ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

11 de julho de 2013 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recurso de anulação — Proteção contra as encefalopatias espongiformes transmissíveis — Regulamento (CE) n.o 746/2008 — Regulamento que autoriza medidas de vigilância e de erradicação menos rigorosas do que as previstas anteriormente — Princípio da precaução — Nível de proteção da saúde humana — Elementos novos que podem alterar a perceção do risco — Falta de fundamentação — Desvirtuação dos factos — Erro de direito»

No processo C-601/11 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 28 de novembro de 2011,

República Francesa, representada por E. Belliard, C. Candat, R. Loosli-Surrans, G. de Bergues e S. Menez, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por F. Jimeno Fernández e D. Bianchi, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus (relator), M. Safjan e A. Prechal, juízes,

advogado-geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Através do presente recurso, a República Francesa pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de setembro de 2011, França/Comissão (T-257/07, Colet., p. II-5827, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso de anulação parcial do Regulamento (CE) n.o 746/2008 da Comissão, de 17 de junho de 2008, que altera o Anexo VII do Regulamento (CE) n.o 999/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para a prevenção, o controlo e a erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis (JO L 202, p. 11, a seguir «regulamento impugnado»).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 178/2002

2

O artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1), dispõe:

«1.   Nos casos específicos em que, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistam incertezas a nível científico, podem ser adotadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de proteção da saúde por que se optou na [União], enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos.

2.   As medidas adotadas com base no n.o 1 devem ser proporcionadas e não devem impor mais restrições ao comércio do que as necessárias para se alcançar o elevado nível de proteção por que se optou na Comunidade, tendo em conta a viabilidade técnica e económica e outros fatores considerados legítimos na matéria em questão. Tais medidas devem ser reexaminadas dentro de um prazo razoável, consoante a natureza do risco para a vida ou a saúde e o tipo de informação científica necessária para clarificar a incerteza científica e proceder a uma avaliação mais exaustiva do risco.»

Regulamento (CE) n.o 999/2001

3

O Regulamento (CE) n.o 999/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, que estabelece regras para a prevenção, o controlo e a erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis (JO L 147, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 722/2007 da Comissão, de 25 de junho de 2007 (JO L 164, p. 7, a seguir «Regulamento n.o 999/2001»), prevê, no artigo 13.o, n.o 1:

«Quando a presença de uma [encefalopatia espongiforme transmissível (a seguir ‘EET’)] é oficialmente confirmada, devem ser rapidamente aplicadas as seguintes medidas mínimas:

[…]

b)

Deve-se efetuar um inquérito para identificar todos os animais de risco, nos termos do Anexo VII, ponto 1;

c)

Todos os animais e produtos de origem animal referidos no ponto 2 do Anexo VII do presente regulamento que tenham sido considerados de risco no inquérito referido na alínea b) do presente número são abatidos e eliminados em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1774/2002 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de outubro de 2002, que estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano (JO L 273, p. 1)].

[...]»

4

O artigo 23.o do Regulamento n.o 999/2001 tem a seguinte redação:

«Após consulta do comité científico adequado sobre qualquer questão suscetível de afetar a saúde pública, os anexos são alterados ou completados e será adotada qualquer medida transitória adequada, nos termos do n.o 2 do artigo 24.o

[…]»

5

O artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 dispõe:

«As decisões a aprovar de acordo com um dos procedimentos a que se refere o artigo 24.o devem basear-se numa avaliação adequada dos eventuais riscos para a saúde humana e animal e devem, à luz das provas científicas existentes, manter ou aumentar, se tal se justificar do ponto de vista científico, o nível de proteção da saúde humana e animal garantido na [União].»

6

Antes da entrada em vigor do Regulamento (CE) n.o 727/2007 da Comissão, de 26 de junho de 2007, que altera os Anexos I, III, VII e X do Regulamento n.o 999/2001 (JO L 165, p. 8), o Anexo VII do Regulamento n.o 999/2001, intitulado «Erradicação da encefalopatia espongiforme transmissível», previa:

«1.

O inquérito referido no n.o 1, alínea b), do artigo 13.o deve identificar:

[…]

b)

No que respeita aos ovinos e caprinos:

todos os outros ruminantes não pertencentes às espécies ovina e caprina existentes na exploração do animal em que a doença foi confirmada,

na medida em que sejam identificáveis, os progenitores e, no caso das fêmeas, todos os embriões, óvulos e a última progenitura da fêmea em que a doença foi confirmada,

todos os outros ovinos e caprinos existentes na exploração do animal em que a doença foi confirmada, para além dos referidos no segundo travessão,

a eventual origem da doença e a identificação de outras explorações em que existam animais, embriões ou óvulos que possam ter sido infetados pelo agente da EET ou ter sido expostos aos mesmos alimentos ou fonte de contaminação,

a circulação de alimentos potencialmente contaminados, de outras matérias ou de quaisquer outros meios de transmissão que possam ter transmitido o agente da [encefalopatia espongiforme bovina (a seguir ‘EEB’)] da exploração em causa ou para ela.

2.

As medidas previstas no n.o 1, alínea c), do artigo 13.o incluirão, pelo menos:

[…]

b)

Caso se confirme a existência de EET num ovino ou num caprino, a partir de 1 de outubro de 2003, de acordo com a decisão da autoridade competente:

i)

quer o abate e a destruição total de todos os animais, embriões e óvulos identificados através do inquérito referido na alínea b), segundo e terceiro travessões, do ponto 1,

ii)

[quer] o abate e a destruição total de todos os animais, embriões e óvulos identificados através do inquérito referido na alínea b), segundo e terceiro travessões, do ponto 1, com exceção de [animais geneticamente não sensíveis ou com menos de dois meses que se destinem exclusivamente ao abate];

iii)

se o animal infetado tiver provindo de outra exploração, um Estado-Membro pode decidir, com base nos antecedentes do caso, aplicar medidas de erradicação na exploração de origem para além, ou em vez, da exploração em que a infeção foi confirmada; no caso da terra usada para pastagem comum por mais de um efetivo, os Estados-Membros podem decidir limitar a aplicação dessas medidas a um único efetivo, com base na ponderação fundamentada de todos os fatores epidemiológicos; se numa exploração existir mais do que um efetivo, os Estados-Membros podem decidir limitar a aplicação das medidas ao efetivo em que se confirmou o tremor epizoótico, desde que se tenha verificado que os efetivos permaneceram isolados um do outro e que é improvável a propagação da infeção entre as existências, através de contacto direto ou indireto.

c)

Caso se confirme a existência de EEB num ovino ou caprino, o abate e a destruição total de todos os animais, embriões e óvulos identificados através do inquérito referido na alínea b), segundo a quinto travessões, do ponto 1.

[…]»

Regulamento impugnado

7

O regulamento impugnado alterou o Anexo VII do Regulamento n.o 999/2001, reproduzindo de forma quase idêntica o texto deste anexo, na sua redação resultante do Regulamento n.o 727/2007.

8

As disposições contestadas pela República Francesa no âmbito do presente recurso são os pontos 2.3, alínea b), iii), e alínea d), e 4 do capítulo A do Anexo VII do Regulamento n.o 999/2001 (a seguir, conjuntamente, «medidas impugnadas»).

9

O ponto 2.3, alínea b), iii), do referido capítulo A prevê as condições em que os Estados-Membros podem decidir, caso se confirme a existência de EET num ovino ou num caprino e se se puder excluir a presença de EEB em conformidade com os procedimentos de testes estabelecidos pelo Regulamento n.o 999/2001, não abater nem destruir todos os animais identificados, quando for baixa a frequência dos ovinos geneticamente resistentes na exploração, quando for difícil obter ovinos de substituição resistentes, para preservar a riqueza genética de uma criação ou raça, ou ainda com base numa ponderação fundamentada de todos os fatores epidemiológicos.

10

Por força do ponto 2.3, alínea d), do capítulo A do Anexo VII do Regulamento n.o 999/2001, os Estados-Membros podem decidir, em certas condições, substituir o abate e a destruição dos animais pelo abate para consumo humano, desde que os animais sejam abatidos no território do Estado-Membro em causa e que todos os animais que tenham mais de 18 meses ou que apresentem mais de dois incisivos definitivos que já tenham rompido a gengiva sejam submetidos a testes de despistagem da EET.

11

O ponto 4 do mesmo capítulo fixa as condições de manutenção em exploração dos animais provenientes de um efetivo infetado pela EET e do seu abate para consumo humano nos dois anos depois da deteção do último caso de EET. Dispõe que todos os animais com mais de 18 meses abatidos para consumo humano serão submetidos a testes de despistagem da EET.

Antecedentes do litígio e regulamento impugnado

12

Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.o 12 a 46 do acórdão recorrido e podem ser resumidos da forma que se segue.

13

As EET são doenças neurodegenerativas que afetam tanto os seres animais como os humanos e cuja evolução é lenta e o desfecho fatal. Entre as EET que podem afetar os ovinos, os caprinos ou os bovinos, é possível distinguir as seguintes patologias: a EEB, o tremor epizoótico clássico e o tremor epizoótico atípico.

14

Uma vez que era teoricamente possível que a EEB, doença transmissível ao homem, também infetasse os ovinos e os caprinos em condições naturais, foram introduzidas na legislação da União diversas medidas para a prevenção e a erradicação das EET nos ovinos e caprinos.

15

Em 22 de maio de 2001, foi adotado o Regulamento n.o 999/2001, que reúne no seio de um mesmo diploma o conjunto das disposições existentes em matéria de luta contra as EET. Este regulamento prevê medidas para os animais suspeitos de terem sido infetados por uma EET e medidas a seguir em caso de constatação da presença de uma EET nos animais, incluindo a destruição dos animais de risco. Além disso, este regulamento impõe a cada Estado-Membro a instituição de um programa anual de vigilância das EET, que é feita, nomeadamente, com base numa despistagem através de testes ditos «rápidos» efetuados em amostras da população de ovinos e caprinos.

16

Os testes rápidos permitem identificar num período de tempo reduzido a existência de uma EET, mas não determinar o seu tipo, a saber, a EEB, o tremor epizoótico clássico ou o tremor epizoótico atípico. Quando os resultados destes testes rápidos são positivos, o tronco cerebral é sujeito a exames de confirmação num laboratório de referência. Quando, na sequência destes testes, não pode ser excluída a EEB, estes testes são completados por testes biológicos efetuados em ratos vivos.

17

O Regulamento n.o 999/2001 foi modificado diversas vezes entre 2001 e 2007. Estas medidas incidiram designadamente sobre as medidas de combate à EET nos ovinos e caprinos, tendo em conta a evolução dos conhecimentos científicos em matéria de EET, como o desenvolvimento de testes moleculares de discriminação capazes de diferenciar a EEB do tremor epizoótico clássico ou do tremor epizoótico atípico (a seguir «testes de discriminação»). A aplicação dos referidos testes pressupõe a prévia identificação de um caso de EET, que pode ser feita, nomeadamente, por meio de testes rápidos.

18

Em aplicação da regulamentação em vigor em 2005, quando, num efetivo de ovinos ou caprinos, um animal contraísse uma EET que não fosse uma EEB, os Estados-Membros podiam unicamente optar por destruir todos os animais do efetivo a que pertencia o animal infetado ou, caso o animal infetado fosse um ovino, destruir somente os animais geneticamente sensíveis do efetivo, após o genótipo de todos os animais desse efetivo ter sido determinado a fim de distinguir os animais sensíveis e os animais resistentes. Além disso, o Estado-Membro podia não abater os ovinos e os caprinos com menos de dois meses que se destinassem exclusivamente ao abate. Em contrapartida, quando um animal contraísse uma EEB, os Estados-Membros deviam providenciar o abate e a destruição total de todos os ovinos e caprinos, dos embriões, dos óvulos e de todos os animais, bem como a eliminação das matérias e dos outros meios de transmissão.

19

Na sequência da confirmação, em 28 de janeiro de 2005, da presença de uma EEB numa cabra nascida em 2000 e abatida em França em 2002, foi instituído um programa de vigilância reforçada dos caprinos. Trata-se do primeiro caso de infeção por EEB num pequeno ruminante, em condições naturais.

20

Em 15 de julho de 2005, a Comissão Europeia adotou uma comunicação intitulada «Roteiro das EET» [COM(2005) 322 final], na qual anunciou a sua intenção de propor novas medidas destinadas a flexibilizar as medidas de erradicação em vigor para os pequenos ruminantes, tendo em conta os novos instrumentos de diagnóstico disponíveis e mantendo o nível atual de proteção dos consumidores. Esta instituição entendeu designadamente que, quando estivesse excluída a EEB, deixava de haver risco para a saúde pública e o abate total do efetivo podia ser considerado desproporcionado aos interesses da proteção da saúde pública.

21

Em 21 de setembro de 2005, as autoridades francesas solicitaram à Agência Francesa de Segurança Sanitária dos Alimentos (AFSSA) que examinasse, por um lado, os riscos sanitários das medidas propostas pela Comissão no roteiro das EET a respeito dos ovinos e caprinos e, por outro, a fiabilidade dos testes de discriminação.

22

Em 26 de outubro de 2005, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) adotou um parecer sobre a classificação dos casos atípicos de EET nos pequenos ruminantes, recomendando que os programas de vigilância utilizassem uma combinação adequada de testes e amostras, a fim de garantir que continuassem a ser identificados os casos de tremor epizoótico atípico.

23

Entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006, os programas de vigilância das EET instituídos na União Europeia permitiram detetar dois ovinos provenientes de França e um ovino proveniente do Chipre, suspeitos de estarem infetados pela EEB. Na sequência destas deteções, a Comissão instituiu uma vigilância reforçada das EET que afetam os ovinos, no conjunto dos Estados-Membros.

24

Em 15 de maio de 2006, a AFSSA emitiu um parecer no qual se opôs à proposta da Comissão de flexibilizar a política de abate a fim de permitir entregar ao consumo humano carne de animais provenientes de efetivos de pequenos ruminantes infetados pelo tremor epizoótico. Entendeu que não era possível concluir que, com a exceção da EEB, todas as estirpes de EET potencialmente presentes nos pequenos ruminantes, incluindo as formas atípicas, não constituíam risco sanitário para o homem.

25

Na sequência de novos pedidos apresentados pelas autoridades francesas, a AFSSA emitiu, em 15 de janeiro de 2007, um parecer relativo à evolução das medidas de polícia sanitária no qual considerou que os testes de discriminação não permitiam excluir a presença de EEB no animal testado nem, a fortiori, no efetivo a que pertencia e que não se podia excluir a possibilidade de transmissão ao homem de outras estirpes de EET além da EEB. Por conseguinte, a AFSSA recomendou que fosse mantida a regulamentação em vigor em matéria de tremor epizoótico clássico.

26

A pedido da Comissão, a AESA emitiu, em 25 de janeiro e 8 de março de 2007, dois pareceres relativos, respetivamente, a uma avaliação quantitativa do risco residual de EEB na carne de ovinos e nos produtos à base de carne de ovinos e a determinados aspetos do risco criado pela EET nos ovinos e caprinos.

27

Quanto a este primeiro parecer relativo à EEB, a AESA considerou que a sua prevalência mais provável nos ovinos era nula. Quanto ao parecer sobre a EET, entendeu que, mesmo que não houvesse provas de um nexo epidemiológico ou molecular entre o tremor epizoótico, clássico ou atípico, e as EET nos seres humanos, não era possível excluir a transmissão ao homem de agentes das EET animais diversas da EEB. Considerou ainda que os testes discriminatórios descritos na legislação da União se revelavam, até então, fiáveis para distinguir a EEB do tremor epizoótico, clássico e atípico, apesar de nem a sensibilidade de diagnóstico nem a especificidade dos testes de discriminação poderem ser consideradas perfeitas.

28

Na sequência do parecer da AESA de 8 de março de 2007, a Comissão submeteu a votação no Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal, em 24 de abril de 2007, um projeto de regulamento de alteração dos Anexos I, III, VII e X do Regulamento n.o 999/2001.

29

Em 26 de junho de 2007, a Comissão adotou o Regulamento n.o 727/2007, objeto de recurso interposto pela República Francesa para o Tribunal Geral.

30

Em 24 de janeiro de 2008, a pedido da Comissão, a AESA emitiu um parecer intitulado «Clarificação científica e técnica da interpretação e das considerações de determinados aspetos das conclusões do seu parecer de 8 de março de 2007 relativo a determinados aspetos do risco de EET nos ovinos e caprinos». Neste parecer, esclareceu a sua posição sobre as questões da transmissão ao homem das EET animais diversas da EEB e da fiabilidade dos testes de discriminação.

31

Em 30 de abril de 2008, o laboratório de referência publicou um parecer no qual esclareceu que os dois ovinos provenientes de França e o ovino proveniente do Chipre submetidos a testes complementares (v. n.o 23, supra) não podiam ser classificados como casos de EEB.

32

Em 17 de junho de 2008, a Comissão adotou o regulamento impugnado, que altera o Anexo VII do Regulamento n.o 999/2001, conferindo aos Estados-Membros uma escolha mais ampla das medidas a adotar quando um efetivo de ovinos ou de caprinos é infetado por uma EET em que se pôde determinar, na sequência de um teste discriminatório, que não é a EEB. Este regulamento reproduz de forma quase idêntica as disposições do Regulamento n.o 727/2007 relativas ao referido Anexo VII, ao mesmo tempo que completa a fundamentação deste.

33

Assim, o regulamento impugnado autoriza, no essencial, a entrega ao consumo humano, por um lado, da carne de pequenos ruminantes com mais de 18 meses que façam parte de um efetivo no qual foi detetado um caso de EET, que não é a EEB, e que, para aqueles que são abatidos imediatamente ou nos dois anos seguintes à deteção do último caso de EET, tenham sido submetidos a um teste rápido cujo resultado é negativo, e, por outro lado, da carne de pequenos ruminantes com idades entre 3 e 18 meses que façam parte de um efetivo no qual foi detetado um caso de EET, que não é a EEB, sem terem sido submetidos a testes rápidos.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

34

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de julho de 2007, a República Francesa interpôs um recurso destinado a obter a anulação do ponto 3 do anexo do Regulamento n.o 727/2007, por violação do princípio da precaução, na medida em que flexibiliza o regime de erradicação das EET. Este Estado-Membro apresentou também um pedido de medidas provisórias para obter a suspensão da execução do referido regime até ser proferido o acórdão. O Tribunal Geral deferiu este último pedido, por despacho de 28 de setembro de 2007 (T-257/07 R, Colet., p. II-4153).

35

Na sequência da adoção do regulamento impugnado, o Tribunal Geral, por decisão de 6 de outubro de 2008, deferiu o pedido da República Francesa para alargar o processo judicial às disposições do referido regulamento e permitiu a apresentação de alegações e de fundamentos adicionais. Por despacho de 30 de outubro de 2008 (T-257/07 R II), o Tribunal Geral deferiu o segundo pedido de suspensão da execução apresentado pela República Francesa e, por decisão de 30 de janeiro de 2009, indeferiu o pedido de tramitação acelerada apresentado pela Comissão.

36

Em apoio do seu recurso, a República Francesa invocou um fundamento único, relativo à violação do princípio da precaução pela Comissão, em razão da introdução, pelo regulamento impugnado, das medidas impugnadas.

37

A Comissão, apoiada pelo Reino Unido, conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso.

38

Pelo acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na totalidade.

39

O Tribunal Geral expôs, antes de mais, nos n.os 66 a 89 do acórdão recorrido, considerações de princípio relativas à proteção da saúde humana, ao princípio da precaução e ao alcance da fiscalização jurisdicional sobre os atos das instituições da União em matéria de política agrícola comum.

40

Em seguida, o Tribunal Geral examinou os argumentos, invocados pela República Francesa em apoio do seu fundamento único, destinados a contestar, por um lado, a avaliação do risco feita pela Comissão e, por outro, a gestão do risco por esta última.

41

Para começar, no tocante à avaliação do risco feita pela Comissão, a República Francesa alega, em primeiro lugar, que a Comissão não teve em conta as incertezas científicas no respeitante ao risco de transmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB, em segundo lugar, que a Comissão não submeteu a avaliação científica a fiabilidade dos testes rápidos, em terceiro lugar, que esta instituição ignorou as incertezas científicas quanto à fiabilidade dos testes de discriminação e, em quarto lugar, que a Comissão não avaliou em devido tempo os riscos decorrentes da adoção das medidas impugnadas.

42

Nos n.os 93 a 202 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou todos estes fundamentos.

43

Quanto à alegação relativa à falta de tomada em consideração e à errada interpretação das incertezas científicas referentes à transmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB, o Tribunal Geral não a acolheu nos n.os 93 a 109 do dito acórdão, ao considerar que a República Francesa sustentou erradamente que a Comissão, na avaliação dos riscos antes da adoção do regulamento impugnado, tinha ignorado as incertezas científicas respeitantes a essa transmissibilidade, dado que resulta do considerando 12 do regulamento impugnado que a Comissão reconheceu expressamente que era impossível excluir absolutamente a transmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB que afetam os ovinos ou caprinos.

44

Além disso, o Tribunal Geral entendeu que, visto o carácter limitado e pouco representativo dos elementos científicos que permitiam sustentar que uma EET que afeta os ovinos ou os caprinos diversa da EEB era transmissível ao homem no momento da adoção do regulamento impugnado, foi sem cometer um erro manifesto de apreciação que a Comissão pôde considerar, no mesmo considerando 12, que o grau de probabilidade de uma EET diversa da EEB que afeta os ovinos e os caprinos ser transmissível ao homem era extremamente reduzido. Por outro lado, segundo o Tribunal Geral, a República Francesa não avançou argumentos nem apresentou elementos de prova suscetíveis de retirar plausibilidade à apreciação feita pela Comissão.

45

Nos n.os 110 a 136 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a alegação da República Francesa relativa à falta de consulta de peritos científicos sobre a fiabilidade dos testes rápidos. O Tribunal Geral entendeu designadamente que a Comissão pôde considerar, sem cometer um erro manifesto de apreciação, que a avaliação da fiabilidade dos testes rápidos, constante dos pareceres da AESA de 17 de maio e 26 de setembro de 2005, era pertinente no âmbito da utilização destes testes com vista ao controlo da entrega ao consumo humano de carne de ovinos ou caprinos. Por conseguinte, não era necessário consultar especificamente a AESA para esse fim.

46

O Tribunal Geral rejeitou igualmente as alegações da República Francesa segundo as quais, por um lado, a Comissão não teve conhecimento, antes da adoção das medidas impugnadas, dos limites dos testes rápidos quando estes são efetuados em animais jovens e, por outro, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao adotar as medidas impugnadas, quando a AESA tinha recomendado que se procedesse à reavaliação desses testes em razão dos referidos limites.

47

Nos n.os 137 a 173 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou e rejeitou a alegação relativa à fiabilidade dos testes de discriminação.

48

Antes de mais, nos n.os 143 a 148 deste acórdão, o Tribunal Geral, em primeiro lugar, rejeitou o argumento da República Francesa relativo à não tomada em consideração das incertezas científicas que subsistem no que concerne à fiabilidade dos testes de discriminação, declarando que a Comissão referiu estas incertezas nos considerandos do regulamento impugnado. Em segundo lugar, o Tribunal Geral rejeitou o argumento relativo à falta de consulta da AESA aquando da elaboração das medidas impugnadas. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou que a República Francesa não demonstrou que a Comissão não tinha reexaminado as medidas em causa, na sequência do parecer da AESA de 24 de janeiro de 2008, visto que o regulamento impugnado continha referências ao dito parecer.

49

Em seguida, nos n.os 149 a 171 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a alegação segundo a qual a Comissão tinha minimizado as dúvidas dos peritos científicos quanto à fiabilidade dos testes de discriminação, resultantes da falta de compreensão da verdadeira biodiversidade dos agentes das EET e da forma como estes interagem em caso de coinfeção. O Tribunal Geral decidiu, designadamente, que a Comissão podia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, deduzir do parecer da AESA de 24 de janeiro de 2008 que não tinha sido demonstrada a possibilidade de coinfeção de pequenos ruminantes, em condições naturais, e concluir daí que o risco de existência de tal coinfeção e, a fortiori, o risco de não deteção dessa coinfeção eram reduzidos. O Tribunal Geral considerou igualmente que a Comissão não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao entender que a prevalência da EEB nos pequenos ruminantes podia ser considerada muito fraca.

50

Por último, quanto ao parecer da AFSSA de 8 de outubro de 2008 e ao da AESA de 22 de outubro de 2008, o Tribunal Geral observou, nos n.os 172 e 173 do acórdão recorrido, que estes foram emitidos após a adoção do regulamento impugnado, pelo que os argumentos da República Francesa baseados nos referidos pareceres eram inoperantes.

51

Nos n.os 174 a 202 do referido acórdão, o Tribunal Geral rejeitou a alegação relativa à ausência de apreciação do aumento do risco resultante da adoção do regulamento impugnado. Em particular, considerou que, face aos pareceres científicos da AESA e da AFSSA e tendo em conta a inexistência de dados necessários para efetuar uma avaliação quantitativa precisa, a Comissão não podia ser criticada por não ter tido à sua disposição, no momento da adoção do regulamento impugnado, uma avaliação científica quantitativa do risco adicional de o homem ficar exposto às EET na sequência da adoção do referido regulamento. Por conseguinte, o Tribunal Geral decidiu que a Comissão não tinha violado as garantias conferidas pela ordem jurídica da União.

52

Em segundo lugar, tratando-se da argumentação relativa à gestão do risco, a República Francesa criticou a Comissão por ter violado o seu dever de garantir um nível elevado de proteção da saúde humana e o princípio da precaução, na medida em que esta instituição se baseou num duplo postulado relativo, por um lado, à ausência de transmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB que afetam os animais e, por outro, à fiabilidade dos testes de discriminação para distinguir com certeza o tremor epizoótico da EEB, apesar de os dados científicos mais recentes referirem a existência de grandes incertezas quanto a estes dois postulados.

53

O Tribunal Geral rejeitou estas alegações nos n.os 206 a 264 do acórdão recorrido.

54

A este respeito, o Tribunal Geral assinalou, nas suas considerações preliminares constantes dos n.os 206 a 214 do acórdão recorrido, que a competência da Comissão para adotar as medidas impugnadas não foi posta em causa pela República Francesa. Recordou que as autoridades públicas competentes têm a obrigação de manter ou, sendo caso disso, de aumentar o nível de proteção da saúde humana, sem que, todavia, este deva ser o mais elevado possível. Para cumprir esta obrigação, cabe à autoridade competente, em aplicação do princípio da precaução, gerir o risco que exceda o nível considerado aceitável para a sociedade, por meio de medidas que o circunscrevam ao referido nível. O Tribunal Geral concluiu daí que a flexibilização das medidas preventivas anteriormente adotadas devia ser justificada por novos elementos que alterem a apreciação do risco em causa. O Tribunal Geral considerou que estes novos elementos, como novos conhecimentos ou descobertas, podiam alterar ao mesmo tempo a perceção do risco e o nível de risco considerado aceitável para a sociedade.

55

Além disso, o Tribunal Geral considerou que só quando este novo nível de risco exceda o nível considerado aceitável para a sociedade é que o juiz deve declarar a violação do princípio da precaução. No entanto, recordou que a fiscalização, pelo juiz, da determinação, pela autoridade competente, do nível de risco considerado inaceitável para a sociedade está limitada ao erro manifesto de apreciação, ao desvio de poder ou à ultrapassagem dos limites do seu poder de apreciação. Quanto ao erro manifesto de apreciação, o Tribunal Geral precisou que a parte que o invoca é obrigada a fornecer elementos de prova suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos considerados pela autoridade competente.

56

Quanto aos três elementos invocados pela Comissão — a saber, em primeiro lugar, a ausência de uma relação epidemiológica entre, por um lado, o tremor epizoótico, clássico ou atípico, que afeta os pequenos ruminantes e, por outro, as EET que afetam os seres humanos desde a implementação das medidas preventivas iniciais; em segundo lugar, o desenvolvimento e a validação dos testes de discriminação que permitem distinguir de modo fiável o tremor epizoótico da EEB num período de tempo restrito; e, em terceiro lugar, a reduzida probabilidade de presença da EEB nos ovinos e caprinos segundo os dados epidemiológicos —, o Tribunal Geral entendeu que a República Francesa não contestou o caráter novo destes elementos, mas sim a apreciação segundo a qual estes podiam justificar a adoção das medidas impugnadas. Consequentemente, o Tribunal Geral considerou que havia que apreciar se, face a estes novos elementos, a Comissão podia adotar o regulamento impugnado, visto que este permitia manter um nível elevado de proteção da saúde humana, reduzindo o custo das medidas de prevenção para a sociedade, ou, pelo contrário, se, ao adotar o referido regulamento, a Comissão tinha violado o princípio da precaução e, portanto, a obrigação de manter um nível elevado de proteção da saúde humana, ao expor as pessoas a riscos que ultrapassam o nível considerado aceitável para a sociedade.

57

A este respeito, o Tribunal Geral examinou, em primeiro lugar, nos n.os 227 a 248 do acórdão recorrido, se o regulamento impugnado conduzia a um aumento do risco de exposição do homem às EET que afetam os pequenos ruminantes, devido à entrega ao consumo humano de carne de pequenos ruminantes que fizeram parte de um efetivo no qual foi detetada um caso de EET. Tendo constatado que havia um aumento não negligenciável deste risco, o Tribunal Geral considerou, contudo, que esta constatação não bastava para demonstrar a violação do princípio da precaução ou do dever de manter um nível elevado de proteção da saúde humana. Segundo o Tribunal Geral, importava, além disso, verificar se este aumento tinha conduzido os riscos para a saúde humana a um nível considerado inaceitável para a sociedade.

58

O Tribunal Geral verificou, por conseguinte, nos n.os 249 a 264 do acórdão recorrido, se a adoção do regulamento impugnado tinha conduzido a riscos para a saúde humana que ultrapassavam o nível considerado aceitável para a sociedade.

59

Quanto ao risco resultante do consumo humano de carne de pequenos ruminantes infetados por EET diversas da EEB, o Tribunal Geral concluiu que, atendendo ao risco extremamente reduzido de transmissibilidade ao homem destas EET que afetam os pequenos ruminantes, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação quando considerou que as medidas impugnadas não conduziam a um aumento do risco para a saúde humana que fosse superior ao nível do risco considerado aceitável para a sociedade.

60

Quanto ao risco proveniente do consumo humano de carne de ovinos ou de caprinos infetados pela EEB, o Tribunal Geral assinalou que, mesmo que as medidas impugnadas não permitissem excluir que fosse entregue ao consumo humano carne proveniente de um efetivo no seio do qual um animal foi infetado pela EEB, a prevalência da EEB clássica nos pequenos ruminantes era muito reduzida e só tinha sido confirmado um único caso de EEB clássica nos pequenos ruminantes, que era respeitante a uma cabra que tinha sido alimentada com farinhas animais, as quais foram entretanto proibidas.

61

O Tribunal Geral concluiu que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o risco adicional de exposição do homem à EEB clássica que afeta os pequenos ruminantes, resultante da adoção das medidas impugnadas, não provocava riscos para a saúde humana que ultrapassavam o nível do risco considerado aceitável para a sociedade.

62

Além disso, o Tribunal Geral entendeu que resultava dos diferentes pareceres científicos que o significado, a origem e a transmissibilidade das EEB de tipo L ou H eram especulativos, à data da adoção do regulamento impugnado. Assim, a Comissão também não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o risco adicional de exposição do consumidor a tipos de EEB diversos da EEB clássica era aceitável.

63

Consequentemente, o Tribunal Geral decidiu que, com a adoção do regulamento impugnado, a Comissão não violou o princípio da precaução nem a obrigação de manter um nível elevado de proteção da saúde consagrada pelo artigo 152.o, n.o 1, CE e pelo artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

64

A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

decidir definitivamente a causa e anular o regulamento impugnado ou, a título subsidiário, remeter os autos ao Tribunal Geral; e

condenar a Comissão nas despesas.

65

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao presente recurso

66

Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, a uma violação do dever de fundamentação, o segundo, a uma desvirtuação dos factos, o terceiro, a um erro na qualificação jurídica dos factos, e o quarto, a um erro de direito respeitante à violação do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 e do princípio da precaução.

67

A Comissão considera que os fundamentos invocados para sustentar o recurso devem, no seu conjunto, ser declarados manifestamente inadmissíveis ou, em qualquer caso, ser julgados improcedentes.

68

Importa examinar previamente a exceção geral de inadmissibilidade do recurso invocada pela Comissão.

Quanto à exceção geral de inadmissibilidade

69

A Comissão alega, a título liminar, a inadmissibilidade do recurso na medida em que constitui uma tentativa de obter um reexame da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça. Segundo esta instituição, todos os fundamentos apresentados pela República Francesa se limitam a repetir o fundamento e os argumentos que esta invocou perante o Tribunal Geral ou visam o reexame das provas apreciadas por este.

70

A este respeito, há que recordar que resulta do artigo 256.o TFUE e do artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso das decisões do Tribunal Geral está limitado às questões de direito.

71

Por outro lado, é jurisprudência assente que, quando uma parte contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal Geral, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas no âmbito do recurso de uma decisão para o Tribunal de Justiça. Com efeito, se uma parte não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal Geral, o processo de recurso ficaria privado de uma parte do seu sentido (v., designadamente, acórdãos de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C-514/07 P, C-528/07 P e C-532/07 P, Colet., p. I-8533, n.o 116, e de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C-335/09 P, n.o 27).

72

Quanto ao presente recurso, basta constatar que, como decorre designadamente do n.o 66 do presente acórdão, e contrariamente ao sustentado pela Comissão, a República Francesa não visa de modo geral pôr em causa as apreciações factuais do Tribunal Geral, ao reiterar o fundamento e os argumentos apresentados perante este. Em contrapartida, a recorrente alega, no essencial, questões de direito que podem, legalmente, constituir o objeto de recurso. Consequentemente, há que indeferir a exceção geral de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

73

Na medida, porém, em que a Comissão suscita, de forma mais precisa, a inadmissibilidade de certos fundamentos ou alegações específicas do recurso, haverá que abordar essas questões no âmbito da análise dos fundamentos correspondentes.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação do dever de fundamentação

Argumentos das partes

74

Este fundamento subdivide-se, em substância, em duas partes. Na primeira parte do primeiro fundamento, a República Francesa alega que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não respondeu suficientemente às suas alegações relativas à não tomada em consideração, pela Comissão, dos dados científicos disponíveis.

75

A República Francesa sublinha que, embora seja verdade que o Tribunal Geral afirmou que a Comissão tinha conhecimento dos dados científicos disponíveis quanto adotou o regulamento impugnado, não é menos verdade que, com a sua argumentação, este Estado-Membro pretendia demonstrar que a Comissão não tinha tido plenamente em consideração estes dados, apesar de estes porem em causa os dois postulados em que se tinha baseado para a adoção das disposições do Regulamento n.o 727/2007, a saber, por um lado, a intransmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB e, por outro, a fiabilidade dos testes de discriminação. O facto de, no preâmbulo do regulamento impugnado, ter citado as conclusões do parecer da AESA de 24 de janeiro de 2008 não implicava que estas conclusões tivessem sido realmente tidas em consideração pela Comissão.

76

Além disso, segundo a recorrente, o Tribunal Geral não examinou a questão de saber se a Comissão podia reproduzir de forma idêntica, no regulamento impugnado, as disposições do Regulamento n.o 727/2007, não obstante o facto de os pareceres da AESA porem em causa os dois postulados em que a Comissão se tinha baseado para adotar estas disposições.

77

Na segunda parte do primeiro fundamento, a República Francesa alega que o Tribunal Geral não respondeu suficientemente às suas alegações relativas à violação do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001, na medida em que considerou que estas alegações equivaliam a pedir que verificasse se as medidas impugnadas eram apropriadas para assegurar um nível elevado de proteção da saúde humana.

78

A este respeito, o Tribunal Geral considerou erradamente que o referido artigo 24.o-A apenas transcrevia a obrigação contida no artigo 152.o, n.o 1, CE, segundo a qual as autoridades públicas competentes devem assegurar um nível elevado de proteção da saúde humana no seio da União. No entender da República Francesa, o artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 impõe uma exigência suplementar em relação à contida no artigo 152.o, n.o 1, CE, a saber que as decisões tomadas com base no artigo 24.o deste regulamento não diminuam o nível de proteção estabelecido pelas medidas preventivas em vigor, ou até o aumentem. Assim, o Tribunal Geral deveria ter-se assegurado de que as medidas impugnadas mantinham ou aumentavam o nível de proteção da saúde humana que era garantido pelas medidas preventivas anteriores.

79

A Comissão considera que o primeiro fundamento deve ser declarado manifestamente inadmissível ou, em qualquer caso, julgado improcedente, dado que o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral nos n.os 97, 144, 145, 201 e 221 do acórdão recorrido demonstra que a Comissão adotou o regulamento impugnado após um exame aprofundado dos melhores dados científicos e dos resultados mais recentes da pesquisa a nível internacional.

80

Quanto, designadamente, ao argumento de que a Comissão não podia reproduzir de forma idêntica, no regulamento impugnado, as disposições do Regulamento n.o 727/2007, esta instituição observa que o presente recurso não indica com precisão os elementos criticados do acórdão recorrido. Em todo o caso, a recorrente não precisa a razão pela qual a Comissão não poderia ser autorizada a reproduzir, no regulamento impugnado, as medidas do regulamento precedente, visto que estas estavam justificadas, mas pede ao Tribunal de Justiça para proceder a uma reavaliação dos factos, na medida em que a República Francesa se limita a criticar o Tribunal Geral por ter feito a mesma leitura dos pareceres da AESA que a Comissão.

81

Quanto ao artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001, a República Francesa não indicou os elementos que justificavam uma interpretação desta disposição diferente da adotada pelo Tribunal Geral. Todavia, a Comissão entende que o Tribunal Geral se assegurou do respeito não apenas do artigo 152.o, n.o 1, CE mas também do referido artigo 24.o-A, na medida em que verificou, nos n.os 211, 221, 249 e 266 do acórdão recorrido, se as novas medidas aumentavam o risco para a saúde humana e concluiu que não era esse o caso.

Apreciação do Tribunal de Justiça

82

A título liminar, importa recordar que a questão do alcance do dever de fundamentação constitui uma questão de direito que está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito dos recursos de decisões da primeira instância (acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C-413/06 P, Colet., p. I-4951, n.o 30 e jurisprudência referida).

83

O Tribunal de Justiça decidiu igualmente que o dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral em conformidade com o artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo estatuto e do artigo 81.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, não impõe que este forneça uma exposição que siga, de forma exaustiva e um a um, todos os raciocínios articulados pelas partes no litígio. A fundamentação do Tribunal Geral pode, portanto, ser implícita, desde que permita aos interessados conhecerem as razões da decisão do Tribunal Geral e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., designadamente, acórdãos de 10 de fevereiro de 2011, Activision Blizzard Germany/Comissão, C-260/09 P, Colet., p. I-419, n.o 84, e de 28 de julho de 2011, Mediaset/Comissão, C-403/10 P, n.o 88).

84

No que respeita à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do dever de fundamentação em relação ao argumento da não tomada em consideração dos dados científicos disponíveis, resulta dos n.os 96 a 109 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral verificou se o regulamento impugnado referia os pareceres científicos disponíveis e as incertezas aí expressadas. O Tribunal Geral concluiu daí que a Comissão não tinha ignorado as incertezas científicas quando da avaliação dos riscos que precedeu a adoção das medidas impugnadas e que, por isso, as conclusões desta instituição não estavam feridas de erro manifesto de apreciação. Além disso, o Tribunal Geral considerou que a República Francesa não tinha apresentado nenhum argumento nem nenhum elemento de prova suscetíveis de retirar plausibilidade à apreciação feita pela Comissão.

85

Ora, nestas condições não se pode considerar que o Tribunal Geral não fundamentou suficientemente a sua rejeição do argumento, invocado perante si pela República Francesa, relativo à não tomada em consideração dos dados científicos disponíveis.

86

Quanto à alegação de que o Tribunal Geral não examinou se a Comissão podia reproduzir de forma idêntica, no regulamento impugnado, as disposições do Regulamento n.o 727/2007, importa assinalar que o exame dos articulados apresentados pela República Francesa perante o Tribunal Geral, designadamente das suas conclusões suplementares apresentadas na sequência da adoção do regulamento impugnado, revela que a asserção relativa à identidade das medidas adotadas por este último regulamento em relação ao Regulamento n.o 727/2007 foi evocada no Tribunal Geral, não como argumento autónomo mas como simples constatação feita no âmbito da comparação destes dois regulamentos.

87

Embora, é certo, a República Francesa tenha mencionado uma vez, no quadro da sua argumentação no Tribunal Geral, que não compreendia como é que a plena tomada em consideração do parecer da AESA de 24 de janeiro de 2008 tinha podido levar a Comissão a adotar no regulamento impugnado disposições idênticas às medidas impugnadas, há que assinalar que a referida observação não foi objeto de um desenvolvimento particular nem foi acompanhada de uma argumentação específica destinada a demonstrá-la.

88

Decorre do que precede que, não tendo a República Francesa exposto com a clareza e a precisão requeridas as razões pelas quais a Comissão não podia reproduzir de forma idêntica, no regulamento impugnado, as disposições do Regulamento n.o 727/2007, a sua observação quanto à identidade dos dois regulamentos em causa não pode ser considerada como um fundamento distinto que justificava uma resposta específica no acórdão recorrido. Consequentemente, o Tribunal Geral não violou o seu dever de fundamentação, ao não ter respondido explicitamente a esta observação.

89

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, na qual a República Francesa invoca o desrespeito do dever de fundamentação relativamente à violação alegada do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001, importa observar que, através da sua argumentação, a recorrente não contesta a insuficiência de fundamentação, mas pretende pôr em causa o mérito da fundamentação do Tribunal Geral.

90

Ora, importa assinalar que, nos n.os 79, 211 a 213, 249 e 266 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral forneceu uma fundamentação suficiente na medida em que permite, por um lado, à recorrente conhecer as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos relativos à violação do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 e, por outro, ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.

91

Consequentemente, o argumento relativo à violação do dever de fundamentação no que respeita à aplicação do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 deve ser julgado improcedente. Na medida em que a questão do mérito desta fundamentação se confunde com a alegada violação do referido artigo 24.o-A que é objeto da primeira parte do quarto fundamento do presente recurso, esta questão será examinada no âmbito do quarto fundamento.

92

Resulta de todas estas considerações que o primeiro fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à desvirtuação dos factos

Argumentos das partes

93

O segundo fundamento subdivide-se em três partes. Através da primeira parte do segundo fundamento, a República Francesa alega que o Tribunal Geral, nos n.os 101 a 108 do acórdão recorrido, desvirtuou o alcance dos pareceres da AESA de 8 de março de 2007 e de 24 de janeiro de 2008, ao ter considerado que a Comissão tinha podido deduzir dos referidos pareceres, sem cometer um erro manifesto de apreciação, que o risco de transmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB era extremamente reduzido. Nestes pareceres, a AESA concluiu, na realidade, não que este risco era extremamente reduzido, mas que não era possível excluir tal transmissibilidade.

94

Em particular, a República Francesa sustenta que os n.os 101 a 106 do acórdão recorrido não referem nenhuma apreciação, pela AESA, do grau de probabilidade do risco de transmissibilidade ao homem das EET diversas da EEB. Além disso, ao considerar, no n.o 107 deste acórdão, que os modelos experimentais em causa eram pouco representativos, o Tribunal Geral desvirtuou o alcance dos pareceres da AESA. Segundo o referido Estado-Membro, o Tribunal Geral confundiu a incerteza da existência de um risco com a reduzida probabilidade deste risco.

95

Com a segunda parte do referido fundamento, a República Francesa invoca uma desvirtuação, pelo Tribunal Geral, nos n.os 116 a 122 do acórdão recorrido, do alcance dos pareceres da AESA de 17 de maio e de 26 de setembro de 2005, bem como de 7 de junho de 2007, na medida em que esse Tribunal decidiu que a Comissão não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar, por um lado, que os testes rápidos eram fiáveis e, por outro, que a avaliação da fiabilidade destes testes, contida nestes pareceres, era igualmente válida no âmbito do controlo da entrega ao consumo humano de carne de ovinos ou de caprinos.

96

A este respeito, a República Francesa sublinha que, embora seja verdade que a AESA, nos seus pareceres, considerou que os testes rápidos podiam ser recomendados para a avaliação da prevalência do tremor epizoótico clássico e da EEB, não se pode contudo deduzir daí que estes testes são fiáveis no âmbito do controlo da entrega ao consumo humano de carne de ovinos ou de caprinos. Com efeito, o grau de exigência de fiabilidade dos testes rápidos não pode ser o mesmo para seguir a evolução epidemiológica do tremor epizoótico clássico e da EEB e para controlar de maneira sistemática as carcaças com vista a permitir o seu consumo.

97

Com a terceira parte do seu segundo fundamento, a República Francesa entende que, nos n.os 215 a 221 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou os factos, quando considerou que os elementos científicos invocados pela Comissão para justificar a adoção do regulamento impugnado constituíam elementos novos em relação às medidas preventivas anteriores.

98

Segundo a República Francesa, não decorre dos articulados da Comissão nem da intervenção desta na audiência no Tribunal Geral que a mesma tenha reivindicado o carácter novo dos elementos científicos que invocava, com exceção do desenvolvimento e da validação dos testes de discriminação. Assim, a Comissão não apresentou enquanto elementos científicos novos a inexistência de nexo epidemiológico entre o tremor epizoótico clássico ou atípico que afeta os pequenos ruminantes e as EET que afetam os humanos, nem a fraca prevalência da EEB nos pequenos ruminantes.

99

Esta desvirtuação dos factos teve uma incidência determinante na apreciação da legalidade do regulamento impugnado, na medida em que, como resulta dos n.os 83 e 212 do acórdão recorrido, o princípio da precaução exige, para justificar a flexibilização das medidas preventivas em vigor, que as instituições competentes apresentem elementos novos suscetíveis de alterar a perceção do risco ou mostrem que este risco pode ser circunscrito por medidas menos rigorosas do que as existentes.

100

A Comissão sustenta que as duas primeiras partes do segundo fundamento são inadmissíveis, uma vez que, por um lado, os argumentos da República Francesa se baseiam numa apreciação e numa interpretação dos factos pelo Tribunal Geral, o que é da exclusiva competência deste Tribunal, e, por outro, o Estado-Membro recorrente não indica de modo preciso os elementos criticados do acórdão recorrido ou os argumentos jurídicos que sustentam de forma específica o seu pedido, designadamente os documentos dos autos dos quais resultaria uma pretensa inexatidão material destas constatações.

101

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, esta é igualmente inadmissível ou, em qualquer caso, improcedente. Com efeito, a República Francesa limitou-se a fazer prevalecer a sua interpretação dos factos sobre uma abordagem diferente seguida pela Comissão.

102

A este respeito, a Comissão indica que a apreciação da necessidade de modificar certas medidas em vigor decorre não do aparecimento de novos elementos mas essencialmente da tomada em consideração da evolução dos dados e das provas científicas. Com efeito, a exigência de elementos novos aos quais se refere a República Francesa não se encontra nem no artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 nem no artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002, dado que estas disposições se referem à avaliação das informações disponíveis e às provas científicas existentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

103

Quanto à primeira e segunda partes do segundo fundamento, relativas a uma pretensa desvirtuação, pelo Tribunal Geral, do alcance de certos pareceres da AESA, respetivamente, nos n.os 101 a 108 e 116 a 122 do acórdão recorrido, importa observar que, nos referidos números, o Tribunal Geral examinou as alegações da República Francesa destinadas a obter a declaração de que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos pareceres científicos à sua disposição, ao ter considerado, por um lado, que o risco de transmissão ao homem de uma EET diversa da EEB que afeta os animais era extremamente reduzido e, por outro, que a avaliação da fiabilidade dos testes rápidos que tinha sido efetuada no contexto de medidas de vigilância epidemiológica das EET nos pequenos ruminantes era igualmente válida no contexto das medidas impugnadas que autorizam a entrega ao consumo humano de carne de pequenos ruminantes em caso de resultado negativo dos referidos testes.

104

No âmbito do presente recurso, a República Francesa contesta, apoiando-se essencialmente nos mesmos argumentos que já tinha apresentado perante o Tribunal Geral, as mesmas apreciações da Comissão, que o Tribunal Geral considerou não padecerem de erro manifesto, ao invocar uma desvirtuação dos pareceres da AESA de 17 de maio e 26 de setembro de 2005, de 8 de março e 7 de junho de 2007 e de 24 de janeiro de 2008.

105

A este respeito, importa assinalar, por um lado, que a argumentação da recorrente procede de uma leitura parcial do acórdão recorrido. Com efeito, no que respeita ao risco de transmissão ao homem das EET diversas da EEB que afeta os animais, resulta claramente do n.o 107 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral teve igualmente em consideração a declaração do SEAC (Spongiform Encephalopathy Advisory Committee) sobre o risco potencial para a saúde humana das alterações relativas ao controlo do tremor epizoótico clássico de fevereiro de 2008. Segundo o Tribunal Geral, nessa declaração, ainda que o SEAC tenha confirmado que não era possível excluir um nexo entre o tremor epizoótico clássico e as EET que afetam os seres humanos, o SEAC considerou, porém, que este risco devia ser muito fraco. Na opinião deste organismo, a frequência muito baixa e relativamente constante de casos de EET que afetam os seres humanos em todo o mundo demonstrava que devia haver, no mínimo, uma barreira substancial, se não completa, à transmissão do tremor epizoótico clássico aos seres humanos. Ora, a recorrente não contesta nem a pertinência nem a validade desta declaração.

106

Por outro lado, a República Francesa não demonstrou suficientemente que o Tribunal Geral efetuou uma interpretação dos pareceres científicos já referidos, que é manifestamente contrária ao respetivo teor.

107

Consequentemente, há que julgar improcedentes a primeira e segunda partes do segundo fundamento.

108

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, dirigida contra os n.os 215 a 221 do acórdão recorrido, cumpre verificar se a República Francesa demonstrou uma desvirtuação da argumentação da Comissão no que diz respeito ao caráter novo dos elementos científicos que justificam a adoção das medidas impugnadas.

109

A este respeito, observe-se que, embora, é certo, nos números já referidos do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apresentou como sendo novos, em relação à situação existente no momento da adoção das medidas preventivas iniciais, os três elementos mencionados no n.o 56 do presente acórdão, importa assinalar que tal qualificação não se baseava na argumentação apresentada pela Comissão perante o Tribunal Geral, mas resultava da aplicação da jurisprudência enunciada nos n.os 83 e 212 do acórdão recorrido.

110

Nestes últimos números do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, quando novos elementos alterem a perceção de um risco ou demonstrem que esse risco pode ser circunscrito por medidas menos rigorosas do que as existentes, cabe às instituições, e designadamente à Comissão, que tem o poder de iniciativa, providenciar a adaptação da regulamentação aos novos dados (v. acórdão de 12 de janeiro de 2006, Agrarproduktion Staebelow, C-504/04, Colet., p. I-679, n.o 40). O Tribunal Geral deduziu daí que a flexibilização de medidas preventivas anteriormente adotadas devia ser justificada por novos elementos, como novos conhecimentos ou novas descobertas científicas, que alterem a apreciação do risco em causa.

111

Daqui decorre que a alegação relativa a uma pretensa desvirtuação da argumentação da Comissão deve ser rejeitada, sem que seja necessário examinar a argumentação da Comissão que contesta a justeza da exigência do caráter novo dos dados científicos a fim de justificar a adoção das medidas impugnadas.

112

À luz do que precede, há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento e, portanto, o segundo fundamento no seu conjunto.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro na qualificação jurídica dos factos

Argumentos das partes

113

Através do seu terceiro fundamento, a República Francesa critica o Tribunal Geral por ter cometido um erro na qualificação jurídica dos factos, na medida em que considerou que os elementos científicos invocados pela Comissão constituíam elementos novos que podiam alterar a perceção do risco.

114

Assim, segundo a República Francesa, foi erradamente que o Tribunal Geral, nos n.os 215 a 221 do acórdão recorrido, presumiu não só que os três elementos científicos invocados pela Comissão eram novos mas também que estes elementos podiam alterar a perceção do risco.

115

A República Francesa entende que, ainda que os testes de discriminação constituíssem um elemento científico novo, este elemento não era suscetível de alterar a perceção do risco, pois a fiabilidade destes testes era limitada. No que diz respeito à inexistência de nexo epidemiológico entre o tremor epizoótico clássico e as EET que afetam os seres humanos bem como à fraca prevalência da EEB nos pequenos ruminantes, a República Francesa entende que estes elementos científicos, dado que já foram identificados aquando da adoção das medidas preventivas anteriores, não podiam originar uma alteração da perceção do risco.

116

A Comissão conclui que o terceiro fundamento deve ser julgado manifestamente inadmissível por a apreciação do Tribunal Geral, segundo a qual a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação com base na evolução científica, constituir uma apreciação de natureza fatual.

117

Em qualquer caso, este fundamento deve ser julgado improcedente na medida em que a avaliação científica dos riscos com base na qual se adotaram as medidas impugnadas assenta em provas científicas, disponíveis no momento da sua adoção, que mostram que houve uma alteração de circunstâncias.

Apreciação do Tribunal de Justiça

118

O terceiro fundamento da República Francesa é dirigido, tal como a terceira parte do segundo fundamento, contra os n.os 215 a 221 do acórdão recorrido. Com a sua argumentação apresentada em apoio do presente fundamento, a recorrente contesta o facto de os elementos identificados pelo Tribunal Geral, cujo carácter novo ela nega, terem podido ter por efeito alterar a perceção do risco na sociedade.

119

A este respeito, segundo jurisprudência assente, quando o Tribunal Geral apurou ou apreciou os factos, o Tribunal de Justiça tem competência, por força do artigo 256.o TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal Geral (v., designadamente, acórdãos de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C-551/03 P, Colet., p. I-3173, n.o 51, e de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C-397/03 P, Colet., p. I-4429, n.o 105; e acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.o 29).

120

No entanto, não decorre dos n.os 215 a 221 do acórdão recorrido, referidos pela República Francesa no âmbito do seu terceiro fundamento, que o Tribunal Geral tenha aí procedido a uma qualquer qualificação jurídica atendendo à perceção do risco pela sociedade. Com efeito, o Tribunal Geral limitou-se a examinar o carácter novo dos elementos científicos invocados pela Comissão, o que constitui uma constatação de factos.

121

Por conseguinte, ao considerar, nos n.os 215 a 221 do acórdão recorrido, que o Tribunal Geral operou uma qualificação jurídica dos factos, a República Francesa faz uma leitura errada deste acórdão.

122

O terceiro fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito

Argumentos das partes

123

O quarto fundamento subdivide-se em três partes.

124

Pela primeira parte deste fundamento, que é conexa com a segunda parte do primeiro fundamento, a República Francesa sustenta que, ao considerar, nos n.os 249 e 250 do acórdão recorrido, que a Comissão não violou as disposições do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001, uma vez que respeitou a obrigação contida no artigo 152.o, n.o 1, CE, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. A este respeito, a República Francesa defende que o referido artigo 24.o-A impõe uma exigência suplementar relativamente ao artigo 152.o, n.o 1, CE, pelo que foi erradamente que o Tribunal Geral se limitou a considerar que as medidas que a Comissão tinha adotado por força desta última disposição asseguravam um nível elevado de proteção da saúde humana. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal Geral deveria ter-se certificado de que estas medidas mantinham ou aumentavam o nível de proteção da saúde humana que era garantido pelas medidas preventivas anteriores.

125

Na segunda parte do seu quarto fundamento, a República Francesa alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao presumir, no n.o 213 do acórdão recorrido, que os elementos científicos invocados pela Comissão para justificar a adoção do regulamento impugnado poderiam provocar uma evolução do nível de risco considerado aceitável. A título subsidiário, a República Francesa sustenta que o Tribunal Geral cometeu também um erro de direito ao não verificar se, para determinar o nível de risco considerado aceitável, a Comissão tinha tomado em consideração a gravidade e a irreversibilidade dos efeitos nefastos das EET para a saúde humana. Por último, a República Francesa defende que houve necessariamente um aumento do risco para a saúde humana, que ultrapassava o risco aceitável para a sociedade.

126

Quanto à terceira parte do quarto fundamento, a República Francesa invoca um erro de direito, na medida em que o Tribunal Geral não teve em conta o facto de que as medidas impugnadas não se substituem às medidas preventivas anteriores, mas completam-nas através de medidas alternativas mais flexíveis. A coexistência das medidas iniciais e das medidas novas suscita a questão da coerência de tal regulamentação, que o Tribunal Geral deveria ter examinado. Este erro de direito teve por consequência uma apreciação errada da alegação da República Francesa relativa à violação do princípio da precaução na gestão do risco.

127

A Comissão entende que o quarto fundamento deve ser declarado manifestamente inadmissível ou, em qualquer caso, julgado improcedente.

128

Quanto à primeira parte deste fundamento, a Comissão considera que o Tribunal Geral efetuou corretamente o seu exame. Supondo que, ao adotar medidas de flexibilização baseadas em elementos científicos, a Comissão tenha podido contribuir para o aumento da exposição do homem ao agente do tremor epizoótico, esse facto não teria contudo enfraquecido o nível de proteção da saúde pública, dado que o risco de transmissão do tremor epizoótico ao homem era extremamente reduzido. Por conseguinte, o nível de proteção não foi diminuído e o artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 foi respeitado.

129

Quanto à segunda parte do quarto fundamento, a Comissão sustenta que a República Francesa não avançou elementos para alicerçar o seu argumento segundo o qual o risco para a saúde humana tinha ultrapassado o nível considerado aceitável para a sociedade, em razão das medidas impugnadas. Nem perante o Tribunal Geral nem no âmbito do presente recurso, a República Francesa apresentou elementos de prova suscetíveis de contrariar a apreciação da Comissão e do Tribunal Geral sobre este aspeto.

130

Por último, no que respeita à terceira parte do quarto fundamento, a Comissão entende que a República Francesa pretende substituir a análise do Tribunal Geral pela sua.

Apreciação do Tribunal de Justiça

131

Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativa a uma pretensa violação do artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001, importa recordar que, nos termos desta disposição, as decisões a aprovar de acordo com um dos procedimentos a que se refere o artigo 24.o do dito regulamento, designadamente as alterações dos anexos, «devem basear-se numa avaliação adequada dos eventuais riscos para a saúde humana e animal e devem, à luz das provas científicas existentes, manter ou aumentar, se tal se justificar do ponto de vista científico, o nível de proteção da saúde humana e animal garantido na [União]».

132

O artigo 24.o-A foi incluído no Regulamento n.o 999/2001 pelo Regulamento (CE) n.o 1923/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO L 404, p. 1). Resulta dos trabalhos preparatórios deste último regulamento que o artigo 24.o-A não figurava na Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de dezembro de 2004, que altera o Regulamento n.o 999/2001 [COM(2004) 775 final], apresentada pela Comissão, mas tem origem no parecer de 29 de março de 2006 da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e a sua inclusão no texto do regulamento foi proposta pelo Parlamento Europeu no seu projeto de resolução legislativa de 27 de abril de 2006.

133

Embora os considerandos do Regulamento n.o 1923/2006 não contenham uma explicação acerca do objetivo da disposição em causa, resulta designadamente das justificações fornecidas pelo Parlamento no seu projeto de resolução supramencionado que «[e]sta alteração visa garantir que os aspetos essenciais do regulamento em análise só possam ser modificados pela Comissão e pelos Estados-Membros, no âmbito do processo de comitologia, se for apresentada uma justificação segundo a qual a redução do nível da saúde humana e animal está excluída». Além disso, na exposição de motivos junta a este projeto, o Parlamento assinala dificuldades em conceder a atenção necessária quando a Comissão, conjuntamente com os Estados-Membros, adota por etapas sucessivas uma lista complexa de modificações.

134

Resulta assim dos referidos trabalhos preparatórios que o artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 foi concebido como uma garantia para evitar que, em aplicação do processo de comitologia, se adotem medidas que sejam suscetíveis de diminuir o nível de proteção da saúde humana e animal na União.

135

No entanto, não resulta dos mesmos, contrariamente ao que sustenta a recorrente, que o referido artigo 24.o-A exclua qualquer flexibilização das medidas preventivas anteriores. Com efeito, por um lado, o artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 não erige em critério o facto de a comparação dever ser efetuada relativamente ao nível de proteção que resulta das medidas preventivas anteriores adotadas no mesmo domínio, mas refere-se, em geral, ao nível de proteção da saúde «garantido na [União]». Por outro lado, resulta tanto do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 178/2002 como da jurisprudência referida no n.o 110 do presente acórdão que as medidas provisórias de gestão do risco, que são adotadas no contexto da incerteza científica, devem ser reexaminadas dentro de um prazo razoável, a fim de garantir que são proporcionadas e que não impõem mais restrições ao comércio do que o necessário para se alcançar o nível elevado de proteção da saúde por que se optou na União.

136

Por conseguinte, o nível de proteção da saúde humana está em estreita correlação com o nível do risco considerado aceitável para a sociedade, o qual depende, por seu turno, dos conhecimentos científicos disponíveis num dado momento. Ora, não está excluído que, tendo em conta a evolução dos dados científicos, o próprio nível de proteção possa ser assegurado por medidas menos restritivas.

137

Quanto à questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao considerar, nos n.os 65 e 250 do acórdão recorrido, que o artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 apenas transcrevia a obrigação contida no artigo 168.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE, importa, para proceder a esta apreciação, considerar estes aspetos à luz da totalidade dos fundamentos deste acórdão.

138

A este respeito, há que observar que o Tribunal Geral menciona, é certo, nos n.os 74, 79, 81, 174 a 176 e 250 do acórdão recorrido, a obrigação das instituições de garantirem um nível elevado de proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente, o que pode dar a impressão, como sustenta a República Francesa, de que o Tribunal Geral se limita a verificar se as medidas impugnadas respeitam a obrigação contida no artigo 168.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE. No entanto, resulta claramente dos n.os 211 a 213, 221, 249 e 266 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral interpreta o artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 tendo devidamente em conta a obrigação de manter o nível de proteção da saúde humana assegurado na União.

139

Nos n.os 211 a 213 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral formulou designadamente as observações seguintes:

«211

Cabe, além disso, recordar que as autoridades públicas competentes têm a obrigação de manter um elevado nível de proteção da saúde humana, sem que, todavia, este deva ser o mais elevado possível […]. O artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 lembra esta obrigação no contexto dos poderes conferidos à Comissão para alterar os anexos deste regulamento, sujeitando a adoção de decisões tomadas no contexto do referido regulamento ao requisito da manutenção ou do aumento, se tal se justificar do ponto de vista científico, do nível de proteção da saúde humana garantido na Comunidade. O princípio da precaução é um dos instrumentos que permitem às referidas autoridades satisfazer esta obrigação […]. Efetivamente, o referido princípio impõe que a autoridade pública assuma a gestão do risco que excede o nível do risco considerado aceitável [para a] sociedade de modo a circunscreve-lo ao referido nível […]. A gestão do risco por meio da adoção de medidas adequadas que visam assegurar um elevado nível de proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente corresponde, pois, ao conjunto das ações empreendidas por uma instituição a fim de fazer face a um risco de modo a circunscreve-lo a um nível aceitável.

212

Incumbe, além disso, à autoridade competente reexaminar as medidas provisórias que adotou por força do princípio da precaução num prazo razoável. Com efeito, foi já enunciado que, quando novos elementos alteram a perceção de um risco ou demonstram que esse risco pode ser circunscrito por medidas menos rígidas do que as existentes, cabe às instituições, e designadamente à Comissão, zelar por uma adaptação da regulamentação aos novos dados […]. Assim, a flexibilização de medidas preventivas anteriormente adotadas deve ser justificada por novos elementos que alterem a apreciação do risco em causa.

213

Estes novos elementos, como novos conhecimentos ou novas descobertas científicas, quando justificam a flexibilização de uma medida preventiva, alteram o conteúdo concreto da obrigação que impende sobre as autoridades públicas de manterem de modo constante um elevado nível de proteção da saúde humana. Efetivamente, estes novos elementos podem alterar a perceção do risco, bem como o respetivo nível, considerados aceitáveis [para a] sociedade. A legalidade da adoção de uma medida preventiva menos rigorosa não deve ser apreciada em função do nível de risco considerado aceitável tomado em consideração para a adoção das medidas preventivas iniciais. Com efeito, a adoção de medidas preventivas iniciais a fim de circunscrever o risco a um nível considerado aceitável é efetuada em função de uma avaliação dos riscos e, designadamente, da determinação do nível de risco considerado aceitável [para a] sociedade. Se novos elementos vierem a alterar a avaliação dos riscos, a legalidade da adoção de medidas preventivas menos rigorosas deve ser apreciada tendo em conta estes elementos novos e não em função dos elementos que tenham determinado a avaliação dos riscos no quadro da adoção das medidas preventivas iniciais. É unicamente quando este novo nível de risco excede o nível do risco considerado aceitável [para a] sociedade que deve ser constatada pelo juiz a violação do princípio da precaução.»

140

Decorre destes fundamentos que o Tribunal Geral reconhece, no essencial, ao artigo 24.o-A do Regulamento n.o 999/2001 o mesmo alcance que o que resulta dos n.os 134 a 136 do presente acórdão. Na medida em que a República Francesa não contestou a justeza desta interpretação, mas se limitou a invocar os números do acórdão recorrido que mencionam a obrigação de manter o nível elevado de proteção da saúde humana, importa julgar improcedente a primeira parte do quarto fundamento.

141

No que respeita à segunda parte do quarto fundamento, relativa a um erro de direito, na medida em que o Tribunal Geral presumiu, no n.o 213 do acórdão recorrido, que os elementos científicos invocados pela Comissão para justificar a adoção do regulamento impugnado podiam provocar uma evolução do nível de risco considerado aceitável, há que observar que, não obstante a forma como esta argumentação foi formulada, a República Francesa se limita, na realidade, a contestar uma apreciação fatual cuja fiscalização não se insere na competência do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão de primeira instância, por força do artigo 256.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE e da jurisprudência recordada no n.o 70 do presente acórdão.

142

Quanto ao argumento da recorrente, invocado a título subsidiário, segundo o qual o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não verificar se, para determinar o nível de risco considerado aceitável, a Comissão tinha tomado em consideração a gravidade da realização do risco de transmissão ao homem das EET e a irreversibilidade das EET como doenças, há que recordar que, tratando-se de um domínio em que o legislador da União é chamado a efetuar apreciações complexas, a fiscalização jurisdicional do exercício da sua competência se deve limitar a examinar se esse exercício não está viciado por erro manifesto de apreciação ou por desvio de poder, ou se o legislador não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação (acórdão de 9 de setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o., C-236/01, Colet., p. I-8105, n.o 135).

143

Ora, atendendo a este amplo poder de apreciação da Comissão com vista à determinação do nível de risco considerado aceitável para a sociedade, foi corretamente que o Tribunal Geral limitou a sua fiscalização aos erros manifestos de apreciação.

144

Além disso, resulta dos articulados apresentados perante o Tribunal Geral que a República Francesa anunciou explicitamente, nos seus pedidos suplementares, que não contestava o facto de que cabia às instituições da União determinar o nível de risco considerado inaceitável para a sociedade.

145

Ora, basta observar que a argumentação apresentada pela República Francesa não comporta elementos suscetíveis de revelar que foi cometido um erro manifesto pela Comissão e que o mesmo não foi detetado pelo Tribunal Geral.

146

Nestas condições, o fundamento relativo a uma pretensa violação do direito no âmbito da apreciação da evolução do nível de risco considerado aceitável deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

147

Quanto à terceira parte do quarto fundamento da República Francesa, relativa a uma pretensa incoerência do regulamento impugnado, importa constatar que esta crítica tem carácter novo, na medida em que não foi invocada pela recorrente perante o Tribunal Geral.

148

Com efeito, perante o Tribunal Geral, a recorrente não alegou que o facto de as medidas impugnadas não substituírem as medidas preventivas anteriores, mas as completarem através de medidas alternativas, tinha incidência na apreciação da legalidade do regulamento impugnado.

149

Ora, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça está, em princípio, limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos debatidos perante os juízes que conheceram do mérito da causa (v., designadamente, acórdão de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C-266/05 P, Colet., p. I-1233, n.o 95 e jurisprudência referida). Uma parte não pode, portanto, em princípio, invocar pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça um fundamento que não invocou perante o Tribunal Geral, na medida em que isso equivaleria a permitir ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade da solução dada pelo Tribunal Geral, à luz de fundamentos que este último não teve de conhecer (acórdão de 15 de setembro de 2011, Alemanha/Comissão, C-544/09 P, n.o 63).

150

Consequentemente, importa julgar inadmissível a terceira parte do quarto fundamento.

151

Atendendo às considerações precedentes, o quarto fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

152

Uma vez que nenhum dos três fundamentos apresentados pela recorrente em apoio do seu recurso pôde ser julgado procedente, deve ser negado provimento ao recurso no seu conjunto.

Quanto às despesas

153

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República Francesa é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.