Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção)

7 de março de 2013 ( *1 )

«Ambiente — Resíduos — Resíduos perigosos — Diretiva 2008/98/CE — Antigos postes de telecomunicações tratados com soluções CCA (cobre, crómio ou arsénio) — Registo, avaliação e autorização das substâncias químicas — Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (regulamento REACH) — Enumeração das utilizações da madeira tratada, constante do Anexo XVII do regulamento REACH — Antigos postes de telecomunicações utilizados como estruturas de passadeiras»

No processo C-358/11,

que por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia), por decisão de 6 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de julho de 2011, no processo

Lapin elinkeino-, liikenne- ja ympäristökeskuksen liikenne ja infrastruktuuri -vastuualue

contra

Lapin luonnonsuojelupiiri ry,

estando presente:

Lapin elinkeino-, liikenne- ja ympäristökeskuksen ympäristö ja luonnonvarat -vastuualue,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, G. Arestis, J.-C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Lapin elinkeino-, liikenne- ja ympäristökeskuksen liikenne ja infrastruktuuri -vastuualue, por A. Siponen, asianajaja,

em representação da Lapin luonnonsuojelupiiri ry, por S. Hänninen e T. Pasma, respetivamente, presidente e secretária dessa associação,

em representação do Governo finlandês, por M. Pere, na qualidade de agente,

em representação do Governo austríaco, por A. Posch, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por I. Koskinen e A. Marghelis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 13 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO L 312, p. 3), e do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO L 396, p. 1, e — retificação — JO 2007, L 136, p. 3), na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.o 552/2009 da Comissão, de 22 de junho de 2009 (JO L 164, p. 7, a seguir «regulamento REACH»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lapin elinkeino-, liikenne- ja ympäristökeskuksen liikenne ja infrastruktuuri -vastuualue (Instituto Central da Lapónia para as atividades económicas, os transportes e o ambiente, secção dos transportes e infraestruturas, a seguir «liikenne ja infrastruktuuri -vastuualue») à Lapin luonnonsuojelupiiri ry (Federação da região da Lapónia para a proteção do ambiente, a seguir «Lapin luonnonsuojelupiiri») a propósito da realização de obras de reparação de um caminho que inclui passadeiras cuja infraestrutura é composta por antigos postes de telecomunicações em madeira tratados por meio de uma solução dita «CCA» (cobre, crómio ou arsénio, a seguir «solução CCA»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/98

3

Nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2008/98:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1.

‘Resíduos’, quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer;

2.

‘Resíduos perigosos’, os resíduos que apresentem uma ou mais das caraterísticas de perigosidade enumeradas no anexo III;

[…]

13.

‘Reutilização’, qualquer operação mediante a qual produtos ou componentes que não sejam resíduos são utilizados novamente para o mesmo fim para que foram concebidos;

[…]

15.

‘Valorização’, qualquer operação cujo resultado principal seja a transformação dos resíduos de modo a servirem um fim útil, substituindo outros materiais que, caso contrário, teriam sido utilizados para um fim específico, ou a preparação dos resíduos para esse fim, na instalação ou no conjunto da economia. O anexo II contém uma lista não exaustiva de operações de valorização;

[…]»

4

O artigo 6.o da Diretiva 2008/98, sob a epígrafe «Fim do estatuto de resíduo», dispõe:

«1.   Determinados resíduos específicos deixam de ser resíduos na aceção do ponto 1 do artigo 3.o caso tenham sido submetidos a uma operação de valorização, incluindo a reciclagem, e satisfaçam critérios específicos a estabelecer nos termos das seguintes condições:

a)

A substância ou objeto ser habitualmente utilizado para fins específicos;

b)

Existir um mercado ou uma procura para essa substância ou objeto;

c)

A substância ou objeto satisfazer os requisitos técnicos para os fins específicos e respeitar a legislação e as normas aplicáveis aos produtos; e

d)

A utilização da substância ou objeto não acarretar impactos globalmente adversos do ponto de vista ambiental ou da saúde humana.

Se necessário, os critérios incluem valores-limite para os poluentes e têm em conta eventuais efeitos ambientais adversos da substância ou objeto.

2.   As medidas que têm por objeto alterar elementos não essenciais da presente diretiva, completando-a, relativas à adoção dos critérios enunciados no n.o 1 e que especificam o tipo de resíduos a que esses critérios se aplicam, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2 do artigo 39.o Deverão ser considerados critérios específicos para o estabelecimento do fim do estatuto de resíduo, nomeadamente, pelo menos para agregados, papel, vidro, metal, pneus e têxteis.

[…]

4.   Caso não tenham sido definidos critérios a nível comunitário nos termos dos n.os 1 e 2, os Estados-Membros podem decidir caso a caso se determinado resíduo deixou de ser um resíduo tendo em conta a jurisprudência aplicável. […]»

5

O artigo 7.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Lista de resíduos», prevê no seu n.o 1:

«As medidas que têm por objeto alterar elementos não essenciais da presente diretiva, relativas à atualização da lista de resíduos estabelecida pela Decisão 2000/532/CE, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2 do artigo 39.o A lista de resíduos inclui os resíduos perigosos e toma em consideração a origem e composição dos resíduos e, se necessário, os valores-limite de concentração das substâncias perigosas. A lista de resíduos é vinculativa no que diz respeito à identificação dos resíduos que devem ser considerados resíduos perigosos. A inclusão de uma substância ou objeto na lista não significa que essa substância ou objeto constitua um resíduo em todas as circunstâncias. Uma substância ou objeto só é considerado resíduo quando corresponder à definição do ponto 1 do artigo 3.o»

6

O artigo 13.o da Diretiva 2008/98 estabelece:

«Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que a gestão de resíduos seja efetuada sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente […]»

7

Nos termos do artigo 17.o da Diretiva 2008/98, sob a epígrafe «Controlo de resíduos perigosos»:

«Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para que a produção, a recolha e o transporte de resíduos perigosos, bem como o seu armazenamento e tratamento, sejam realizados em condições que assegurem a proteção do ambiente e da saúde humana em cumprimento do disposto no artigo 13.o, incluindo medidas que garantam a rastreabilidade, desde a produção até ao destino final, e o controlo dos resíduos perigosos, em cumprimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 35.° e 36.°»

Regulamento REACH

8

O artigo 1.o, n.o 1, do regulamento REACH dispõe:

«O presente regulamento tem por objetivo assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente, incluindo a promoção do desenvolvimento de métodos alternativos de avaliação do risco de substâncias, e garantir a livre circulação das substâncias no mercado interno, reforçando simultaneamente a competitividade e a inovação.»

9

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, do regulamento REACH:

«Os resíduos, tal como definidos na [Diretiva 2008/98], não constituem substâncias, misturas ou artigos na aceção do artigo 3.o do presente regulamento.»

10

O artigo 3.o do regulamento REACH contém as seguintes definições nos seus pontos 1 a 3:

«1.

Substância: um elemento químico e seus compostos, no estado natural ou obtidos por qualquer processo de fabrico, incluindo qualquer aditivo necessário para preservar a sua estabilidade e qualquer impureza que derive do processo utilizado, mas excluindo qualquer solvente que possa ser separado sem afetar a estabilidade da substância nem modificar a sua composição;

2.

Mistura: uma mistura ou solução composta por duas ou mais substâncias;

3.

Artigo: um objeto ao qual, durante a produção, é dada uma forma, superfície ou desenho específico que é mais determinante para a sua utilização final do que a sua composição química».

11

Constante do título VIII do referido regulamento, sob a epígrafe «Restrições ao fabrico, colocação no mercado e utilização de certas substâncias, misturas e artigos perigosos», capítulo 1, por sua vez sob a epígrafe «Disposições gerais», o artigo 67.o, n.os 1 e 3, do regulamento REACH enuncia:

«1.   Uma substância estreme, ou contida numa mistura ou num artigo, relativamente à qual o Anexo XVII contenha uma restrição, não é fabricada, colocada no mercado nem utilizada, exceto se cumprir as condições daquela restrição. […]

[…]

3.   Até 1 de junho de 2013, qualquer Estado-Membro pode manter as restrições existentes ou mais rigorosas em relação ao Anexo XVII relativamente ao fabrico, à colocação no mercado ou à utilização de uma substância, desde que essas restrições tenham sido notificadas de acordo com o Tratado. A Comissão compila e publica uma lista dessas restrições até 1 de junho de 2009.»

12

O artigo 68.o do regulamento REACH tem a seguinte redação:

«1.   Se existir um risco inaceitável para a saúde humana ou para o ambiente, decorrente do fabrico, utilização ou colocação no mercado de substâncias, que careça de uma abordagem comunitária, o Anexo XVII é alterado nos termos do n.o 4 do artigo 133.o, adotando novas restrições ou alterando as atuais […].

[…]

2.   No que diz respeito às substâncias, estremes, ou contidas em misturas ou em artigos, que satisfaçam os critérios de classificação como cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução da categoria 1 ou 2 e possam ser utilizadas pelos consumidores, e em relação às quais a Comissão propõe restrições à utilização pelo consumidor, o Anexo XVII é alterado nos termos do n.o 4 do artigo 133.o Não são aplicáveis os artigos 69.° a 73.°»

13

Por força do artigo 69.o do mesmo regulamento, se a Comissão ou um Estado-Membro considerarem que o fabrico, a colocação no mercado ou a utilização de uma substância, estreme, ou contida numa mistura ou num artigo, apresenta um risco para a saúde humana ou para o ambiente que não esteja adequadamente controlado e que careça de um abordagem comunitária que vá além das medidas já tomadas, dão início ao procedimento de elaboração de novas restrições.

14

O artigo 128.o do regulamento REACH dispõe:

«1.   Sob reserva do n.o 2, os Estados-Membros não podem proibir, restringir ou impedir o fabrico, a importação, a colocação no mercado ou a utilização de uma substância, estreme ou contida numa mistura ou num artigo, abrangida pelo âmbito de aplicação do presente regulamento e que cumpra os seus requisitos e, se for caso disso, os de atos comunitários adotados para a execução do presente regulamento.

2.   Nada no presente regulamento impede os Estados-Membros de manter ou estabelecer regras nacionais de proteção dos trabalhadores, da saúde humana e do ambiente que se apliquem nos casos em que o presente regulamento não harmoniza os requisitos em matéria de fabrico, colocação no mercado ou utilização.»

15

Nos termos do artigo 129.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

«Se um Estado-Membro tiver razões fundamentadas para crer que é essencial uma intervenção urgente para proteger a saúde humana ou o ambiente de uma substância, estreme ou contida numa mistura ou num artigo, mesmo que esta satisfaça os requisitos do presente regulamento, pode tomar medidas provisórias adequadas. […]»

16

O Anexo XVII do regulamento REACH, sob a epígrafe «Restrições aplicáveis ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de determinadas substâncias e misturas perigosas e de certos artigos perigosos», inclui, na sua coluna 1, um ponto 19, que tem por objeto os «Compostos de arsénio». As restrições relativas a estes compostos foram extraídas da Diretiva 76/769/CEE do Conselho, de 27 de julho de 1976, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à limitação da colocação no mercado e da utilização de algumas substâncias e preparações perigosas (JO L 262, p. 201; EE 13 F5 p. 208).

17

Para esses compostos de arsénio, o Anexo XVII enuncia, no mesmo ponto 19, na sua coluna 2, relativa às «Condições de restrição»:

«[…]

3.

Não podem ser utilizados para a conservação da madeira. Além disso, a madeira assim tratada não pode ser colocada no mercado.

4.

Em derrogação do ponto 3:

a)

No que se refere às substâncias e misturas utilizadas na conservação da madeira: estas podem apenas ser utilizadas em instalações industriais, utilizando vácuo ou pressão para impregnar a madeira, quando se trate de soluções de compostos inorgânicos do tipo C de cobre, crómio ou arsénio (CCA) e se estiverem autorizadas em conformidade com o n.o 1 do artigo 5.o da Diretiva 98/8/CE. A madeira tratada desta forma não pode ser colocada no mercado antes de estar completa a fixação do produto de conservação;

b)

A madeira tratada com uma solução CCA em conformidade com a alínea a) pode ser colocada no mercado para utilização profissional e industrial, se a integridade estrutural da madeira for exigida para a segurança de pessoas ou animais e se for improvável o contacto com o público em geral através da pele, durante a sua vida útil:

como madeira para estruturas de edifícios públicos e agrícolas, edifícios de escritórios e instalações industriais,

em pontes e na construção de pontes,

[…]

como postes de transporte de energia elétrica e de telecomunicações,

[…]

d)

A madeira tratada mencionada na alínea a) não pode ser utilizada:

em construções residenciais ou domésticas, seja qual for a sua finalidade,

em qualquer aplicação em que exista um risco de contacto repetido com a pele,

[…]

5.

A madeira tratada com compostos de arsénio que estava a ser utilizada na Comunidade antes de 30 de setembro de 2007 ou que foi colocada no mercado em conformidade com o ponto 4 pode permanecer em serviço e continuar a ser utilizada até que atinja o fim da sua vida útil.

6.

A madeira tratada com CCA do tipo C que estava a ser utilizada na Comunidade antes de 30 de setembro de 2007 ou que foi colocada no mercado em conformidade com o ponto 4:

pode ser utilizada ou reutilizada nas condições aplicáveis à sua utilização constantes das alíneas b), c) e d) do ponto 4,

pode ser colocada no mercado nas condições aplicáveis à sua utilização constantes das alíneas b), c) e d) do ponto 4.

7.

Os Estados-Membros podem autorizar que a madeira tratada com outros tipos de soluções CCA que estava a ser utilizada na Comunidade antes de 30 de setembro de 2007:

seja utilizada ou reutilizada nas condições referentes à sua utilização constantes das alíneas b), c) e d) do ponto 4,

seja colocada no mercado nas condições referentes à sua utilização constantes das alíneas b), c) e d) do ponto 4.»

Direito finlandês

Lei 86/2000 relativa à proteção do ambiente

18

O artigo 7.o da Lei 86/2000 relativa à proteção do ambiente, sob a epígrafe «Proibição de contaminação do solo», na sua redação aplicável ao litígio no processo principal, enuncia:

«Os resíduos ou outras substâncias e os organismos ou microrganismos não podem ser abandonados ou deixados no solo se daí resultar uma deterioração da qualidade do solo tal que possa constituir um risco para a saúde ou para o ambiente ou prejudicá-los, provocar uma redução considerável do valor recreativo ou causar um outro prejuízo comparável a interesses públicos ou privados. […]»

19

O artigo 28.o da mesma lei dispõe:

«Qualquer atividade que implique um risco de poluição ambiental carece de licença (licença ambiental). As atividades sujeitas a licença são determinadas por portaria.

Também é necessária uma licença ambiental:

1)

Para qualquer atividade suscetível de causar a poluição da rede de cursos de água, se o projeto em questão não estiver sujeito a autorização prévia nos termos da lei da água;

[…]

4)

Para o tratamento industrial ou profissional dos resíduos abrangidos pelo âmbito de aplicação da lei dos resíduos.»

Portaria 647/2009 que derroga determinadas disposições do Anexo XVII do regulamento REACH

20

O artigo 1.o da Portaria 647/2009 que derroga determinadas disposições do Anexo XVII do regulamento REACH enuncia:

«Nos termos do anexo à presente portaria, são derrogadas as restrições previstas no Anexo XVII do regulamento REACH aplicável ao fabrico, introdução no mercado e utilização de determinadas substâncias e misturas perigosas de determinados artigos perigosos, a que se refere o artigo 67.o do referido regulamento.»

21

O anexo à mesma portaria contém, no tocante aos compostos de arsénio, a disposição seguinte:

«A título de derrogação ao disposto no ponto 19 do Anexo XVII do regulamento REACH, a madeira tratada com soluções CCA de tipo B utilizada antes de 30 de setembro de 2007 pode ser introduzida no mercado, utilizada e reutilizada se forem cumpridas as condições enumeradas nas alíneas b), c) e d) do n.o 4 do ponto 19 do Anexo XVII do regulamento REACH.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

A liikenne ja infrastruktuuri -vastuualue decidiu, em 2008, reparar o caminho de 35 km que liga a aldeia de Raittijärvi (Lapónia) à estrada transitável mais próxima e atravessa parcialmente uma zona Natura 2000. Esses trabalhos consistiriam, nomeadamente, na colocação de passadeiras em madeira para facilitar a passagem nas zonas húmidas, fora da época de inverno, de veículos do tipo «moto quatro». Estas passadeiras são suportadas por estruturas constituídas por antigos postes de telecomunicações, que, para a sua utilização anterior, foram tratadas com uma solução CCA.

23

A Lapin luonnonsuojelupiiri, que é a associação demandante no processo principal, por entender que esses postes eram resíduos perigosos, requereu à Lapin ympäristökeskus, que passou a Lapin elinkeino-, liikenne- ja ympäristökeskuksen ympäristö ja luonnonvarat -vastuualue (autoridade para a proteção do ambiente), que proibisse a utilização desses materiais. Como este requerimento foi indeferido por decisão de 24 de fevereiro de 2009, essa associação propôs uma ação no Vaasan hallinto-oikeus (Tribunal Administrativo de Vaasa), que, por sentença de 9 de outubro de 2009, anulou essa decisão de indeferimento.

24

A liikenne ja infrastruktuuri -vastuualue recorreu dessa sentença para o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo).

25

O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, nomeadamente, sobre se é necessário ser titular de uma licença ambiental na aceção da Lei 86/2000 para utilizar antigos postes de telecomunicações tratados com uma solução CCA. Considera que, para resolver esta questão, importa saber se esses postes, agora reutilizados como madeira de suporte, são resíduos, em especial resíduos perigosos, ou se perderam essa natureza devido a essa reutilização, ainda que o regulamento REACH permita a utilização dessas madeiras tratadas.

26

Nestas circunstâncias, o Korkein hallinto-oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É possível deduzir diretamente do facto de um resíduo ser classificado como resíduo perigoso que a utilização dessa substância ou desse objeto tem efeitos globais nocivos para o ambiente ou para a saúde humana nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2008/98[…]? Um resíduo perigoso pode, também, deixar de ser um resíduo se as condições estabelecidas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98[…] forem cumpridas?

2)

Para efeitos de interpretação [do conceito] de ‘resíduo’ e, em particular, da apreciação da obrigação de se desfazer de um artigo ou de uma substância, deve levar-se em conta o facto de a reutilização do artigo ou da substância objeto de apreciação ser autorizada nas condições previstas no Anexo XVII, referido no artigo 67.o do [r]egulamento REACH? Em caso de resposta afirmativa, que importância se deve atribuir a este facto?

3)

O artigo 67.o do [r]egulamento REACH procedeu a uma harmonização das exigências de fabrico, colocação no mercado ou utilização [na aceção] do artigo 128.o, n.o 2, deste regulamento, de modo que o uso das [preparações] e artigos referidos no Anexo XVII não pode ser impedido com base nas disposições nacionais de proteção do ambiente, a não ser que as restrições previstas nestas disposições constem da lista publicada pela Comissão, nos termos [d]o artigo 67.o, n.o 3, do [r]egulamento REACH?

4)

A enumeração prevista no ponto 19, n.o 4, alínea b), do Anexo XVII do [r]egulamento REACH das utilizações de madeira tratada [por meio] de uma solução […] CCA deve ser interpretada no sentido de que contém uma enumeração taxativa de todas as utilizações possíveis da referida madeira?

5)

A utilização em causa da madeira, enquanto madeira de suporte [de uma passadeira], pode ser equiparada, no caso em apreço, às utilizações constantes da enumeração acima referida, de modo que essa utilização possa ser autorizada com fundamento no [Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea b), do] [r]egulamento REACH, uma vez cumpridas as demais condições?

6)

Que circunstâncias devem ser levadas em consideração ao examinar o risco de contacto repetido com a pele referido no [Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea d), do] [r]egulamento REACH?

7)

A utilização do termo ‘possível’, previsto na disposição mencionada na sexta questão, significa que o contacto repetido com a pele é teoricamente possível ou que esse contacto é, pelo menos em certa medida, provável?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

27

Como resulta da fundamentação do pedido de decisão prejudicial, o litígio que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a dirimir tem origem, essencialmente, no facto de que, embora os postes de telecomunicações em causa tenham sido tratados com uma substância perigosa na aceção e para efeitos de aplicação do regulamento REACH, não deixa de ser verdade que, segundo esse mesmo regulamento, esse tratamento não obsta a que, em determinadas situações e sob determinas condições, esses postes de madeira sejam utilizados para determinadas aplicações, entre as quais podem eventualmente ser incluídas as passadeiras do caminho em causa.

28

Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem de se pronunciar previamente sobre as questões relativas à interpretação do regulamento REACH, que constitui regulamentação independente da relativa aos resíduos, sublinhando-se, por outro lado, que, de acordo com o artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento, os resíduos, tal como definidos na Diretiva 2008/98, não constituem substâncias, misturas ou artigos na aceção do artigo 3.o do mesmo regulamento.

29

Além disso, visto que, a pedido do Tribunal de Justiça, apresentado nos termos do artigo 104.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, na sua redação aplicável à data desse pedido, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu que o Tribunal de Justiça devia tomar em consideração não só o direito vigente à data dos factos controvertidos mas também o direito vigente na data em que o Tribunal de Justiça proferir decisão, há que responder às questões submetidas mediante a aplicação, por um lado, da Diretiva 2008/98 e, por outro, do regulamento REACH, no tocante às disposições deste regulamento em causa no processo principal.

Quanto à terceira questão

30

Com a terceira questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 67.° e 128.° do regulamento REACH devem ser interpretados no sentido de que este regulamento procede a uma harmonização das exigências de fabrico, colocação no mercado ou utilização de uma substância como os compostos de arsénio, que aliás é objeto de restrição por força do Anexo XVII deste regulamento.

31

A este respeito, importa recordar que, segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, o regulamento REACH tem por objetivo assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente, incluindo a promoção do desenvolvimento de métodos alternativos de avaliação do risco de substâncias, e garantir a livre circulação das substâncias no mercado interno, reforçando simultaneamente a competitividade e a inovação (acórdão de 7 de julho de 2009, S.P.C.M. e o., C-558/07, Colet., p. I-5783, n.o 35).

32

Como observou a advogada-geral no n.o 55 das suas conclusões, a livre circulação no mercado interno é garantida pela obrigação dos Estados-Membros, por força do artigo 128.o, n.o 1, do regulamento REACH, de não proibir, restringir ou impedir o fabrico, a importação, a colocação no mercado ou a utilização de uma substância, estreme ou contida num mistura ou num artigo, abrangida pelo âmbito de aplicação desse regulamento e que cumpra os seus requisitos e, se for caso disso, os de atos comunitários adotados para a sua execução. Contudo, de acordo com o n.o 2 do mesmo artigo 128.o, nada no regulamento REACH impede os Estados-Membros de manter ou estabelecer regras nacionais de proteção dos trabalhadores, da saúde humana e do ambiente que se apliquem nos casos em que o presente regulamento não harmoniza os requisitos em matéria de fabrico, colocação no mercado ou utilização.

33

Resulta, pois, destas disposições que o legislador da União pretendeu proceder a uma harmonização desses requisitos em determinados casos, entre os quais se inclui o referido no artigo 67.o, n.o 1, do regulamento REACH.

34

Com efeito, segundo esta última disposição, uma substância estreme, ou contida numa mistura ou num artigo, relativamente à qual o Anexo XVII contenha uma restrição, não deve ser fabricada, colocada no mercado nem utilizada se não cumprir as condições daquela restrição.

35

Daqui resulta que o fabrico, colocação no mercado ou utilização de uma substância referida no artigo 67.o, n.o 1, do regulamento REACH não podem ser sujeitos a condições diferentes das fixadas por este e que respondem, como resulta do disposto nos artigos 68.°, n.o 1, e 69.° do mesmo regulamento, à necessidade de uma «abordagem comunitária».

36

Quanto ao artigo 67.o, n.o 3, do regulamento REACH, se permite a um Estado-Membro manter as restrições existentes mais rigorosas do que as do Anexo XVII, fá-lo a título transitório, até 1 de junho de 2013, e desde que essas restrições tenham sido notificadas à Comissão, o que aliás a Finlândia reconhece não ter feito. O caráter transitório e condicional desta medida não pode pôr em causa a existência da harmonização a que o artigo 67.o, n.o 1, do regulamento REACH procede.

37

Por conseguinte, se um Estado-Membro pretender sujeitar a preparação, colocação no mercado ou utilização de uma substância objeto de uma restrição por força do Anexo XVII do regulamento REACH a novas condições, só o pode fazer ou nos termos do artigo 129.o, n.o 1, deste regulamento, para responder a uma situação de urgência, com o intuito de proteger a saúde humana ou o ambiente, ou nos termos do artigo 114.o, n.o 5, TFUE, com base em novas provas científicas, relacionadas, nomeadamente, com a proteção do ambiente. A adoção de condições diferentes pelos Estados-Membros é incompatível com os objetivos deste regulamento (v., por analogia, acórdão de 15 de setembro de 2005, Cindu Chemicals e o., C-281/03 e C-282/03, Colet., p. I-8069, n.o 44).

38

Nestas condições, há que responder à terceira questão que os artigos 67.° e 128.° do regulamento REACH devem ser interpretados no sentido de que o direito da União procede a uma harmonização das exigências de fabrico, colocação no mercado ou utilização de uma substância como os compostos de arsénio, que são objeto de restrição por força do Anexo XVII deste regulamento.

Quanto à quarta e quinta questões

39

Com a quarta e quinta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea b), do regulamento REACH, que enumera as aplicações em que pode ser utilizada madeira tratada por meio de uma solução CCA, deve ser interpretado no sentido de que essa disposição tem caráter taxativo, pelo que não pode ser alargada a aplicações diversas das aí enumeradas.

40

As disposições do Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, do regulamento REACH fixam os casos em pode ser derrogado o disposto no n.o 3 do mesmo ponto, que proíbe a utilização dos compostos de arsénio para a proteção da madeira.

41

Resulta quer da própria letra dessas disposições quer do seu objeto que a derrogação prevista no referido n.o 4 tem necessariamente de ser objeto de uma interpretação estrita.

42

Com efeito, é pacífico que, ao integrar os compostos de arsénio no Anexo XVII do regulamento REACH, o legislador da União considerou, com resulta da epígrafe deste anexo e dos artigos 68.° e 69.° deste regulamento, que essa substância apresenta um perigo ou um risco não controlado ou mesmo inaceitável para a saúde humana ou para o ambiente. Por este motivo, as derrogações à utilização dessa substância não podem ser objeto de interpretação extensiva.

43

Consequentemente, a lista das aplicações em que pode ser utilizada madeira tratada por meio de uma solução CCA, constante do Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea b), do regulamento REACH, tem caráter taxativo.

44

No que respeita à utilização da madeira nas obras que deram origem ao litígio no processo principal, não resulta dos documentos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, em especial das fotografias que nele figuram, que as passadeiras em causa no processo principal apresentem, atendendo designadamente à sua estrutura e à sua função, caraterísticas diferentes das de qualquer ponte ou qualquer construção de ponte necessária à abertura de uma estrada. Porém, cabe exclusivamente ao tribunal nacional verificar se a utilização dos postes de telecomunicações em causa para servirem de suporte a essas passadeiras efetivamente entra no âmbito das aplicações constantes da lista referida no número anterior do presente acórdão.

45

Nestas condições, há que responder à quarta e quinta questões que o Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea b), do Regulamento REACH, que enumera as aplicações para as quais pode ser utilizada, a título de derrogação, madeira tratada por meio de uma solução CCA, deve ser interpretado no sentido de que a enumeração constante dessa disposição apresenta caráter taxativo, pelo que essa derrogação não pode ser aplicada a casos diversos dos que nela são referidos. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, em circunstâncias como as do processo principal, a utilização dos postes de telecomunicações em causa para servirem de suporte a passadeiras efetivamente entra no âmbito das aplicações enumeradas na referida disposição.

Quanto à sexta e sétima questões

46

Com a sexta e sétima questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, qual o alcance do disposto no Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea d), segundo travessão, do regulamento REACH, segundo o qual a madeira tratada por meio de uma solução CCA não pode ser utilizada em qualquer aplicação em que exista um risco de contacto repetido com a pele.

47

Como sublinhou a advogada-geral nos n.os 45 e 46 das suas conclusões, o legislador da União não pretendeu proibir a utilização dessa madeira com fundamento na existência de um simples risco de contacto através da pele, dado que, na prática, esse risco nunca pode ser totalmente excluído. É, pois, o caráter repetido desse contacto que justifica a proibição em causa.

48

À luz dos objetivos do regulamento REACH, recordados no n.o 31 do presente acórdão, o risco assim referido é o da exposição do público em causa, devido à frequência do contacto através da pele, a um perigo para a saúde humana.

49

A este respeito, importa recordar que, por força do Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea b), do regulamento REACH, a madeira tratada com uma solução CCA só pode ser colocada no mercado para utilização profissional e industrial se, nomeadamente, for improvável o contacto com o público em geral através da pele, durante a sua vida útil.

50

Daqui resulta que a proibição prevista no Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea d), segundo travessão, do regulamento REACH deve aplicar-se a qualquer situação que, com toda a probabilidade, implique o contacto repetido da pele com a madeira tratada por meio de uma solução CCA.

51

Por conseguinte, a apreciação dessa probabilidade depende das condições concretas de utilização das aplicações para as quais pode ser empregue madeira tratada por meio de uma solução CCA. Em especial, em circunstâncias como as do processo principal, essa probabilidade poderá depender, nomeadamente, das condições em que os postes de telecomunicações em causa são integrados na própria estrutura das passadeiras, ou ainda dos diferentes tipos de utilização que lhes é dada. Com efeito, se esses postes se limitarem a suportar essas passadeiras, sem constituírem o pavimento utilizado em condições normais pelos utentes, em princípio parece improvável que a pele daqueles entre em contacto, de forma repetida, com a madeira tratada. Porém, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa apreciação.

52

Nestas condições, há que responder à sexta e sétima questões que o disposto no Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea d), segundo travessão, do regulamento REACH, segundo o qual a madeira tratada por meio de uma solução CCA não pode ser utilizada em qualquer aplicação em que exista um risco de contacto repetido com a pele, deve ser interpretado no sentido de que a proibição em causa deve aplicar-se a qualquer situação que implique, com toda a probabilidade, o contacto repetido da pele com a madeira tratada; essa probabilidade deve ser deduzida das condições concretas de utilização normal da aplicação para a qual essa madeira foi empregue, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

Quanto à primeira questão

53

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, da exigência estabelecida no artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2008/98, segundo a qual, para que um resíduo deixe de ser um resíduo após ter sido submetido a uma operação de valorização, incluindo a reciclagem, a sua utilização não deve acarretar impactos globalmente adversos do ponto de vista ambiental ou da saúde humana, resulta que um resíduo pertencente à categoria dos resíduos perigosos nunca pode deixar de ser um resíduo perigoso.

54

Para submeter esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que os postes de telecomunicações em causa no processo principal, após ter cessado a sua afetação de origem, se tornaram resíduos na aceção da Diretiva 2008/98 e de que a sua nova afetação, como estruturas de suporte de passadeiras, só pode ser compatível com as exigências dessa diretiva se tiverem perdido a qualidade de resíduos nas condições previstas no artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da mesma diretiva, em especial se a utilização daqueles não acarretar impactos globalmente adversos do ponto de vista ambiental ou da saúde humana.

55

Todavia, como observou a advogada-geral no n.o 67 das suas conclusões, o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/98 limita-se a enunciar as condições a que devem responder os critérios específicos que permitem determinar quais os resíduos que deixam de ser resíduos, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, desta diretiva, se tiverem sido submetidos a uma operação de valorização, incluindo a reciclagem. Por conseguinte, essas condições não podem, per se, permitir provar diretamente que determinados resíduos já não devem ser considerados como tal. Por outro lado, é pacífico que esses critérios específicos não foram estabelecidos pelo direito da União no tocante à madeira tratada em condições como as do processo principal.

56

Porém, na verdade, se não tiverem sido definidos critérios a nível da União, os Estados-Membros podem, por força do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98, decidir caso a caso se determinado resíduo deixou de ser um resíduo, tendo em conta a jurisprudência aplicável na matéria. É, pois, à luz desta última que, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa averiguar se um resíduo considerado perigoso pode deixar de ser um resíduo, o que não exclui o artigo 6.o da Diretiva 2008/98 nem nenhuma outra disposição desta.

57

A este respeito, importa recordar que, mesmo que um resíduo tenha sido objeto de uma operação de valorização completa que teve a consequência de a substância em questão ter adquirido as mesmas propriedades e caraterísticas que uma matéria-prima, a verdade é que essa substância pode ser considerada resíduo se, em conformidade com a definição constante do artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2008/98, o seu detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dela (v., neste sentido, acórdãos de 15 de junho de 2000, ARCO Chemie Nederland e o., C-418/97 e C-419/97, Colet., p. I-4475, n.o 94, e de 18 de abril de 2002, Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus, C-9/00, Colet., p. I-3533, n.o 46). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às averiguações necessárias nesse sentido.

58

O facto de uma substância ser o resultado de uma operação de valorização completa na aceção da Diretiva 2008/98 constitui apenas um dos elementos que deve ser tomado em consideração para determinar se essa substância ainda é um resíduo, mas não permite, enquanto tal, tirar uma conclusão definitiva a este respeito (acórdão ARCO Chemie Nederland e o., já referido, n.o 97).

59

Por conseguinte, para determinar se uma operação de valorização permite transformar o objeto em causa num produto utilizável, há que verificar, tendo em conta todas as circunstâncias do processo, se esse objeto pode ser utilizado em conformidade com as exigências da Diretiva 2008/98, conforme enunciadas, nomeadamente, nos seus artigos 1.° e 13.°, sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente.

60

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o direito da União não exclui, por princípio, que um resíduo considerado perigoso possa deixar de ser um resíduo na aceção da Diretiva 2008/98, se uma operação de valorização permite torná-lo utilizável sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente e se, por outro lado, não se apurar que o seu detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dele, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, da mesma diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

61

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o regulamento REACH, em especial o seu Anexo XVII, na medida em que autoriza a utilização, em certas condições, da madeira tratada por meio de soluções CCA, reveste interesse para efeitos de determinar se essa madeira pode deixar de ser um resíduo porque se essas condições forem cumpridas o seu detentor não tem a obrigação de se desfazer dela, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2008/98.

62

Com se recordou no n.o 31 do presente acórdão, o regulamento REACH tem por objetivo, nomeadamente, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente. Atendendo a este objetivo, há que admitir que o legislador da União, quando permitiu, em determinadas condições, a utilização da madeira tratada por meio de soluções CCA, considerou que, embora esse tratamento fosse realizado com uma substância perigosa objeto de restrições por aplicação desse regulamento, essa perigosidade não é suscetível, se essa utilização for limitada a determinadas aplicações, de comprometer esse elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente.

63

Ora, a gestão dos resíduos deve ser feita com um objetivo comparável, de acordo com o artigo 13.o da Diretiva 2008/98, sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente. Nestas condições, nada obsta a que, para a apreciação desta exigência, seja levado em conta o facto de um resíduo perigoso deixar de ser resíduo porque a sua valorização é feita sob a forma de uma utilização permitida pelo regulamento REACH e de, consequentemente, o detentor já não ter a obrigação de se desfazer desse resíduo, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, dessa diretiva.

64

Importa, pois, responder à segunda questão que o regulamento REACH, em especial o seu Anexo XVII, na medida em que autoriza a utilização, em certas condições, da madeira tratada por meio de soluções CCA, reveste, em circunstâncias como as do processo principal, interesse para efeitos de determinar se essa madeira pode deixar de ser um resíduo, porque se essas condições forem cumpridas o seu detentor não tem a obrigação de se desfazer dela, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2008/98.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O direito da União não exclui, por princípio, que um resíduo considerado perigoso possa deixar de ser um resíduo na aceção da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas, se uma operação de valorização permite torná-lo utilizável sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente e se, por outro lado, não se apurar que o seu detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dele, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, da mesma diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão, na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.o 552/2009 da Comissão, de 22 de junho de 2009, em especial o seu Anexo XVII, na medida em que autoriza a utilização, em certas condições, da madeira tratada por meio de uma solução dita «CCA» (cobre, crómio ou arsénio), deve ser interpretado no sentido de que reveste, em circunstâncias como as do processo principal, interesse para efeitos de determinar se essa madeira pode deixar de ser um resíduo, porque se essas condições forem cumpridas o seu detentor não tem a obrigação de se desfazer dela, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2008/98.

 

3)

Os artigos 67.° e 128.° do Regulamento n.o 1907/2006, na sua versão resultante do Regulamento n.o 552/2009, devem ser interpretados no sentido de que o direito da União procede a uma harmonização das exigências de fabrico, colocação no mercado ou utilização de uma substância como os compostos de arsénio, que são objeto de restrição por força do Anexo XVII deste regulamento.

 

4)

O Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea b), do Regulamento n.o 1907/2006, na sua versão resultante do Regulamento n.o 552/2009, que enumera as aplicações para as quais pode ser utilizada, a título de derrogação, madeira tratada por meio de uma solução dita «CCA» (cobre, crómio ou arsénio), deve ser interpretado no sentido de que a enumeração constante dessa disposição apresenta caráter taxativo, pelo que essa derrogação não pode ser aplicada a casos diversos dos que nela são referidos. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, em circunstâncias como as do processo principal, a utilização dos postes de telecomunicações em causa para servirem de suporte a passadeiras efetivamente entra no âmbito das aplicações enumeradas na referida disposição.

 

5)

O disposto no Anexo XVII, ponto 19, n.o 4, alínea d), segundo travessão, do Regulamento n.o 1907/2006, na sua versão resultante do Regulamento n.o 552/2009, segundo o qual a madeira tratada por meio de uma solução dita «CCA» (cobre, crómio ou arsénio) não pode ser utilizada em qualquer aplicação em que exista um risco de contacto repetido com a pele, deve ser interpretado no sentido de que a proibição em causa deve aplicar-se a qualquer situação que implique, com toda a probabilidade, o contacto repetido da pele com a madeira tratada; essa probabilidade deve ser deduzida das condições concretas de utilização normal da aplicação para a qual essa madeira foi empregue, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: finlandês.