

Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento

21

De acordo com jurisprudência assente, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e dos artigos 168.°, n.o 1, alínea d), e 169.°, n.o 2, do Regulamento de Processo do mesmo Tribunal que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve identificar, de modo preciso, os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que especificamente fundamentam esse pedido (v. acórdãos de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C-274/99 P, Colet., p. I-1611, n.o 121, e de 24 de janeiro de 2013, 3F/Comissão, C-646/11 P, n.o 51).

22

Importa realçar que a Mindo invocou erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral ao identificar de modo suficientemente preciso os elementos contestados do acórdão recorrido, em especial o seu n.o 87, e ao especificar as razões pelas quais considera que estes elementos estão viciados de tais erros.

23

Por conseguinte, a Comissão não tem razão ao invocar a inadmissibilidade do primeiro fundamento.

Quanto ao mérito do primeiro fundamento

Argumentos das partes

24

Em primeiro lugar, a Mindo sustenta que, ao pagar o montante integral da coima, a AOI tornou-se sua credora, por força dos artigos 2055.°, segundo parágrafo, e 1299.° do Código Civil italiano. Nos termos do artigo 2946.o do mesmo código, o direito da AOI de pedir o reembolso à Mindo fica sujeito ao prazo de prescrição comum de dez anos. O Tribunal Geral cometeu, portanto, um erro ao considerar, nos n.os 85 e seguintes do acórdão recorrido, que a anulação ou a alteração da decisão controvertida não trazia nenhum benefício à Mindo, na medida em que o direito da AOI de reclamar o reembolso do seu crédito nasceu no dia do pagamento da coima e o prazo de prescrição da ação de que dispõe para o efeito é de dez anos.

25

Em segundo lugar, a Mindo alega que o Tribunal Geral cometeu um erro, ao concluir pela inexistência de prova de um crédito da AOI sobre a Mindo, bem como de uma possibilidade ou intenção da AOI de intentar uma ação de cobrança desse crédito. Por um lado, a Mindo tinha demonstrado a existência dessa dívida para com a AOI ao apresentar provas que se referem ao Decreto Real n.o 267, de 16 de março de 1942, e o direito efetivo de cobrança da AOI na sua resposta às observações da Comissão sobre os documentos apresentados pela Mindo a pedido do Tribunal Geral. Por outro lado, a Mindo não estava obrigada a demonstrar a intenção da AOI de cobrar o crédito, mas unicamente o direito efetivo daquela de interpor uma ação para esse efeito.

26

Em terceiro lugar, a Mindo alega que o Tribunal Geral apreciou incorretamente o ónus da prova baseando-se na constatação de que «não [era] de excluir» que a AOI tivesse assumido o pagamento da parte da coima que incumbia à Mindo para fundamentar o seu acórdão. A Mindo esclareceu, na audiência, que esta constatação do Tribunal Geral implicava que ficava sem nenhum meio de se defender e constituía uma inversão do ónus da prova. A apreciação global pelo Tribunal Geral da falta de interesse em agir da Mindo assentava em considerações especulativas que se referiam à intenção da AOI e noutras contingências desprovidas de pertinência.

27

A este propósito, a Comissão responde que a parte da coima que incumbia à Mindo foi integralmente paga pela AOI, que, à data da prolação do acórdão recorrido, não tinha ainda intentado qualquer ação para obter o seu reembolso e que existia entre estas duas entidades um acordo oculto, segundo o qual a AOI assumiria a responsabilidade do comportamento anticoncorrencial da Mindo.

28

Segundo a Comissão, o Tribunal Geral não baseou a sua argumentação em considerações ligadas ao direito italiano, mas numa série de observações factuais que contrariam a proposta de que a AOI tinha o direito de intentar uma ação de cobrança contra a Mindo. A este propósito, a Comissão esclareceu, na audiência, que, em seu entender, «numa situação normal» e na inexistência de outro qualquer acordo, o pagamento pela AOI do montante da coima que incumbia à Mindo tinha como consequência, em conformidade com o direito italiano em vigor, o direito da AOI de intentar uma ação contra a Mindo para obter o reembolso desse montante, mas que o Tribunal, baseando-se nas provas produzidas, tinha considerado que a AOI e a Mindo deviam ter concluído um acordo, por força do qual a AOI deixava de ter o direito de intentar uma ação contra a Mindo para esse efeito.

Apreciação do Tribunal

29

Importa recordar que o dever de fundamentação dos acórdãos resulta do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo estatuto, e do artigo 81.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Segundo jurisprudência assente, a fundamentação de um acórdão do Tribunal Geral deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio deste, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v. acórdão de 19 de dezembro de 2012, Mitteldeutsche Flughafen e Flughafen Leipzig-Halle/Comissão, C-288/11 P, n.o 83 e jurisprudência referida).

30

Há que referir, além disso, que a falta ou a insuficiência de fundamentação cabe na violação de formalidades substanciais e constitui um fundamento de ordem pública que deve ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v., neste sentido, acórdão de 30 de março de 2000, VBA/Florimex e o., C-265/97 P, Colet., p. I-2061, n.o 114, e despacho de 7 de dezembro de 2011, Deutsche Bahn/IHMI, C-45/11 P, n.o 57).

31

Impõe-se referir que várias conclusões de acórdão recorrido estão viciadas de uma tal insuficiência de fundamentação.

32

Em primeiro lugar, importa recordar que, na decisão controvertida, a Comissão aplicou à AOI e à Mindo uma coima de 10 milhões de euros, especificando que a Mindo era responsável solidariamente pelo pagamento de 3,99 milhões de euros. Conforme o Tribunal Geral realçou no n.o 82 do acórdão recorrido, em 14 de fevereiro de 2006, a AOI pagou integralmente o montante da coima.

33

O Tribunal Geral declarou acertadamente que, nos termos do artigo 2.o da decisão controvertida, a Mindo é uma das sociedades destinatárias desta decisão e que era solidariamente responsável pelo pagamento de 3,99 milhões de euros de coima.

34

No n.o 85 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou que «a anulação ou a alteração da decisão controvertida nos termos peticionados pela [Mindo] não lhe traria qualquer vantagem, na medida em que a coima que lhe foi aplicada já foi integralmente paga pela [AOI], sua codevedora solidária, e que esta última […] não atuou contra si para obter o reembolso de parte do montante da coima paga, apesar de terem passado mais de cinco anos sobre o referido pagamento». O Tribunal Geral declarou ainda, no n.o 87 do acórdão recorrido, que a Mindo não tinha demonstrado de forma cabal que a AOI detinha um crédito sobre si.

35

Todavia, a Mindo alegou, a este propósito, no Tribunal Geral, que o pagamento pela AOI da integralidade da coima criou na esfera desta um crédito a que a Mindo pode responder enquanto devedora solidária de uma parte da coima aplicada pela Comissão a essas duas empresas.

36

Resulta, além disso, das respostas da Mindo às questões colocadas pelo Tribunal Geral, em 6 de janeiro de 2011, «que uma parte ligada por uma obrigação solidária pode, após ter pagado integralmente a dívida ao credor, pedir aos outros devedores solidários o reembolso do montante da dívida paga em seu nome». Resulta, aliás, das observações da Comissão sobre os documentos apresentados por força do artigo 64.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, em 21 de fevereiro de 2011, que era pacífico entre as partes que o direito italiano relativo à contribuição entre partes solidariamente responsáveis por um crédito confere à AOI o direito de pedir à Mindo que contribua para o pagamento da coima.

37

Ora, apesar desta argumentação, o Tribunal Geral afirmou que o pagamento pela AOI da totalidade da coima não bastava para que esta tivesse um crédito pelo qual a Mindo pudesse responder enquanto devedora solidária da coima. A este propósito, há que declarar que o Tribunal Geral não fundamentou de modo cabal esta apreciação.

38

Por outro lado, a Mindo suscitou reiteradamente perante o Tribunal Geral, como resulta do n.o 72 do acórdão recorrido e dos autos, a questão da prescrição do direito da AOI de intentar uma ação e, em especial, o argumento segundo o qual a AOI dispõe, desde a data em que pagou integralmente o montante da coima que a Comissão tinha aplicado às duas sociedades, do direito de exercer uma ação contra a Mindo que lhe permita reclamar uma participação relativa à parte respetiva da coima. A Mindo alegou que este direito só prescreve em 14 de fevereiro de 2016.

39

Ora, o Tribunal Geral limitou-se a afirmar, a este propósito, que «passa[ram] mais de cinco anos» desde o pagamento feito pela AOI e que a Mindo não tinha demonstrado cabalmente que a AOI «estava em condições» de cobrar esse crédito, sem para isso verificar se o direito da AOI de exercer a ação em causa estava ou não prescrito, ainda que a Mindo tenha invocado as disposições de direito italiano relativas à prescrição de dez anos da ação do codevedor solidário e os argumentos invocados, a este propósito, tenham sido apresentados de modo suficientemente claro e preciso para permitir ao Tribunal Geral tomar uma decisão.

40

Nestas circunstâncias, há que considerar que o Tribunal Geral não podia, pelo facto de a AOI ter pagado a dívida da Mindo, mas sem de modo algum explicar por que é que esse pagamento não bastava para que a AOI tivesse direito a um crédito, concluir, como fez, respetivamente, nos n.os 85 e 87 do acórdão recorrido, que a anulação ou a alteração da decisão controvertida não trazia nenhuma vantagem à Mindo e que esta não tinha demonstrado cabalmente que a AOI tinha um crédito sobre si.

41

Decorre dos elementos precedentes que, ao não responder, assim, a uma parte central da argumentação da Mindo, o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação que lhe incumbia por força do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, que lhe é aplicável por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo estatuto, e do artigo 81.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

42

Em segundo lugar, o Tribunal Geral, no n.o 87 do acórdão recorrido, afirmou que, a admitir que a AOI detivesse um crédito sobre a Mindo, esta também não demonstrou de forma cabal que a AOI estava «em condições» de cobrar o seu crédito.

43

Ora, resulta do n.o 71 do acórdão recorrido que a Mindo alegou no Tribunal Geral que, nos termos do direito italiano em vigor, podia ser confrontada futuramente com uma ação de regresso da AOI. Na resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral, em 20 de maio de 2011, a Mindo explicou, nomeadamente, que, nos termos do direito italiano, os «titulares de créditos nascidos anteriormente ao julgamento», como a AOI, podem, mesmo após o termo da execução da concordata preventiva, intentar uma ação contra a Mindo para obter uma injunção de pagamento, respeitando as percentagens e os prazos fixados na concordata preventiva.

44

Para responder a este argumento, o Tribunal Geral não podia portanto limitar-se a salientar, como fez, no n.o 91 do acórdão recorrido, que a Mindo não tinha fornecido nenhuma explicação relativamente às razões pelas quais qualificava a AOI de «credor anterior» ou às razões pelas quais esta última não tinha tentado apresentar o seu crédito.

45

Além disso, enquanto a Mindo sustentava que a AOI estava em condições de lhe reclamar o seu crédito, o Tribunal Geral não atendeu ao argumento que a Mindo considerava determinante a este propósito e segundo o qual, como resultava de uma resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral em 8 de julho de 2011, a concordata preventiva permitia à empresa em situação de suspensão de pagamentos escalonar a sua dívida com os seus credores e prosseguir, assim, as suas atividades.

46

Daqui resulta que a fundamentação fornecida pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido não mostra clara e inequivocamente, permitindo ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional, as razões pelas quais considerou que a Mindo não tinha demonstrado cabalmente que a AOI estava em condições de cobrar o seu crédito e, por conseguinte, esta fundamentação não cumpre a exigência colocada pela jurisprudência exposta no n.o 29 do presente acórdão.

47

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral, no n.o 87 do acórdão recorrido, afirmou que, mesmo admitindo que a AOI detivesse um crédito sobre a Mindo, esta última também não tinha demonstrado de forma cabal que a AOI «tinha a intenção» de cobrar o seu crédito.

48

Assim, o Tribunal Geral exigiu à Mindo que produzisse prova da intenção da AOI de cobrar o seu crédito. Esta exigência resulta também do n.o 91 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral considerou que a Mindo não tinha fornecido nenhuma explicação sobre os motivos pelos quais a AOI nem sequer tinha tentado apresentar o seu crédito no âmbito do processo de concordata e nem a ele se opôs, apesar das consequências que um tal crédito podia ter na decisão dos outros credores de aderir à proposta de concordata preventiva.

49

Ora, resulta do acórdão recorrido que, por carta de 30 de março de 2011, e em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral, a AOI declarou que tinha a intenção de cobrar o crédito à Mindo, que a sua ação de cobrança do crédito não estava prescrita e que aguardava para o efeito que fosse proferida a decisão de mérito sobre o litígio. Há, por conseguinte, que declarar que este documento não foi objeto de uma apreciação por parte do Tribunal Geral.

50

Ao fazê-lo, o Tribunal Geral sujeitou o interesse em agir da Mindo ao requisito da prova da intenção de um terceiro em intentar contra ela uma ação de cobrança do seu crédito. Por conseguinte, ao fazer recair sobre a Mindo o ónus de uma prova para esta impossível, de modo a poder demonstrar o seu interesse em agir, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

51

Em face do exposto, cumpre declarar que a conclusão extraída pelo Tribunal Geral no n.o 87 do acórdão recorrido assenta numa série de indícios retomados nos n.os 85 e 88 a 92 desse acórdão, à luz dos quais o Tribunal Geral considerou, no n.o 93 do referido acórdão, que «não é de excluir» que a AOI tenha assumido o pagamento da parte da coima que incumbia à Mindo ou que tenha renunciado a pedir-lhe o reembolso.

52

Resulta igualmente do acórdão recorrido que o Tribunal Geral exigiu à Mindo que lhe fornecesse toda a informação e documentos pertinentes sobre qualquer acordo que tivesse concluído com a AOI relativamente ao pagamento da coima feito por esta última e à possibilidade de pedir o reembolso de uma parte da coima paga. Importa realçar, a este propósito, que o próprio Tribunal Geral constatou, no n.o 92 do acórdão recorrido, que os documentos fornecidos pela Mindo em resposta a este pedido não incluíam nenhuma garantia ou indemnização a seu favor quanto à eventual coima que a Comissão lhe aplicasse.

53

A expressão empregue no n.o 93 do acórdão recorrido demonstra o caráter não concludente dos referidos indícios e a constatação de uma mera probabilidade. Ora, a constatação de uma falta de interesse em agir do destinatário de uma decisão da Comissão que lhe aplica uma coima não pode basear-se em simples suposições, em especial quando o Tribunal Geral não teve suficientemente em conta uma série de elementos alegados pela Mindo destinados a dar uma perspetiva diferente das circunstâncias do caso vertente ou a demonstrar que a AOI podia sempre intentar uma ação de regresso e recuperar, pelo menos parcialmente, o seu crédito.

54

Resulta do exposto que, uma vez que, por um lado, a apreciação do Tribunal Geral está viciada de fundamentação insuficiente e, por outro, fez recair sobre a Mindo um ónus de prova impossível, esta pode sustentar fundadamente que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a mesma não demonstrou interesse em agir.

55

Por conseguinte, e sem que seja necessário examinar o segundo fundamento, há que dar provimento ao recurso e anular o acórdão recorrido.

56

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento. No caso em apreço, o litígio não está em condições de ser julgado.

57

Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

 

1)

É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de outubro de 2011, Mindo/Comissão (T-19/06).

 

2)

O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

 

3)

Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.