ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

6 de setembro de 2012 ( *1 )

«Recursos de decisão do Tribunal Geral — Recurso de anulação — Inadmissibilidade do recurso — Representação nos órgãos jurisdicionais da União — Advogado — Independência»

Nos processos apensos C-422/11 P e C-423/11 P,

que têm por objeto recursos de uma decisão do Tribunal Geral, interpostos ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrados em 5 de agosto de 2011,

Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej, com sede em Varsóvia (Polónia), representado por D. Dziedzic-Chojnacka e D. Pawłowska, radcowie prawni,

República da Polónia, representada por M. Szpunar, A. Kraińska e D. Lutostańska, na qualidade de agentes,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por G. Braun e A. Stobiecka-Kuik, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, K. Schiemann (relator) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: V. Trstenjak,

secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de junho de 2012,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com os presentes recursos, o Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej (Presidente do Serviço de Comunicações Eletrónicas, a seguir «PUKE») e a República da Polónia pedem a anulação do despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 23 de maio de 2011, Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej/Comissão (T-226/10, Colet., p. II-2467, a seguir «despacho recorrido»), pelo qual este julgou inadmissível o recurso do PUKE destinado à anulação da decisão C(2010) 1234 da Comissão, de 3 de março de 2010, adotada em aplicação do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva-quadro) (JO L 108, p. 33).

Quadro jurídico

Direito da União

2

Nos termos do artigo 19.o, primeiro, terceiro e quarto parágrafos, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o do mesmo Estatuto:

«Os Estados-Membros e as instituições da União são representados no Tribunal de Justiça por um agente nomeado para cada causa; o agente pode ser assistido por um consultor ou por um advogado.

[...]

As outras partes devem ser representadas por um advogado.

Só um advogado autorizado a exercer nos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro ou de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu pode representar ou assistir uma parte no Tribunal.»

3

A versão em língua polaca do referido artigo 19.o refere-se, em vez e no lugar dos termos «um advogado», a «um advogado ou consultor jurídico [‘radca prawny’]».

4

O artigo 113.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral dispõe:

«O Tribunal Geral pode, a todo o tempo e oficiosamente, ouvidas as partes, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais ou declarar que a ação ou recurso fic[ou] sem objeto e que não conhecerá do mérito da causa; [...]»

Direito polaco

5

Além da profissão de advogado, o direito polaco reconhece a profissão de consultor jurídico. Os consultores jurídicos podem pedir a inscrição na Ordem dos Advogados e ser, assim, devidamente autorizados a representar os seus clientes ou empregadores nos órgãos jurisdicionais polacos.

6

A ordem profissional dos consultores jurídicos foi estabelecida em aplicação do artigo 17.o, n.o 1, da Constituição da República da Polónia. A profissão de consultor jurídico rege-se pela Lei relativa aos consultores jurídicos de 6 de julho de 1982, e os seus membros estão vinculados pelo Código de Deontologia do Consultor Jurídico (Kodeks Etyki Radcy Prawnego). Estes diplomas contêm numerosas disposições que regulam de forma específica as regras do fornecimento de serviços de assistência jurídica pelos consultores jurídicos e visam garantir que estes possam exercer a sua profissão com toda a independência, consoante intervenham ou não por força de uma relação de trabalho com a parte que aconselham.

7

Por força do artigo 193.o, n.o 1, da Lei relativa ao direito das telecomunicações (Ustawa z dnia Prawo telekomunikacyjne) de 16 de julho de 2004 (Dz. U n.o 171, posição 1800), na sua versão aplicável aos factos do litígio, o PUKE exerce as suas funções por intermédio do Urzędu Komunikacji Elektronicznej (Serviço de Comunicações Eletrónicas, a seguir «UKE»).

8

Em conformidade com o disposto no artigo 25.o, n.o 4, pontos 1 e 2, da Lei relativa à função pública (ustawa z dnia o slużbie cywilnej) de 21 de novembro de 2008 (Dz. U n.o 227, posição 1505), na sua versão aplicável aos factos do litígio, incumbe ao diretor-geral do UKE, e não ao seu presidente, assegurar o funcionamento e a continuidade do trabalho desse Serviço, as condições de exercício da sua atividade, bem como a organização do trabalho. Incumbe igualmente ao diretor-geral do UKE, e não ao seu presidente, assegurar a gestão do pessoal e praticar os atos em matéria de direito do trabalho em relação ao pessoal do referido serviço.

O recurso no Tribunal Geral e o despacho recorrido

9

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de maio de 2010, o PUKE interpôs um recurso destinado à anulação da decisão mencionada no n.o 1 do presente acórdão.

10

A petição foi apresentada no Tribunal Geral por H. Gruszecka e D. Pawłowska, consultoras jurídicas («radcowie prawni»).

11

No quadro de uma medida de organização do processo, o Tribunal Geral pediu ao PUKE que especificasse se as consultoras jurídicas que assinaram a petição em seu nome estavam vinculadas a ele por uma relação de trabalho, no momento da interposição do recurso.

12

Em resposta a esse pedido, o PUKE indicou que H. Gruszecka e D. Pawłowska estavam vinculadas por uma relação de trabalho ao UKE, e não PUKE. Além disso, indicou, em primeiro lugar, que, segundo a legislação polaca, é o diretor-geral do UKE, e não o seu presidente, que é competente no que diz respeito à constituição, à duração e à manutenção da relação de trabalho dessas consultoras jurídicas, em segundo lugar, que estas se inserem numa categoria de lugares independentes, diretamente subordinados ao diretor-geral do UKE, e, em terceiro lugar, que, em aplicação da legislação polaca relativa aos consultores jurídicos, um consultor jurídico que exerça a sua profissão no quadro de uma relação de trabalho ocupa um lugar autónomo que depende diretamente do dirigente da entidade organizacional.

13

O Tribunal Geral examinou, então, a admissibilidade da petição à luz das disposições do Estatuto do Tribunal de Justiça relativas aos requisitos de representação das partes perante si e pronunciou-se nos n.os 16 a 23 do despacho recorrido, nos seguintes termos:

«16

Segundo jurisprudência assente, resulta […], em especial, da utilização do termo ‘representadas’ no artigo 19.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que, para propor uma ação no Tribunal Geral, uma ‘parte’, na aceção desse artigo, não está autorizada a agir por si mesma, mas deve recorrer aos serviços de um terceiro que esteja habilitado a exercer perante os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro ou de um Estado parte no [A]cordo sobre o Espaço Económico (EEE) (v. despacho do Tribunal [Geral] de 19 de novembro de 2009, EREF/Comissão, T-94/07, não publicado na Coletânea, n.o 14, e a jurisprudência referida).

17

Essa exigência de recorrer a um terceiro corresponde a uma conceção do papel do advogado, segundo a qual este é considerado um colaborador da justiça e é chamado a prestar, com total independência e no interesse superior daquela, a assistência legal de que o cliente necessita. Essa conceção corresponde às tradições jurídicas comuns aos Estados-Membros e existe igualmente na ordem jurídica da União, como resulta, precisamente, do artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça [despacho de 19 de novembro de 2009, EREF/Comissão, [já referido], n.o 15).

18

No caso vertente, deve, de imediato, sublinhar-se que a referência do recorrente às obrigações de independência que decorrem das regras profissionais que regulamentam a profissão de consultor jurídico não pode, em si mesma, demonstrar que as advogadas Gruszecka e Pawłowska podiam representar o recorrente perante o Tribunal Geral. Com efeito, o conceito de independência do advogado é definido não só de maneira positiva, a saber, por referência à disciplina profissional, mas igualmente de maneira negativa, ou seja, pela inexistência de uma relação laboral (v., neste sentido, acórdão [de 14 de setembro de 2010,] Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão […] [C-550/07 P, Colet., p. I-8301], n.os 44 e 45, e despacho de 29 de setembro de 2010, EREF/Comissão, […] [C-74/10 P e C-75/10 P], n.o 53).

19

Observe-se, em seguida, que o recorrente admite que as advogadas Gruszecka e Pawłowska estão vinculadas ao UKE por uma relação laboral. Este indica, a tal respeito, que o diretor-geral do UKE decide da ‘[sua] contratação, das [suas] condições de trabalho e da rescisão das [suas] relações laborais’.

20

Por fim, ainda segundo o recorrente, a missão do UKE consiste em assistir o seu presidente nas missões legais que lhe são confiadas.

21

Por conseguinte, mesmo admitindo que uma distinção nítida possa ser feita entre o presidente do UKE e o UKE e que não existe formalmente nenhuma relação laboral entre o recorrente e os seus consultores jurídicos, não deixa de ser verdade que as exigências explicitadas pela jurisprudência acima referida nos n.os 16 e 17 não se encontram preenchidas no caso vertente. Com efeito, a existência de um nexo de subordinação no seio do UKE — ainda que fosse apenas em relação ao diretor-geral —, quando a sua função exclusiva é a assistência ao recorrente, implica um grau de independência menor que o de um consultor jurídico ou de um advogado que exerçam as suas atividades num escritório externo relativamente ao seu cliente.

22

Esta conclusão não é infirmada pelas remissões feitas pelo recorrente para a legislação polaca que regulamenta a profissão de consultor jurídico. Como foi sublinhado no n.o 18 supra, a disciplina profissional não pode, por si só, demonstrar que está respeitada a exigência de independência. Além disso, segundo a jurisprudência, as disposições relativas à representação das partes não privilegiadas perante o Tribunal Geral devem ser interpretadas, na medida do possível, de maneira autónoma, sem referência ao direito nacional (despacho de 19 de novembro de 2009, EREF/Comissão, [já referido], n.o 16).

23

Resulta do que precede que a relação laboral que une as advogadas Gruszecka e Pawłowska ao UKE não é compatível com a representação do recorrente perante o Tribunal Geral.»

14

À luz destas considerações, o Tribunal Geral concluiu que a petição inicial, uma vez que apenas foi assinada por H. Gruszecka e D. Pawłowska, não tinha sido apresentada em conformidade com os artigos 19.°, terceiro e quarto parágrafos, e 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, bem como com o artigo 43.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e que, portanto, o recurso era inadmissível.

Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

15

O PUKE conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o despacho recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral, para reapreciação por este; e

condenar a Comissão nas despesas.

16

A República da Polónia pede a anulação do despacho recorrido.

17

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento aos recursos e

condenar os recorrentes nas despesas.

18

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, os processos C-422/11 P e C-423/11 P foram apensados para efeitos da fase oral do processo e do acórdão.

19

Por despachos de 16 de abril de 2012, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu os pedidos da Krajowa Izba Radcόw Prawnych (Câmara Nacional dos Consultores Jurídicos), da Association européenne des juristes d’entreprise e da Law Society of England and Wales, apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça, pelas duas primeiras, em 29 de novembro de 2011 e, pela última, em 2 de dezembro de 2011, para serem autorizadas a intervir em apoio dos pedidos do PUKE e da República da Polónia.

Quanto aos recursos para o Tribunal de Justiça

20

Sem que haja que examinar a admissibilidade do recurso para o Tribunal de Justiça interposto pelo PUKE à luz do disposto no artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, na medida em que a questão jurídica relativa a essa admissibilidade constitui precisamente o próprio objeto do presente recurso, deve salientar-se que este invoca cinco fundamentos em apoio do seu recurso, dos quais o primeiro, segundo, quarto e quinto correspondem, respetivamente, aos dois segmentos do primeiro fundamento, bem como ao segundo e terceiro fundamentos invocados pela República da Polónia em apoio do seu recurso.

Quanto ao primeiro fundamento do PUKE e quanto ao primeiro segmento do primeiro fundamento da República da Polónia, relativos a uma interpretação errada do artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça

21

Os recorrentes censuram o Tribunal Geral por ter feito uma interpretação errada do artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, na medida em que considerou que essa disposição exige que o consultor que representa uma parte nos órgãos jurisdicionais da União goze, em relação a essa parte, de um grau de independência que falta no que diz respeito às consultoras jurídicas que interpuseram o recurso para o Tribunal Geral.

22

Alegam, a esse respeito, que as duas consultoras jurídicas em causa estavam vinculadas por uma relação de trabalho ao UKE, e não ao PUKE. Além disso, no seio do UKE, dependiam do diretor-geral, que é o único responsável pelo funcionamento desse Serviço e, nomeadamente, pela gestão do pessoal. De qualquer forma, o quadro regulamentar que rege o exercício da profissão de consultor jurídico garante a independência completa do seu trabalho jurídico, mesmo em relação ao seu empregador.

23

A esse propósito, deve recordar-se, tal como o Tribunal Geral decidiu com razão no n.o 17 do despacho recorrido, que a conceção do papel do advogado na ordem jurídica da União, que emana das tradições jurídicas comuns aos Estados-Membros, e na qual o artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça se baseia, é a de colaborador da justiça chamado a prestar, com toda a independência e no interesse superior da mesma, a assistência legal de que o cliente necessita (v., neste sentido, acórdão de 18 de maio de 1982, AM & S Europe/Comissão, 155/79, Recueil, p. 1575, n.o 24; acórdão Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, já referido, n.o 42; e despacho de 29 de setembro de 2010, EREF/Comissão, já referido, n.o 52).

24

Ora, a exigência de independência do advogado implica a ausência de qualquer relação de trabalho entre este e o seu cliente (v. despacho de 29 de setembro de 2010, EREF/Comissão, já referido, n.o 53 e jurisprudência referida). Com efeito, tal como o Tribunal Geral decidiu corretamente no n.o 18 do despacho recorrido, o conceito de independência do advogado é definido não apenas de forma positiva, a saber, mediante referência aos deveres deontológicos, mas também de forma negativa, isto é, pela falta de uma relação de trabalho (acórdão Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, já referido, n.o 45).

25

Esse raciocínio aplica-se com a mesma força numa situação, como a das consultoras jurídicas em causa no presente litígio, em que os advogados são empregados por uma entidade vinculada à parte que representam. Com efeito, a relação de trabalho dos consultores jurídicos com o UKE, mesmo que este seja formalmente separado do PUKE, é suscetível de influir na independência deles, uma vez que os interesses do UKE são, em larga medida, comuns aos do PUKE. Com efeito, há o risco de a opinião profissional destes consultores ser, pelo menos em parte, influenciada pelo seu meio profissional.

26

Por outro lado, pelas razões invocadas no n.o 24 do presente acórdão, os argumentos dos recorrentes que procuram demonstrar que um advogado que é empregado do cliente que representa goza do mesmo grau de independência em relação a este que um advogado que exerça a título independente são desprovidos de pertinência no caso em apreço.

27

Deve, por fim, rejeitar-se a argumentação da República da Polónia respeitante às pretensas dificuldades práticas que a necessidade de recorrer aos serviços de um advogado implica. Não são somente as autoridades públicas, como o UKE, que incorrem em custos adicionais, em razão da obrigação de recorrer a um advogado externo, mas tal ocorre igualmente com qualquer pessoa privada. Por outro lado, não foi de modo algum demonstrado que problemas ligados ao acesso às informações confidenciais no seio de autoridades públicas ou relativos às disposições do direito dos contratos públicos constituam um obstáculo significativo à representação das autoridades públicas perante os órgãos jurisdicionais da União.

28

Tendo em conta estas considerações, o primeiro fundamento invocado pelo PUKE e o primeiro segmento do primeiro fundamento invocado pela República da Polónia em apoio dos seus recursos devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao segundo fundamento do PUKE e ao segundo segmento do primeiro fundamento da República da Polónia, relativos à inobservância das particularidades e da independência da profissão de consultor jurídico na Polónia

29

Os recorrentes salientam que o artigo 19.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça efetua uma remissão para o direito nacional e que a interpretação do Estatuto não pode, portanto, ignorar as legislações nacionais, contrariamente ao que sugere o Tribunal Geral no n.o 22 do despacho recorrido. É precisamente o direito nacional, e, no caso em apreço, o direito polaco, que define o direito dos advogados de intervirem perante os órgãos jurisdicionais nacionais e, portanto, perante os órgãos jurisdicionais da União.

30

O PUKE refere-se à jurisprudência segundo a qual, na ausência de regras específicas da União na matéria, cada Estado-Membro é livre de regulamentar o exercício da profissão de advogado no seu território e, por essa razão, as regras aplicáveis a essa profissão podem divergir substancialmente de um Estado-Membro para outro.

31

Os recorrentes salientam, neste contexto, que as disposições do direito derivado da União em matéria de reconhecimento das qualificações profissionais dos advogados não impõem nenhuma distinção no que diz respeito ao direito dos advogados de representarem um cliente no quadro de um processo jurisdicional, consoante intervenham ou não por força de uma relação de trabalho com a parte por conta da qual agem. Essas disposições preveem somente a faculdade de os Estados-Membros estabelecerem tal distinção, se o seu direito nacional proibir aos advogados vinculados por uma relação de trabalho representarem o seu empregador perante um órgão jurisdicional.

32

Quando uma regulamentação nacional garante a um advogado a independência da sua situação, a ponto de lhe permitir representar o seu empregador perante os órgãos jurisdicionais nacionais, nada justifica, portanto, segundo os recorrentes, recusar-lhe o direito de representar partes nos órgãos jurisdicionais da União. Ora, o quadro jurídico e deontológico polaco não faz nenhuma distinção entre os consultores jurídicos, consoante intervenham ou não em virtude de uma relação laboral com a parte que representam, e garante suficientemente a sua independência. A distinção efetuada no despacho recorrido redunda, segundo a República da Polónia, em instituir uma discriminação em detrimento de uma das formas de prestação de serviços de consultor jurídico e de quem a eles recorre.

33

Há que observar, desde logo, a este propósito, que o artigo 19.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, ao prever que só um advogado autorizado a exercer nos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro pode representar uma parte no Tribunal de Justiça, impõe uma condição necessária que deve ser satisfeita por qualquer advogado que age em nome de uma parte que não seja um Estado-Membro ou uma instituição da União perante os órgãos jurisdicionais desta. A referida condição não pode, todavia, ser interpretada como constituindo uma condição suficiente, no sentido de que qualquer advogado autorizado a exercer nos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro é automaticamente admitido a exercer nos órgãos jurisdicionais da União.

34

Embora, como foi salientado no n.o 23 do presente acórdão, a conceção do papel do advogado na ordem jurídica da União emane das tradições jurídicas comuns aos Estados-Membros, essa conceção é, todavia, no quadro dos litígios levados perante os órgãos jurisdicionais da União, objeto de aplicação objetiva, que é necessariamente independente das ordens jurídicas nacionais.

35

Foi com razão, portanto, que o Tribunal Geral, no n.o 22 do despacho recorrido, decidiu que as disposições relativas à representação das partes não privilegiadas nos órgãos jurisdicionais da União devem ser interpretadas, na medida do possível, de maneira autónoma, sem referência ao direito nacional.

36

Pelas mesmas razões, o artigo 67.o, n.o 1, TFUE, invocado pelo PUKE para fazer valer uma violação do respeito dos diferentes sistemas e tradições jurídicos dos Estados-Membros, é desprovido de pertinência neste contexto, uma vez que o artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, pertinente no caso em apreço, regula a representação das partes, não nos órgãos jurisdicionais nacionais mas nos órgãos jurisdicionais da União.

37

Por conseguinte, o segundo fundamento invocado pelo PUKE e o segundo segmento do primeiro fundamento invocado pela República da Polónia em apoio dos seus recursos devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao terceiro fundamento do PUKE, relativo a uma violação do princípio das competências de atribuição e do princípio da subsidiariedade

38

O PUKE invoca uma violação do princípio das competências de atribuição decorrente do artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE, conjugado com o artigo 4.o, n.o 1, TUE. Alega que, ao limitar a aplicação do artigo 19.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça aos advogados que não exercem com base num contrato de trabalho, o Tribunal Geral invadiu o âmbito da competência dos Estados-Membros para determinar se uma pessoa tem a qualidade de advogado e, por esse facto, violou o princípio das competências de atribuição. O direito da União não pode ter por objeto determinar quais são as condições que devem ser preenchidas para se exercer a profissão de advogado.

39

O PUKE alegou igualmente que o despacho recorrido viola o princípio da subsidiariedade, dado que nada permite justificar a alegação de que é impossível realizar o objetivo da independência dos advogados ou dos consultores jurídicos a nível nacional.

40

A esse propósito, basta recordar que os presentes recursos incidem, não sobre a organização do exercício da profissão de advogado no território de um Estado-Membro mas sobre a representação das partes nos órgãos jurisdicionais da União, tal como prevista no Estatuto do Tribunal de Justiça. A interpretação do conceito de advogado no contexto do artigo 19.o do Estatuto não tem, de resto, incidência na representação das partes nos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro e não poderá, por isso, infringir nem o princípio das competências de atribuição nem o princípio da subsidiariedade.

41

Importa, por conseguinte, julgar improcedente o terceiro fundamento invocado pelo PUKE em apoio do seu recurso.

Quanto ao quarto fundamento do PUKE e quanto ao segundo fundamento da República da Polónia, relativos a uma violação do princípio da proporcionalidade

42

Os recorrentes alegam que a interpretação do artigo 19.o, terceiro e quarto parágrafos, do Estatuto do Tribunal de Justiça, segundo a qual os consultores jurídicos vinculados a uma parte por uma relação de trabalho não a podem representar nos órgãos jurisdicionais da União, não é justificada pela necessidade de proteger a administração da justiça na União ou ainda de assegurar que as partes beneficiem dos serviços prestados por um consultor jurídico independente. Tal interpretação viola, portanto, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5.o, n.o 4, TUE.

43

Alegam que existem medidas de carácter material e formal menos restritivas, permitindo, assim, atingir o mesmo objetivo de independência do representante da parte num processo nos órgãos jurisdicionais da União, sem que seja necessário excluir, no seu conjunto, a categoria profissional dos consultores jurídicos que exercem a sua profissão em virtude de um contrato de trabalho. Tais medidas foram instituídas na Polónia por diversas disposições legislativas e deontológicas que regulam o exercício da profissão dos consultores jurídicos.

44

A esse propósito, deve assinalar-se que, seja como for, não se afigura que as medidas de carácter material e formal a que se referem os recorrentes permitam garantir a independência do advogado da mesma forma que a ausência de qualquer relação de trabalho entre este e o seu cliente.

45

Por isso, o quarto fundamento invocado pelo PUKE e o segundo fundamento invocado pela República da Polónia em apoio dos seus recursos devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao quinto fundamento do PUKE e ao terceiro fundamento da República da Polónia, relativos à falta de fundamentação do despacho recorrido

46

As recorrentes lembram a jurisprudência constante segundo a qual a fundamentação de uma decisão deve apresentar de forma clara e precisa o raciocínio do Tribunal Geral, permitindo aos interessados conhecer as razões pelas quais foram tomadas as medidas em questão e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização jurisdicional.

47

Os recorrentes entendem que, no caso concreto, o Tribunal Geral não se referiu suficientemente às explicações fornecidas pelo PUKE no que diz respeito às relações entre este e as consultoras jurídicas que o representavam. De igual modo, os argumentos relativos à independência dos consultores jurídicos foram inteiramente ignorados pelo Tribunal Geral no n.o 22 do despacho recorrido. O Tribunal Geral não o podia adotar com legitimidade, sem efetuar previamente uma análise profunda das disposições do direito nacional que regulamentam o exercício da profissão de consultor jurídico.

48

Deve recordar-se, a este propósito, que o dever de fundamentação não impõe que o Tribunal Geral forneça uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio e que a fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecer as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (acórdão de 9 de novembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C-120/06 P e C-121/06 P, Colet., p. I-6513, n.o 96 e jurisprudência referida).

49

Ora, como foi salientado no n.o 35 do presente acórdão, o Tribunal Geral decidiu com razão, no n.o 22 do despacho recorrido, que as disposições relativas à representação das partes não privilegiadas nos órgãos jurisdicionais da União devem ser interpretadas, na medida do possível, de maneira autónoma, sem referência ao direito nacional. O Tribunal Geral não estava, portanto, de modo algum, obrigado a analisar a forma específica de trabalho dos consultores jurídicos na Polónia, nem os diferentes níveis de independência de que gozam, nem tão-pouco as disposições do direito nacional que regulam as suas atividades.

50

Por conseguinte, o quinto fundamento invocado pelo PUKE e o terceiro fundamento invocado pela República da Polónia em apoio dos seus recursos devem ser julgados improcedentes.

51

Não sendo nenhum dos fundamentos invocados pelos recorrentes em apoio dos seus recursos suscetível de ser acolhido, deve ser negado provimento aos seus recursos.

Quanto às despesas

52

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 118.o do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação dos recorrentes e tendo estes sido vencidos, há que os condenar nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) decide:

 

1)

É negado provimento aos recursos.

 

2)

O Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej e a República da Polónia são condenados nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.