CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 30 de janeiro de 2014 ( 1 )

Processo C‑658/11

Parlamento Europeu

contra

Conselho da União Europeia

«Acordo entre a União Europeia e a República da Maurícia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República da Maurícia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria — Política externa e de segurança comum (PESC) — Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Cooperação para o desenvolvimento — Escolha da base jurídica — Artigo 218.o, n.os 6 e 10, TFUE»

1. 

O presente recurso convida o Tribunal de Justiça, no âmbito da luta contra a pirataria ao largo da costa somali, a precisar a fronteira entre três domínios da ação externa da União Europeia, a saber, a política externa e de segurança comum (PESC), a dimensão externa do espaço de liberdade, de segurança e de justiça (a seguir «ELSJ») e a cooperação para o desenvolvimento.

2. 

Este processo demonstra uma vez mais, nomeadamente após o acórdão de 19 de julho de 2012, Parlamento/Conselho ( 2 ), em matéria de luta contra o terrorismo internacional, que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa não suprimiu, apesar de formalmente os pilares terem desaparecido, a necessidade de delimitar os respetivos âmbitos de aplicação das diferentes políticas da União.

3. 

Esta tarefa revela‑se delicada uma vez que está em jogo o objetivo de segurança. Com efeito, este é um objetivo comum à PESC e ao ELSJ. O referido objetivo está, de igual modo, associado à política de cooperação para o desenvolvimento, na medida em que a segurança constitui um requisito prévio necessário ao desenvolvimento dos Estados em causa.

4. 

No entanto, o exercício de delimitação das políticas da União é indispensável devido à especificidade que carateriza a PESC em relação às outras políticas da União.

5. 

Esta especificidade é caraterizada, designadamente, pelo papel limitado do Parlamento Europeu no âmbito da PESC. Neste contexto, a fixação de critérios claros que definam o âmbito de aplicação dessa política em relação aos outros domínios da ação externa da União tem indubitavelmente implicações constitucionais.

6. 

Através do seu recurso, o Parlamento pede ao Tribunal de Justiça a anulação da Decisão 2011/640/PESC do Conselho, de 12 de julho de 2011, relativa à assinatura e celebração do Acordo entre a União Europeia e a República da Maurícia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República da Maurícia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos, e sobre a situação dessas pessoas após a sua transferência ( 3 ).

7. 

A decisão controvertida tem como fundamento o artigo 37.o TUE e o artigo 218.o, n.os 5 e 6, TFUE.

8. 

Nos termos do artigo 37.o TUE, que figura no capítulo 2 do título V do Tratado UE, sob a epígrafe «Disposições específicas relativas à [PESC]», «[a] União pode celebrar acordos com um ou mais Estados ou organizações internacionais nos domínios que se insiram no âmbito do presente capítulo».

9. 

O artigo 218.o TFUE estabelece as regras relativas à negociação, à assinatura e à celebração dos acordos internacionais. A sua redação é a seguinte:

«1.   Sem prejuízo das disposições específicas do artigo 207.o, os acordos entre a União e países terceiros ou organizações internacionais são negociados e celebrados de acordo com o processo a seguir enunciado.

2.   O Conselho autoriza a abertura das negociações, define as diretrizes de negociação, autoriza a assinatura e celebra os acordos.

3.   A Comissão, ou o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança nos casos em que o acordo projetado incida exclusiva ou principalmente sobre a [PESC], apresenta recomendações ao Conselho, que adota uma decisão que autoriza a abertura das negociações e que designa, em função da matéria do acordo projetado, o negociador ou o chefe da equipa de negociação da União.

[…]

5.   O Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor.

6.   O Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão de celebração do acordo.

Exceto nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a [PESC], o Conselho adota a decisão de celebração do acordo:

a)

Após aprovação do Parlamento [...], nos seguintes casos:

[…]

v)

Acordos que abranjam domínios aos quais seja aplicável o processo legislativo ordinário ou o processo legislativo especial, quando a aprovação do Parlamento […] é obrigatória.

[…]

b)

Após consulta ao Parlamento […], nos restantes casos. […]

[…]

10.   O Parlamento […] é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo.

[…]»

10. 

O Parlamento apresenta dois fundamentos de recurso.

11. 

Com o seu primeiro fundamento de recurso, o Parlamento afirma que o Acordo entre a União Europeia e a República da Maurícia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República da Maurícia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos, e sobre a situação dessas pessoas após a transferência ( 4 ) não incide exclusivamente sobre a PESC, na aceção do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE, dado que a finalidade e o conteúdo do acordo estão igualmente associados à cooperação judiciária em matéria penal, à cooperação policial e à cooperação para o desenvolvimento, domínios aos quais se aplica o processo legislativo ordinário. Por conseguinte, a decisão de celebrar o acordo deveria ter sido adotada após aprovação do Parlamento, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), TFUE.

12. 

Com o seu segundo fundamento de recurso, o Parlamento alega que o Conselho violou o n.o 10 do artigo 218.o TFUE, uma vez que não o informou imediata e plenamente em todas as fases do processo.

13. 

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2012, a República Checa, a República Francesa, a República Italiana, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte admitiram intervir em apoio do Conselho.

14. 

Por seu turno, a Comissão admitiu intervir em apoio do Parlamento na fase oral do processo.

I – Quanto ao fundamento relativo a uma violação do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE

A – Quanto à interpretação do conceito de acordo que incide exclusivamente sobre a PESC

15.

O Parlamento defende uma interpretação restritiva do conceito de acordo que incide exclusivamente sobre a PESC. Em seu entender, o Conselho apenas pode celebrar um acordo internacional sem a aprovação ou a consulta do Parlamento em circunstâncias excecionais e desde que esse acordo não inclua qualquer elemento relacionado com outras políticas da União e incida exclusivamente sobre a PESC.

16.

Relativamente ao acordo em causa no presente recurso, o Parlamento afirma que o mesmo inclui componentes relativos a três políticas da União diferentes, a saber, a PESC, a cooperação policial e judiciária em matéria penal e a cooperação para o desenvolvimento. Em sua opinião, basta que um destes componentes esteja presente no acordo, mesmo que a título secundário ou acessório, para que seja aplicável a obrigação de obtenção da aprovação do Parlamento. Com efeito, o Parlamento entende que nessa situação não seria possível considerar que o acordo incide exclusivamente sobre a PESC.

17.

A tese defendida pelo Conselho consiste, pelo contrário, em sustentar que o acordo não inclui outros componentes além daquele que é relativo à PESC, tanto a título principal como acessório. Ainda que tais componentes pudessem ser identificados, seriam apenas acessórios, de modo que não requereriam a junção de outra base jurídica. Sendo a base jurídica, de um ponto de vista substantivo, exclusivamente relativa à PESC, há que concluir que, numa perspetiva processual, o acordo «incid[e] exclusivamente sobre a [PESC]» na aceção do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE e, por conseguinte, o Parlamento não tem de aprovar a adoção, por parte do Conselho, da decisão de celebrar esse acordo.

18.

Tal como o Conselho e os Estados‑Membros que intervieram no âmbito do presente processo, considero que um acordo «incid[e] exclusivamente sobre a [PESC]» na aceção do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE quando a decisão referente à sua celebração tem unicamente por fundamento uma base jurídica substantiva relativa à PESC, ou seja, quando exclui qualquer outra base jurídica substantiva.

19.

Considero que é incoerente apreciar a questão do processo aplicável à celebração de um acordo internacional separadamente da questão prévia que visa determinar a base jurídica substantiva que atribui à União competência para adotar esse acordo, uma vez que ambas estão estreitamente relacionadas. Tal separação conduziria a uma dupla apreciação, que implica a definição de novos critérios para determinar se um acordo incide exclusivamente, ou não, sobre a PESC, com resultados incertos que provocam insegurança jurídica.

20.

Deste modo, importa determinar a base jurídica substantiva que autoriza a União a adotar um acordo internacional antes de estabelecer a base jurídica processual. Aliás, esta abordagem é corroborada por jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual «não são os processos legislativos que definem a base jurídica de um ato, mas a base jurídica de um ato que determina os processos a seguir para adotar esse ato» ( 5 ).

21.

No âmbito da apreciação da questão de saber se um acordo incide exclusivamente, ou não, sobre a PESC, pouco importa que, ao contrário do que afirma o Parlamento, o acordo em causa também incida, de modo secundário, sobre domínios diferentes da PESC. Assim, não basta que um acordo incida a título acessório ou de forma incidental sobre domínios diferentes da PESC para que seja exigida a consulta ou a aprovação prévia do Parlamento, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 6, TFUE.

22.

Contrariamente à pretensão dos autores dos Tratados de conferir ao Parlamento um papel limitado em matéria de PESC, esta Instituição sugere uma interpretação segundo a qual tem de ser consultada ou tem de dar a sua aprovação relativamente à adoção de quase todos os acordos internacionais. Com efeito, na medida em que, em conformidade com o artigo 21.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, a União deve velar pela coerência entre os diferentes domínios da sua ação externa e entre estes e as suas outras políticas, é raro que um acordo celebrado no domínio da PESC não esteja relacionado, pelo menos de forma incidental, com outras políticas da União.

23.

Como salienta acertadamente o Conselho, se fosse seguida a tese do Parlamento, a aprovação deste seria exigida para vários acordos que têm unicamente uma base jurídica relativa à PESC, uma vez que é frequente terem alguma ligação a outras políticas da União devido à existência de objetivos gerais e transversais em matéria de relações externas, bem como à exigência de coerência. A título de exemplo, decorre da inegável interconexão entre segurança, desenvolvimento e direitos do homem que seria frequentemente possível alegar que medidas adotadas num destes três domínios produzirão igualmente efeitos nos outros dois e, por conseguinte, incidirão também sobre esses domínios para efeitos da aplicação do artigo 218.o, n.o 6, TFUE. Ora, não é esse o espírito dos Tratados. Estes, em contrapartida, nem eliminaram nem fundiram as diferentes políticas da União nem as bases jurídicas correspondentes por meio das quais devem ser alcançados esses objetivos horizontais, e cada medida permanece distinta e subordinada à sua própria base jurídica e às suas próprias regras de decisão.

24.

A exigência de coerência incentiva o Conselho a integrar nos atos que adota em matéria de PESC os elementos relativos a outras políticas da União. A presença de tais elementos, caso sejam acessórios, não permite considerar que o centro de gravidade do ato é diferente daquele que é relativo à PESC. Os objetivos horizontais e a exigência de coerência da ação externa da União não afastam as particularidades de cada uma das políticas da União, do mesmo modo que a sua complementaridade não afasta a especificidade de cada política.

25.

Os acordos PESC podem incluir elementos puramente acessórios que estão abrangidos por outras políticas da União quando estes têm um alcance de tal modo limitado que não se justifica a junção de outra base jurídica. Por conseguinte, esses acordos incidem exclusivamente sobre a PESC, também para efeitos do artigo 218.o, n.o 6, TFUE.

26.

Ao contrário do que afirma o Parlamento, a diferença entre a redação do artigo 218.o, n.o 3, TFUE e a redação do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE não altera a minha apreciação.

27.

É certo que, nos termos do artigo 218.o, n.o 3, TFUE, cabe ao Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança apresentar recomendações ao Conselho «nos casos em que o acordo projetado incida exclusiva ou principalmente sobre a [PESC]» ( 6 ). Assim, a redação desta disposição refere duas categorias de acordos projetados, nomeadamente, os que incidem exclusivamente sobre a PESC e os que incidem principalmente sobre esta política. O Parlamento conclui da existência destas duas categorias no artigo 218.o, n.o 3, TFUE que o Conselho não pode, ao abrigo do artigo 218.o, n.o 6, TFUE, celebrar um acordo sem ao mesmo associar o Parlamento quando o acordo apenas a título principal incide sobre a PESC , mas não incide exclusivamente sobre esta.

28.

Contudo, importa sublinhar que ambas as disposições referidas abrangem duas fases distintas do processo relativo aos acordos internacionais. A primeira disposição diz respeito à determinação da Instituição ou da pessoa competente para apresentar recomendações ao Conselho para efeitos da abertura das negociações relativas a um acordo projetado. Em contrapartida, a segunda disposição é referente ao processo de celebração de tal acordo.

29.

Por outro lado, e mais fundamentalmente, considero que a diferença de redação invocada pelo Parlamento não pode permitir avalizar a tese defendida por este, uma vez que é contrária ao sistema que está na base do artigo 218.o, n.o 6, TFUE.

30.

Com efeito, o artigo 218.o, n.o 6, TFUE estabelece uma simetria entre o processo de adoção das medidas no plano interno e no plano externo. Dito de outra forma, esta disposição tem por base um paralelismo entre os poderes do Parlamento a nível interno e os seus poderes a nível externo. Seria contrário à redação e ao espírito da referida disposição conceder ao Parlamento mais poderes para a adoção de uma decisão relativa à assinatura e à celebração de um acordo internacional do que aqueles de que dispõe para a adoção de um ato interno que não tem tal objeto.

31.

Além disso, a interpretação defendida pelo Parlamento afetaria o equilíbrio institucional criado pelo Tratado de Lisboa, que prevê um papel limitado do Parlamento relativamente à definição e à execução da PESC, tanto através de atos unilaterais como de acordos internacionais.

32.

Conforme indicou a República Checa, o artigo 218.o, n.o 6, TFUE constitui uma disposição processual que tem por objetivo garantir que os poderes «externos» do Parlamento correspondem aos seus poderes «internos», ou seja, o Parlamento dispõe, em relação a uma determinada matéria, dos mesmos poderes, independentemente da questão de saber se a matéria em causa deve ser regulada por um ato interno ou por um ato externo.

33.

Em particular, a expressão «[e]xceto nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a [PESC]», que figura no artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE, tem por objetivo garantir, sempre que o ato externo não for unicamente fundamentado numa base jurídica abrangida pela PESC, mas for, simultaneamente, também fundamentado numa ou em várias outras bases jurídicas, que o Parlamento goza dos mesmos poderes de que disporia se estivesse em causa um ato interno igualmente fundamentado em bases jurídicas diferentes da que está abrangida pela PESC ( 7 ).

34.

Uma vez que, em aplicação do critério relativo ao centro de gravidade do ato em causa, concluir‑se‑ia que o acordo se baseia corretamente no artigo 37.o TUE e que, deste modo, constitui a única base jurídica, há que constatar que, do ponto de vista processual, o acordo incide exclusivamente sobre a PESC, na aceção do artigo 218.o, n.o 6, TFUE.

35.

Decorre desta análise, que associa a interpretação do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE à escolha da base jurídica substantiva, que, para verificar se a decisão controvertida diz respeito a um acordo que incide exclusivamente sobre a PESC na aceção dessa disposição, deste modo corretamente adotado sem consulta ou aprovação do Parlamento, é indispensável apreciar se a base jurídica substantiva adequada dessa decisão é efetivamente — e apenas — o artigo 37.o TUE.

B – Quanto à escolha da base jurídica substantiva da decisão controvertida

36.

A escolha da base jurídica adequada de um ato da União reveste importância de natureza constitucional ( 8 ). É desta escolha que resulta o processo aplicável à adoção de tal ato, quer este diga respeito à ação interna ou à ação externa da União.

37.

Segundo jurisprudência constante, a escolha da base jurídica de um ato da União deve fundamentar‑se em elementos objetivos, que possam ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato ( 9 ). Se a apreciação do ato em causa demonstrar que este prossegue uma dupla finalidade ou que tem dois componentes e um destes for identificável como principal ou preponderante, enquanto o outro for apenas acessório, este ato deve ter por fundamento uma única base jurídica, isto é, a que é exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante ( 10 ). A procura do centro de gravidade do ato em causa deve também tomar em consideração o contexto em que este ato se inclui.

38.

Uma vez que a decisão controvertida tem por objeto a assinatura e a celebração do acordo em nome da União, importa apreciar esta decisão em conjugação com o acordo.

39.

No caso em apreço, a procura do centro de gravidade da decisão controvertida implica questionar se esta e o acordo estão apenas abrangidos pela PESC ou se estão também relacionados, de maneira indissociável e em medida equivalente, por um lado, com o ELSJ e/ou, por outro, com a cooperação para o desenvolvimento, de modo que a referida decisão deveria ser fundamentada em várias bases jurídicas, que correspondem a estas diferentes políticas da União.

40.

Em resposta ao convite feito pelo Tribunal de Justiça na audiência, o Parlamento afirmou que, em sua opinião, a decisão controvertida deveria ter assentado nas bases jurídicas substantivas seguintes, a saber, o artigo 37.o TUE e os artigos 82.°, 87.° e 209.° TFUE.

41.

Em meu entender, tanto o contexto em que se insere o acordo como o seu objetivo e conteúdo permitem considerar que a decisão controvertida, que a este respeitava, devia assentar unicamente na base jurídica substantiva constituída pelo artigo 37.o TUE.

42.

No âmbito da minha análise destinada a demonstrar o caráter adequado da base jurídica substantiva da decisão controvertida, a apreciação do objetivo e do conteúdo desta e do acordo não pode ser efetuada de forma isolada, mas deve tomar em consideração os atos a que se referem estes últimos e com os quais estabelecem uma ligação.

43.

A este respeito, há que observar que tanto a decisão controvertida como o acordo fazem referência a resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ( 11 ) assim como à Ação Comum 2008/851/PESC do Conselho, de 10 de novembro de 2008, relativa à operação militar da União Europeia tendo em vista contribuir para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália ( 12 ).

44.

Tendo em consideração o desenvolvimento da pirataria ao largo da costa somali e a ameaça que esta faz pesar sobre a segurança internacional, o Conselho de Segurança adotou várias resoluções sobre esta questão, nomeadamente as Resoluções 1814 (2008), 1816 (2008), 1838 (2008), 1846 (2008) e 1851 (2008).

45.

Na sua Resolução 1814 (2008), o Conselho de Segurança declarou que «a situação na Somália continua a ameaçar a paz e a segurança internacionais na região» ( 13 ). No n.o 11 da referida resolução, solicitou «aos Estados e às organizações regionais que, em estreita coordenação entre si, […] tomem medidas para proteger os navios que participam no transporte e no encaminhamento da ajuda humanitária destinada à Somália e nas atividades autorizadas pela [Organização das Nações Unidas (ONU)]».

46.

Na sua Resolução 1816 (2008), o Conselho de Segurança manifestou a sua «preocupação perante a ameaça que os atos de pirataria e os assaltos à mão armada cometidos contra navios representam para a prestação de ajuda humanitária à Somália, para a segurança das rotas marítimas comerciais e para a navegação internacional» ( 14 ). Declarou igualmente que «os atos de pirataria e os assaltos à mão armada sofridos pelos navios nas águas territoriais da Somália ou em alto mar, ao largo da sua costa, agravam a situação no país, a qual continua a ameaçar a paz internacional e a segurança da região» ( 15 ).

47.

Partindo desta constatação, o Conselho de Segurança apelou à cooperação internacional tendo em vista a luta contra a pirataria. Apelou em especial «aos Estados que pretendam seguir as rotas marítimas comerciais que passam ao largo da costa somali para que, em colaboração com o Governo Federal de Transição, reforcem e coordenem a ação empreendida para desencorajar os atos de pirataria e os assaltos à mão armada cometidos no mar». ( 16 ) O Conselho de Segurança apelou igualmente «a todos os Estados que cooperem entre si, com a [Organização Marítima Internacional (OMI)] e, se for caso disso, com as organizações regionais competentes, relativamente aos atos de pirataria e aos assaltos à mão armada cometidos nas águas territoriais da Somália e em alto mar, ao largo da sua costa, e a comunicarem todas as informações relevantes, e a prestarem assistência aos navios ameaçados ou atacados por piratas ou assaltantes armados, em conformidade com o direito internacional aplicável». ( 17 )

48.

Por outro lado, na sua Resolução 1838 (2008), o Conselho de Segurança solicitou «a todos os Estados interessados pela segurança das atividades marítimas que participem ativamente na luta contra a pirataria que visa os navios que se encontram em alto mar ao largo da costa da Somália, nomeadamente, através da demonstração de navios de guerra ou de aeronaves militares, em conformidade com o direito internacional, consagrado na Convenção [das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay (Jamaica), em 10 de dezembro de 1982 ( 18 )]» ( 19 ).

49.

Além do aspeto militar, esta cooperação internacional estende‑se ao domínio da repressão dos atos de pirataria. Assim, na sua Resolução 1816 (2008), o Conselho de Segurança solicitou «a todos os Estados, em particular aos Estados de bandeira, aos Estados de porto e aos Estados costeiros, assim como aos Estados de nacionalidade das vítimas ou dos autores de atos de pirataria ou de assaltos à mão armada e a outros Estados que tenham a jurisdição pertinente por força do direito internacional ou do seu direito interno, que cooperem na determinação da jurisdição e na investigação e instauração de processo judicial de pessoas responsáveis por atos de pirataria e assalto à mão armada na costa da Somália, em conformidade com o direito internacional aplicável, incluindo o direito internacional dos direitos do homem, e que apoiem estes esforços, nomeadamente, prestando assistência em matéria de logística e de exercício das vias de recurso em relação a pessoas, que estão sujeitas à sua jurisdição e fiscalização, tais como as vítimas, testemunhas e pessoas detidas no âmbito de operações conduzidas por força da presente resolução» ( 20 ).

50.

Por conseguinte, o Conselho de Segurança encorajou o reforço da cooperação internacional tendo em vista uma repressão mais eficaz dos atos de pirataria e «[o]bserva com preocupação que a falta de meios, a inexistência de legislação interna e as incertezas relativas ao destino dos piratas após terem sido capturados, impediram a adoção de uma ação internacional mais firme contra os piratas que atuam ao largo da costa da Somália e, em alguns casos, obrigou à libertação dos piratas sem que tenham sido julgados» ( 21 ).

51.

Para implementar as resoluções do Conselho de Segurança e participar na cooperação internacional em matéria de luta contra a pirataria, a União adotou a ação comum. Esta tem por fundamento os artigos 14.°, 25.°, último parágrafo, e 28.°, n.o 3, do Tratado UE, na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa.

52.

O artigo 1.o desta ação comum, sob a epígrafe «Missão», dispõe, no seu n.o 1:

«1.

A União […] leva a cabo uma operação militar de apoio às Resoluções 1814 (2008), 1816 (2008) e 1838 (2008) do Conselho de Segurança das Nações Unidas […] conforme com a ação autorizada em caso de pirataria em aplicação do artigo 100.o e seguintes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar […] e mediante, nomeadamente, compromissos assumidos com Estados terceiros, denominada Atalanta, tendo em vista contribuir:

para a proteção dos navios do [Programa Alimentar Mundial (PAM)] que encaminham a ajuda alimentar para as populações deslocadas da Somália, nos termos do mandato definido na Resolução 1814 (2008) do [Conselho de Segurança].

para a proteção dos navios vulneráveis que navegam nas costas da Somália, bem como para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália, nos termos do mandato definido na Resolução 1816 (2008) do [Conselho de Segurança].»

53.

Nos termos do artigo 2.o da ação comum, sob a epígrafe «Mandato»:

«Atalanta, nas condições fixadas pelo direito internacional aplicável, nomeadamente na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e pelas Resoluções 1814 (2008), 1816 (2008) e 1838 (2008) do [Conselho de Segurança], e no limite das capacidades disponíveis:

[…]

e)

Tendo em vista a eventual instauração de processos judiciais pelos Estados competentes nas condições previstas no artigo 12.o, pode deter, manter detidas e transferir as pessoas sobre as quais exista a suspeita de que, conforme indicado nos artigos 101.° e 103.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tencionam cometer, cometem ou cometeram atos de pirataria ou assaltos à mão armada nas zonas em que está presente, podendo ainda apresar os navios dos piratas ou assaltantes à mão armada ou os navios capturados na sequência de um ato de pirataria ou de um assalto à mão armada e que estejam na posse dos piratas, bem como os bens que se encontrem a bordo;

[…].»

54.

O artigo 10.o da ação comum, sob a epígrafe «Participação de Estados terceiros», tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo da autonomia de decisão da [União] e do quadro institucional único, e em conformidade com as orientações pertinentes do Conselho Europeu, podem convidar‑se Estados terceiros a participar na operação.

[…]

3.   As modalidades exatas da participação de Estados terceiros são objeto de acordos a celebrar nos termos do artigo 37.o do Tratado. Sempre que a União […] e um Estado terceiro tenham celebrado um acordo que estabeleça um quadro para a participação desse Estado nas operações da União […] no domínio da gestão de crises, as disposições desse acordo são aplicáveis no contexto da presente operação.

[…]

6.   As condições de transferência das pessoas detidas para um Estado terceiro que participe na operação, tendo em vista o exercício da respetiva jurisdição, são decididas por ocasião da celebração ou da execução dos acordos de participação a que se refere o n.o 3.»

55.

Por último, importa referir o artigo 12.o da ação comum, epigrafado «Transferência das pessoas detidas com vista ao exercício de competências jurisdicionais», nos termos do qual:

«1.   Com base, por um lado, na aceitação pela Somália do exercício da competência jurisdicional pelos Estados‑Membros ou por Estados terceiros e, por outro, no artigo 105.o da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, as pessoas que cometam ou sejam suspeitas de ter cometido atos de pirataria ou assaltos à mão armada detidas nas águas territoriais da Somália ou em alto mar, bem como os bens que tenham servido para executar esses atos, são transferidos:

para as autoridades competentes do Estado‑Membro ou do Estado terceiro que participe na operação cujo navio, que tenha efetuado a captura, arvora a sua bandeira, ou

se tal Estado não pode ou não deseja exercer a sua jurisdição, para um Estado‑Membro ou Estado terceiro que deseje exercê‑la sobre as pessoas ou os bens supramencionados.

2.   Nenhuma das pessoas referidas no n.o 1 pode ser transferida para um Estado terceiro se as condições dessa transferência não tiverem sido decididas com esse Estado terceiro de modo conforme com o direito internacional aplicável, nomeadamente o direito internacional dos direitos humanos, para garantir, em especial, que ninguém seja sujeito à pena de morte, tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante.»

56.

Conforme indica o terceiro considerando da decisão controvertida, o acordo foi adotado para dar execução ao artigo 12.o da ação comum. O acordo prevê igualmente as modalidades da participação de um Estado terceiro na operação Atalanta nos termos do artigo 10.o, n.os 3 e 6, da ação comum.

57.

No âmbito do presente processo, é facto assente que, atendendo ao seu objetivo e ao seu conteúdo, a ação comum está abrangida pela PESC. Em meu entender, o mesmo sucede em relação ao acordo e à decisão controvertida que constituem o seu prolongamento. Em particular, não vejo por que motivos o próprio princípio de uma participação dos Estados terceiros na ação da União destinada à dissuasão, prevenção e repressão dos atos de pirataria ao largo da costa somali, assim como a regra segundo a qual a transferência das pessoas detidas para um Estado terceiro está condicionada pelo facto de este Estado respeitar o direito internacional, nomeadamente em matéria de direitos do homem, estão abrangidos pela PESC ao passo que a definição mais precisa das modalidades da transferência e do tratamento das pessoas em causa extravasa o domínio desta.

58.

Importa agora apreciar em que consiste exatamente o acordo a que se refere a decisão controvertida.

59.

O acordo organiza as modalidades de transferência de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos da força naval liderada pela União Europeia (Eunavfor) para a República da Maurícia, enquadra as condições de tratamento e de instauração de ações judiciais contra estas pessoas e precisa o auxílio prestado neste âmbito à República da Maurícia pela Eunavfor.

60.

O artigo 1.o do acordo, sob a epígrafe «Objetivo», dispõe:

«O presente Acordo define as condições e modalidades

a)

Da transferência das pessoas suspeitas de tentar cometer, de cometer ou de terem cometido atos de pirataria dentro da zona de operação da Eunavfor […];

b)

Da transferência, da [Eunavfor] para a [República da] Maurícia, dos bens conexos apreendidos pela Eunavfor; e

c)

Do tratamento dado às pessoas transferidas.»

61.

O artigo 3.o do acordo estabelece os princípios gerais que regem as modalidades e as condições de transferência para a República da Maurícia das pessoas suspeitas de atos de pirataria detidas pela Eunavfor e dos bens conexos apreendidos por esta. Prevê, designadamente, que a transferência destas pessoas para as autoridades da República da Maurícia responsáveis pela aplicação da lei apenas é efetuada após estas o terem determinado. Por outro lado, nos termos do artigo 3.o, n.o 5, do acordo «[q]ualquer pessoa transferida deve ser tratada com humanidade e de acordo com as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos gravadas na Constituição da [República da] Maurícia, incluindo a proibição da tortura e das penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a proibição da detenção arbitrária, e no respeito pelo direito a um julgamento equitativo».

62.

O artigo 4.o do acordo estabelece as regras relativas ao tratamento, processo penal e julgamento das pessoas transferidas. Entre estas figuram o direito de ser julgado num prazo razoável, o direito a um processo equitativo ou ainda a garantia da presunção de inocência. Além disso, o artigo 5.o do acordo prevê a proibição da pena de morte para as pessoas transferidas.

63.

Por seu turno, o artigo 6.o do acordo é relativo aos registos e às notificações. Dispõe, nomeadamente, que a Eunavfor deve fornecer à República da Maurícia registos de detenção relativos a todas as pessoas transferidas, que a República da Maurícia é responsável pela conservação de um registo completo de todas as pessoas transferidas, e que os registos devem estar à disposição da União e da Eunavfor.

64.

Por outro lado, o artigo 7.o do acordo específica a assistência que a Eunavfor presta à República da Maurícia tendo em vista a investigação e o exercício da ação penal contra as pessoas transferidas. Assim, a assistência da Eunavfor à República da Maurícia é relativa à entrega dos registos de detenção elaborados nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do acordo, ao tratamento das provas e à apresentação de testemunhos ou declarações sob juramento.

65.

O artigo 7.o, n.o 3, do acordo prevê que «[s]e tais recursos não forem assegurados por outros doadores financeiros, as Partes devem estabelecer, sob reserva dos procedimentos aplicáveis, os convénios de execução relativos à assistência financeira, técnica e de outro tipo, por forma a permitir a transferência, detenção, investigação, exercício da ação penal e julgamento das pessoas transferidas. Os convénios de execução devem visar também abranger a assistência técnica e logística a prestar à [República da] Maurícia nos domínios da revisão da legislação, da formação dos investigadores e procuradores, do procedimento investigativo e judicial, e, em particular, as disposições relativas à conservação e entrega dos elementos de prova e ao procedimento de recurso. Além disso, os convénios de execução têm por objeto a repatriação das pessoas transferidas em caso de absolvição ou de não instauração de processo penal, a sua transferência para terminar o cumprimento da pena noutro Estado ou a sua repatriação após o cumprimento da pena de prisão na Maurícia».

66.

Além disso, o artigo 10.o, n.o 1, do acordo dispõe que «[p]ara efeitos da aplicação do presente acordo, as questões operacionais, administrativas e técnicas podem ser objeto de convénios de execução a celebrar entre as autoridades competentes da [República da] Maurícia, por um lado, e as autoridades competentes de União […], bem como as autoridades competentes dos Estados de origem, por outro». Nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea f), do acordo, estas modalidades de aplicação podem ter por objeto «[a] prestação de apoio técnico, conhecimentos especializados, formação e outro tipo de assistência a que se refere o artigo 7.o, a pedido da [República da] Maurícia, para realizar os objetivos do presente acordo».

67.

Por último, o artigo 11.o, n.o 2, do acordo dispõe que este «mantém‑se em vigor até ao termo da operação [Atalanta], notificado pela Eunavfor».

68.

Decorre desta descrição da ação comum e do acordo que existe uma ligação estreita entre a operação militar prevista pela primeira e as disposições relativas à transferência e ao tratamento das pessoas suspeitas de atos de pirataria incluídas no segundo.

69.

Os acordos que a União celebra ao abrigo dos artigos 10.°, n.o 3, e 12.°, n.o 2, da ação comum visam dar cumprimento às resoluções do Conselho de Segurança em matéria de luta contra a pirataria ao largo da costa somali e, assim, integram a cooperação internacional neste domínio. A ação comum e o acordo constituem, juntos, uma resposta adequada e coerente às solicitações do Conselho de Segurança.

70.

Tal como afirma a República Italiana, é a ação comum que prevê, para garantir a êxito da atividade de prevenção e de repressão dos atos de pirataria, que é indispensável celebrar com os Estados da região os acordos necessários ao seu envolvimento, incluindo o exercício da jurisdição sobre as pessoas suspeitas. Por conseguinte, o acordo pode ser considerado uma medida de aplicação da ação comum, da qual é parte integrante. A este respeito, há que observar que o artigo 28.o, n.o 1, TUE prevê que,«[s]empre que uma situação internacional exija uma ação operacional por parte da União, o Conselho adota as decisões necessárias, [que] definirão […] condições de execução respetivas». O facto de o acordo ser parte integrante das condições de execução da ação comum constitui já um sério indício da sua ligação à PESC.

71.

Além disso, é necessário salientar que os acordos de transferência são indispensáveis à correta execução e à eficácia da operação militar estabelecida pela ação comum.

72.

Com efeito, conforme refere a República Francesa, a luta contra a pirataria não se limita ao apresamento dos navios piratas suspeitos, também se prolonga até à transferência e ao julgamento das pessoas suspeitas de atos de pirataria. Deste modo, apesar de as atividades de transferência e de instauração de ações judiciais contra as pessoas suspeitas abrangidas pelo acordo não estarem incluídas stricto sensu nas atividades militares, não é menos certo que estas atividades estão intrinsecamente ligadas à operação militar Atalanta.

73.

A missão Atalanta tem por objetivo a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria. No âmbito desta missão, não só é necessário proteger os navios, como também, se for caso disso, deter as pessoas suspeitas de atos de pirataria e, em seguida, entregá‑las às autoridades competentes. O objetivo da missão seria dificilmente exequível se as pessoas que cometeram os atos de pirataria não pudessem ser alvo de processos judiciais, sendo‑lhes assim permitido retomar imediatamente as suas atividades criminosas.

74.

Tal como sublinha a República Italiana, se a identificação e a captura das pessoas suspeitas de atos de pirataria não se traduzisse num processo simultaneamente rápido, eficaz e respeitador dos direitos do homem, a própria ação comum não teria efeito útil. Não produziria qualquer efeito dissuasivo e seria inadequada para solucionar definitivamente o problema da pirataria ao largo da costa somali.

75.

Acordos como o que está em causa no caso em apreço são essenciais à condução da operação militar decidida pela União. A continuidade entre atividades operacionais e atividade jurídica foi muito cedo identificada como um dos centros de gravidade dessa operação militar. Sem esta continuidade, as ações judiciais contra os piratas tornam‑se mais difíceis ou até mesmo impossíveis. Nesse caso, a eficácia operacional das atividades é posta em causa e o efeito dissuasivo esperado da ação da União é reduzido a praticamente nada ( 22 ).

76.

A luta contra a pirataria inclui uma importante dimensão de segurança e militar que deve necessariamente ser acompanhada por uma vertente repressiva e judiciária igualmente importante ( 23 ). Foi por este motivo que a comunidade internacional se comprometeu com a assinatura de acordos de transferência para efeitos de julgamento com os Estados da região em causa, num espírito de partilha global das responsabilidades e por motivos operacionais que se prendem com o interesse de realizar transferências para próximo do local onde foi cometida a infração ( 24 ).

77.

Aliás, o próprio Parlamento reconhece na sua resolução de 10 de maio de 2012, sobre a pirataria marítima ( 25 ), que «a persistência da impunidade da pirataria compromete a sua prevenção». ( 26 )

78.

Resulta dos elementos anteriores que o acordo se insere no prolongamento das resoluções do Conselho de Segurança e da ação comum, e que está intrinsecamente ligado à condução da operação militar Atalanta. Veremos agora que o objetivo prosseguido pelo acordo está abrangido, tal como a ação comum, pelo domínio da PESC.

79.

Atendendo ao seu objetivo, a ação comum e o acordo são instrumentos através dos quais a União dá cumprimento a uma ação decidida no Conselho de Segurança e que visa a preservação da paz e da segurança internacional. Em conformidade com o previsto nas resoluções do Conselho de Segurança, assim como no artigo 12.o, n.o 2, da ação comum, a finalidade específica do acordo é conciliar a luta eficaz contra a pirataria ao largo da costa somali com o respeito pelos direitos fundamentais.

80.

A pirataria ao largo da costa somali representa uma ameaça para a segurança internacional e a estabilidade regional. A ação da União visa lutar contra esta forma de criminalidade internacional que tem aumentado no Oceano Índico, nomeadamente ao largo da costa somali e do Corno de África. Tal como declarou o Parlamento na sua Resolução de 10 de maio de 2012 sobre a pirataria marítima, esta constitui «uma ameaça crescente para a vida humana e a segurança dos marítimos e de outras pessoas, para o desenvolvimento regional e a estabilidade, o ambiente marinho, o comércio mundial, todas as formas de transporte marítimo, incluindo os navios de pesca, assim como para a entrega de ajuda humanitária» ( 27 ).

81.

Por conseguinte, a ação da União visa salvaguardar a segurança da navegação marítima nessa zona de intenso trânsito internacional. Nesta medida, tal ação prossegue um objetivo de proteção da segurança internacional ao largo da costa somali. Favorece igualmente a estabilidade e a paz na região.

82.

Na perspetiva da União, a paralisia da circulação marítima no Mar Vermelho e ao largo do Golfo de Adem faria da pirataria um problema estratégico. Com efeito, trata‑se de uma rota marítima considerada fundamental para o fornecimento da Europa. Em sentido mais lato, a mobilização a nível internacional contra os atos de pirataria demonstra que estes podem potencialmente atingir todos os navios de comércio provenientes de diversas partes do mundo e que, por este motivo, constituem uma ameaça para a paz e a segurança internacional.

83.

Em meu entender, o objetivo de lutar contra a pirataria ao largo da costa somali para manter a paz e a segurança internacional, em conformidade com os direitos do homem, no âmbito de uma cooperação internacional iniciada pelo Conselho de Segurança, está abrangido pelo domínio da PESC.

84.

A este respeito, importa observar que tal objetivo corresponde às finalidades da ação externa da União tal como são especialmente enunciadas no artigo 21.o, n.o 2, alíneas a) a c) e h), TUE. Esta disposição prevê que:

«A União define e prossegue políticas comuns e ações e diligencia no sentido de assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais, a fim de:

a)

Salvaguardar os seus valores, interesses fundamentais, segurança, independência e integridade;

b)

Consolidar e apoiar a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e os princípios do direito internacional;

c)

Preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, em conformidade com os objetivos e os princípios da Carta das Nações Unidas [ ( 28 )], com os princípios da Ata Final de Helsínquia e com os objetivos da Carta de Paris, incluindo os respeitantes às fronteiras externas;

[…]

h)

Promover um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial.»

85.

É certo que os objetivos enumerados no artigo 21.o, n.o 2, TUE constituem os objetivos horizontais da ação externa da União, mas nenhum é expressamente atribuído à PESC. A identificação dos objetivos da PESC torna‑se mais difícil uma vez que, por um lado, o artigo 23.o TUE, que figura no capítulo 2 relativo às disposições específicas relativas à PESC, remete para os objetivos horizontais da ação externa da União referidos no artigo 21.o, n.o 2, TUE e que, por outro, o artigo 24.o, n.o 1, TUE define de modo particularmente amplo e geral o domínio da PESC. Com efeito, nos termos desta disposição, «[a] competência da União em matéria de [PESC] abrange todos os domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a uma defesa comum».

86.

No entanto, é indispensável definir os limites que existem entre a PESC e as outras políticas da União. Esta obrigação resulta da aplicação da cláusula de não afetação recíproca entre as competências da União em matéria de PESC e de outras políticas da União, previstas no artigo 40.o TUE.

87.

Para o efeito, importa observar em primeiro lugar que os referidos objetivos da ação externa da União, nomeadamente, os que estão enumerados no artigo 21.o, n.o 2, alíneas a) a c) e h), TUE, fazem parte daqueles que são tradicionalmente atribuídos à PESC. A este respeito, há que assinalar que os objetivos indicados nesta disposição correspondem, no essencial, aos que eram atribuídos à PESC antes do Tratado de Lisboa, por força do artigo 11.o, n.o 1, do Tratado UE, na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa.

88.

Em seguida, na medida em que o artigo 21.o, n.o 2, TFUE indica os objetivos comuns à ação externa da União, importa, para determinar a que política da União diz especificamente respeito um certo objetivo, ler esta disposição em conjugação com as disposições específicas aplicáveis no âmbito de cada política.

89.

Nomeadamente, em relação ao objetivo da manutenção da paz e do reforço da segurança internacional, o acórdão Parlamento/Conselho, já referido, defende a sua ligação à PESC.

90.

Com efeito, neste acórdão, o Tribunal de Justiça associou ao domínio da PESC o objetivo de lutar contra o terrorismo internacional e o seu financiamento de modo a preservar a paz e a segurança a nível internacional, baseando‑se não apenas nos artigos 21.°, n.o 2, alínea c), TUE e 24.°, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, mas também no artigo 43.o, n.o 1, TUE.

91.

Tal como no processo que deu origem ao referido acórdão, o facto de o acordo constituir um dos instrumentos através dos quais a União executa uma ação com vocação internacional que é objeto de várias resoluções do Conselho de Segurança e que visa, indiscutivelmente, a preservação da paz e da segurança internacional é um elemento importante para considerar que este acordo pode estar associado ao domínio da PESC ( 29 ).

92.

Em conformidade com o artigo 37.o TUE que, recorde‑se, constitui a base jurídica substantiva da decisão controvertida, a União pode celebrar acordos internacionais em todos os domínios da PESC, incluindo, consequentemente, no domínio da política comum de segurança e de defesa (a seguir «PCSD») que, tal como indica o artigo 42.o, n.o 1, TUE, integra a PESC.

93.

Ora, considero que, enquanto prolongamento necessário da operação militar Atalanta, que prossegue o mesmo objetivo de preservação da paz e da segurança internacional, o acordo está abrangido pelo domínio da PCSD.

94.

Nos termos do artigo 42.o, n.o 1, TUE, a PCSD «garante à União uma capacidade operacional apoiada em meios civis e militares. A União pode empregá‑los em missões no exterior a fim de assegurar a manutenção da paz, a prevenção de conflitos e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas».

95.

O conteúdo das missões da PCSD resulta do artigo 43.o, n.o 1, TUE, nos termos do qual «[a]s missões referidas no n.o 1 do artigo 42.o, nas quais a União pode utilizar meios civis e militares, incluem as ações conjuntas em matéria de desarmamento, as missões humanitárias e de evacuação, as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, as missões de prevenção de conflitos e de manutenção da paz, as missões de forças de combate para a gestão de crises, incluindo as missões de restabelecimento da paz e as operações de estabilização no termo dos conflitos. Todas estas missões podem contribuir para a luta contra o terrorismo, inclusive mediante o apoio prestado a países terceiros para combater o terrorismo no respetivo território».

96.

O Parlamento refere que não compreende como é que missões confiadas aos representantes da União e à EUNAVFOR nos termos do acordo, como a transferência de pessoas e de bens, a comunicação de provas, a realização de ações judiciais e de julgamentos, a revisão da legislação, a formação dos investigadores e a prestação de auxílio financeiro, técnico, logístico ou outro à República da Maurícia, podem estar abrangidas por uma das missões específicas da PCSD referidas nos artigos 42.° TUE e 43.° TUE. Embora tenha admitido que estas missões podem contribuir para o objetivo geral de reforço da segurança internacional e que estão associadas à operação militar Atalanta, o Parlamento considera que a sua própria natureza e os seus objetivos específicos ultrapassam aqueles para os quais a operação Atalanta foi estabelecida.

97.

Considero, pelo contrário, que a enumeração das missões da PCSD que figuram no artigo 43.o, n.o 1, TUE é suficientemente ampla para abranger o conjunto das disposições do acordo e, por conseguinte, para permitir considerar que este é parte integrante de uma missão abrangida pela PCSD.

98.

Mesmo que se deva considerar que a transferência dos suspeitos e a instauração de processos judiciais contra estes não constituem, por natureza, atividades militares, há que constatar que uma das caraterísticas importantes da PCSD, que resulta de forma evidente dos artigos 42.°, n.o 1, e 43.°, n.o 1, TUE, é que não se limita à utilização de meios militares, prevendo igualmente a utilização de meios civis, nomeadamente no âmbito de missões de gestão de crise ( 30 ).

99.

Segundo o Parlamento, o facto de o acordo visar lutar contra uma forma de criminalidade, por meio de instrumentos semelhantes aos que são utilizados em matéria de cooperação policial e de cooperação judiciária em matéria penal, no âmbito do título V, da terceira parte do Tratado FUE, relativa ao ELSJ, significa que a decisão controvertida deveria ser igualmente fundamentada nas bases jurídicas que figuram nesse título, nomeadamente, nos artigos 82.° e 87.° TFUE.

100.

A Comissão, por seu turno, alega que o objetivo principal do acordo é evitar que tenham de ser os próprios Estados‑Membros a conduzir os processos penais. Este acordo facilita a cooperação entre as autoridades dos Estados‑Membros e as autoridades da República da Maurícia uma vez que cria um quadro jurídico e prático para a entrega dos suspeitos ao Estado terceiro costeiro tendo em vista a condução de investigações e de processos penais por parte desta. Daqui resulta que o objetivo e o conteúdo do acordo justificaram que o artigo 82.o TFUE fosse considerado a base jurídica da sua celebração, atendendo a que é essencialmente destinado à cooperação judiciária. O facto de estar envolvido pessoal militar na aplicação do acordo em nada altera as conclusões apresentadas pela Comissão. Com efeito, para determinar a base jurídica adequada, não é importante a natureza ou a qualidade do ator mas, em contrapartida, é crucial a natureza da atividade prevista.

101.

A argumentação do Parlamento e da Comissão é, em minha opinião, incorreta.

102.

Em apoio do primeiro ponto da sua argumentação, o Parlamento alega que a luta contra a criminalidade não é o objetivo ou a missão específica da União no âmbito da PESC ou da PCSD, mas um domínio do ELSJ. Afirma também que o artigo 43.o, n.o 1, TUE apenas refere a luta contra o terrorismo.

103.

Todavia, a indicação prevista nesta última disposição, segundo a qual as missões da PCSD podem contribuir para a luta contra o terrorismo, não exclui, em meu entender, que tais missões possam também contribuir para a luta contra outras formas de criminalidade.

104.

Além disso, conforme refere acertadamente o Conselho, a luta contra crimes internacionais que constituem ameaças à segurança internacional cometidos fora do território da União é uma questão abrangida pela PESC e, enquanto parte integrante desta, da PCSD, através de operações de gestão de crise, se for esse o caso.

105.

A este respeito, importa observar que a União realizou diversas missões de reforma do setor da segurança no âmbito da PCSD, nomeadamente, missões civis, para responder às ameaças à segurança, incluindo as que resultam de atividades criminosas, bem com um determinado número de missões de polícia e de missões «Estado de Direito» ( 31 ). Ora, estas missões não foram consideradas, a meu ver acertadamente, como sendo relativas ao ELSJ. As operações que são realizadas no âmbito das referidas missões podem visar a manutenção ou o restabelecimento da ordem pública. As tarefas previstas podem, nomeadamente, incluir a formação e a chefia de pessoal de segurança, assim como o auxílio na elaboração de legislação ( 32 ).

106.

A argumentação desenvolvida pelo Parlamento e pela Comissão demonstra, na realidade, que a distinção entre a PESC e a dimensão externa do ELSJ deve ser esclarecida.

107.

A distinção entre estas duas políticas da União é dificultada pela dupla ligação destas ao imperativo de segurança ( 33 ). Os objetivos de salvaguarda da segurança da União e do reforço da segurança internacional são atribuídos à União enquanto objetivos da sua ação externa, por força do artigo 21.o, n.o 2, alíneas a) e c), TUE. Simultaneamente, é também um objetivo do ELSJ assegurar um elevado nível de segurança, em conformidade com o artigo 67.o, n.o 3, TFUE.

108.

Todavia, os respetivos âmbitos de aplicação da PESC e do ELSJ na sua dimensão externa devem ser nitidamente distinguidos.

109.

Conforme indica o Conselho, deve considerar‑se que as medidas relativas ao ELSJ, quer tenham uma dimensão interna ou externa, têm como finalidade contribuir para a liberdade, a segurança e a justiça na União. O artigo 67.o, n.o 1, TFUE prevê, efetivamente, que «[a] União constitui um [ELSJ]», o que reflete igualmente o artigo 3.o, n.o 2, TUE. Assim, nos termos desta última disposição «[a] União proporciona aos seus cidadãos um [ELSJ] sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa, de asilo e imigração, bem como de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno».

110.

A construção de um [ELSJ] a favor dos cidadãos da União requer que esta exerça a sua competência externa ( 34 ). Por exemplo, o artigo 79.o, n.o 3, TFUE atribui à União competência externa expressa para celebrar acordos de readmissão. Por outro lado, com base no artigo 216.o TFUE, a União pode celebrar acordos internacionais em matéria de cooperação policial ou judiciária, nomeadamente, sempre que tal se afigure necessário para realizar um objetivo específico do ELSJ.

111.

Por conseguinte, é a partir dos objetivos estabelecidos no artigo 3.o, n.o 2, TUE e no artigo 67.o TFUE que se pode identificar a dimensão externa do ELSJ. Dito de outro modo, a dimensão externa do ELSJ é funcional e instrumental em relação aos objetivos que estão previstos nessas disposições ( 35 ). As políticas internas e externas no domínio do ELSJ estão indissociavelmente ligadas. Para definir o que constitui o aspeto externo no domínio do ELSJ, é prioritário ter em consideração as funções políticas internas do ELSJ ( 36 ).

112.

Daqui resulta que, embora a construção deste espaço possa necessitar de uma ação externa por parte da União, um acordo, para ser considerado abrangido pelo ELSJ, tem de estar estreitamente relacionado com a liberdade, a segurança e a justiça na União. Dito de outro modo, a ligação ao ELSJ é justificada sempre que exista uma relação direta entre a finalidade de segurança interna da União e a cooperação judiciária e/ou policial que é desenvolvida no exterior da União. Em contrapartida, uma ação da União deve estar ligada à PESC quando o principal objetivo desta é a paz, a estabilidade e a evolução democrática numa região fora da União ( 37 ).

113.

A distinção nem sempre é evidente, uma vez que o desenvolvimento de uma forma de criminalidade numa determinada região pode constituir simultaneamente um perigo para a segurança interna da União e para a estabilidade da região em causa ( 38 ). Tal como decorre, nomeadamente, do Programa de Estocolmo ( 39 ), adotado pelo Conselho Europeu em 2010, a segurança interna e externa são indissociáveis. O combate às ameaças, mesmo longe do nosso continente, é essencial para proteger a Europa e os seus cidadãos ( 40 ).

114.

Em meu entender, não deixa de ser verdade que, sempre que se esteja perante uma ação da União que se inclui num processo de cooperação internacional iniciado pelo Conselho de Segurança e que visa, em primeiro lugar, lutar contra uma ameaça que afeta a paz e a segurança internacional, esta ação deve ser adotada no âmbito da PESC.

115.

Ora, no caso em apreço, o acordo, que como vimos se inclui no âmbito de uma ação decidida a nível internacional e que visa lutar contra os atos de pirataria ao largo da costa somali, para assegurar a paz e a segurança internacional nesta zona, não abrange, em meu entender, situações suficientemente relacionadas com a construção do ELSJ.

116.

Ao contrário do que afirma o Parlamento, o facto de o acordo prever uma forma de cooperação entre a Eunavfor e as autoridades da República da Maurícia responsáveis pela aplicação da lei e de abranger atividades relacionadas com atividades de natureza policial ou judiciária não constitui um elemento suficiente de ligação ao ELSJ.

117.

Em minha opinião, é incorreto afirmar que basta estar em causa o tratamento judicial de indivíduos para incluir a ação da União no âmbito da política relativa ao ELSJ, aqui considerada na sua dimensão externa. Com efeito, para alcançar os seus objetivos, a PESC pode recorrer a meios policiais ou judiciários. A utilização de tais instrumentos não é, por si só, determinante desde que estes sejam colocados ao dispor do objetivo de manutenção da paz e da segurança internacional que, como vimos, faz indiscutivelmente parte da PESC, e não do próprio objetivo do ELSJ.

118.

As missões efetuadas pela União no âmbito da PCSD demonstram que os instrumentos tradicionais do ELSJ podem ser mobilizados a favor dos objetivos da PESC. Deste modo, as missões internacionais decididas pela União para assegurar a manutenção da paz, a prevenção de conflitos e o reforço da segurança internacional são facilitadas pela possibilidade de recurso a meios civis, tal como o reforço do sistema judiciário e dos serviços de polícia dos Estados terceiros em causa ( 41 ). Assim, o aspeto externo do ELSJ é incorporado no exercício da competência da política externa da União a favor dos objetivos da PESC ( 42 ).

119.

Por último, há que salientar que a constatação de que o acordo visa proteger os direitos das pessoas suspeitas de atos de pirataria, uma vez que remete para um futuro acordo entre as partes para determinar as modalidades da assistência técnica e logística que a União presta à República da Maurícia, nomeadamente, no que se refere à revisão da sua legislação, à formação dos investigadores e procuradores, ao procedimento investigativo e judicial, não permite que este acordo seja incluído no domínio do ELSJ. Estes componentes do acordo visam efetivamente garantir a proteção dos direitos do homem e a consolidação do Estado de Direito, que fazem parte dos objetivos da PESC. A este respeito, seria paradoxal que o facto de as partes que celebram o acordo pretenderem assegurar que a repressão eficaz dos atos de pirataria não é feita à custa dos direitos fundamentais dos seus autores contribuísse para a exclusão deste acordo do domínio da PESC que, tal como as outras políticas da União, está sujeita ao respeito pelos direitos fundamentais.

120.

A operação militar conduzida pela União leva necessariamente à detenção dos autores de atos de pirataria. A definição das modalidades de tratamento destas pessoas após a sua detenção e o destino que lhes está reservado faz evidentemente parte da própria operação. Ora, o único tratamento das pessoas detidas que está em conformidade com a lei é julgá‑las. Nesta perspetiva, permitir que os Estados aos quais são entregues os piratas tornem os seus procedimentos conformes com o direito internacional dos direitos do homem constitui a fase final, mas essencial, da operação militar realizada no âmbito da PESC.

121.

Resulta dos elementos anteriores que o Conselho considerou corretamente, quando adotou a decisão controvertida, que esta não está abrangida pelo ELSJ na sua dimensão externa e que, por conseguinte, não deve recorrer a uma das bases jurídicas referentes a esta política da União.

122.

Em minha opinião, o acordo também não contém um componente relativo à cooperação para o desenvolvimento, o qual teria justificado o recurso a uma base jurídica que figura na quinta parte, título III, capítulo 1, do Tratado TFUE.

123.

No seu acórdão de 20 de maio de 2008, Comissão/Conselho ( 43 ), o Tribunal de Justiça declarou que «para que uma medida concreta destinada a combater a proliferação de armas ligeiras e de pequeno calibre possa ser adotada pela Comunidade no âmbito da sua política de cooperação para o desenvolvimento, essa medida deve, tanto pela sua finalidade como pelo seu conteúdo, estar abrangida pelo âmbito de aplicação das competências que o Tratado CE lhe atribui neste domínio». ( 44 ) Segundo o Tribunal de Justiça, «[n]ão é o que acontece quando essa medida, apesar de contribuir para o desenvolvimento económico e social de países em vias de desenvolvimento, tem por objetivo principal a execução da PESC» ( 45 ).

124.

Ora, como já vimos, a PESC constitui efetivamente o centro de gravidade do acordo e da decisão controvertida.

125.

Nos termos do artigo 208.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE «[o] objetivo principal da política da União [no domínio da cooperação para o desenvolvimento] é a redução e, a prazo, a erradicação da pobreza».

126.

Conforme afirma o Conselho, o artigo 208.o, n.o 1, TFUE recentrou o âmbito de aplicação da cooperação para o desenvolvimento, pelo que o elemento essencial da política de desenvolvimento da União é a redução e a erradicação da pobreza. Por outro lado, o artigo 208.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TFUE dispõe que «[n]a execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a União tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento». Deste modo, as outras políticas da União, tal como a PESC, devem ter em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento, podendo assim contribuir, de acordo com a exigência de coerência da ação externa da União. Por conseguinte, o simples facto de uma medida abrangida pela PESC ser suscetível de produzir efeitos positivos para o desenvolvimento de um Estado terceiro não a torna uma medida abrangida pelo âmbito de aplicação da cooperação para o desenvolvimento na aceção do artigo 208.o TFUE.

127.

É certo que o Tribunal de Justiça, ao abrigo dos Tratados que antecederam o Tratado de Lisboa, interpretou de uma forma relativamente ampla o âmbito abrangido pela cooperação para o desenvolvimento ( 46 ). No entanto, esta conceção ampla tem alguns limites. Nomeadamente, importa estabelecer uma distinção entre as medidas que visam o desenvolvimento e as que prosseguem outros objetivos da União, como a PESC. Neste contexto, o reforço da capacidade da República da Maurícia para conduzir julgamentos não é um fim em si mesmo, mas visa reprimir eficazmente os atos de pirataria que constituem uma ameaça para a paz e a segurança internacionais, respeitando os direitos fundamentais dos autores desses atos.

128.

Toda a assistência prestada ao abrigo do acordo, designadamente a que está referida no seu artigo 7.o, n.os 2 e 3, é relativa à transferência das pessoas suspeitas de atos de pirataria, tendo em vista uma repressão eficaz dos atos de pirataria, e à capacidade da República da Maurícia aplicar o acordo em conformidade com o direito internacional dos direitos do homem. Por outro lado, observo que a prestação, prevista no artigo 10.o, n.o 2, alínea f), do acordo, de apoio técnico, conhecimentos especializados, formação e outro tipo de assistência a que se refere o artigo 7.o do mesmo acordo, visa unicamente «realizar os objetivos [do referido] Acordo». Deste modo, a assistência prevista por este não ultrapassa os objetivos que conduziram à realização da operação Atalanta. Por conseguinte, uma vez que o seu objetivo não é o desenvolvimento da República da Maurícia, não constitui uma medida de desenvolvimento abrangida pelos artigos 208.° e 209.° TFUE.

129.

O tipo de assistência não é determinante e, pela sua natureza, nenhum dos tipos se inclui na cooperação para o desenvolvimento ( 47 ). A este respeito, uma assistência como a «assistência técnica e logística a prestar à [República da] Maurícia nos domínios da revisão da legislação, da formação dos investigadores e procuradores, do procedimento investigativo e judicial» ( 48 ) pode perfeitamente ser prestada no âmbito da PESC e, em particular, conforme já vimos, no âmbito da PCSD, para assegurar a segurança e promover os direitos do homem e o Estado de Direito.

130.

Decorre destas considerações que, na medida em que não detetei no acordo qualquer componente relativo à cooperação para o desenvolvimento, a decisão controvertida foi acertadamente fundamentada no artigo 37.o TUE, não tendo sido adicionada uma base jurídica pertencente à cooperação para o desenvolvimento.

131.

Tendo a decisão controvertida sido corretamente fundamentada apenas numa base jurídica relativa à PESC, deve considerar‑se que o respetivo acordo incide exclusivamente sobre a PESC na aceção do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE. Assim, a adoção da decisão de celebração deste acordo não requer nem a aprovação nem a consulta do Parlamento.

II – Quanto ao fundamento relativo a uma violação do artigo 218.o, n.o 10, TFUE

132.

Com o seu segundo fundamento de recurso, o Parlamento acusa o Conselho de não o ter «imediata e plenamente informado em todas as fases do processo», contrariamente ao que exige o artigo 218.o, n.o 10, TFUE.

133.

A título principal, o Conselho afirma que este fundamento é inadmissível na medida em que, uma vez que se trata de um acordo que incide exclusivamente sobre a PESC, o Tribunal de Justiça não é competente para verificar se a obrigação de informação prevista nessa disposição foi, ou não, respeitada. A título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça se declare competente para verificar se o Conselho respeitou a referida disposição, este alega que não pode ser acusado de ter violado o artigo 218.o, n.o 10, TFUE.

134.

Nos termos do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o Tribunal de Justiça «não dispõe de competência no que diz respeito [às disposições relativas à PESC], com exceção da competência para verificar a observância do artigo 40.o [TUE] do presente Tratado e fiscalizar a legalidade de determinadas decisões a que se refere o segundo parágrafo do artigo 275.o [TFUE]».

135.

Além disso, o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE prevê que o Tribunal de Justiça não dispõe de competência «no que diz respeito aos atos adotados com [base nas disposições relativas à PESC]». Todavia, nos termos do artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE «o Tribunal é competente para controlar a observância do artigo 40.o do [TUE] e para se pronunciar sobre os recursos interpostos nas condições do quarto parágrafo do artigo 263.o do presente Tratado, relativos à fiscalização da legalidade das decisões que estabeleçam medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas, adotadas pelo Conselho com base no Capítulo 2 do Título V do [TFUE]».

136.

Resulta destas disposições que, apesar de a falta de competência do Tribunal de Justiça continuar a ser a regra em matéria de PESC, esta não escapa totalmente à vigilância do juiz da União.

137.

É pacífico que o artigo 218.o TFUE estabelece as regras relativas à negociação e à celebração de todos os acordos internacionais. Em especial, a regra prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE, segundo a qual «[o] Parlamento […] é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo», é aplicável a todos os domínios do direito da União. Deste modo, embora esta disposição deva ser aplicada aos acordos internacionais celebrados pela União em matéria de PESC, não se trata de modo algum de uma disposição relativa à PESC, na aceção dos artigos 24.°, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e 275.°, primeiro parágrafo, TFUE. Por conseguinte, este primeiro fundamento de incompetência deve ser julgado improcedente.

138.

Por outro lado, tal como vimos, ainda que a decisão controvertida constitua garantidamente um ato adotado, do ponto de vista material, com base em disposições relativas à PESC, na aceção do artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, considero que, no entanto, daí não decorre que o Tribunal de Justiça se deve declarar incompetente para fiscalizar se o Conselho respeita uma modalidade processual, como a prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE, que é relativa a todos os acordos internacionais e cuja aplicação aos acordos internacionais celebrados em matéria de PESC não é expressamente excluída.

139.

Assim, em minha opinião, embora o princípio da competência do Tribunal de Justiça para fiscalizar se o Conselho respeita o artigo 218.o, n.o 10, TFUE deva ser acolhido, não deixa de ser verdade que o Tribunal de Justiça, sempre que no âmbito da sua fiscalização estiver perante um acordo que incide exclusivamente sobre a PESC, tal como sucede no caso em apreço, deve ter em conta a natureza específica das regras e dos procedimentos a que está sujeita a PESC, conforme resulta do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

140.

É certo que, conforme recordou o Tribunal de Justiça no seu acórdão Parlamento/Conselho, já referido, «a participação do Parlamento no processo legislativo é o reflexo, ao nível da União, de um princípio democrático fundamental segundo o qual os povos participam no exercício do poder por intermédio de uma assembleia representativa». ( 49 ) Contudo, na mesma ocasião, o Tribunal de Justiça somente teve possibilidade de constatar que os autores do Tratado de Lisboa tinham optado por conferir «um papel mais limitado ao Parlamento relativamente à ação da União no âmbito da PESC» ( 50 ).

141.

Ora, uma das regras e procedimentos específicos em matéria de PESC é que, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE, a aprovação ou a consulta do Parlamento não são exigidas quando o acordo em causa incide exclusivamente sobre a PESC.

142.

Em minha opinião, daqui decorre que as modalidades e a precisão da informação de que deve beneficiar o Parlamento por força do artigo 218.o, n.o 10, TFUE não podem ser as mesmas consoante o acordo em causa incida, ou não, exclusivamente sobre a PESC. Dito de outra forma, considero que é legítimo exigir ao Conselho que preste rápida e detalhadamente as informações relativas a um acordo internacional ao Parlamento quando esta Instituição tem de aprovar ou tem de ser consultada nos termos do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE, mas o mesmo não sucede quando não é requerida nem a aprovação nem a consulta do Parlamento. Com efeito, para dar um parecer esclarecido, o Parlamento deve necessariamente dispor de informação suficientemente detalhada e prestada em tempo útil e pode recusar aprovar a decisão de celebração de um acordo se essa informação faltar.

143.

Em cada caso, a verificação, pelo Tribunal de Justiça, do respeito, por parte do Conselho, da obrigação de informação prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE deve, em minha opinião, ser feita tendo em conta a natureza do acordo em causa e os poderes de que dispõe o Parlamento, nos termos do artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, TFUE, para influenciar o conteúdo material deste acordo.

144.

Dito isto, aceitar que a intensidade da obrigação de informação prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE pode variar em função do envolvimento do Parlamento no processo de celebração dos acordos internacionais não deve permitir concluir que o Parlamento pode ser privado de informação suficiente quando o acordo em causa incide exclusivamente sobre a PESC. De facto, há que recordar que ainda que a sua intensidade varie consoante cada caso concreto, a obrigação de informação prevista no artigo 218.o, n.o 10, TFUE tem aplicação geral, incluindo em matéria de PESC.

145.

Além disso, importa não esquecer que, mesmo que tenha um papel limitado no domínio da PESC, em particular quando um acordo incide exclusivamente sobre a PESC, o Parlamento dispõe, ainda assim, de um direito de controlo desta política, conforme resulta do artigo 36.o TUE ( 51 ).

146.

Importa agora saber quando é que o Parlamento foi informado da negociação e da celebração do acordo.

147.

Em 22 de março de 2010, o Conselho autorizou o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança a iniciar negociações com vista à celebração de acordos de transferência com vários Estados terceiros, incluindo a República da Maurícia.

148.

Por carta com data do mesmo dia, o Conselho comunicou ao presidente do Parlamento esta decisão e referiu que o informaria do preciso momento da celebração dos acordos de transferência em causa.

149.

Em 12 de julho de 2011, as negociações resultaram na adoção da decisão controvertida, através da qual o Conselho autorizou a assinatura do acordo.

150.

O acordo foi assinado em 14 de julho de 2011.

151.

A decisão controvertida e o acordo foram publicados no Jornal Oficial da União Europeia em 30 de setembro de 2011.

152.

Por carta de 17 de outubro de 2011, o Conselho informou o presidente do Parlamento da adoção da decisão controvertida e da assinatura do acordo.

153.

O Parlamento acusa o Conselho, por um lado, de não o ter informado durante a fase de negociação do acordo e, por outro, de ter aguardado mais de três meses antes de lhe comunicar a decisão controvertida e o acordo.

154.

Em meu entender, estas acusações não são suscetíveis de conduzir à anulação da decisão controvertida.

155.

De facto, em primeiro lugar, entendo que o artigo 218.o, n.o 10, TFUE implica a prestação efetiva de informação por parte do Conselho ao Parlamento. Por conseguinte, em minha opinião, não é possível considerar que a obrigação de informação prevista nesta disposição é respeitada pela mera publicação no Jornal Oficial da União Europeia de uma decisão do Conselho. Ora, conforme constatado, este informou direta e pessoalmente o presidente do Parlamento do início das negociações, após a adoção da decisão controvertida e da assinatura do acordo.

156.

Em segundo lugar, tal como já referido, não pode ser imposto ao Conselho, quando o acordo em causa incide exclusivamente sobre a PESC, que informe o Parlamento tão detalhadamente como nos casos em que a aprovação ou a consulta deste último são exigidas. Nomeadamente, na medida em que o Parlamento não foi chamado a dar o seu parecer sobre o conteúdo do acordo, não era obrigatório informá‑lo sobre a evolução das negociações.

157.

Em terceiro lugar, relativamente ao prazo de três meses que decorreu até à comunicação da decisão controvertida e do acordo por parte do Conselho ao Parlamento, importa observar que teria sido mais coerente com o espírito do artigo 218.o, n.o 10, TFUE o Parlamento ter sido informado antes da publicação da decisão controvertida e do acordo no Jornal Oficial da União Europeia. No entanto, uma vez que o prazo em causa não pôs em causa as prerrogativas do Parlamento nem afetou o conteúdo do acordo, visto que dos motivos já referidos resulta que o acordo incide exclusivamente sobre a PESC, considero que não estão reunidas as condições para declarar a existência de uma violação do artigo 218.o, n.o 10, TFUE.

III – Conclusão

158.

Atendendo às considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

negue provimento ao recurso; e

condene o Parlamento Europeu nas despesas, a República Checa, a República Francesa, a República Italiana, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, assim como a Comissão Europeia a suportar as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) C‑130/10.

( 3 ) JO L 254, p. 1, a seguir «decisão controvertida».

( 4 ) A seguir «acordo».

( 5 ) Acórdão Parlamento/Conselho, já referido (n.o 80).

( 6 ) Sublinhado nosso.

( 7 ) A título de exemplo de um ato baseado em várias bases jurídicas, v. Decisão 2012/308/PESC do Conselho, de 26 de abril de 2012, sobre a adesão da União Europeia ao Tratado de Amizade e Cooperação no Sudeste Asiático (JO L 154, p. 1). Esta decisão é fundamentada na conjugação do disposto nos artigos 37.° TUE e 31.°, n.o 1, TUE e dos artigos 209.° TFUE, 212.° TFUE e 218.°, n.os 6, segundo parágrafo, alínea a), e 8, segundo parágrafo, TFUE.

( 8 ) Parecer 2/00 de 6 de dezembro de 2001 (Colet., p. I‑9713, n.o 5).

( 9 ) V., nomeadamente, acórdão de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho (C‑137/12, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 10 ) Ibidem (n.o 53).

( 11 ) A seguir «Conselho de Segurança».

( 12 ) JO L 301, p. 33. Ação comum conforme alterada pela última vez antes da interposição do presente recurso pela Decisão 2010/766/PESC do Conselho, de 7 de dezembro de 2010 (JO L 327, p. 49, a seguir «ação comum»).

( 13 ) Último considerando desta resolução.

( 14 ) Segundo considerando desta resolução.

( 15 ) Décimo segundo considerando desta resolução.

( 16 ) N.o 2 da Resolução 1816(2008).

( 17 ) N.o 3 desta resolução.

( 18 ) Convenção que entrou em vigor em 16 de novembro de 1994 e celebrada e aprovada, em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998 (JO L 179, p. 1, a seguir «Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar»).

( 19 ) N.o 2 desta resolução.

( 20 ) N.o 11 desta resolução. V., igualmente, n.o 14 da Resolução 1846(2008).

( 21 ) Nono considerando da Resolução 1851(2008).

( 22 ) V. intervenção de Lenoir, D., «Atalante et l’action de l’Union européenne contre la piraterie», no âmbito da terceira mesa redonda ‑ Ação, intervenção, sanção da jornada de estudo de 7 de dezembro de 2009, subordinada ao tema «La piraterie: ‘menace stratégique’ ou épiphénomène?» organizada pela Fondation pour la recherche stratégique, p. 61.

( 23 ) V. Bosse‑Platière, I., «Le volet judiciaire de la lutte contre la piraterie maritime en Somalie: les accords de transferts conclus par l’Union européenne avec des États tiers», Les différentes facettes du concept juridique de sécuritéMélanges en l’honneur du Professeur Pierre‑André Lecocq, Université Nord Lille 2, 2011, p. 101.

( 24 ) V. relatório do Conselheiro Especial do Secretário‑Geral sobre questões legais relacionadas com a pirataria ao largo da costa da Somália (n.o 65).

( 25 ) 2011/2962(RSP).

( 26 ) N.o 10.

( 27 ) Considerando C desta resolução.

( 28 ) Carta assinada em São Francisco (Estados Unidos), em 26 de junho de 1945.

( 29 ) V., neste sentido, acórdão Parlamento/Conselho, já referido (n.o 76), e o n.o 66 das conclusões que apresentei no processo que deu origem a este acórdão.

( 30 ) Conforme já referido na «Estratégia Europeia de Segurança — Uma Europa segura num mundo melhor», aprovada em 12 de dezembro de 2003, «nenhuma das novas ameaças é de ordem puramente militar e não pode ser combatida com meios exclusivamente militares. Cada um deles exige uma combinação de meios de ação» (p. 7).

( 31 ) Refira‑se, a título de exemplo, a Ação Comum 2008/124/PESC, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo, EULEX KOSOVO (JO L 42, p. 92); a assistência prestada ao Iraque no âmbito da Decisão 2010/330/PESC do Conselho, de 14 de junho de 2010, relativa à Missão Integrada da União Europeia para o Estado de Direito no Iraque, EUJUST LEX‑IRAQUE (JO L 149, p. 12); a Decisão 2012/389/PESC do Conselho, de 16 de julho de 2012, sobre a Missão da União Europeia de Reforço das Capacidades Navais Regionais no Corno de África (EUCAP NESTOR) (JO L 187, p. 40); e a Decisão 2012/392/PESC do Conselho, de 16 de julho de 2012, relativa à Missão PCSD da União Europeia no Níger (EUCAP Sael Níger) (JO L 187, p. 48).

( 32 ) Desde o Conselho Europeu de Santa Maria da Feira de 19 e 20 de junho de 2000, a União desenvolveu a dimensão civil da PCSD. As operações iniciadas neste âmbito visaram prestar aos Estados em situação pós‑conflito ou caraterizados por instituições fracas uma assistência que lhes permita consolidar as suas regras jurídicas e/ou desenvolver a sua capacidade tendo em vista a luta contra a criminalidade organizada ou controlar as suas fronteiras externas de forma mais eficaz. V., Trauner, F., «The internal‑external security nexus: more coherence under Lisbon?», Occasional Paper, ISS, março de 2011, p. 16.

( 33 ) V., Neframi, E., «L’aspect externe de l’espace de liberté, de sécurité et de justice: quel respect des principes et objectifs de l’action extérieure de l’Union?», La dimension extérieure de l’espace de liberté, de sécurité et de justice de l’Union européenne après le Traité de Lisbonne, Bruylant, 2013, p. 509, em especial p. 521.

( 34 ) O Programa de Haia: reforçar a liberdade, a segurança e a justiça na União Europeia (JO 2005, C 53, p. 1) indica, assim, que todos os poderes da União, incluindo as relações externas, devem ser utilizados de forma integrada e coerente para estabelecer um ELSJ (n.o 4, último parágrafo).

( 35 ) V. Govaere, I., e Demedts, V., «Quelle définition de l’‘externe’ en matière d’ELSJ? Le cadre et les enjeux», La dimension extérieure de l’espace de liberté, de sécurité et de justice de l’Union européenne après le Traité de Lisbonne, Bruylant, 2013, p. 489, em especial p. 497.

( 36 ) Ibidem (p. 508).

( 37 ) V. de Biolley, S., «Coopération policière dans l’Union européenne», Jurisclasseur Europe, Fascículo 2680, n.o 114.

( 38 ) Idem.

( 39 ) Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos (JO 2010, C 115, p. 1).

( 40 ) V. n.o 7, sob a epígrafe «A Europa num mundo globalizado — A dimensão externa do espaço de liberdade, segurança e justiça». A este respeito, o Conselho Europeu refere que «reconhece que a PCSD e muitas ações externas no domínio da liberdade, segurança e justiça têm objetivos partilhados ou complementares. As missões da PCSD dão também um importante contributo para a segurança interna da União nos seus esforços para apoiar a luta contra a criminalidade transnacional grave nos países anfitriões e para desenvolver o respeito pelo Estado de direito» (n.o 7.1). Por este motivo, o Conselho Europeu «exorta a uma maior cooperação entre o domínio da liberdade, segurança e justiça e a PCSD para aprofundar esses objetivos partilhados» (idem).

( 41 ) A sinergia entre os instrumentos tradicionais do ELSJ e a PESC, na sua dimensão PCSD, é salientada na «Estratégia de Segurança Interna da União Europeia — Rumo a um modelo europeu de segurança» adotada pelo Conselho «Justiça e Assuntos Internos» em 25 e 26 de fevereiro 2010 e aprovada pelo Conselho Europeu em 25 e 26 de março de 2010, que prevê que é «extremamente importante uma maior participação dos serviços policiais e dos órgãos competentes em matéria de justiça, liberdade e segurança a todos os níveis das missões de gestão civil das crises, para que possam participar na resolução de conflitos mediante a colaboração com todos os outros serviços presentes no terreno (militares, diplomáticos, serviços de urgência, etc.)» (p. 30). Por conseguinte, existe uma estreita relação e complementaridade entre a dimensão externa do ELSJ e a PCSD. Apesar de a cooperação com Estados terceiros ser crucial para que os objetivos de segurança interna da União sejam alcançados, as missões PCSD podem, igualmente, apoiar os objetivos do ELSJ, não só através da prestação de informação relevante para a segurança interna, mas também por meio de contribuições para a estabilidade da vizinhança da União; v., relativamente a este ponto, Wolff, S., e Mounier, G., «The external dimension of JHA: A new dimension of EU diplomacy», Freedom, Security and Justice after Lisbon and Stockholm, TMC Asser Press, 2011).

( 42 ) V. Neframi, E., op. cit., p. 527.

( 43 ) C-91/05, Colet, p. I-3651.

( 44 ) N.o 71.

( 45 ) N.o 72.

( 46 ) V. acórdãos de 3 de dezembro de 1996, Portugal/Conselho (C-268/94, Colet., p. I-6177, n.os 23 a 29 e 37 a 39); de 23 de outubro de 2007, Parlamento/Comissão (C-403/05, Colet., p. I-9045, n.os 56 a 58); e de 20 de maio de 2008, Comissão/Conselho, já referido (n.os 64 a 70).

( 47 ) V., neste sentido, acórdão de 20 de maio de 2008, Comissão/Conselho, já referido (n.os 104 e 105).

( 48 ) V. artigo 7.o, n.o 3, do acordo.

( 49 ) N.o 81.

( 50 ) N.o 82.

( 51 ) Por conseguinte, o artigo 36.o, primeiro parágrafo, TUE prevê que «[o] Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança consulta regularmente o Parlamento […] sobre os principais aspetos e as opções fundamentais da [PESC] e da [PCSD] e informa‑o sobre a evolução destas políticas. O Alto Representante vela por que as opiniões daquela instituição […] sejam devidamente tidas em conta. Os representantes especiais podem ser associados à informação do Parlamento […]». O artigo 36.o, segundo parágrafo, TUE prossegue esclarecendo que o Parlamento «pode dirigir perguntas ou apresentar recomendações ao Conselho e ao Alto Representante. Procederá duas vezes por ano a um debate sobre os progressos realizados na execução [PESC], incluindo a [PCSD]».