ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de junho de 2013 ( *1 )

«Classificação pautal — Nomenclatura Combinada — Produto à base de açúcar, composto de 65% de lisina sulfato e 35% de impurezas resultantes do processo de fabrico — Regulamento (CE) n.o 1719/2005 — Regulamento (CE) n.o 1265/2001 — Restituição à produção para determinados produtos utilizados na indústria química — Ajudas comunitárias indevidamente pagas — Reembolso — Princípio da proteção da confiança legítima»

No processo C-568/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Vestre Landsret (Dinamarca), por decisão de 9 de novembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de novembro de 2011, no processo

Agroferm A/S

contra

Ministeriet for Fødevarer, Landbrug og Fiskeri,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, G. Arestis (relator), J.-C. Bonichot, A. Arabadjev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de novembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Agroferm A/S, por J. Lentz, advokat,

em representação do Governo dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agente, assistida por J. Pinborg, advokat,

em representação da Comissão Europeia, por C. Barslev e P. Rossi, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 24 de janeiro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das posições 2309, 2922 e 3824 da Nomenclatura Combinada que figura no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), na redação dada pelo Regulamento (CE) n.o 1719/2005 da Comissão, de 27 de outubro de 2005 (JO L 286, p. 1, a seguir «NC»), e sobre os princípios do direito da União que regem a recuperação de montantes indevidamente pagos.

2

Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Agroferm A/S (a seguir «Agroferm») ao Ministeriet for Fødevarer, Landbrug og Fiskeri (Ministério da Alimentação, da Agricultura e da Pesca, a seguir «Ministeriet»), relativamente ao reembolso, pela Agroferm, de restituições à produção para lisina sulfato que lhe foram indevidamente pagas.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «SH») foi elaborado pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas, instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983 e aprovada, com o respetivo protocolo de alteração de 24 de junho de 1986, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO L 198, p. 1).

4

Segundo a nota explicativa do SH relativa ao capítulo 29 do mesmo, o termo «impurezas» aplica-se exclusivamente às substâncias cuja presença no composto químico distinto resulta, exclusiva e diretamente, do processo de fabricação. Não são consideradas como impurezas autorizadas nos termos desta nota as substâncias deliberadamente deixadas no produto com vista a torná-lo adequado a certas utilizações particulares em detrimento do seu uso geral.

5

As notas explicativas do SH relativas à sua posição 2309 enunciam que esta posição abrange as preparações destinadas à fabricação de alimentos «completos» ou de «alimentos complementares». Essas preparações são, de maneira geral, composições de caráter complexo que compreendem vários elementos, por vezes denominados «aditivos», cuja natureza e proporções são fixadas com vista a uma produção zootécnica determinada. Esses elementos, entre os quais se encontram os aminoácidos, favorecem nomeadamente a digestão e, de forma mais geral, a utilização dos alimentos pelo animal e salvaguardam o estado de saúde deste último.

Direito da União

Classificação pautal

6

A NC assenta no SH. A segunda parte da NC inclui uma classificação das mercadorias em secções, capítulos, posições e subposições.

7

O capítulo 23 da NC intitula-se «Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; alimentos preparados para animais». Nos termos da nota 1 deste capítulo, incluem-se na posição 2309 «os produtos dos tipos utilizados para alimentação de animais, não especificados nem compreendidos noutras posições, obtidos pelo tratamento de matérias vegetais ou animais de tal forma que perderam as características essenciais da matéria de origem, excluídos os desperdícios vegetais, resíduos e subprodutos vegetais resultantes desse tratamento». A posição 2309 da NC intitula-se «Preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais».

8

O capítulo 29 da NC intitula-se «Produtos químicos orgânicos». A nota 1, alíneas a) e b), deste capítulo enuncia:

«Ressalvadas as disposições em contrário, as posições do presente Capítulo apenas compreendem:

a)

Os compostos orgânicos de constituição química definida apresentados isoladamente, mesmo que contenham impurezas;

b)

As misturas de isómeros de um mesmo composto orgânico (mesmo que contenham impurezas), com exclusão das misturas de isómeros (exceto estereoisómeros) dos hidrocarbonetos acíclicos, saturados ou não (Capítulo 27)»

9

A posição 2922 da NC intitula-se «Compostos aminados de funções oxigenadas».

10

O capítulo 38 da NC intitula-se «Produtos diversos das indústrias químicas». A posição 3824 da NC diz respeito aos «[a]glutinantes preparados para moldes ou para núcleos de fundição; produtos químicos e preparações das indústrias químicas ou das indústrias conexas (incluídos os constituídos por misturas de produtos naturais), não especificados nem compreendidos em outras posições».

Restituições à produção

¾ Regulamento (CE) n.o 1260/2001

11

O artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1260/2001 do Conselho, de 19 de junho de 2001, que estabelece a organização comum de mercado no setor do açúcar (JO L 178, p. 1), dispõe:

«Fica decidido conceder restituições à produção para os produtos referidos nas alíneas a) e f) do n.o 1 do artigo 1.o, para os xaropes referidos na alínea d) do n.o 1 do artigo 1.o, assim como para a frutose quimicamente pura (levulose) do código NC 1702 50 00 enquanto produto intermédio, encontrando-se numa das situações previstas no n.o 2 do artigo 23.o [CE], que são utilizados no fabrico de certos produtos da indústria química.

[…]»

¾ Regulamento (CE) n.o 1265/2001

12

O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 1265/2001 da Comissão, de 27 de junho de 2001, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1260/2001 do Conselho no respeitante à concessão da restituição à produção para determinados produtos do setor do açúcar utilizados na indústria química (JO L 178, p. 63), enuncia:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende-se por ‘produtos de base’:

a)

Os produtos referidos no n.o 1, alíneas a) e f), do artigo 1.o do Regulamento […] n.o 1260/2001; e

b)

Os xaropes de açúcar referidos no n.o 1, alínea d), do artigo 1.o do Regulamento […] n.o 1260/2001 e dos códigos NC ex 1702 60 95 e ex 1702 90 99, com uma pureza de, no mínimo, 85%,

que são utilizados no fabrico dos produtos da indústria química enumerados no anexo I do presente regulamento.

[...]»

13

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1265/2001 dispõe:

«1.   A restituição à produção é concedida pelo Estado-Membro em cujo território se efetua a transformação dos produtos de base.

2.   O Estado-Membro só pode conceder a restituição se for assegurado por controlo aduaneiro, ou por controlo administrativo com garantias equivalentes, que os produtos de base são utilizados de modo conforme ao destino especificado no pedido referido no artigo 3.o»

14

Nos termos do artigo 10.o deste regulamento:

«1.   O pedido de título de restituição à produção será apresentado por escrito à autoridade competente do Estado-Membro em que o produto de base deve ser transformado.

Do pedido devem constar:

[…]

c)

A posição pautal e a designação do produto químico para cujo fabrico o produto de base deve ser utilizado;

[...]

3.   Para efeitos da aplicação do n.o 2:

[...]

b)

A admissão ao benefício da restituição à produção fica subordinada a uma prévia aprovação do transformador pelo Estado-Membro em cujo território este deve transformar o produto intermédio num produto químico indicado referido no anexo I.

As aprovações referidas no segundo parágrafo são concedidas pelo Estado-Membro em causa logo que o interessado assegurar ao Estado-Membro todas as facilidades que permitam os controlos necessários.

[...]»

15

Decorre do Anexo I do Regulamento n.o 1265/2001 que as restituições à produção são concedidas para o fabrico de produtos abrangidos pelos capítulos 29 (Produtos químicos orgânicos) e 38 (Produtos diversos das indústrias químicas) da NC.

Financiamento da política agrícola comum

16

O artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1258/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 160, p. 103) dispunha:

«1.   Os Estados-Membros tomarão, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, as medidas necessárias para:

a)

Se certificarem de que as operações financiadas pelo Fundo são efetivamente realizadas e corretamente executadas;

b)

Evitar e processar as irregularidades;

c)

Recuperar as importâncias perdidas em consequência de irregularidades ou negligências.

Os Estados-Membros informarão a Comissão das medidas tomadas para esses fins, nomeadamente da situação dos processos administrativos e judiciais.

2.   Na falta de recuperação total, as consequências financeiras das irregularidades ou negligências [são suportadas pela Comunidade, salvo as que resultam das irregularidades ou negligências] imputáveis aos serviços ou organismos dos Estados-Membros.

As importâncias recuperadas serão creditadas aos organismos pagadores aprovados e por estes deduzidas das despesas financiadas pelo Fundo. Os juros das importâncias recuperadas ou pagas tardiamente serão creditados ao Fundo.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

A Agroferm é uma empresa dinamarquesa que fabricou, até junho de 2006, lisina sulfato numa fábrica situada em Esbjerg (Dinamarca). Os produtos compostos de lisina são fabricados a partir do açúcar, que é o produto de base.

18

Em 19 de maio de 2004, a Agroferm apresentou à Administração Aduaneira dinamarquesa um requerimento de autorização prévia à concessão de restituições à produção de lisina sulfato. Expôs, nesse requerimento, que o produto que pretendia fabricar era lisina sulfato, que, em seu entender, devia ser classificado na posição 2922 da NC. Após o despacho favorável da referida administração a este requerimento, a Agroferm recebeu regularmente restituições à produção correspondentes às quantidades de açúcar que utilizava para fabricar lisina sulfato.

19

Na sequência das análises efetuadas pela Force Technology, empresa privada encarregada pela Administração Aduaneira dinamarquesa de analisar amostras de produtos com a finalidade de determinar a sua classificação pautal, foi proposto classificar o produto elaborado pela Agroferm no capítulo 23 da NC e não no capítulo 29 da mesma. Num parecer de 5 de abril de 2006, a Force Technology indicou que a amostra analisada tinha sido fabricada por fermentação e que o produto em causa continha lisina sulfato e coprodutos de fermentação. Esta empresa salientou que um produto puro com apenas 66% (percentagem de lisina sulfato contida na matéria seca) não podia ser classificado no capítulo 29 da NC.

20

Questionado pela Administração Aduaneira dinamarquesa, o Comité do Código Aduaneiro precisou que devia ser privilegiada uma abordagem caso a caso para decidir a taxa de impurezas admissível e a classificação dos produtos químicos, e que havia que classificar a preparação em causa no processo principal no capítulo 23 da NC e não no capítulo 29 da mesma.

21

Por decisão de 10 de agosto de 2006, a Direktoratet for FødevareErhverv (Agência para a Indústria Alimentar, a seguir «Direktoratet») informou a Agroferm de que tinha sido determinado, após consulta à Comissão Europeia e ao Comité do Código Aduaneiro, que os produtos fabricados por esta sociedade não deviam ser classificados como produtos à base de lisina, na aceção da posição 2922 da NC, e que, portanto, esta empresa não tinha direito a restituições à produção.

22

Em 22 de novembro de 2006, a Direktoratet decidiu que a Agroferm devia reembolsar um montante total de cerca de 86,6 milhões de DKK, acrescido de juros, que correspondiam, no seu entender, às restituições à produção recebidas de agosto de 2004 a março de 2006, montante em relação ao qual as partes no processo principal estão em desacordo.

23

Em 18 de dezembro de 2006, a Agroferm recorreu para o Ministeriet das decisões tomadas pela Direktoratet. Por decisão de 18 de julho de 2008, o Ministeriet seguiu em todos os aspetos as decisões da Direktoratet e considerou que a Agroferm não tinha agido de boa-fé quando requereu o benefício das restituições à produção.

24

Por petição de 23 de setembro de 2009, a Agroferm interpôs um recurso no Retten i Esbjerg (Tribunal de primeira instância de Esbjerg) o qual, por decisão de 4 de novembro de 2009 e na sequência de um pedido unânime das partes, remeteu o processo ao Vestre Landsret, com o fundamento de que o litígio no processo principal abordava uma questão fundamental, na aceção do processo civil dinamarquês, dado que suscitava a interpretação de questões relativas ao direito da União e que era de admitir a submissão de um pedido de decisão prejudicial.

25

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve um produto fabricado a partir do açúcar fermentado com a ajuda da bactéria Corynebacterium glutamicum e que — como especificado em mais detalhe no Anexo 1 ao pedido de decisão prejudicial — consiste em aproximadamente 65% de lisina sulfato, além de impurezas resultantes do processo de fabrico (materiais em bruto, reagentes usados no processo de fabrico e subprodutos), ser classificado nas posições 2309, 2922 ou 3824 da [NC]?

É relevante, neste contexto, que as impurezas tenham sido retidas deliberadamente com a intenção de tornar o produto particularmente adequado, ou para aumentar a sua adequação, para a alimentação, ou que as impurezas tenham sido retidas porque não era necessário nem prático removê-las? Que orientações devem ser seguidas para avaliar este assunto noutros casos?

É relevante para a resposta que seja possível fabricar outros produtos contendo lisina, incluindo a lisina ‘pura’ (> 98%) e produtos com lisina HC1 que têm um teor de lisina superior ao do produto de lisina sulfato acima descrito, e é relevante neste contexto que a quantidade de lisina sulfato e outras impurezas no produto de lisina sulfato acima descrito corresponda ao teor de produtos de lisina sulfato de outros produtores? Que orientações devem ser seguidas para avaliar este assunto noutros casos?

2)

Presumindo que, em conformidade com o princípio da legalidade, a produção não estava coberta pelo regime das restituições, seria contrário ao direito da União que, em obediência aos princípios nacionais da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, as autoridades nacionais deixassem, num caso como o presente, de tentar recuperar montantes de restituições que o produtor aceitou de boa-fé?

3)

Se se considerar que, em conformidade com o princípio da legalidade, a produção não estava abrangida pelo regime das restituições, seria contrário ao direito da União que, em obediência aos princípios nacionais da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, as autoridades nacionais, num caso como o presente, honrassem compromissos (certificados de restituição) sujeitos a prazos e que o produtor aceitou de boa-fé?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

26

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um produto como o que está em causa no processo principal, composto de lisina sulfato e de impurezas resultantes do processo de fabrico, pode ser classificado nas posições 2309, 2922 ou 3824 da NC.

27

Importa recordar, a este respeito, que é jurisprudência assente que, no interesse da segurança jurídica e da facilidade das fiscalizações, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser procurado, de uma forma geral, nas suas características e propriedades objetivas, tal como definidas pela redação da posição da NC e das notas de secção ou de capítulo (v., designadamente, acórdãos de 25 de maio de 1989, Weber, 40/88, Colet., p. 1395, n.o 13; de 18 de julho de 2007, Olicom, C-142/06, Colet., p. I-6675, n.o 16, e de 28 de julho de 2011, Pacific World e FDD International, C-215/10, Colet., p. I-7255, n.o 28).

28

Deve recordar-se igualmente que as notas explicativas do SH constituem meios importantes para assegurar a aplicação uniforme da pauta aduaneira comum e fornecem, enquanto tal, elementos válidos para a sua interpretação (v., neste sentido, acórdãos de 19 de maio de 1994, Siemens Nixdorf, C-11/93, Colet., p. I-1945, n.o 12; de 27 de abril de 2006, Kawasaki Motors Europe, C-15/05, Colet., p. I-3657, n.o 36, e Pacific World e FDD International, já referido, n.o 29).

29

No que respeita, em primeiro lugar, à posição 2922 da NC, a nota 1, alínea a), do capítulo 29 da NC prevê que as posições deste capítulo apenas compreendem compostos orgânicos de constituição química definida apresentados isoladamente, mesmo contendo impurezas.

30

Resulta da decisão de reenvio que o produto à base de lisina sulfato em causa no processo principal era um composto orgânico de constituição química definida que continha cerca de 65% de lisina sulfato e 35% de massa celular resultante do processo de fabrico por fermentação utilizado. Por outro lado, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, essa massa celular, que continha substâncias nutritivas com elevado valor biológico, tinha sido deliberadamente deixada no produto para reforçar a adequação deste na sua utilização como aditivo na alimentação animal e para impedir a lisina sulfato de absorver a humidade.

31

Assim, coloca-se a questão de saber se se pode considerar que pertence às impurezas cuja presença, segundo a nota 1, alínea a), do capítulo 29 da NC, não põe em causa a classificação nas posições deste capítulo.

32

A este respeito, se a referida nota 1 do capítulo 29 da NC autoriza a presença de impurezas, há que concluir que as mesmas têm necessariamente um caráter residual, para não afetarem a apresentação «isolada» do composto orgânico em questão. Com efeito, como salientou a advogada-geral no n.o 31 das suas conclusões, a razão de ser desta tolerância prende-se com o facto de um grau de pureza de 100% não poder, em regra, ser tecnicamente cumprido.

33

Por outro lado, resulta da nota 1, alíneas f) e g), do capítulo 29 da NC, que as posições deste capítulo podem compreender designadamente os produtos referidos no n.o 1, alínea a), adicionados de diferentes substâncias indispensáveis à sua conservação ou transporte, ou com a finalidade de facilitar a sua identificação ou por razões de segurança, desde que essas adições não tornem o produto particularmente apto para usos específicos de preferência à sua aplicação geral.

34

Embora, segundo a nota 1, alíneas f) e g), deste capítulo 29, a adição de outras substâncias aos produtos classificáveis no referido capítulo deva obedecer a certas exigências precisas, relativas nomeadamente a razões de segurança ou de identificação, mantendo, contudo, o uso específico do produto em causa, há que concluir que, a fortiori, o mesmo acontece às impurezas mencionadas na nota 1, alínea a), do mesmo capítulo.

35

Com efeito, quando um produto contém impurezas que resultam do processo de fabrico, e que tornam esse produto adequado para usos específicos, diferentes da sua aplicação geral, esse produto não pode ser considerado como «apresentado isoladamente», na aceção da nota 1), alínea a), do capítulo 29 da NC, dado que essas impurezas são determinantes para a sua utilização.

36

Além disso, esta apreciação resulta igualmente da nota explicativa do SH relativa ao capítulo 29 do mesmo, como referido no n.o 4 do presente acórdão.

37

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que as impurezas foram deixadas no produto em causa no processo principal após a fermentação, para o tornar adequado, mais do que a um uso genérico, a um uso específico como aditivo para os alimentos completos para animais contendo um certo número de substâncias nutritivas com valor biológico elevado.

38

Daqui resulta que um produto à base de lisina sulfato como o que está em causa no processo principal não pode ser classificado na posição 2922 da NC.

39

No que respeita à posição 2309 da NC, esta abrange as «[p]reparações dos tipos utilizados na alimentação de animais». De acordo com a nota 1 do capítulo 23 da NC, a referida posição inclui os produtos dos tipos utilizados para alimentação de animais, não especificados nem compreendidos em outras posições, obtidos pelo tratamento de matérias vegetais ou animais de tal forma que perderam as características essenciais da matéria de origem, excluídos os desperdícios vegetais, resíduos e subprodutos vegetais resultantes desse tratamento.

40

Por outro lado, resulta das notas explicativas do SH relativas à posição 2309 do mesmo, como recordado no n.o 5 do presente acórdão, que esta posição abrange em particular os aditivos, cuja natureza e proporções são fixadas com vista a uma produção zootécnica determinada, entre os quais se encontram os aminoácidos.

41

A este respeito, há que salientar que o destino do produto pode constituir um critério objetivo de classificação, desde que seja inerente ao produto em questão, inerência esta que deve poder ser apreciada em função das características e propriedades objetivas deste (v. acórdãos de 15 de fevereiro de 2007, RUMA, C-183/06, Colet., p. I-1559, n.o 36; Olicom, já referido, n.o 18, e de 29 de abril de 2010, Roeckl Sporthandschuhe, C-123/09, Colet., p. I-4065, n.o 28).

42

Ora, resulta da decisão de reenvio que o produto à base de lisina sulfato em causa no processo principal se destinava, enquanto aditivo, a entrar no fabrico de alimentos para animais. Era composto por um certo número de elementos, entre os quais aminoácidos, apresentando vantagens no plano nutritivo para os animais.

43

Assim, as características objetivas de um produto deste tipo e, em particular, os elementos da massa celular resultante do processo de fabrico deixados deliberadamente no produto, destinavam-no a ser utilizado como aditivo no fabrico de alimentos para animais. Daqui resulta que este produto cumpria os requisitos necessários para ser classificado na posição 2309 da NC.

44

No que respeita à posição 3824 da NC, basta salientar que a mesma é uma posição residual, que se aplica unicamente quando o produto em causa não pode ser classificado em nenhuma outra posição. Não sendo esse o caso em apreço, não há que examinar a relevância desta posição.

45

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que a NC deve ser interpretada no sentido de que um produto composto de lisina sulfato e de impurezas que resultam do processo de fabrico deve ser classificado na posição 2309 como preparação dos tipos utilizados para a alimentação dos animais.

Quanto à segunda e terceira questões

46

Com a sua segunda e terceira questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União se opõe a que as Administração Aduaneira nacional, tendo em conta os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima que devem ser respeitados por força do direito nacional, por um lado, reclamem o reembolso de um montante indevido de restituições à produção para lisina sulfato que o produtor recebeu de boa-fé e, por outro, recusem proceder ao pagamento de restituições à produção para esse produto, pagamento esse que se tinha comprometido com o produtor a realizar.

47

Importa recordar, desde logo, a jurisprudência constante segundo a qual não pode ser considerado contrário ao direito da União que o direito nacional, em matéria de revogação de atos administrativos e de repetição de prestações financeiras indevidamente pagas pela Administração Pública, tome em consideração, ao mesmo tempo que o princípio da legalidade, os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, dado que estes últimos fazem parte da ordem jurídica da União. Esses princípios impõem-se com um rigor particular face a uma regulamentação suscetível de comportar consequências financeiras (v. acórdão de 13 de março de 2008, Vereniging Nationaal Overlegorgaan Sociale Werkvoorziening e o., C-383/06 a C-385/06, Colet., p. I-1561, n.o 52 e jurisprudência referida).

48

No entanto, é de assinalar que o Regulamento n.o 1265/2001, ao abrigo do qual a Agroferm beneficiou de restituições à produção para lisina sulfato, estabelece as normas de execução do Regulamento n.o 1260/2001, que estabelece a organização comum de mercado no setor do açúcar no quadro da política agrícola comum.

49

Assim, o reembolso dos montantes indevidamente pagos pela União ao abrigo do referido Regulamento n.o 1265/2001 tem o seu fundamento legal nas disposições do Regulamento n.o 1258/1999, relativo ao financiamento da política agrícola comum (v., por analogia, quanto à recuperação de subsídios indevidamente pagos a título dos fundos estruturais, acórdão Vereniging Nationaal Overlegorgaan Sociale Werkvoorziening e o., já referido, n.o 39).

50

Em particular, o artigo 8.o, n.o 1, alínea c), deste último regulamento cria uma obrigação para os Estados-Membros, sem que seja necessária uma habilitação prevista pelo direito nacional, de recuperar as importâncias perdidas em consequência de irregularidades ou negligências. (v., neste sentido, acórdão de 21 de setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o., 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.o 22).

51

Neste contexto, a aplicação do princípio da proteção da confiança legítima deve fazer-se segundo as regras do direito da União (v., por analogia, acórdão Vereniging Nationaal Overlegorgaan Sociale Werkvoorziening e o., já referido, n.o 53).

52

A este respeito, há que salientar que o princípio da proteção da confiança legítima não pode ser invocado contra uma disposição precisa de um preceito do direito da União e que o comportamento de uma autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União, que está em contradição com este último, não pode criar, na esfera jurídica de um operador económico, confiança legítima em que pode beneficiar de um tratamento contrário ao direito da União [v. acórdãos de 1 de abril de 1993, Lageder e o., C-31/91 a C-44/91, Colet., p. I-1761, n.o 35; de 16 de março de 2006, Emsland-Stärke, C-94/05, Colet., p. I-2619, n.o 31, e de 7 de abril de 2011, Sony Supply Chain Solutions (Europe), C-153/10, Colet., p. I-2775, n.o 47].

53

Ora, o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1265/2001 inclui, como «produtos de base» que beneficiam da restituição à produção, nomeadamente, o açúcar utilizado para o fabrico de produtos da indústria química enumerados no Anexo I desse regulamento. Este anexo menciona expressamente os produtos abrangidos pelos capítulos 29 e 38 da NC. Resulta, por outro lado, do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), desse regulamento, que o pedido de restituição à produção deve especificar a posição pautal e a designação do produto químico para cujo fabrico o produto de base deve ser utilizado.

54

A este respeito, como salientou a advogada-geral no n.o 63 das suas conclusões, um operador económico apenas pode basear a confiança legítima na concessão de uma restituição à produção se o produto por ele fabricado for classificado na posição ou no capítulo da NC indicados no título de restituição.

55

No caso em apreço, como resulta da resposta dada à primeira questão prejudicial, o produto em causa no processo principal devia efetivamente ter sido classificado na posição 2309 da NC, e não na posição 2922 da mesma, como foi erradamente declarado pelo operador económico beneficiário das restituições à produção.

56

Assim, as restituições à produção relativas a este produto eram contrárias ao direito da União. Como tal, há que concluir que a Administração Aduaneira dinamarquesa não podia criar, em benefício do operador económico em causa, independentemente da boa-fé deste último, uma confiança legítima em beneficiar de um tratamento contrário ao direito da União. Tal é o caso ainda que, por um lado, essas restituições tenham sido concedidas com base numa autorização prévia emitida pela referida administração e, por outro, esta se tenha comprometido a proceder a novas restituições antes de tomar conhecimento do erro cometido pelo operador na sua declaração.

57

Resulta das considerações precedentes que há que responder à segunda e terceira questões que o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a Administração Aduaneira nacional, por um lado, reclame o reembolso de um montante indevido de restituições à produção para lisina sulfato que o produtor já recebeu e, por outro, recuse proceder ao pagamento de restituições à produção para esse produto, pagamento esse que se tinha comprometido com o produtor a realizar.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

A Nomenclatura Combinada que figura no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, na redação dada pelo Regulamento (CE) n.o 1719/2005 da Comissão, de27 de outubro de 2005, deve ser interpretada no sentido de que um produto composto de lisina sulfato e de impurezas que resultam do processo de fabrico deve ser classificado na posição 2309 como preparação dos tipos utilizados para a alimentação dos animais.

 

2)

O princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a Administração Aduaneira nacional, por um lado, reclame o reembolso de um montante indevido de restituições à produção para lisina sulfato que o produtor já recebeu e, por outro, recuse proceder ao pagamento de restituições à produção para esse produto, pagamento esse que se tinha comprometido com o produtor a realizar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.