ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

15 de novembro de 2012 ( *1 )

«Diretiva 77/388/CEE — IVA — Isenções — Artigo 13.o, B, alínea b) — Locação de bens imóveis — Barco-casa sem sistema de propulsão, imobilizado de forma permanente na margem de um rio — Locação do barco-casa, incluindo o pontão, o terreno e o plano de água correspondentes — Afetação exclusiva à exploração permanente de um restaurante-discoteca — Prestação unitária»

No processo C-532/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Oberlandesgericht Köln (Alemanha), por decisão de 22 de setembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de outubro de 2011, no processo

Susanne Leichenich

contra

Ansbert Peffekoven,

Ingo Horeis,

estando presente:

Dr. Leyh, Dr. Kossow & Dr. Ott KG, Wirtschaftsprüfungsgesellschaft, Steuerberatungsgesellschaft,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász (relator), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 6 de setembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação de S. Leichenich, por H. Bister, Rechtsanwalt,

em representação de A. Peffekoven e I. Horeis, por A. Funke e R. Lenzen, Rechtsanwälte,

em representação de Dr. Leyh, Dr. Kossow & Dr. Ott KG, Wirtschaftsprüfungsgesellschaft, Steuerberatungsgesellschaft, por T. Wahlen e S. Schneider, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por C. Soulay e B.-R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre S. Leichenich, proprietária de um barco-casa, e A. Peffekoven e I. Horeis, seus consultores fiscais, a respeito da sujeição a imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de uma operação de locação desse barco-casa, o qual se encontra imobilizado de forma permanente na margem de um rio e que está afetado à exploração de um restaurante-discoteca.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 2.o da Sexta Diretiva, que está incluído no título II, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.

As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

4

O artigo 13.o desta diretiva, intitulado «Isenções no território do país», prevê no ponto B, intitulado «Outras isenções»:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

b)

A locação de bens imóveis, com exceção:

1.

Das operações de alojamento, tal como são definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do setor hoteleiro ou de setores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

2.

Da locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

3.

Da locação de equipamento a maquinaria de instalação fixa;

4.

Da locação de cofres-fortes.

Os Estados-Membros podem prever outras exceções ao âmbito de aplicação desta isenção;

[…]»

5

Esta disposição da Sexta Diretiva foi reproduzida, quase sem alterações, no artigo 135.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), que reformulou a Sexta Diretiva e as suas alterações sucessivas.

6

O artigo 38.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 77, p. 1), que faz parte da respetiva subsecção 10, intitulado «Locação de meios de transporte», prevê:

«1.   Os ‘meios de transporte’ a que se referem o artigo 56.o e a alínea g) do primeiro parágrafo do artigo 59.o da Diretiva 2006/112/CE incluem veículos, motorizados ou não, e outros equipamentos e dispositivos destinados ao transporte de pessoas ou objetos de um lugar para outro, que podem ser puxados, movidos por tração ou empurrados por veículos e que normalmente se destinam a ser utilizados para transporte e são efetivamente adequados a essa utilização.

[...]

3.   Não constituem meios de transporte na aceção do n.o 1 os veículos permanentemente imobilizados e os contentores.»

Direito alemão

7

O § 4 da Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Umsatzsteuergesetz) prevê:

«De entre as operações abrangidas pelo no § 1, n.o 1, ponto 1, da presente lei, estão isentas:

[...]

a)

a locação de bens imóveis e de direitos a que se apliquem as disposições do direito civil sobre direitos reais, assim como a locação de direitos referentes à propriedade fundiária e imobiliária do Estado;

b)

a cedência de bens imóveis ou de partes deles para utilização com base num contrato ou contrato-promessa de transmissão da propriedade dos mesmos;

c)

a constituição, a transmissão e a cedência de direitos reais de gozo sobre imóveis;

Não estão abrangidos pela isenção a locação de partes de casa ou de quartos que um empresário reserve para o alojamento temporário de estrangeiros, a locação de espaços de estacionamento de veículos, a locação temporária de lugares em parques de campismo e a locação de máquinas e de outras instalações, qualquer que seja a sua natureza, que façam parte de uma empresa, mesmo que sejam partes integrantes de um imóvel.»

8

O direito alemão define terreno como uma parcela delimitada da superfície terrestre, independentemente da sua utilização, que se encontra inscrita no cadastro sob um determinado número ou registada no Registo Predial nos termos da lei. A questão de saber se um edifício é uma parte de um terreno é respondida, em princípio, segundo a jurisprudência nacional em matéria fiscal, pelas disposições gerais do direito civil, neste caso o § 94 do Código Civil, intitulado «Partes integrantes de um terreno ou de um edifício», que dispõe no seu n.o 1:

«Fazem parte integrante do terreno as partes ligadas ao solo com caráter de permanência, em especial os edifícios [...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

Resulta dos autos remetidos a este Tribunal que, em 1999, S. Leichenich celebrou com o Estado alemão, representado pela Administração das águas e vias navegáveis (Wasser und Schifffahrtsverwaltung, a seguir «WSV»), um contrato de concessão de uma parcela de terreno na margem esquerda do Reno, perto de Colónia, e de um plano de água do mesmo rio adjacente ao terreno. Nos termos deste contrato, a WSV colocou essas parcelas à disposição do público para efeitos de exploração de um barco-casa, em conjunto com um pontão, como restaurante. O barco-casa em questão está atracado ao mesmo lugar há muitos anos e não foi nunca deslocado, estando imobilizado através de amarras, de correntes e de âncoras. Não tem motor nem qualquer sistema de propulsão. Além disso, está ligado às redes de água e de eletricidade e dispõe de endereço postal, de uma linha telefónica e de um coletor de esgotos.

10

Por contrato de 1 de fevereiro de 2000, S. Leichenich deu de arrendamento o barco-casa, o pontão e o espaço correspondente a uma sociedade civil, que explorou o barco-casa exclusivamente como café-restaurante e, mais tarde, como discoteca. Não foi cobrado IVA sobre a renda, porque, segundo os consultores fiscais de S. Leichenich, estava em causa o arrendamento de um bem imóvel. Contudo, após uma inspeção realizada pelo Finanzamt Köln-Altstadt, a autoridade fiscal territorialmente competente, relativa aos anos de 2000 e de 2003, período durante o qual S. Leichenich era a única titular dos bens arrendados, considerou que o bem locado era um bem móvel e, portanto, estava sujeito a IVA.

11

S. Leichenich propôs então contra os seus consultores fiscais, no Landgericht Köln, uma ação em que pediu a condenação no pagamento dos montantes de IVA por si pagos. Aquele órgão jurisdicional, por sentença de 9 de dezembro de 2010 e remetendo para o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de janeiro de 2003, Maierhofer (C-315/00, Colet., p. I-563), considerou que o barco-casa não constituía um bem imóvel nem uma parte integrante dele, uma vez que não está ligado ao solo. Com efeito, o barco-casa poderia ser deslocado em algumas horas, embora isso pudesse envolver uma certa preparação e o recurso a pessoal especializado. Trata-se por isso de um bem móvel, não incluído na exceção do artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva.

12

O Oberlandesgericht Köln, no recurso interposto da referida sentença, observa que o contrato de arrendamento não se limita à locação do barco-casa e do pontão, mas inclui igualmente o plano de água e o terreno correspondentes. Assim, a utilização fixa e permanente do barco-casa e do pontão está indissociavelmente ligada à ocupação do plano de água e da margem correspondentes. Com efeito, a utilização fixa do barco-casa impede permanentemente qualquer outra utilização das águas que ocupa, designadamente para o transporte público. Por outras palavras, segundo o contrato de arrendamento, uma parte do rio, e portanto do solo, foi objeto de arrendamento. A locação do barco-casa e do pontão estipulada no contrato inclui, portanto, necessariamente a ocupação e a disponibilização do plano de água e do terreno previamente concessionados a S. Leichenich no contrato celebrado com a WSV.

13

O tribunal de reenvio precisa igualmente que, segundo o contrato, o barco-casa só pode ser utilizado no local especificado e não se destina a ser deslocado. De resto, encontra-se no mesmo local há muitos anos. O tribunal de reenvio salienta ainda que, tendo o contrato de arrendamento colocado o terreno à disposição dos locatários para a utilização fixa do barco-casa e dispondo este de uma linha telefónica, de ligações às redes de abastecimento e também de esgoto, o mesmo pode ser considerado, numa perspetiva funcional, como um edifício na aceção da Sexta Diretiva, sendo certo que tal edifício não pode estar fixado a um plano de água tão solidamente como a terra firme.

14

O tribunal de reenvio interroga-se ainda sobre se se deve distinguir, do ponto de vista do IVA, entre a locação da parte do imóvel afetada ao barco-casa da locação da parte afetada ao pontão, o qual, nos termos contratuais, foi posto à disposição dos interessados para ser utilizado como ancoradouro. Interroga-se sobre a questão de saber se esta prestação não deve ser considerada como acessória no quadro de um contrato unitário, pelo facto de a utilização do pontão se destinar, exclusiva ou principalmente, a aceder ao barco-casa.

15

Tendo em conta as considerações precedentes, o Oberlandesgericht Köln decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva […] deve ser interpretado no sentido de que o conceito de ‘locação de bens imóveis’ abrange a locação de um barco-casa, incluindo a sua área do ancoradouro e o seu [pontão], que está exclusivamente destinado à utilização fixa e duradoura como restaurante-discoteca num ancoradouro delimitado e identificável na água? A apreciação desta questão depende do tipo de ligação do barco-casa com o solo ou com a despesa que acarreta o soltar das amarras da embarcação?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira frase da primeira questão: o artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva […] deve ser interpretado no sentido de que o conceito de ‘veículos’ — que, nos termos do acórdão [do Tribunal de Justiça] de 3 março de 2005, Fonden Marselisborg Lystbådehavn (C-428/02[, Colet., p. I-1527]), também abrange as embarcações — não é aplicável a um barco-casa locado que não dispõe de propulsão própria (motor) e que foi locado para ser utilizado de forma exclusiva e duradoura num local concreto e não para efetuar deslocações? A locação do barco-casa e do [pontão], incluindo as correspondentes áreas dos terrenos e de água, representa uma prestação única isenta de imposto ou dever-se-á porventura diferenciar, em matéria de IVA, entre a locação do barco-casa e do [pontão]?»

Quanto à primeira questão e à segunda parte da segunda questão

16

Com a sua primeira questão e com a segunda parte da segunda questão, que importa analisar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que o conceito de arrendamento de imóveis também inclui a locação, incluindo o espaço e o pontão correspondentes, de um barco-casa que está imobilizado na margem e no leito de um rio por meio de amarras que não são facilmente removíveis, fundeado num espaço delimitado e identificado do rio e se destina exclusivamente, nos termos do contrato de arrendamento, à exploração permanente de um restaurante-discoteca nesse local. O tribunal de reenvio pergunta igualmente se, nessas circunstâncias, a locação do barco-casa e do pontão constituem uma prestação unitária isenta.

17

A este respeito, cabe recordar, a título liminar, que, segundo jurisprudência assente, as isenções previstas no artigo 13.o da Sexta Diretiva constituem conceitos autónomos de direito da União, devendo, portanto, ser objeto de uma definição comunitária, e que a interpretação do conceito de locação de bens imóveis referido no artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva não pode depender da definição dada pelo direito civil de um Estado-Membro (acórdão Maierhofer, já referido, n.os 25, 26 e jurisprudência aí referida).

18

Cabe igualmente recordar que, no quadro da repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais da União e os órgãos jurisdicionais nacionais, incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta o contexto factual e regulamentar em que se insere a questão prejudicial, tal como definido pela decisão de reenvio (acórdão de 20 de maio de 2010, Harms, C-434/08, Colet., p. I-4431, n.o 33).

19

Em conformidade com a matéria de facto indicada pelo tribunal de reenvio no presente processo, o contrato de arrendamento não é limitado à locação do barco-casa e do pontão, mas inclui igualmente o plano de água e o terreno correspondentes, uma vez que a utilização do barco-casa e do pontão é indissociável da ocupação dos outros elementos. Por outro lado, a locação tem exclusivamente por finalidade a exploração do barco-casa como restaurante-discoteca, em conjunto com o pontão.

20

Na sequência desta matéria de facto indicada pelo tribunal de reenvio, há que examinar a situação do barco-casa, não isoladamente, mas considerado na sua integração no local onde se encontra.

21

Tendo em conta esta matéria de facto, há que constatar que a parte do solo não coberta pela água correspondente, no processo principal, ao local em que o barco-casa se encontra fundeado é um bem imóvel. É igualmente um imóvel a parte submersa delimitada do leito do rio, coberta pelas águas fluviais, em que está fundeado o barco-casa (v., neste sentido, acórdãos Fonden Marselisborg Lystbådehavn, já referido, n.o 34, e de 6 de dezembro de 2007, Walderdorff, C-451/06, Colet., p. I-10637, n.o 19). O tribunal de reenvio assinala que a utilização do barco-casa impede qualquer outra utilização das águas em que está fundeado.

22

O barco-casa, a parte não submersa do solo e a parte submersa do leito do rio constituem um conjunto que é o objeto principal do contrato de arrendamento.

23

Resulta da decisão de reenvio que o barco-casa, que não tem sistema de propulsão, está imobilizado nesta parte do rio há muitos anos. Está fundeado nessa parte delimitada do leito do rio através de âncoras e está amarrado às margens através de correntes e amarras. Estes dispositivos de imobilização do barco-casa não podem ser facilmente removidos, ou seja, sem esforço e despesas não negligenciáveis. Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é necessário que uma construção esteja indissociavelmente ligada ao solo para poder ser considerada um imóvel, para efeitos de aplicação das regras do IVA (acórdão Maierhofer, já referido, n.o 33).

24

Segundo os termos do contrato de arrendamento, que tem o prazo de cinco anos e não revela que as partes tenham tido a vontade de atribuir um caráter ocasional e temporário à utilização do barco-casa, este é exclusivamente destinado à exploração permanente de um restaurante-discoteca. Além disso, o barco-casa dispõe de endereço postal, de linha telefónica e está ligado às redes de abastecimento de água e de eletricidade.

25

Tendo em conta a ligação existente entre o barco-casa e os elementos que constituem a sua localização e considerando que o mesmo se encontra fixado a esses elementos, o que faz que, na prática, constitua uma parte desse espaço considerado no seu todo; tendo em conta ainda o contrato que afeta, exclusiva e permanentemente, o barco-casa à exploração, nesse local, de um restaurante-discoteca e tendo também em conta o facto de o barco-casa estar ligado às redes de abastecimento, deve considerar-se o conjunto constituído pelo barco-casa e pelos elementos que constituem o local onde o mesmo se encontra amarrado como um bem imóvel para efeitos da isenção prevista no artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva.

26

A Comissão Europeia observa, com acerto, que, tendo em conta o objetivo prosseguido pelas partes no contrato e a função que atribuíram ao barco-casa, seria indiferente, de um ponto de vista económico, que se tratasse de um edifício ligado ao solo de maneira fixa, por exemplo, através de estacas, ou de um simples barco-casa como o que está em causa no processo principal.

27

Não é de acolher o argumento do Governo alemão, segundo o qual o objeto principal do contrato é a locação do barco-casa independentemente do local onde o mesmo se encontra atracado, pois, para assegurar a rentabilidade de um restaurante, a sua localização tem uma importância considerável. O contrato de arrendamento e o montante da renda foram fixados, no processo principal, em função da localização do barco-casa, que está situado na proximidade de um grande centro urbano, permitindo assim o fácil acesso ao barco-restaurante.

28

Importa ainda sublinhar que, nos termos da decisão de reenvio, a disponibilização do pontão visa essencialmente permitir o acesso ao barco-casa. Afigura-se, assim, que o barco-casa forma, com os elementos da sua localização — a saber, a parte não submersa e a parte submersa do solo, o plano de água e o pontão correspondentes — uma unidade funcional e económica e que o contrato de arrendamento, que abrange todos estes elementos, engloba uma prestação unitária, no quadro da qual a locação do pontão é acessória da locação do barco-casa. Por consequência, a locação do pontão não deve ser considerada como uma prestação distinta do ponto de vista do IVA.

29

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão e à segunda parte da segunda questão que o artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que o conceito de locação de bens imóveis abrange a locação, incluindo o espaço e o pontão correspondentes, de um barco-casa que se encontra imobilizado por meio de amarras que não são facilmente removíveis e que estão fixadas à margem e ao leito de um rio, está fundeado num local delimitado e identificável das águas fluviais e está exclusivamente afetado, nos termos do contrato de arrendamento, à exploração permanente de um restaurante-discoteca nesse local. Esse arrendamento constitui uma prestação unitária isenta, não havendo que distinguir a locação do barco-casa da locação do pontão.

Quanto à primeira parte da segunda questão

30

Com a primeira parte dessa questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se um barco-casa, como o que está em causa no processo principal, constitui um «veículo» para os efeitos da exceção prevista no artigo 13.o, B, alínea b), ponto 2, da Sexta Diretiva.

31

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o termo «veículo», empregue na referida disposição, deve ser interpretado como visando «todos os meios de transporte», incluindo as embarcações (v. acórdão Fonden Marselisborg Lystbådehavn, já referido, n.o 44). Segundo a aceção usual destes termos, trata-se de meios de transporte afetados ao transporte de pessoas ou de mercadorias, ou seja, de meios utilizados concretamente para essa função.

32

Esta abordagem do conceito de veículo, baseada na função e no uso concretos do bem considerado, é confirmada pelo artigo 38.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 282/2011, que põe precisamente o acento, para a qualificação de determinado veículo de «meio de transporte», no facto de ser destinado ao transporte de pessoas ou de bens, e exclui dessa qualificação os veículos que estão permanentemente imobilizados. Este regulamento, embora não aplicável temporalmente ao processo principal, explicita e clarifica conceitos que constam da regulamentação do IVA e que são aplicáveis desde que essa regulamentação entrou em vigor.

33

Por conseguinte, não é a afetação originária de um bem, mas a sua função concreta e atual, que importa. Com efeito, a afetação inicial de um bem não pode garantir-lhe definitivamente um determinado tratamento em sede de regras de IVA, mesmo que o seu uso real tenha sido alterado.

34

Ora, como resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça, o barco-casa em causa no processo principal, tendo sido concebido provavelmente, numa fase inicial, para utilização como meio de transporte, não foi utilizado nos últimos trinta anos para esse fim e, durante esse período, ficou permanentemente imobilizado no mesmo local da margem esquerda do Reno. Além disso, nos termos do contrato de arrendamento, as partes no contrato não expressaram a intenção de utilizar o barco-casa como meio de transporte durante a duração do contrato, atribuindo-lhe uma função bem diferente. Assim, tal barco-casa, do ponto de vista das regras do IVA, não pode ser considerado um veículo.

35

Não pode ser acolhido o argumento do governo alemão segundo o qual a função do barco-restaurante em causa no processo principal é comparável à de um barco-restaurante que realiza pequenos cruzeiros num curso de água como o Reno ou o Mosela e que certamente constitui um meio de transporte. Com efeito, um conjunto, como o que está em causa no processo principal, constituído por um barco-casa e pelo espaço e pontão correspondentes, é um bem imóvel que visa exclusivamente oferecer serviços de restauração e de divertimento num ambiente especial, ao passo que os barcos-restaurante que fazem cruzeiros num curso de água são veículos afetados ao fornecimento quer de serviços de restauração quer de serviços turísticos, pelo que a sua situação não pode ser comparada à que está em causa no processo principal.

36

Como a Comissão observou, com acerto, do ponto de vista do princípio da neutralidade fiscal, a função do barco-casa é comparável à de um imóvel destinado a restaurante que estivesse instalado próximo dele em terra firme. Assim, o restaurante-discoteca que funciona no barco-casa está em concorrência, no plano económico, com os estabelecimentos análogos que funcionem em edifícios ligados ao solo.

37

Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira parte da segunda questão que um barco-casa como o que está em causa no processo principal não constitui um veículo na aceção do artigo 13.o, B, alínea b), ponto 2, da Sexta Diretiva.

Quanto às despesas

38

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 13.o, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de locação de bens imóveis abrange a locação, incluindo o espaço e o pontão correspondentes, de um barco-casa que se encontra imobilizado por meio de amarras que não são facilmente removíveis e que estão fixadas à margem e ao leito de um rio, está fundeado num local delimitado e identificável das águas fluviais e está exclusivamente afetado, nos termos do contrato de arrendamento, à exploração permanente de um restaurante-discoteca nesse local. Esse arrendamento constitui uma prestação unitária isenta, não havendo que distinguir a locação do barco-casa da locação do pontão.

 

2)

Um barco-casa desse tipo não constitui um veículo na aceção do artigo 13.o, B, alínea b), ponto 2, da Sexta Diretiva 77/388.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.