ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

12 de setembro de 2013 ( *1 )

«Política social — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres — Diretiva 76/207/CEE — Contrato de trabalho de duração determinada celebrado antes da adesão do Estado‑Membro — Ocorrência do termo após a adesão — Regime de emprego que fixa a data do fim do contrato no último dia do ano em que é atingida a idade da reforma — Diferença de idade entre homens e mulheres»

No processo C‑614/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 25 de outubro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de novembro de 2011, no processo

Niederösterreichische Landes‑Landwirtschaftskammer

contra

Anneliese Kuso,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, A. Rosas (relator), E. Juhász, D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 31 de janeiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Niederösterreichische Landes‑Landwirtschaftskammer, por B. Hainz, Rechtsanwalt,

em representação de A. Kuso, por C. Henseler, H. Pflaum, P. Karlberger, W. Opetnik, Rechtsanwälte, e P. Rindler, Rechtsanwältin,

em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e C. Gheorghiu, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), conforme alterada pela Diretiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (JO L 269, p. 15, a seguir «Diretiva 76/207»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Niederösterreichische Landes‑Landwirtschaftskammer (Câmara regional da agricultura do Land da Baixa Áustria, a seguir «NÖ‑LLWK») a A. Kuso, a propósito da cessão da relação de trabalho desta última.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 2.o da Diretiva 76/207 dispõe:

«1.   O princípio da igualdade de tratamento, na aceção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indiretamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.

2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

‘discriminação direta’: sempre que, em razão do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável,

[...]»

4

O artigo 3.o da referida diretiva prevê:

«1.   A aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres significa que não existe discriminação direta ou indireta em razão do sexo, nos sectores público e privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

a)

às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à atividade profissional, incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação, seja qual for o sector ou ramo de atividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo a promoção;

[...]

c)

às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento, bem como a remuneração tal como estabelecido na Diretiva 75/117/CEE;

[...]»

5

A Diretiva 76/207 foi revogada pela Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO L 204, p. 23), com efeitos, conforme precisado no artigo 34.o desta última diretiva, a partir de 15 de agosto de 2009. A Diretiva 2006/54 não é aplicável aos factos do processo principal.

Direito austríaco

6

A Lei relativa à igualdade de tratamento (Gleichbehandlungsgesetz, BGBl. I, 66/2004), que transpõe, designadamente, a Diretiva 76/207, enuncia, no seu artigo 3.o, epigrafado «Igualdade de tratamento nas relações de trabalho»:

«Ninguém pode ser objeto de discriminações diretas ou indiretas baseadas no sexo, designadamente por referência à sua situação matrimonial ou familiar, no âmbito de uma relação de trabalho, em especial

1.

quando da constituição da relação de trabalho,

[…]

3.

quando da concessão de prestações sociais facultativas, além da remuneração,

[…]

7.

quando da cessação da relação de trabalho.»

7

A relação de trabalho de A. Kuso é regulada pela Lei de 1921 sobre o estatuto dos empregados (Angestelltengesetz 1921). Mais especialmente, o artigo 19.o, n.o 1, desta lei enuncia que um contrato de trabalho termina na data de expiração do período pelo qual o mesmo foi celebrado.

8

Resulta da decisão de reenvio que o contrato de trabalho a termo de A. Kuso estava sujeito ao regime de emprego e de remuneração da Niederösterreichische Landes‑Landwirtschaftskammer (Dienst‑ und Besoldungsordnung der Niederösterreichischen Landes‑Landwirtschaftskammer, a seguir «DO»). Deve, no entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, considerar‑se que este dispositivo legal faz parte da regulamentação nacional para a qual se pede ao Tribunal de Justiça que forneça uma interpretação do direito da União.

9

O referido regime limita o direito de despedimento do empregador, estabelecendo um regime especial segundo o qual, salvo culpa grave, os trabalhadores só podem ser despedidos por certos motivos determinados.

10

A DO contém as disposições seguintes:

«§ 25 Cessação da relação de trabalho

1)   A relação de trabalho dos trabalhadores que tenham obtido o estatuto de beneficiário de pensão cessa:

a)

com a reforma temporária ou permanente

[...]

2)   A relação de trabalho dos trabalhadores que tenham obtido o estatuto de trabalhador que não pode ser despedido cessa:

a)

ao ser atingido o limite de idade

[...]

3)   O empregador pode, além disso, pôr termo à relação de trabalho de um trabalhador que tenha obtido o estatuto de trabalhador que não pode ser despedido, contra a vontade deste,

[...]

c)

se, à data em que terminar a relação de trabalho, o trabalhador tiver adquirido, por si próprio, o direito a uma prestação de pensão, em aplicação da legislação em matéria de segurança social.

§ 26 Reforma

1)   A reforma temporária ou permanente do trabalhador, contra a sua vontade, é da exclusiva competência do Comité Diretor da [NÖ‑LLWK] e está sujeita às disposições do regime de pensões.

[...]

§ 65 Passagem à reforma permanente

Os trabalhadores masculinos passam à reforma permanente no termo do ano civil em que completarem 65 anos de idade, e os trabalhadores femininos, no termo do ano civil em que completarem 60 anos de idade.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

A. Kuso trabalhava, desde 1 de março de 1967, na NÖ‑LLWK, ao abrigo de uma relação de trabalho de duração determinada. Em 1 de janeiro de 1980, consentiu, mediante um contrato‑tipo, que integra a DO, em obter o estatuto de trabalhador que não pode ser despedido, estatuto que tem por consequência limitar a duração do contrato prevista no § 25, n.o 2, da DO.

12

A. Kuso completou 60 anos em 2008. Em 18 de julho de 2008, o chefe do serviço do pessoal informou‑a por telefone de que o seu pedido de manutenção no seu emprego para além da idade da reforma tinha sido indeferido na reunião do gabinete da NÖ‑LLWK de 14 de julho de 2008. Esta considerou que a relação de trabalho terminava no final do ano de 2008. Por carta de 25 de julho de 2008, A. Kuso foi informada de que não tinha sido aprovada a prorrogação do seu contrato de trabalho para além de 31 de dezembro de 2008 e que a sua relação de trabalho era considerada extinta em 31 de dezembro de 2008.

13

A. Kuso contestou a licitude da rutura da sua relação de trabalho, no Landesgericht Korneuburg. A decisão proferida por este em 21 de janeiro de 2009, que lhe era desfavorável, foi reformada por um acórdão proferido em 18 de março de 2010 pelo Oberlandesgericht Wien, pronunciando‑se enquanto jurisdição de recurso em matéria de direito do trabalho e de segurança social. A NÖ‑LLWK interpôs recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof.

14

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, por um lado, que a DO, que faz parte integrante do contrato de trabalho de A. Kuso, prevê, designadamente, que a relação de trabalho cessa no último dia do ano em que o trabalhador atinge a idade da reforma. Ora, a idade em questão é diferente em função do sexo dos trabalhadores, ou seja, 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens. Além disso, o contrato de trabalho em causa foi celebrado antes da adesão da República da Áustria à União Europeia, ao passo que o contrato cessou posteriormente a essa adesão. Tendo em conta os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima bem como o lugar que ocupa o direito à igualdade de tratamento entre homens e mulheres, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o âmbito de aplicação temporal e material da Diretiva 76/207.

15

O Oberster Gerichtshof salienta, por outro lado que, embora o processo principal apresente algumas semelhanças com o processo que deu lugar ao acórdão de 18 de novembro de 2010, Kleist (C-356/09, Colet., p. I-11939), distingue‑se dele, pelo menos, em dois aspetos.

16

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, no processo que deu origem ao acórdão Kleist, já referido, tinha sido posto fim à relação de trabalho de C. Kleist com base numa convenção coletiva, considerada norma de aplicação geral, ao passo que a relação de trabalho de A. Kuso é regida por um contrato individual de trabalho celebrado a termo.

17

Em segundo lugar, no referido processo, a relação de trabalho tinha cessado por despedimento. Ora, esse despedimento não se verificou no caso de A. Kuso. No processo principal, a relação de trabalho é baseada num contrato de trabalho a termo e cessou no fim do contrato. Dado que tais relações de trabalho cessam normalmente com a ocorrência do termo, sem ser necessário uma declaração para o efeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, portanto, se há que distinguir as circunstâncias do processo principal das que levaram o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se no acórdão Kleist, já referido, ou se é possível transpor para o processo principal a solução dada pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão.

18

Por entender que a decisão do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação do direito da União, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As alíneas a) e c) do n.o 1 do artigo 3.o da Diretiva 76/207 […], na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2002/73 […], opõem‑se a uma regulamentação nacional nos termos da qual a problemática da discriminação em razão do sexo relacionada com a cessação de uma relação de trabalho que ocorre exclusivamente devido ao decurso do prazo de um contrato individual de trabalho a prazo celebrado antes da entrada em vigor da referida diretiva (in casu, antes da adesão da Áustria à União Europeia) não deve ser apreciada em função da cláusula contratual que fixa o prazo do contrato de trabalho, como ‘condição de despedimento’ estipulada antes da adesão, mas em função da rejeição do pedido de renovação do contrato de trabalho, como ‘condição de contratação’?»

Quanto à questão prejudicial

19

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) ou c), da Diretiva 76/207 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, composta por um regime de emprego que faz parte integrante de um contrato de trabalho celebrado antes da adesão do Estado‑Membro em questão à União, que prevê que a relação de trabalho cessa ao ser atingida a idade da reforma, fixada de maneira diferente em função do sexo do trabalhador, é constitutiva de uma discriminação proibida pela referida diretiva, quando o trabalhador em causa atinge essa idade numa data posterior à referida adesão.

Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

20

A NÖ‑LLWK considera que, no processo principal, a ocorrência do termo do contrato é, por si só, suficiente para fazer cessar a relação de trabalho. Ora, a relação de trabalho de A. Kuso terminou, não por despedimento mas por ter chegado ao fim o contrato de trabalho de duração determinada. O artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207, uma vez que diz unicamente respeito aos despedimentos, não pode ser invocado. Além disso, sendo o regime de emprego que regula o contrato de trabalho em causa no processo principal anterior à adesão da República da Áustria à União, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não pode ser constitutiva de discriminação na aceção da referida diretiva. A NÖ‑LLWK considera, portanto, que a questão submetida deveria unicamente ser considerada na perspetiva de uma «condição de contratação», o que implica examinar esta questão tendo em conta o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 76/207.

21

Em contrapartida, A. Kuso e a Comissão Europeia sustentam que a questão submetida deve ser unicamente examinada na perspetiva do fim da relação de trabalho. Sendo o contrato de trabalho um contrato de execução sucessiva, importa observar que, a partir da adesão da República da Áustria à União, os efeitos desse contrato ficaram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 76/207. Em consequência, trata‑se de rejeitar o argumento relativo à anterioridade da celebração do contrato de trabalho em causa no processo principal em relação à dita adesão e de examinar a referida questão à luz do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva.

Resposta do Tribunal de Justiça

22

Importa determinar se, como sustentam A. Kuso e a Comissão, a cessação da relação de trabalho com base no artigo 25.o, n.o 2, alínea a), da DO está abrangida pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207.

23

Em primeiro lugar, há que se interrogar sobre a aplicabilidade desta última disposição, rationae temporis, numa situação como a que está em causa no processo principal.

24

As regras da União de direito material devem ser interpretadas, com vista a garantir o respeito dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, como referindo‑se a situações adquiridas anteriormente à sua entrada em vigor apenas na medida em que resulte claramente dos próprios termos, das suas finalidades ou da sua economia que esse efeito lhes deve ser atribuído (v., nomeadamente, acórdão de 29 de janeiro de 2002, Pokrzeptowicz‑Meyer, C-162/00, Colet., p. I-1049, n.o 49 e jurisprudência referida).

25

Importa no entanto recordar que uma regra nova é imediatamente aplicável aos efeitos futuros de uma situação surgida na vigência da regra antiga (acórdão de 10 de julho de 1986, Licata/CES, 270/84, Colet., p. 2305, n.o 31, e acórdão Pokrzeptowicz‑Meyer, já referido, n.o 50). O Tribunal de Justiça decidiu igualmente que, a partir da adesão, as disposições dos Tratados originários vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis neles, nas condições previstas por esses Tratados e pelo ato de adesão em causa (v. acórdão de 2 de outubro de 1997, Saldanha e MTS, C-122/96, Colet., p. I-5325, n.o 13).

26

No que diz respeito à Diretiva 76/207 e ao processo principal, o Ato relativo às condições de Adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1) entrou em vigor em 1 de janeiro de 1995. O artigo 2.o do ato de adesão estabelece que, «[a] partir da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas Instituições antes da adesão vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nestes Estados nos termos desses Tratados e do presente ato». A este respeito, o anexo XV do referido ato, para o qual remete o artigo 151.o deste, visa explicitamente a Diretiva 76/207.

27

Uma vez que as disposições deste mesmo ato não previram condições específicas quanto à aplicação da Diretiva 76/207, com exceção de uma derrogação temporal no que diz respeito ao trabalho noturno das mulheres, que figura no anexo XV, ponto V, do ato de adesão atrás referido, situação que não constitui objeto do processo principal, esta última vincula, portanto, a República da Áustria desde a data da sua adesão à União, pelo que se aplica aos efeitos futuros das situações surgidas antes da adesão deste Estado‑Membro à União (v., neste sentido, acórdão Saldanha e MTS, já referido, n.o 14).

28

Importa seguidamente afastar o argumento adiantado pela NÖ‑LLKW, segundo o qual, ao invocar a aplicação, a partir da adesão da República da Áustria à União, das disposições da Diretiva 76/207, a fim de contestar a cessação da sua relação de trabalho, A. Kuso tentaria pôr em causa direitos adquiridos antes dessa adesão e comprometeria o princípio da proteção da confiança legítima do seu empregador.

29

Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que um contrato de trabalho de duração determinada, que tinha sido celebrado antes da entrada em vigor do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, concluído e aprovado, em nome da Comunidade, através da Decisão 93/743/CE, CECA, Euratom do Conselho e da Comissão, de 13 de dezembro de 1993 (JO L 348, p. 1), não esgotava os seus efeitos jurídicos na data da sua assinatura, mas continuava, pelo contrário, a produzir regularmente os seus efeitos durante toda a sua vigência (v., neste sentido, acórdão Pokrzeptowicz‑Meyer, já referido, n.o 52).

30

Além disso, o âmbito de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima não pode ser alargado a ponto de impedir, de modo geral, que uma nova regulamentação se aplique aos efeitos futuros de situações surgidas na vigência da regulamentação anterior (v., neste sentido, acórdão Pokrzeptowicz‑Meyer, já referido, n.o 55).

31

Nestas circunstâncias, a NÖ‑LLKW não podia legitimamente esperar que a Diretiva 76/207 não exercesse nenhuma influência nas regras que regulam o contrato celebrado em 1980, que adquirem pertinência somente no final desse contrato. Consequentemente, não se pode considerar que a aplicação desta diretiva, a partir da adesão da República da Áustria à União, para contestar a cessação da relação de trabalho em causa no processo principal afete uma situação anteriormente adquirida.

32

Em segundo lugar, há que recordar que o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente, por um lado, que o artigo 3.o da Diretiva 76/207, que corresponde ao artigo 5.o desta diretiva, na sua versão original, é incondicional e suficientemente preciso para ser invocado por um particular contra o Estado (v. acórdãos de 26 de fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colet., p. 723, n.o 52, e de 12 de julho de 1990, Foster e o., C-188/89, Colet., p. I-3313, n.o 21), e, por outro, que, entre as entidades contra as quais podem ser invocadas as disposições de uma diretiva suscetíveis de ter efeito direto, figura um organismo que, independentemente da sua forma jurídica, foi incumbido, por força de um ato da autoridade pública, de cumprir, sob controlo desta, um serviço de interesse público e que dispõe, para o efeito, de poderes exorbitantes face às regras aplicáveis nas relações entre particulares (v., neste sentido, acórdão Foster e o., já referido, n.o 22). Como indica o órgão jurisdicional de reenvio, e esta afirmação não é contestada pelas partes no processo principal nem pela Comissão, a NÖ‑LLWK faz parte dos organismos dotados de poderes exorbitantes face às regras aplicáveis nas relações entre particulares.

33

Em terceiro lugar, importa determinar se o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que prevê que uma relação de trabalho cessa em razão do termo do contrato de trabalho por referência a uma idade diferente para os homens e para as mulheres é constitutiva de discriminação na aceção da referida diretiva.

34

Recorde‑se, por um lado, que o fim do contrato de trabalho de duração determinada em causa no processo principal é estabelecido por referência a um regime de emprego, a DO, que faz parte integrante do dito contrato de trabalho, e, por outro, que este regime de emprego prevê uma idade distinta de aquisição do direito à reforma para os trabalhadores do sexo masculino e do sexo feminino.

35

É certo que o Tribunal de Justiça decidiu que a não renovação de um contrato de trabalho de duração determinada, quando este chegou ao seu termo normal, não pode, em princípio, ser equiparada a um despedimento (v., neste sentido, acórdão de 4 de outubro de 2001, Jiménez Melgar, C-438/99, Colet., p. I-6915, n.o 45).

36

No entanto, é jurisprudência assente que, no domínio da igualdade de tratamento, o conceito de despedimento é entendido em sentido amplo (v. acórdão de 16 de fevereiro de 1982, Burton, 19/81, Recueil, p. 555, n.o 9; acórdão Marshall, já referido, n.o 34; acórdãos de 26 de fevereiro de 1986, Beets‑Proper, 262/84, Colet., p. 773, n.o 36, e de 21 de julho de 2005, Vergani, C-207/04, Colet., p. I-7453, n.o 27; e acórdão Kleist, já referido, n.o 26).

37

Mais especificamente, o Tribunal de Justiça decidiu, por um lado, que, no âmbito da Diretiva 76/207, o termo «despedimento» deve ser entendido de modo a incluir a cessação do vínculo de emprego entre o trabalhador e o seu empregador, mesmo no quadro de um regime de partida voluntária (acórdão Burton, já referido, n.o 9), e, por outro, que uma política geral de despedimento, que implica o despedimento de uma mulher pelo simples motivo de ter atingido ou ultrapassado a idade em que adquire o direito a uma pensão do Estado, que é diferente para os homens e para as mulheres por força da legislação nacional, constitui uma discriminação baseada no sexo, proibida por esta diretiva (v. acórdãos, já referidos, Marshall, n.o 38, e Kleist, n.o 28).

38

Ora, como sublinha a Comissão nas suas observações escritas, por um lado, devido ao seu carácter vinculativo e, por outro, por referência a uma idade de reforma diferente para os trabalhadores do sexo masculino e os do sexo feminino, o regime de emprego em causa no processo principal é comparável ao que foi apreciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kleist, já referido.

39

Consequentemente, no processo principal, a cessação da relação de trabalho de A. Kuso, por força do artigo 25.o, n.o 2, alínea a), da DO, é equiparada a um despedimento, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207.

40

Importa seguidamente determinar se a referida cessação da relação de trabalho constitui um despedimento proibido na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207. Para isso, importa examinar se o motivo do despedimento é ou não constitutivo de uma discriminação direta ou indireta baseada no sexo, na aceção do artigo 2.o da referida diretiva.

41

De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, primeiro travessão, da Diretiva 76/207, é constitutiva de uma «discriminação direta» a situação em que, em razão do sexo, uma pessoa é, tenha sido ou possa vir a ser tratada de maneira menos favorável do que uma outra numa situação comparável.

42

Neste caso, resulta do artigo 25.o da DO que a relação de trabalho dos trabalhadores termina quando estes atingem a idade da reforma. Ora, por força dos artigos 26.° e 65.° da DO, a idade da reforma é aos 65 anos para os trabalhadores do sexo masculino e aos 60 anos para os trabalhadores do sexo feminino.

43

Uma vez que o critério utilizado pelas referidas disposições faz expressamente referência ao sexo dos trabalhadores, importa, portanto, concluir que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal é constitutiva de uma diferença de tratamento baseada diretamente no sexo.

44

Para determinar se a referida diferença de tratamento constitui uma discriminação proibida na aceção da Diretiva 76/207, é necessário examinar se, em circunstâncias como as descritas no processo principal, os trabalhadores do sexo masculino e os do sexo feminino se encontram numa situação comparável.

45

É jurisprudência constante que o carácter comparável das situações pode ser examinado, nomeadamente, tendo em conta o objeto da regulamentação nacional que estabelece a diferença de tratamento (v., neste sentido, acórdão de 9 de dezembro de 2004, Hlozek, C-19/02, Colet., p. I-11491, n.o 46, e acórdão Kleist, já referido, n.o 34).

46

No processo principal, os artigos 25.°, 26.° e 65.° da DO, que estabelecem a diferença de tratamento entre homens e mulheres, têm por objeto as condições em que pode ser posto fim à relação de trabalho dos assalariados.

47

A vantagem concedida aos trabalhadores femininos, que consiste em poder aceder à pensão de reforma cinco anos antes da idade que é fixada para os trabalhadores masculinos, não tem relação direta com o objeto da regulamentação que estabelece uma diferença de tratamento.

48

A referida vantagem não coloca os trabalhadores do sexo feminino numa situação específica em relação aos trabalhadores do sexo masculino, encontrando‑se os homens e as mulheres em situações idênticas no que se refere às condições de cessação da relação de trabalho (v. acórdão Kleist, já referido, n.o 37 e jurisprudência referida).

49

Importa, pois, concluir que os trabalhadores do sexo masculino e os do sexo feminino se encontram numa situação comparável.

50

De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 76/207, que estabelece uma distinção entre as discriminações diretas e as discriminações indiretas, apenas as segundas podem escapar à qualificação de discriminação, se forem «objetivamente justificad[as] por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários». Essa possibilidade não está, em contrapartida, prevista para as discriminações diretas.

51

Visto que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal é, como resulta do n.o 43 do presente acórdão, constitutiva de uma diferença de tratamento baseada diretamente no sexo, a discriminação por ela estabelecida não pode ter uma justificação objetiva.

52

Nestas circunstâncias, uma vez que o Tribunal de Justiça salientou, por um lado, que a diferença de tratamento instituída por uma regulamentação como a que está em causa no processo principal é diretamente baseada no sexo e que os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos se encontram numa situação comparável e que, por outro, a Diretiva 76/207 não contém nenhuma derrogação aplicável às discriminações diretas, há que concluir que esta diferença de tratamento constitui uma discriminação direta baseada no sexo, proibida por esta diretiva.

53

Deve, portanto, responder‑se à questão submetida que o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, composta por um regime de emprego que faz parte integrante de um contrato de trabalho celebrado antes da adesão do Estado‑Membro em causa à União, que prevê que a relação de trabalho cessa ao ser atingida a idade da reforma, fixada de maneira diferente em função do sexo do trabalhador, é constitutiva de uma discriminação direta, proibida pela referida diretiva, quando o trabalhador em causa atinge essa idade numa data posterior à referida adesão.

Quanto às despesas

54

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, conforme alterada pela Diretiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, composta por um regime de emprego que faz parte integrante de um contrato de trabalho celebrado antes da adesão do Estado‑Membro em causa à União Europeia, que prevê que a relação de trabalho cessa ao ser atingida a idade da reforma, fixada de maneira diferente em função do sexo do trabalhador, é constitutiva de uma discriminação direta, proibida pela referida diretiva, quando o trabalhador em causa atinge essa idade numa data posterior à referida adesão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.