CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 31 de janeiro de 2013 ( 1 )

Processo C-414/11

Daiichi Sankyo Co. Ltd

Sanofi-Aventis Deutschland GmbH

contra

DEMO Anonymos Viomichaniki kai Emporiki Etairia Farmakon

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Polymeles Protodikeio Athinon (Grécia)]

«Acordo ADPIC — Interpretação do seu efeito direto — Competência da União ou dos Estados-Membros — Patente de medicamentos — Produtos farmacêuticos e processos de fabrico — Artigo 207.o, n.o 1, TFUE — ‘Aspetos comerciais da propriedade intelectual’ — Acórdão Merck Genéricos»

1. 

No contexto de um processo nacional em que se discutem alguns problemas relativos à patenteabilidade de produtos farmacêuticos, suscitados pela entrada em vigor do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo ADPIC») ( 2 ), o Tribunal de Justiça tem oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito da competência exclusiva da União em matéria de política comercial comum [artigo 3.o, n.o 1, alínea e), TFUE], uma vez que a mesma abrange agora, por força do artigo 207.o, n.o 1, TFUE, «os aspetos comerciais da propriedade intelectual».

2. 

Esta é, na minha opinião, a questão fulcral suscitada neste processo, ou seja, saber se a referida expressão, revestida agora do caráter de competência exclusiva da União, tem uma funcionalidade diferente da que tinha anteriormente, no contexto do artigo 133.o TFUE.

3. 

Mais concretamente, o que se pretende é saber se é ou não aplicável a jurisprudência decorrente do acórdão de 11 de setembro de 2007, Merck Genéricos ( 3 ), relativa ao facto de os Estados-Membros serem, «em primeira linha, competentes» no domínio da matéria regulada no Acordo ADPIC.

4. 

As restantes questões só são submetidas tendo em vista a eventualidade de se concluir que a jurisprudência Merck Genéricos deve deixar de ser aplicável. Na medida em que me parece óbvio que apresentam menos dificuldades, a minha análise irá centrar-se na primeira delas.

5. 

Consciente da extraordinária dificuldade interpretativa suscitada pela presente questão prejudicial, como teremos oportunidade de ver, acabarei por sugerir ao Tribunal de Justiça que responda ao Polymeles Protodikeio Athinon que a matéria regulada no artigo 27.o do Acordo ADPIC («objeto patenteável»), no estádio atual de desenvolvimento do direito da União, não passou a constar do âmbito dos «aspetos comerciais da propriedade intelectual e industrial» no sentido do artigo 207.o, n.o 1, TFUE, com os consequentes efeitos relativamente à competência quanto à interpretação dessa disposição.

6. 

A título subsidiário, e no caso de o Tribunal de Justiça chegar à conclusão de que, efetivamente, lhe compete agora a interpretação do artigo 27.o do Acordo ADPIC, irei sugerir que, em conformidade com a sua jurisprudência assente, reforçada neste caso pelos termos do mandato contido na referida disposição, declare que a mesma carece de efeito direto.

7. 

Ainda assim, e no caso de o Tribunal de Justiça aceitar as razões para proceder a uma mudança na sua jurisprudência, permitir-me-ei todavia propor que declare que uma patente sobre um processo de fabrico de um produto farmacêutico não adquire a natureza acrescida de patente sobre o produto farmacêutico pelo simples facto de, à data do pedido da patente de fabrico, e estando em vigor uma proibição de patentear produtos farmacêuticos, esse pedido incluir também a patente do próprio produto.

8. 

Finalmente, seja qual for a interpretação efetuada pelo Tribunal de Justiça e no que respeita aos efeitos no tempo da sua decisão, irei sugerir que essa interpretação, dadas as especificidades do caso, não produza efeitos relativamente às situações já consolidadas por decisão judicial transitada em julgado.

I — Quadro jurídico

A — O Acordo ADPIC

9.

O artigo 27.o do Acordo ADPIC, sob o título «Objeto patenteável», dispõe o seguinte:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3, podem ser obtidas patentes para quaisquer invenções, quer se trate de produtos ou processos, em todos os domínios da tecnologia, desde que essas invenções sejam novas, envolvam uma atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no n.o 4 do artigo 65.o, no n.o 8 do artigo 70.o e no n.o 3 do presente artigo, será possível obter patentes e gozar de direitos de patente sem discriminação quanto ao local de invenção, ao domínio tecnológico e ao facto de os produtos serem importados ou produzidos localmente.

2.   Os membros podem excluir da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial no seu território deva ser impedida para proteção da ordem pública ou dos bons costumes, e inclusivamente para proteção da vida e da saúde das pessoas e animais e para preservação das plantas ou para evitar o ocasionamento de graves prejuízos para o ambiente, desde que essa exclusão não se deva unicamente ao facto de a exploração ser proibida pela sua legislação.

3.   Os membros podem igualmente excluir da patenteabilidade:

a)

Os métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de pessoas ou animais;

b)

As plantas e animais, com exceção dos microrganismos, e os processos essencialmente biológicos de obtenção de plantas ou animais, com exceção dos processos não biológicos e microbiológicos. […]»

10.

Por seu lado, e sob a epígrafe «Proteção dos objetos existentes», o artigo 70.o do Acordo ADPIC dispõe que

«1.   O presente acordo não cria obrigações relativamente a atos ocorridos antes da data de aplicação do acordo ao membro em questão.

2.   Salvo disposição em contrário do presente acordo, o presente acordo estabelece obrigações relativamente a todos os objetos existentes à data de aplicação do acordo ao membro em questão, e que sejam protegidos nesse membro na referida data, ou que satisfaçam ou venham posteriormente a satisfazer os critérios de proteção definidos no presente acordo. […]

[…]

6.   Os membros não serão obrigados a aplicar o disposto no artigo 31.o, nem o requisito previsto no n.o 1 do artigo 27.o segundo o qual os direitos de patente poderão ser obtidos sem discriminação quanto ao domínio da tecnologia, em relação à utilização sem o consentimento do titular do direito, sempre que a autorização dessa utilização tenha sido concedida pelos poderes públicos antes da data em que o presente acordo se tornou conhecido.

7.   No caso de direitos de propriedade intelectual em relação aos quais a proteção está subordinada ao registo, será permitida a alteração dos pedidos de proteção pendentes na data de aplicação do presente acordo em relação ao membro em questão, com vista a reivindicar uma proteção acrescida ao abrigo do disposto no presente acordo. Essas alterações não incluirão elementos novos.

8.   Sempre que, a partir da data de entrada em vigor do Acordo OMC, um membro não conceda a proteção ao abrigo de uma patente em relação a produtos farmacêuticos e a produtos químicos para a agricultura de acordo com as suas obrigações nos termos do artigo 27.o, esse membro:

a)

Não obstante as disposições da parte VI, facultará, a partir da data de entrada em vigor do Acordo OMC, um meio para depósito dos pedidos de patentes relativos a essas invenções;

b)

Aplicará a esses pedidos, a partir da data de aplicação do presente acordo, os critérios de patenteabilidade nele definidos, como se esses critérios fossem aplicados na data de depósito nesse membro ou, caso seja possível obter uma prioridade e a mesma seja reivindicada, na data de prioridade do pedido;

e

c) Concederá a proteção ao abrigo de uma patente em conformidade com o disposto no presente acordo a partir da concessão da patente e durante o restante período de duração da patente, calculado a partir da data de depósito conforme previsto no artigo 33.o do presente acordo, em relação aos pedidos desse tipo que satisfaçam os critérios de proteção referidos na alínea b).

[…]»

B — Legislação nacional

11.

A República Helénica ratificou a Convenção de Munique em 1986, fazendo uma reserva, na aceção do artigo 167.o, n.o 2, alínea a), da Convenção de Munique, relativamente aos produtos farmacêuticos. Nos termos do n.o 3 do artigo 167.o da Convenção de Munique, essa reserva expirou em 7 de outubro 1992.

12.

Em 1995 a República Helénica também ratificou o Acordo ADPIC.

13.

Além disso, na Grécia o domínio das patentes rege-se pela Lei n.o 1733/1987, relativa à transferência de tecnologias, às invenções, à inovação tecnológica e à criação de uma comissão para a energia atómica, em vigor desde 22 de abril de 1987.

14.

O artigo 5.o da Lei n.o 1733/1987 dispõe que podem ser objeto de patente um produto, um processo ou uma aplicação industrial, cabendo ao requerente, nos termos do artigo 7.o da mesma lei, indicar o objeto da proteção solicitada.

15.

Em conformidade com o artigo 11.o da Lei n.o 1733/1987, a duração de uma patente é de 20 anos contados a partir do dia seguinte ao do depósito do pedido de concessão da patente.

16.

O artigo 25.o, n.o 3, da Lei n.o 1733/1987 previa que, enquanto se mantivesse a reserva feita pela Grécia ex artigo 167.o, n.o 2, alínea a), da Convenção de Munique, não seriam concedidas patentes europeias a produtos farmacêuticos.

17.

Os tribunais gregos interpretaram a Lei n.o 1733/1987 no sentido de que proibia a concessão de patentes nacionais aos produtos farmacêuticos, sendo apenas autorizada a concessão de patentes para a proteção da invenção de um processo de fabrico de um produto farmacêutico. Esta restrição já existia com a Lei n.o 2527/1920, que antecedeu a Lei n.o 1733/1987, e cessou em 7 de outubro de 1992.

II — Factos

18.

A Daiichi Sankyo Co. Ltd («Daiichi Sankyo») é uma sociedade com sede em Tóquio (Japão) que foi titular de uma patente nacional concedida na Grécia em 21 de outubro de 1986 e relativa à substância química «levofloxacina hemi-hidratada», utilizada como princípio ativo em medicamentos antibióticos. O pedido da patente, depositado em 20 de junho de 1986, solicitava a proteção tanto da própria substância como do seu processo de fabrico.

19.

A patente, que caducava em 20 de junho de 2006, foi prorrogada por um certificado complementar de proteção (a seguir «CCP») nos termos do Regulamento n.o 1768/92. De acordo com o artigo 13.o desse regulamento, a validade do CCP não podia ser superior a cinco anos, de forma que a proteção concedida à Daiichi Sankyo terminou em 2011.

20.

A «levofloxacina hemi-hidratada» é utilizada como princípio ativo de um medicamento original denominado «TAVANIC», para cuja distribuição, na Grécia, a sociedade alemã Sanofi-Aventis Deutschland GmbH (a seguir «Sanofi-Aventis») dispõe de uma autorização de colocação no mercado. Essa autorização, que abrange os produtos farmacêuticos originais que tenham como princípio ativo a «levofloxacina hemi-hidratada», foi concedida pelas competentes autoridades gregas em 17 de fevereiro de 1999.

21.

Essas mesmas autoridades concederam à sociedade farmacêutica grega DEMO AVEE Farmakon (a seguir «DEMO»), com data de 22 de setembro de 2008 e 22 de julho de 2009, uma autorização de colocação no mercado de produtos farmacêuticos genéricos que tinham como princípio ativo a «levofloxacina hemi-hidratada». A DEMO colocou esses produtos no mercado com o nome «TALERIN».

22.

A Daiichi Sankyo e a Sanofi-Aventis, em 23 de setembro de 2009, intentaram uma ação contra a DEMO no órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que esta cessasse toda a comercialização do produto TALERIN ou de qualquer outro que tenha como princípio ativo a «levofloxacina hemi-hidratada», até ao termo da validade do CCP.

III — Questão submetida

23.

No âmbito do processo instaurado pela Daiichi Sankyo e pela Sanofi-Aventis, o Polymeles Protodikeio Athinon submete as seguintes questões:

«l.

O artigo 27.o do Acordo [ADPIC], que define o âmbito da proteção das patentes, está ou não incluído num domínio no qual os Estados-Membros mantêm a competência a título principal e, em caso de resposta afirmativa, os mesmos Estados-Membros têm liberdade para reconhecer efeito direto à referida disposição e o tribunal nacional pode ou não aplicar diretamente a referida disposição, nas condições previstas pela sua ordem jurídica?

2.

Nos termos do artigo 27.o do Acordo [ADPIC], os produtos químicos e farmacêuticos podem ou não ser objeto de patente, sempre que satisfaçam as condições de concessão e, em caso de resposta afirmativa, qual é o seu nível de proteção?

3.

Nos termos dos artigos 27.° e 70.° do Acordo [ADPIC], as patentes contidas na reserva constante do artigo 167.o, n.o 2, da Convenção de Munique de 1973, e concedidas antes de 7 de fevereiro de 1992, isto é, antes da entrada em vigor do referido Acordo, relativas à invenção de produtos farmacêuticos que, embora, em virtude da referida reserva, protejam apenas o seu processo de fabrico, beneficiam da proteção prevista para todas as patentes em aplicação do Acordo [ADPIC] e, em caso de resposta afirmativa, quais são o alcance e o objeto da proteção; isto é, depois da entrada em vigor do referido Acordo são protegidos também os próprios produtos farmacêuticos ou a proteção continua válida apenas para o seu processo de fabrico, ou deve distinguir-se ainda em função do conteúdo do pedido de concessão, ou seja, em função de resultar da descrição da invenção e das expectativas associadas que esse pedido se destina a obter ab initio a proteção de um produto, de um processo de fabrico ou de ambos?»

24.

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que para a decisão do processo sub iudice é necessário saber se a patente da Daiichi Sankyo apenas abrange o processo de fabrico do princípio ativo «levofloxacina hemi-hidratada» (o «processo de fabrico do produto farmacêutico») ou se também abrange o próprio princípio ativo (o «produto farmacêutico»). No segundo caso será suficiente que as demandantes no processo principal façam prova de que o TAVANIC e o TALERIN têm o mesmo princípio ativo. Pelo contrário, se o objeto da proteção fosse o processo, o facto de ambos os medicamentos terem o mesmo princípio ativo apenas implicaria a presunção de que o genérico foi fabricado com base no processo protegido pela patente, podendo a DEMO ilidir essa presunção se comprovar que o seu produto foi obtido através de um processo diferente.

25.

O Polymeles Protodikeio Athinon salienta que os produtos farmacêuticos não eram patenteáveis na Grécia antes de 7 de outubro de 1992, de forma que a patente concedida à Daiichi Sankyo em 1986 não protegia inicialmente o princípio ativo «levofloxacina hemi-hidratada» enquanto tal. Em seu entender, tal não impede, todavia, que a patenteabilidade dos produtos farmacêuticos imposta pelo artigo 27.o do Acordo ADPIC pressuponha que o princípio ativo controvertido esteja protegido pela patente da Daiichi Sankyo desde a entrada em vigor do referido acordo, sendo esta a questão sobre a qual existe divergência entre os tribunais gregos.

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

26.

A questão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2011.

27.

Apresentaram observações escritas, além da Daiichi Sankyo e da DEMO, os Governos britânico, grego, italiano e português, bem como a Comissão.

28.

Na audiência, realizada em 5 de junho de 2012, compareceram para alegações, os representantes da Daiichi Sankyo, dos Governos alemão, britânico, finlandês, grego, neerlandês, português e sueco, e da Comissão. Na notificação para a audiência, as partes tinham sido convidadas a pronunciarem-se sobre a observação escrita da Comissão referida no n.o 30 das presentes conclusões.

V — Alegações

29.

Sem invocar uma exceção de inadmissibilidade, a DEMO alega que o litígio no processo principal perdeu o objeto uma vez que, tanto a patente como o CCP se encontram caducados.

30.

Relativamente à primeira das questões submetidas, todas as partes, exceto a Comissão, alegaram nas suas observações escritas que o artigo 27.o do Acordo ADPIC se refere a um domínio no qual os Estados-Membros continuam a ter competência a título principal, de forma que a sua aplicação direta depende do que, em cada caso, decorra do respetivo direito nacional. Esta posição, baseada na jurisprudência fixada no acórdão de 11 de setembro de 2007, Merck Genéricos ( 4 ), não é partilhada pela Comissão, que defende que o fundamento dessa jurisprudência foi alterado com a entrada em vigor do TFUE, cujo artigo 207.o faz referência aos «aspetos comerciais da propriedade intelectual» (o objeto do próprio Acordo ADPIC) como um dos elementos em que se baseia a política comercial comum. Isso pressuporia que a União dispõe agora de uma competência que não tinha quando foi proferido o acórdão Merck Genéricos e que, por conseguinte, é a ela que cabe decidir se o artigo 27.o do Acordo ADPIC tem ou não efeito direto. Esta questão deve, para a Comissão, em face da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao Acordo OMC, ser decidida em sentido negativo.

31.

Notificadas as partes para se pronunciarem a esse respeito na audiência, tanto a Daiichi Sankyo como os Governos alemão, britânico, finlandês, grego, neerlandês, português e sueco se opuseram à posição defendida pela Comissão. Basicamente todos os governos concordaram em que, ultrapassando o seu título, o Acordo ADPIC tem um objeto mais amplo que «os aspetos comerciais da propriedade intelectual» a que se refere o artigo 207.o do TFUE. Por tal motivo, é necessário, em seu entender, analisar caso a caso a matéria objeto de cada uma das suas disposições, sendo assim que, no que respeita aos artigos 27.° e 70.° do Acordo ADPIC, o seu objeto se refere mais ao direito substantivo das patentes do que aos aspetos comerciais da propriedade intelectual. Na sua opinião, portanto, a situação em matéria de legislação e de competência não se alterou relativamente à existente à data em que foi proferido o acórdão Merck Genéricos, pelo que se deve continuar a atender à doutrina então aplicada. A Comissão, por seu lado, insistiu na ideia de que, após o Tratado de Lisboa, a matéria objeto do Acordo ADPIC é da competência exclusiva da União.

32.

Quanto à segunda questão, a Daiichi Sankyo e os Governos britânico, grego, italiano e português defendem que resulta claramente do teor do artigo 27.o do Acordo ADPIC que o objeto patenteável pode ser, salvaguardadas as exceções previstas nessa disposição, um produto farmacêutico enquanto tal. A Comissão, por seu lado, alega que, se se concluir que a disposição é aplicável, deve declarar-se que os produtos farmacêuticos e químicos são patenteáveis desde que satisfaçam as condições gerais de concessão de uma patente e que a extensão da proteção de que beneficiam é a constante do artigo 28.o do Acordo ADPIC.

33.

Por fim, relativamente à última questão, a Daiichi Sankyo defende que, da leitura conjugada dos artigos 27.°, n.o 1, e 70.°, n.o 2, do Acordo ADPIC, resulta que as patentes existentes à data da entrada em vigor desse acordo abrangem, a partir dessa data, os produtos farmacêuticos cuja proteção foi solicitada nos pedidos de concessão dessas patentes. Por seu lado, a DEMO e o Governo grego entendem que ambas as disposições devem ser interpretadas no sentido de que uma patente anterior à entrada em vigor do Acordo ADPIC se rege pelas regras deste a partir da sua entrada em vigor, mas não passa a abranger um produto farmacêutico que ela nunca protegeu. O Governo italiano alega que as patentes concedidas antes de 7 de fevereiro de 1992 e referentes a produtos farmacêuticos mas que, em virtude da reserva prevista no artigo 167.o, n.o 2, da Convenção de Munique, só foram concedidas para proteção do seu processo de fabrico, beneficiam, após a entrada em vigor daquele acordo, da proteção — dos produtos e dos processos — prevista para todas as patentes nos termos do Acordo ADPIC. Para este efeito, o Governo italiano alega que será necessário analisar, em cada caso, o conteúdo do respetivo pedido. O Governo português alega que a proteção conferida por uma patente é determinada pelo conteúdo do respetivo pedido, sem que, excetuado o caso do artigo 70.o, n.o 7, do Acordo ADPIC, possa requerer-se a posteriori uma extensão da proteção inicialmente solicitada. Por tal motivo, uma patente de processo concedida antes do Acordo ADPIC não pode converter-se posteriormente numa patente de produto, sendo também inadmissível qualquer reivindicação da patente de um produto enquanto estava em vigor a reserva do artigo 167.o, n.o 2, alínea a), da Convenção de Munique. O Governo britânico insiste na incompetência do Tribunal de Justiça, tendo em conta a inexistência de uma legislação substantiva da União nesta matéria, para interpretar, do ponto de vista do direito material, o artigo 27.o do Acordo ADPIC. A título subsidiário alega que, nas circunstâncias do caso em apreço, o artigo 70.o do Acordo ADPIC não permite que a patente se estenda ao produto enquanto tal. Por último, a Comissão entende que, dada a falta de efeito direto do Acordo ADPIC, a sua entrada em vigor não provocou a extensão automática aos produtos da proteção concedida aos processos.

VI — Apreciação

A — Considerações prévias

1. Sentido e alcance das questões submetidas

34.

Em primeiro lugar, o Polymeles Protodikeio Athinon pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 27.o do Acordo ADPIC «está ou não incluído num domínio no qual os Estados-Membros mantêm a competência a título principal». No caso de estar, o tribunal nacional pergunta então se os Estados-Membros estão ou não autorizados a reconhecer efeito direto àquela disposição. Por seu lado, a segunda e terceira questões referem-se especificamente à interpretação do conteúdo e aos efeitos dos artigos 27.° e 70.° do Acordo ADPIC, de forma que, ao submetê-las, o órgão jurisdicional de reenvio parte do pressuposto de que a resposta à primeira questão seja negativa; isto é, de que o artigo 27.o do Acordo ADPIC se inclua num domínio em que a competência não cabe já aos Estados-Membros mas sim à União.

35.

Na minha opinião, as três questões colocam três problemas muito concretos. Em primeiro lugar, aborda-se a questão de saber qual é a incidência do artigo 207.o TFUE na competência do Tribunal de Justiça para interpretar o Acordo ADPIC. A esta questão se refere o órgão jurisdicional de reenvio quando pergunta se o artigo 27.o do Acordo ADPIC está incluído num domínio no qual os Estados-Membros já não têm competência mas sim a União. Como se expôs no n.o 31, as alegações da Comissão a este respeito levaram o Tribunal de Justiça a notificar as partes para que, na audiência, se pronunciassem sobre a incidência do novo artigo 207.o TFUE sobre a competência para interpretar o Acordo ADPIC.

36.

Em segundo lugar, na minha opinião, a pergunta relativa à possibilidade de os produtos químicos e farmacêuticos serem objeto de patente em conformidade com o artigo 27.o do Acordo ADPIC deve ser reformulada. E isto porque, como salientaram as partes, se trata de uma pergunta cujo teor literal, não levanta dificuldades mas que tem implícita uma questão mais importante, a do efeito direto dos Acordos OMC. Mais concretamente, e como veremos, com a expressão «efeito direto» volta efetivamente a suscitar-se a questão da «invocabilidade» dos Acordos OMC no âmbito do direito da União.

37.

Por último, em terceiro lugar, e como questão diretamente relacionada com o problema em discussão no processo a quo, é perguntado se se deve entender que, como consequência direta do Acordo ADPIC, quem inicialmente tiver requerido uma patente de fabrico e uma patente de produto farmacêutico e apenas tiver obtido a primeira por ser esta a única permitida pela legislação então aplicável, também adquiriu a patente do produto A questão resume-se, assim, a saber o que deve entender-se por «objetos existentes à data da entrada em vigor do Acordo ADPIC» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, do referido acordo.

2. Pertinência da questão prejudicial

38.

Sem chegar a invocar expressamente uma exceção de inadmissibilidade da presente questão prejudicial, a DEMO referiu que, tendo caducado, tanto a patente da Daiichi Sankyo como o CCP, em seu entender, o processo principal perdeu o objeto, de forma que, seja qual for a resposta do Tribunal de Justiça, ela não afetará substancialmente a decisão que vier a ser tomada pelo órgão judicial de reenvio.

39.

A isto deve responder-se que, tal como se refere no despacho de reenvio, a legislação nacional prevê a possibilidade de, verificada a violação da patente, o seu titular poder exigir a reparação do prejuízo sofrido. Tal circunstância seria suficiente por si só para se considerar que a presente questão não carece de pertinência, uma vez que a resposta às perguntas colocadas pelo tribunal grego deve permitir, pelo menos, apurar se essa violação da patente é suscetível de fundamentar um pedido de indemnização. Assim sendo, não se trata apenas de decidir a respeito de uma violação em curso, mas de o fazer sobre uma eventual violação eventualmente cometida no passado que tenha provocado prejuízos cuja reparação confere ao interessado um direito que subsiste após o termo da validade do título jurídico que lhe permitia opor a terceiros a proteção garantida pelo direito das patentes.

B — Primeira questão: a competência do Tribunal de Justiça para interpretar o Acordo ADPIC após o Tratado de Lisboa

40.

Como já tivemos oportunidade de referir, o que está em causa no presente processo é essencialmente a questão de saber em que medida é em que o domínio regulado pelo Acordo ADPIC e, por conseguinte, a interpretação do direito correspondente, se encontra atualmente contido na competência exclusiva em política comercial enquanto «aspetos comerciais da propriedade intelectual» (artigo 207.o, n.o 1, TFUE). Resumidamente, a Comissão considera que a referida matéria é totalmente abrangida, quase por definição, no âmbito do referido artigo. Para os Estados, pelo contrário, só uma análise individualizada do conteúdo dos diversos elementos do acordo permitirá a sua qualificação como «aspeto comercial»: em todo o caso, para estes, o artigo 27.o («objeto patenteável») e, consequentemente, o artigo 70.o («objetos existentes»), ambos do Acordo ADPIC, não teriam essa natureza.

41.

Não se contesta que, à data da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a competência para interpretar o Acordo ADPIC, quer do Tribunal de Justiça, quer dos tribunais nacionais, fosse determinada pelo facto de o domínio específico em causa se incluir no âmbito das competências da União ou na esfera de competência dos Estados-Membros ( 5 ). Este critério, baseado na jurisprudência do Tribunal de Justiça desde o acórdão de 16 de junho de 1998, Hermès ( 6 ), e que continuou a ser seguido até ao acórdão Merck Genéricos, fez com que a complexidade do sistema de repartição de competências materiais entre a União e os Estados-Membros se tenha transferido, necessariamente, para o domínio da jurisdição ( 7 ).

42.

Indo ao cerne da questão, o acórdão Merck Genéricos, no seu n.o 34, declarou recentemente, no que respeita ao artigo 33.o do Acordo ADPIC, — e o mesmo poderia ter feito relativamente a muitos outros — que este «integra um domínio em que, no estádio atual de evolução do direito comunitário, os Estados-Membros continuam a ser, em primeira linha, competentes» ( 8 ). E nem é necessário especificar que a questão sub iudice não resulta do facto de a presença da propriedade intelectual na legislação da União, através da harmonização, ter sido sensivelmente alterada relativamente à situação existente quando o acórdão foi proferido, que não é o caso, mas sim da alteração produzida pelo Tratado de Lisboa no tratamento dos «aspetos comerciais da propriedade intelectual».

43.

Posta a questão nestes termos, importa assinalar que, especialmente na audiência, se perfilaram, como acabei de referir, duas posições, a da Comissão por um lado («a única voz discordante», segundo o representante da República Portuguesa na audiência) e a dos Estados-Membros intervenientes neste processo, por outro.

44.

Dito de forma sucinta, a tese dos Estados é a de que o Tratado de Lisboa não efetuou qualquer alteração na natureza de competência partilhada já existente em matéria de propriedade intelectual, atualmente incluída no artigo 4.o, n.o 2, alínea a), TFUE («mercado interno»), uma matéria harmonizada em maior ou menor medida (artigo 114.o TFUE) e agora com algumas previsões adicionais importantes, em especial a criação de uma patente unificada (artigo 118.o TFUE).

45.

Neste contexto, o artigo 207.o, n.o 1, TFUE elevaria à condição de competência exclusiva, enquanto parte integrante da política comercial comum, os aspetos comerciais da propriedade intelectual, entendidos estes como uma parte perfeitamente separável no seio da regulamentação da referida matéria, na qual não seria incluída a contida no artigo 27.o do Acordo ADPIC. A competência partilhada dos Estados nesta matéria seria assim, quanto ao restante, expressamente garantida pelo artigo 207.o, n.o 6, TFUE, que proíbe formalmente harmonizar onde tal não seja permitido pelo Tratado.

46.

Por seu lado, a tese da Comissão é a de que a redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE configura uma remissão, implícita mas nem por isso menos evidente, para a matéria regulada no Acordo ADPIC: um paralelismo tão evidente entre a redação do artigo 207.o TFUE e o título do acordo leva na prática a essa conclusão. Fundamentalmente, é esse o seu argumento e tão simples quanto isso, o de que não é possível conceber outra intenção do legislador que não a de elevar à condição de competência exclusiva da União um domínio material, os «aspetos comerciais da propriedade industrial», que o artigo 133.o CE previa de forma bastante diferente ( 9 ). Por conseguinte, o que conste — e, acrescente-se, o que possa constar — no Acordo ADPIC «é» por esse mero facto um «aspeto comercial da propriedade intelectual» na aceção do artigo 207.o, n.o 1, TFUE. Para além disso, a Comissão não parece ver nesta abordagem qualquer questão especial relativamente à natureza de competência partilhada da propriedade intelectual enquanto tal.

47.

Diga-se desde já que, de modo geral, a abordagem da Comissão goza de um particular apoio por parte da doutrina e, além do mais, muitas vezes com o mesmo argumento, isto é, o da evidência ( 10 ).

48.

Creio que, antes de iniciar a análise de cada uma das referidas posições em confronto, convém recordar, ainda que de forma muito elementar, primeiro, em que consiste o direito da propriedade intelectual e, em seguida, o que regula, inclui, ou simplesmente «é», o Acordo ADPIC.

49.

Começando pelo primeiro ponto, como declarou o Tribunal de Justiça no parecer 1/94 ( 11 ), «[o]s direitos de propriedade intelectual permitem aos seus titulares impedir terceiros de praticar determinados atos. Poder proibir a utilização de uma marca, o fabrico de um produto, a cópia de um modelo, a reprodução de um livro, de um disco ou de uma cassete vídeo tem inevitavelmente efeitos no comércio. Os direitos de propriedade intelectual estão, aliás, expressamente concebidos para produzir esses efeitos» (parecer 1/94, n.o 57).

50.

Ora, é necessário advertir desde já que a realidade jurídica da propriedade intelectual não se esgota nestes efeitos, abrangendo também, necessariamente, a sua configuração normativa enquanto direitos reconhecidos e garantidos pela ordem jurídica. Por assim dizer, o efeito económico de um instituto jurídico é precedido, como um facto autónomo, pela criação do próprio instituto e pela definição do seu estatuto ( 12 ).

51.

No que respeita ao segundo ponto, isto é, o que o Acordo ADPIC «é», há que concordar que o Acordo ADPIC representa um acordo sobre elementos mínimos comuns a nível internacional relativamente ao direito da propriedade intelectual. Como facilmente se reconhece, os signatários do acordo estabeleceram princípios básicos comuns do regime jurídico da propriedade intelectual. Assim sendo, muitas das suas disposições são disposições de base de qualquer regulamentação, nacional ou não, da propriedade intelectual ( 13 ).

52.

É evidente que o Acordo ADPIC também inclui uma multiplicidade de cláusulas respeitantes especificamente ao comércio de produtos. Os Estados referiram algumas delas na audiência. Mas há que sublinhar que estas cláusulas não constituem o núcleo nem sequer a parte mais importante do Acordo ADPIC. De qualquer forma, estas últimas não suscitam qualquer questão. Não é previsível que venha a ser contestada a competência exclusiva da União para, no âmbito da política comercial comum, concretizar cláusulas deste género, sem necessidade de qualquer intervenção do artigo 207.o, n.o 1, TFUE.

53.

O problema são as disposições substantivas, até mesmo «indiscutivelmente» substantivas, de todo o direito de propriedade intelectual que os tratados deste género incluem quase inevitavelmente e que, no caso do Acordo ADPIC, não se pode negar que constituem o seu núcleo, podendo mesmo dizer-se o seu «conteúdo essencial».

54.

Neste sentido, creio poder adiantar desde já que, pelo menos em certa medida e até um certo ponto, o fundamento da redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE aqui em causa se encontra precisamente neste género de disposições. Como acabei de referir, para legitimar a competência da União para a subscrição de cláusulas típicas do comércio externo não era necessária qualquer reforma do direito primário.

55.

Expostas as respetivas posições e o que nelas está em causa, exporei agora a minha própria análise. Neste sentido e desde logo, a minha opinião é a de que assiste razão tanto aos Estados como à Comissão.

56.

Assiste razão aos Estados. Enquanto nominalista, o argumento da Comissão é claramente insuficiente. É certo que as diferenças mínimas existentes entre a redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE e o nome do acordo não conseguem desvirtuar a tese da Comissão ( 14 ), mas só na medida da respetiva validade.

57.

E a validade deste argumento não é suficiente para fazer face às consequências da tese. Em primeiro lugar, na medida em que implica uma remissão da área de uma competência exclusiva da União para o conteúdo atual ou eventual de um determinado acordo internacional ou de outros de conteúdo semelhante, facto a que quase se poderia opor uma objeção de princípio.

58.

Na verdade, penso que o conceito «aspetos comerciais da propriedade intelectual» na aceção do artigo 207.o, n.o 1, TFUE deve ser indiscutivelmente considerado como um conceito autónomo do direito da União, cuja interpretação cabe de forma autónoma ao Tribunal de Justiça, sem que o mesmo possa ser confiado ao que, de forma mais ou menos estável ou mais ou menos coerente, resulte dos acordos — ADPIC ou outros semelhantes nos quais a União seja parte. Algo distinto é já a indiscutível dificuldade da elaboração deste conceito, tarefa na qual se começa por ter de renunciar a uma determinação abstrata ou ex ante. Em vez disso, terá que ser construído gradualmente, como irei propor para este caso.

59.

Em segundo lugar, na medida em que ignora ostensivamente o que uma interpretação sistemática da disposição revela de imediato: que a matéria da propriedade intelectual é objeto de uma competência partilhada e assim deve continuar, não só na letra do direito primário, como efetivamente acontece, mas também, como é evidente, na sua interpretação.

60.

E é claro que a inclusão total e imediata da matéria regulada no Acordo ADPIC na noção de «aspetos comerciais» tende a transferir o núcleo do direito da propriedade industrial para a competência exclusiva da União, capaz de efetuar uma espécie de harmonização «indireta» ou até mesmo de «desativar» a competência partilhada. Além disso, o entendimento da disposição como uma competência «externa» exclusiva, suscetível de coexistir com uma competência «interna» partilhada, salvaguardando o que se dirá em seguida, apenas leva a um beco sem saída.

61.

Se nos limitamos ao que nos podemos limitar, isto é, ao conteúdo do artigo 27.o do Acordo ADPIC, é claro que esta disposição, dedicada à definição do objeto protegido, e a disposição seguinte, dedicada aos «direitos conferidos», são parte essencial de qualquer regime substantivo da propriedade intelectual, à qual, antes de mais, há que definir e especificar o respetivo valor ou conteúdo. Regular o «objeto patenteável» como faz o artigo 27.o do Acordo ADPIC, é ocupar-se, na minha opinião, de um aspeto da propriedade intelectual diretamente relacionado com a disciplina do regime jurídico dos direitos que determinada ordem jurídica reconhece e garante sobre essa propriedade específica. Se se tratar aqui de um «aspeto comercial» e competência exclusiva, alguma consequência terá, seguramente, no que respeita à competência partilhada dos Estados ( 15 ).

62.

Assim, os Estados têm razão quando alegam que nem toda a matéria abrangida no Acordo ADPIC, e particularmente a contida no seu artigo 27.o, é da competência exclusiva da União. Neste sentido, é difícil não responder que a jurisprudência Merck Genéricos continua válida na sua essência.

63.

Mas a Comissão também tem, pelo menos, alguma razão. Desde logo, o argumento «[d]o evidente» gera sempre alguma insatisfação. Mas não podemos negar a influência exercida pelo próprio facto de uma instituição como a Comissão, apoiada pela doutrina, e utilizando termos de retórica, considerar a sua tese como «evidente».

64.

Neste esforço de ver a «evidência», tenho que começar por reconhecer que esta expressão peculiar, «aspetos comerciais», não teria sido acolhida no direito primário caso não existisse, há mais de uma década, um acordo internacional designado precisamente «ADPIC». Por outras palavras, como representação mental, a ligação entre a redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE e o enunciado do Acordo ADPIC é muito poderosa.

65.

Do mesmo modo, tenho que reconhecer que, a partir do momento em que nos afastamos do terreno conhecido «[d]a remissão», isto é, da remissão para o Acordo ADPIC, é de temer dificuldades interpretativas. Se admitirmos que a noção de «aspetos comerciais» tem forçosamente que ultrapassar o domínio das cláusulas especificamente comerciais para entrar no da regulamentação substantiva, dificilmente se poderão eliminar as mais básicas por serem as mais importantes. Num acordo internacional sobre os elementos mínimos comuns da identidade e qualidade da propriedade intelectual, não serão propriamente as questões secundárias as abordadas. Neste sentido, não pode haver melhor exemplo que o Acordo ADPIC.

66.

Em face do anteriormente exposto, o effet utile da mencionada expressão é claramente favorável a que determinadas normas substantivas da propriedade intelectual incluídas em acordos deste género sejam abrangidas pela redação do referido artigo. Resumindo, o artigo 207.o, n.o 1, TFUE deve acrescentar algo ao anteriormente existente. E creio que este «algo» diz respeito a disposições substantivas do direito da propriedade intelectual as quais, todavia, podem por vezes assumir uma posição «estratégica», devido à sua repercussão nas relações comerciais.

67.

Também nesta perspetiva, domínios como os regulados no artigo 27.o do Acordo ADPIC (objeto patenteável), não podem ser excluídos da influência do artigo 207.o, n.o 1, TFUE sem que de alguma forma seja posto em causa o effet utile da disposição.

68.

Fazendo um resumo das dificuldades suscitadas na situação sub iudice: a mera relevância de uma determinada disposição substantiva para o comércio internacional não é suficiente para legitimar a competência exclusiva da União para decidir relativamente à sua regulamentação. A funcionalidade não pode constituir um critério único nem sequer predominante. Torna-se imprescindível conjugá-la com a interpretação sistemática. E a interpretação sistemática diz-nos de imediato que o artigo 207.o, n.o 1, TFUE não é o único que se refere a esta matéria. A regra da interpretação sistemática impõe muito claramente um entendimento, por assim dizer, «topográfico», ou até mesmo «compartimentado», da redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE: pelo menos uma parte do direito da propriedade intelectual deve ser «resistente» ao império dos aspetos comerciais.

69.

Ora, um entendimento «topográfico» ou «compartimentado» causaria um prejuízo desproporcional ao effet utile da alteração do direito primário levada a efeito pelo artigo 207.o, n.o 1, TFUE. Do mesmo modo que um entendimento, por assim dizer, «funcional», que remeta de forma imediata e sem quaisquer reservas para o previsto, em cada caso, pelo Acordo ADPIC e outros semelhantes, aniquilaria pura e simplesmente, pelo menos potencialmente, a natureza de competência partilhada que a matéria da propriedade intelectual indubitavelmente conserva, privando-a igualmente do seu próprio effet utile.

70.

Resumindo, a lógica funcional e a lógica sistemática parecem contradizer-se de forma irresolúvel. Ambas parecem reivindicar, para a União Europeia ou para os Estados-Membros, a competência relativamente a elementos essenciais do direito da propriedade intelectual.

71.

Em face do anteriormente exposto, entendo que a razão que, como fiz notar, também assiste à Comissão, não me levará a concluir que, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a competência interpretativa de uma disposição como o artigo 27.o do Acordo ADPIC passou a caber ao Tribunal de Justiça, com a consequente necessidade de matizar a doutrina segundo a qual são os tribunais nacionais quem, a título principal, interpreta o Acordo ADPIC. Mas para isso é necessário encontrar forma de ultrapassar o dilema.

72.

Entendo que este dilema só se consegue ultrapassar averiguando quais as consequências que, sempre em termos de effet utile, decorram da opção por uma ou por outra das teses em confronto. Por outras palavras, tratar-se-ia de conseguir o maior grau possível de otimização das previsões normativas em que se apoiam uma e outra das referidas teses.

73.

Assim enunciado, este esforço de interpretação deve ser delimitado por duas diretrizes, a «espacial», por assim dizer, e a temporal. A primeira é fácil de expor: consiste em renunciar à aplicação da regra da concordância sobre o alcance da redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE ou sobre o Acordo ADPIC no seu conjunto. Para estes efeitos, pode remeter-se para o anteriormente exposto. A pergunta refere-se ao artigo 27.o do Acordo ADPIC.

74.

A delimitação temporal que, evidentemente, só se pode referir à atualidade, requer mais explicações. É certo que o artigo 207.o, n.o 1, TFUE configura uma competência tipicamente «externa», sobretudo se se analisar à luz do que era a sua versão anterior, a do artigo 133.o CE e considerando o «caveat» a nível de competências representado pelo n.o 6 do artigo 207.o TFUE. Mas tal não nos pode levar a pensar que a resposta esteja numa abordagem nos termos da qual a competência externa da União possa coexistir pacificamente com a competência interna dos Estados. A minha opinião vai sobretudo no sentido de que essa coexistência, na falta de instrumentos que definam o seu respetivo alcance, resulta, ainda que sempre a longo prazo, inviável no plano conceptual.

75.

Algo distinto são as suas possibilidades na atualidade, isto é, nas fases iniciais desta nova competência exclusiva. Entendo que é possível defender que a competência exclusiva externa da União postula um certo «eclipse» ou perda de protagonismo da competência partilhada externa dos Estados. Mas tal não pode acontecer privilegiando bruscamente a primeira relativamente à segunda.

76.

Sem nunca perder de vista o effet utile, o prejuízo que, para o effet utile do artigo 207.o TFUE, pode advir da opção de declarar que uma disposição como o artigo 27.o do Acordo ADPIC permanece no âmbito da competência dos Estados-Membros é, agora, menor que o que resultaria da opção contrária. Neste momento, a União tem pela frente um vasto campo de atuação na área da harmonização e na da criação de um título único. Pelo contrário, os Estados-Membros apenas são titulares de uma competência partilhada. Atualmente, existem assim razões válidas no sentido de evitar a adoção geral e imediata de um entendimento do artigo 207.o, n.o 1, TFUE vinculado ao conteúdo de acordos internacionais como o ADPIC. Neste sentido, para citar uma única hipótese, não parece viável uma «expulsão» geral e imediata dos Estados-Membros das negociações relativas a estes acordos.

77.

Mas também creio ser necessário garantir desde o início algum effet utile à redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE. Por outras palavras, é muito óbvio que há que afastar uma interpretação que torne praticamente inconsequente a alteração produzida no direito primário na sequência dessa disposição.

78.

Isto significa, em primeiro lugar, que, declarando-se que a propriedade intelectual continua a ser uma competência partilhada, esta deve ser interpretada de forma a facilitar o mais possível o exercício da competência exclusiva da União nos aspetos comerciais. O que levaria a evitar um entendimento dos «aspetos comerciais» excessivamente orientado pela dinâmica regra e exceção. Por outras palavras, deveria evitar uma interpretação marcadamente estrita da expressão «aspetos comerciais».

79.

Em segundo lugar, creio que o effet utile do artigo 207.o, n.o 1, TFUE poderia encontrar um meio de concretização no entendimento como um mandato implícito orientado para a harmonização progressiva em matéria de propriedade intelectual. A legitimidade da redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE seria igualmente reforçada pelos avanços efetivos no terreno da harmonização.

80.

Como uma forma de concluir a minha abordagem direi que não considero que, neste contexto, sejam úteis os «atalhos», inclusive se paradoxalmente aparecerem como «rodeios». É necessário reconhecer que o direito das patentes se deparou com dificuldades históricas para a sua harmonização no âmbito da União. E é indubitável que se pode compreender que, como reação a estas dificuldades, tenha sido possível ver na nova competência exclusiva da União um instrumento indireto para a desejada harmonização do direito de patentes. Mas se há algo em que a redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE não é ambígua é no que respeita à afirmação de que a competência exclusiva da União se refere aos «aspetos comerciais da propriedade intelectual» e não à «propriedade intelectual»tout court. Não está em discussão que continua a existir uma esfera da «propriedade intelectual» que extravasa os seus «aspetos comerciais», e para cuja harmonização a União dispõe de diversos instrumentos. Mas entre estes não se encontra o artigo 207.o, n.o 1, TFUE.

81.

Em conclusão, entendo que, especialmente no estádio atual do direito da União, o artigo 27.o do Acordo ADPIC não regula um domínio incluído nos aspetos comerciais da propriedade intelectual na aceção do artigo 207.o, n.o 1, TFUE, pelo que, relativamente à sua interpretação, continua válida a jurisprudência do Tribunal de Justiça que vincula o âmbito da competência do Tribunal de Justiça para interpretar as disposições contidas nos tratados internacionais à competência substantiva relativa ao objeto regulado.

82.

Não obstante, e para o caso de o Tribunal de Justiça chegar a uma conclusão diferente, ocupar-me-ei em seguida, a título subsidiário, da questão relativa aos efeitos daquela disposição.

C — Segunda questão: O eventual «efeito direto» do artigo 27.o do Acordo ADPIC

83.

O órgão jurisdicional de reenvio, ao perguntar se os Estados-Membros podem reconhecer «efeito direto» ao artigo 27.o do Acordo ADPIC pretende efetivamente saber se o tribunal nacional pode aplicar essa disposição do acordo. De facto, na última frase da sua primeira pergunta utiliza a expressão «aplicar diretamente».

84.

Em meu entender, é discutível se é correto recorrer à utilização da expressão «efeito direto», apesar de a mesma se ter tornado habitual. Apoiando-me, neste ponto, nas conclusões do advogado-geral M. Poiares Maduro no processo FIAMM ( 16 ), a distância existente entre o «efeito direto» dos tratados e o «efeito direto» do direito da União é tão considerável, «tanto em razão do seu conceito como do seu alcance», que entendo ser aconselhável, a fim de «evitar confusões indevidas», «usar termos diferentes para os designar e, portanto, continuar a referir apenas a possibilidade de invocar acordos internacionais» ( 17 ).

85.

Na minha opinião, a questão aqui debatida relaciona-se, antes de mais, com a invocabilidade jurisdicional do Acordo ADPIC, o que implica trazer à colação a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa à invocabilidade dos Acordos OMC. ( 18 ).

86.

Esta jurisprudência, cujas origens remontam ao acórdão de 12 de dezembro de 1972, International Fruit Company ( 19 ), foi muitas vezes reiterada e relativamente a um vasto leque de atos da OMC ( 20 ).

87.

É certo que esta abordagem não é isenta de fragilidades, como fez notar uma parte da doutrina (que critica o que considera uma conceção frágil do princípio da legalidade, a natureza política do argumento da reciprocidade ou, em suma, a falta de proteção jurídica que implica para os particulares) ( 21 ). No entanto, os argumentos dos que criticam o ponto de vista do Tribunal de Justiça merecem também diversas objeções, como também expressaram algumas vozes menos hostis à jurisprudência (que contrapõem aos críticos o facto de não se explicar o fundamento democrático das normas OMC nem se especificar o grau de juridificação a que chegou o direito comercial internacional e justificam o argumento da reciprocidade como um verdadeiro princípio constitucional ou recordam que a doutrina do efeito direto só faz sentido no contexto da criação de um mercado comum) ( 22 ).

88.

De qualquer forma, essa doutrina, como explicava o advogado-geral M. Poiares Maduro nas conclusões FIAMM ( 23 ), só admite o efeito direto da norma internacional em causa, na dupla condição «de os seus termos, a sua natureza ou a sua economia não obstarem à sua invocabilidade e de as estipulações invocadas se revelarem, na perspetiva tanto do objeto e da finalidade desse acordo como do seu contexto, suficientemente precisas e incondicionais, isto é, conterem uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de um ato posterior» ( 24 ).

89.

Na minha opinião, o artigo 27.o do Acordo ADPIC e, consequentemente, o artigo 70.o do mesmo acordo, não são «suficientemente precisos e incondicionais», isto é, não contêm «uma obrigação clara e precisa», que não esteja dependente, «na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de um ato posterior».

90.

Tal resulta, em meu entender, da prática dos tribunais nacionais que se viram confrontados com a questão da aplicabilidade direta do Acordo ADPIC.

91.

Os tribunais nacionais dispuseram até agora de competências para decidir sobre o eventual efeito direto do Acordo ADPIC no que se refere à patenteabilidade dos medicamentos e ao facto de estes poderem vir a ser abrangidos pelas patentes relativas aos respetivos processos de fabrico. É natural que a prática que tem vindo a ser seguida por esses tribunais possa ser agora extremamente útil ao Tribunal de Justiça para decidir sobre a solução a adotar a esse respeito no âmbito da União.

92.

Não há decisões judiciais a este respeito nos Estados que admitiram a patenteabilidade dos medicamentos anteriormente à década de 80 do século passado ( 25 ). O mesmo acontece naqueles cuja legislação sobre patentes é muito recente ( 26 ). Assim, a prática judicial que aqui interessa é unicamente a daqueles países que, tendo uma legislação de patentes anterior à Convenção sobre a Patente Europeia (1973) e ao Acordo ADPIC (1994), não permitiam patentear medicamentos à data da entrada em vigor destas normas internacionais. O que é perfeitamente lógico, uma vez que o artigo 70.o do Acordo ADPIC diz respeito especificamente à situação destes últimos Estados.

93.

Em três Estados-Membros (Eslovénia, Finlândia e Portugal), os respetivos tribunais decidiram que o artigo 70.o do Acordo ADPIC não é aplicável com fundamento em que o conteúdo da disposição não é suficientemente preciso.

94.

Os tribunais austríacos, espanhóis e gregos (cujos Estados adotaram a reserva do artigo 167.o da Convenção de Munique) pronunciaram-se pela aplicabilidade do artigo 70.o do Acordo ADPIC às patentes já existentes que tinham por objeto processos de fabrico de medicamentos e que, quando foram concedidas, não puderam abranger, por força da legislação nacional, o próprio medicamento.

95.

No caso espanhol, a Audiencia Provincial de Madrid (2006) e o Juzgado Mercantil n.o 3 de Barcelona (2007) decidiram que o Acordo ADPIC se aplica tanto aos pedidos de patente pendentes à data da sua entrada em vigor como às patentes já existentes. O Supremo Tribunal confirmou esta interpretação (2011), acrescentando que o Acordo ADPIC revogou os efeitos da reserva feita nos termos da Convenção de Munique.

96.

Além disso, a Audiencia Provincial de Madrid decidiu atribuir efeito direto ao n.o 7 do artigo 70.o do Acordo ADPIC (alteração de pedidos pendentes) ( 27 ).

97.

No que se refere à prática austríaca, o Supremo Tribunal (2008) reconheceu efeito direto ao Acordo ADPIC, entendendo que a proteção conferida pelo artigo 70.o do Acordo é a proteção prevista pelo direito austríaco. Aplicando o regime nacional, concluiu-se que as patentes concedidas aos processos não podiam abranger os medicamentos enquanto estes não pudessem ser objeto de patente na Áustria.

98.

No caso grego há que salientar as duas posições assumidas pelo Tribunal de Primeira Instância de Atenas que, em 2009, admitiu que o Acordo ADPIC tem efeitos retroativos, de forma que todos os pedidos de patentes de medicamentos são retroativamente válidas desde 9 de fevereiro de 1995 e por um período de 20 anos a contar da data do seu depósito. Todavia, em 2011 reconsiderou esta posição declarando que a retroatividade exigiria a existência de um título válido e vigente desde o início.

99.

Assim sendo, as soluções logradas nos Estados-Membros estão longe de ser homogéneas, o que coloca o Tribunal de Justiça na contingência de adotar uma solução com base em critérios próprios.

100.

Em meu entender, a competência reconhecida à União para se pronunciar sobre o efeito dos artigos 27.° e 70.° do Acordo ADPIC só se pode traduzir, por definição, na necessidade de concluir que esse efeito não pode ser, em caso algum, direto. E isto por duas razões.

101.

Em primeiro lugar, por uma razão inerente ao direito da União no estádio atual do seu desenvolvimento. Em segundo lugar, por uma razão que resulta do próprio conteúdo do artigo 27.o do Acordo ADPIC.

102.

No que respeita à primeira razão, basta referir que o artigo 27.o do Acordo ADPIC vem estabelecer determinados princípios e critérios de «patenteabilidade» que, obviamente, se destinam ao poder público responsável pela legislação material sobre o direito das patentes. Não é necessário analisar aqui qual deve ser esse poder público, basta declarar que tem que existir uma atuação legislativa.

103.

Em meu entender, o artigo 27.o do Acordo ADPIC constitui efetivamente um mandato ao legislador competente em matéria de patentes, a quem impõe a obrigação de instituir um regime de patentes que preveja, em princípio, e no que aqui interessa, a «patenteabilidade» dos medicamentos. Se o legislador competente a título principal, do ponto de vista material, continua a ser o nacional, a União só poderia, sendo caso disso, fazer derivar daquele mandato, a contrario, um direito dos particulares a que os Estados-Membros admitam a patente de medicamentos sempre que não tenham salvaguardado a possibilidade de excluir a «patenteabilidade» de determinadas invenções por razões de ordem pública, bons costumes, proteção da saúde, da vida ou do ambiente (n.o 2 do artigo 27.o). Se, pelo contrário, a competência em questão for agora da União, aquele mandato será destinado às suas instituições ( 28 ).

104.

Concluindo, o artigo 27.o do Acordo ADPIC, conjugado com o artigo 70.o do mesmo acordo, não tem, na minha opinião, efeito direto, no sentido de que não se trata de uma disposição que possa ser invocada diretamente pelos particulares, quer seja contra os poderes públicos, quer seja, como neste caso, contra outros particulares.

105.

No entanto, e para o caso de o Tribunal de Justiça chegar a uma conclusão diferente, abordarei ainda a terceira das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

D — Terceira questão: interpretação de «objeto existente à data da entrada em vigor do Acordo ADPIC» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, desse acordo

106.

Antes de mais, convém não esquecer que uma patente sobre um produto e uma patente sobre um processo são coisas diferentes, sujeitas a condicionamentos diferentes. Nota-se uma certa intenção de defender que «o objeto» existente no caso de uma patente de processo engloba já, de certa forma, o próprio produto. Mas basta referir a diferença de proteção. Nos termos do artigo 28.o, n.o 1, do Acordo ADPIC a patente de «produto» é mais vantajosa para o seu titular, uma vez que lhe permite impedir os concorrentes de «fabricar, utilizar, pôr à venda, vender ou importar». Pelo contrário, uma patente de «processo» não permite impedir que os concorrentes fabriquem o mesmo produto mediante um processo diferente ( 29 ).

107.

De qualquer forma, a esta questão pode responder-se, desde logo, utilizando as considerações que acabo de tecer relativamente à necessidade de desenvolvimento legislativo.

108.

Afinal, o que está em causa no processo principal é saber se, em virtude da aplicação conjugada dos artigos 27.° e 70.° do Acordo ADPIC, a entrada em vigor deste acordo permite que a patente concedida para um processo, quando não era possível patentear um medicamento, seja alargada a este assim que deixe de existir a proibição que o impedia e não obstante a qual também se tinha pedido a patente do produto.

109.

Neste ponto é necessário ter em conta que, no caso da Grécia, a impossibilidade de patentear medicamentos resultava unicamente da reserva ex artigo 167.o da Convenção de Munique, cuja expiração possibilitou novamente a aplicação da legislação nacional que permitia a patente de medicamentos antes de a reserva ser feita. Uma vez expirada esta reserva, em 7 de outubro de 1992, nada impedia de efetuar um pedido de patente de medicamentos, sem necessidade de recorrer ao mecanismo previsto no n.o 8 do artigo 70.o do Acordo ADPIC.

110.

Com efeito, essa disposição prevê que «[s]empre que, a partir da data de entrada em vigor do Acordo OMC, um membro não conceda a proteção ao abrigo de uma patente em relação a produtos farmacêuticos e a produtos químicos para a agricultura de acordo com as suas obrigações nos termos do artigo 27, esse membro […], facultará a partir da data de entrada em vigor do Acordo OMC, um meio para depósito dos pedidos de patentes relativos a essas invenções […]».

111.

À data de entrada em vigor do Acordo ADPIC, na Grécia, não era necessário facultar «um meio para depósito dos pedidos de patentes» de medicamentos, uma vez que, como já referi, cessados os efeitos da reserva ex artigo 167.o da Convenção de Munique, era totalmente aplicável o regime geral de patentes vigente na Grécia anteriormente à referida reserva e esse regime não excluía a «patenteabilidade» dos medicamentos.

112.

Ora, em meu entender, do n.o 8 do artigo 70.o do Acordo ADPIC resulta que esse acordo parte do princípio de que em todo e qualquer caso deve existir um pedido expresso de patente. Esse pedido será processado pelos meios exigidos pelo n.o 8 ou pelos meios normais das patente quando a legislação nacional não necessita de alargar aos medicamentos o regime geral, sendo este, justamente, o caso da Grécia.

113.

Por conseguinte, entendo que o Acordo ADPIC não prevê, em caso algum, a espécie de «extensão automática» da patente de um processo à de um produto farmacêutico pretendida pela Daiichi Sankyo. O mesmo acontece com a possibilidade de «concessão diferida» da patente de um medicamento pedida numa data em que não era possível ser concedida. Em suma, por razões de segurança que considero elementares num domínio tão sensível como o da patente e consequente comercialização de medicamentos, deve interpretar-se que a patente atribuída a um produto farmacêutico exige um processo específico de análise e controlo iniciado a partir de um pedido expresso.

114.

Em conclusão, na hipótese de o Tribunal de Justiça entender que é competente para a interpretação do artigo 27.o do Acordo ADPIC — e, consequentemente, do artigo 70.o do mesmo acordo —, e que a referida disposição é de aplicação direta, proponho que se declare que a mera entrada em vigor do referido acordo não teve como consequência que quem, nessa data, fosse detentor de patentes sobre a produção de um produto farmacêutico nos termos de uma legislação que não permitia patentear os próprios produtos farmacêuticos, tenha adquirido uma patente sobre o próprio produto, inclusivamente no caso de à data do pedido de patente sobre o processo ter depositado um pedido de patente sobre o próprio produto.

VII — Efeitos no tempo

115.

Na minha análise subsidiária da interpretação do Acordo ADPIC que é pedida ao Tribunal de Justiça não pode faltar uma observação relativa à aplicação no tempo dos efeitos da sua decisão, e isto seja qual for o sentido da resposta dada à terceira questão.

116.

Em primeiro lugar há que chamar a atenção para a existência, em todo o caso, de um limite mínimo: a data de entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

117.

Na minha opinião, é evidente que a decisão do Tribunal de Justiça só podia referir-se aos efeitos da disposição a partir de 1 de dezembro de 2009, isto é, a partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, cujos artigos 3.° e 207.° atribuiriam à União a competência que legitima o Tribunal de Justiça a proferir aquela decisão.

118.

Com efeito, até esse momento, os Estados-Membros, em virtude da jurisprudência do próprio Tribunal de Justiça, eram os únicos competentes para decidir se disposições como o artigo 27.o do Acordo ADPIC podiam ou não produzir efeito direto nas respetivas ordens jurídicas nacionais.

119.

A alteração decorrente da nova repartição de competências prevista no Tratado de Lisboa faz com que os Estados-Membros se encontrem agora privados do poder de decisão dessa questão. Mas é evidente, ainda que apenas por uma razão de coerência, que os efeitos entretanto produzidos nas ordens jurídicas nacionais não podem ser prejudicados por causa da solução adotada a esse respeito pelos seus respetivos tribunais.

120.

A decisão a tomar pelo Tribunal de Justiça não pode, portanto, produzir qualquer efeito relativamente às situações jurídicas criadas no âmbito material a que se refere o artigo 27.o do Acordo ADPIC antes de 1 de dezembro de 2009.

121.

Mas isto pode não ser suficiente: a enorme litigiosidade resultante, a sua diversidade, em grande parte já resolvida, justificam que se tenham em conta considerações muito elementares de segurança jurídica. Em meu entender, dada a justificada incerteza que até hoje tem existido acerca da dimensão da alteração decorrente do Tratado de Lisboa nesta área — como comprova esta mesma questão prejudicial e o debate gerado a esse respeito entre as partes — a decisão do Tribunal de Justiça sobre o efeito, direto ou indireto, do artigo 27.o do Acordo ADPIC só deveria produzir efeitos a partir da data de publicação do acórdão que, concluindo este processo, o declare. De qualquer modo, deverá ficar garantida a intangibilidade das decisões judiciais já transitadas em julgado à data da publicação do acórdão do Tribunal de Justiça que ponha termo a este processo. Na minha opinião, verificam-se neste caso as «considerações imperiosas de segurança jurídica» que, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, justificam que este exerça «um poder de apreciação» com vista a salvaguardar o caráter definitivo das decisões proferidas anteriormente a uma decisão que, como seria aqui o caso, altera o contexto normativo vigente de uma forma radical e, em certa medida, inesperada ( 30 ).

VIII — Conclusão

122.

Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão submetida nos seguintes termos:

A — A título principal

«1)

O artigo 27.o do Acordo ADPIC, que define o âmbito de proteção das patentes, está incluído num domínio no qual os Estados-Membros mantêm a competência a título principal.

2)

Consequentemente, não importa proferir uma decisão sobre as restantes questões submetidas pelo Polymeles Protodikeio Athinon.»

B — A título subsidiário

Na hipótese de o Tribunal de Justiça entender que o artigo 27.o do Acordo ADPIC está incluído num domínio no qual a União é competente a título principal e que, por conseguinte, compete ao próprio Tribunal de Justiça decidir se a disposição tem ou não efeito direto:

«O artigo 27.o do Acordo ADPIC não tem efeito direto.»

C — Ainda a título subsidiário

Na hipótese de o Tribunal de Justiça entender que o artigo 27.o do Acordo ADPIC — e, consequentemente, o artigo 70.o do mesmo acordo — é de aplicação direta:

«A mera entrada em vigor do Acordo ADPIC não teve como consequência que, quem, nessa data, fosse detentor de patentes sobre a produção de um produto farmacêutico nos termos de uma legislação que não permitia patentear os produtos farmacêuticos, tenha adquirido uma patente sobre o próprio produto, inclusivamente no caso de, à data do pedido de patente sobre o processo, ter depositado um pedido de patente sobre o produto farmacêutico.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Anexo 1C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «Acordo OMC»), assinado em Marraquexe em 15 de abril de 1994 e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994) (JO L 336, p. 1).

( 3 ) Processo C-431/05 Colet., p. I-7001.

( 4 ) Processo C-431/05, Colet., p. I-7001.

( 5 ) Merck Genéricos, n.os 46 e 47.

( 6 ) Processo C-53/96, Colet., p. I-3603.

( 7 ) Nas palavras de Piet Eeckhout, EU External Relations Law, 2.a ed., Oxford University Press, Oxford, 2011, p. 279, «[i]f competence is the criterion for jurisdiction, the latter will be the hostage of the complexity of the former.»

( 8 ) O sublinhado é meu.

( 9 ) Contrariamente ao anterior artigo 133.o CE (pós-Nice), o artigo 207.o TFUE permite abranger especificamente «os aspetos comerciais da propriedade intelectual e industrial» entre as matérias relativamente às quais «[a] política comercial comum assenta em princípios uniformes», sendo que o artigo 133.o, n.o 5, CE, se limitava a estabelecer que o disposto nos seus n.os 1 a 4 era igualmente aplicável «à negociação e à celebração de acordos nos domínios do comércio de serviços e dos aspetos comerciais da propriedade intelectual, na medida em que os referidos acordos não [estivessem] abrangidos por esses números», o primeiro dos quais preceituava que a política comercial comum assentava em princípios uniformes. O artigo 133.o CE já abrangia assim, nessa matéria e por princípio, a dimensão externa dos aspetos comerciais da propriedade intelectual. Simplesmente, o artigo 207.o TFUE efetua essa inclusão de forma direta e integral, indo além da mera dimensão externa. Neste sentido, a advogada-geral J. Kokott entendeu, nas suas conclusões no processo Comissão/Conselho (C-13/07, n.o 63), que, nos termos do disposto no artigo 133.o, n.o 5, CE, a Comunidade não adquiriu «uma competência exclusiva […] nos domínios do comércio de serviços e dos aspetos comerciais da propriedade intelectual», mas que «este passo apenas é dado no Tratado de Lisboa: artigo 207.o, n.o1, do TFUE passa expressamente a equiparar os ‘novos’ domínios da política comercial aos domínios clássicos, e a política comercial comum no seu todo é expressamente enquadrada nas competências exclusivas da União [artigo 3.o, n.o 1, alínea e), do TFUE]». No entanto, isso não significa defender que o artigo 207.o TFUE tenha atribuído à União uma competência exclusiva quanto ao direito da propriedade intelectual.

( 10 ) V., nomeadamente, Eeckhout, P., EU External Relations Law, já referido na nota 10, p. 285; Dimopoulos, A., «The Common Commercial Policy after Lisbon: Establishing parallelism between internal and external economic relations?», em Croatian Yearbook of European Law and Policy, vol. 4 (2008), pp. 108 e 109; Hahn, M., «Artigo 207.o», em: Callies, Ch./Ruffert, M., EUV/AEUV, 4.a ed., Ch. Beck, Munique, 2011, n.os 2 e 16.

( 11 ) Parecer de 15 de novembro de 1994 (Colet., p. I-5267)

( 12 ) A prova da medida em que a propriedade (especialmente a intelectual) está intimamente ligada ao comércio — ou, preferindo-se, em que os seus «aspetos comerciais» podem considerar-se determinantes do seu conceito — surge-nos precisamente no próprio Acordo ADPIC. Como resulta do historial interno da sua elaboração, as partes contratantes não entendiam nos mesmos termos o alcance da expressão «aspetos relacionados com o comércio», pois enquanto os Estados em vias de desenvolvimento defendiam um entendimento estrito (centrado, por assim dizer, no puramente «comercial»), os Estados desenvolvidos defendiam a necessidade de um conceito mais amplo, abrangendo a própria disciplina da propriedade intelectual, na perspetiva de que uma proteção insuficiente da propriedade prejudica inevitavelmente o comércio. V., por exemplo, Negotiating Group on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, including Trade in Counterfeit Goods, Meeting of 25 March 1987, MTN.GNG/NG11/1, §§ 6 e segs. Meeting of the Negotiating Group of 10 June 1987, MTN.GNG/NG11/2, §§ 4-5. Negotiating Group on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, including Trade in Counterfeit Goods, Suggestion by the United States for Achieving the Negotiating Objetive, MTN.GNG/NG11/W/14. De certa forma, como veremos, ambas as posições acabaram por vingar: a primeira, dando título ao acordo; a segunda, determinando o seu conteúdo. O processo de negociação do Acordo ADPIC e a inclusão da propriedade intelectual no foro do GATT encontram-se descritos em H. P. Hestermeyer, Human Rights and the WTO, Oxford, OUP, 2007, pp. 33 a 48.

( 13 ) Convém recordar que, como se declarou no parecer 1/94, n.o 58, o Acordo ADPIC tem como principal objetivo «reforçar e harmonizar a proteção da propriedade intelectual à escala mundial», e que a sua conclusão, na medida em que «fixa regras em domínios em que não existem medidas de harmonização comunitária, […] permitiria realizar simultaneamente uma harmonização no interior da Comunidade e, com isso, contribuir para a criação e funcionamento do mercado comum.»

( 14 ) É evidente a falta de coincidência literal entre o título do acordo («sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio») e a redação do artigo 207.o, n.o 1, TFUE («aspetos comerciais da propriedade intelectual»). Neste sentido, Krajewski, M., «The Reform of the Common Commercial Policy», em: Biondi, A./Eeckhout, P./Ripley, S., EU Law After Lisbon, Oxford University Press, Oxford, 2012, p. 301.

( 15 ) A «patenteabilidade» é uma qualidade relativa às condições exigidas a um produto ou a um processo para poder ser objeto de um direito protegido. A criação e a regulamentação dessas condições são atos normativos claramente inscritos no domínio do direito substantivo ou material das patentes, isto é, num domínio relativo à sua «constituição» como realidades jurídicas suscetíveis de comércio e, por conseguinte, capazes de produzir, nesse domínio, determinados efeitos (comerciais) a cuja regulação se consagram, não todas mas uma grande parte das disposições do Acordo ADPIC.

( 16 ) Processos apensos C-120/06 P e C-121/06 P (FIAMM e o./Conselho e o., Colet., p. I-6513).

( 17 ) Conclusões C-120/06 P e 121/06 P, n.o 31.

( 18 ) Convém lembrar a tradicional recusa do Tribunal de Justiça em reconhecer o efeito direto (a invocabilidade) das normas da OMC (tanto dos tratados concluídos no âmbito desta organização como das decisões dos seus organismos). Uma recusa cujo fundamento reside na natureza flexível do sistema OMC, que o priva de um sistema jurídico suficientemente sofisticado para beneficiar do efeito direto no direito da União. Tanto o GATT como posteriormente a OMC configuram um compromisso político sujeito à manutenção de um equilíbrio entre as partes, obtido através de negociações diplomáticas. Para uma análise geral desta linha jurisprudencial, v. I. Blázquez Navarro, Integración europea y diferencias comerciales en la OMC, Marcial Pons, Madrid, 2007, pp. 357 e segs.

( 19 ) Processos apensos 21/72 a 24/72, Colet., p. 1219.

( 20 ) Chegaram mesmo a ser decididas por despacho algumas questões prejudiciais sobre o problema, com base no anterior artigo 104.o do Regulamento de Processo. Assim, despacho de 2 de maio de 2001, OGT Fruchthandelsgesellschaft (C-307/99, Colet., p. I-3159).

( 21 ) V., entre muitos outros, S. Griller, «Judicial Enforceability of WTO Law in European Union», Journal of International Economic Law, 3(3) 2000; J.-V. Louis, «Some Reflections on the Implementation of WTO Rules in the European Community Legal Order», em M. Bronckers e R. Quick (eds.), New Directions in International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson, La Haya — Londres — Boston, Kluwer Law International, 2000.

( 22 ) Por exemplo, A. von Bogdandy, «Legal Effects of World Trade Organisation Decisions Within European Union Law: A Contribution to the Theory of the Legal Acts of Internacional Organizations and the Action for Damages Under Article 288(2) EC», em Journal of World Trade, 39 (19) 2005.

( 23 ) Conclusões C-120/06 P e 121/06 P, n.os 27 a 41.

( 24 ) Conclusões C-120/06 P e 121/06 P, n.o 27, onde se citam, entre outros, os acórdãos de 29 de abril de 1982, Pabst & Richard (17/81, Colet., p. 1331, n.o 27), e de 26 de outubro de 1982, Kupferberg (104/81, Colet., p. 3641, n.os 22 e 23).

( 25 ) Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Reino Unido e Suécia.

( 26 ) Bulgária, Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia, República Checa e Roménia.

( 27 ) Após a decisão da Audiencia Provincial (Ratiopharm), o Instituto Europeu de Patentes emitiu dois comunicados (4 e 7/2007) nos quais afirmava: a) Compete aos tribunais espanhóis decidir se as disposições transitórias do Acordo ADPIC são diretamente aplicáveis em Espanha; b) O n.o 7 do artigo 70.o do acordo só se aplica, por definição, aos pedidos pendentes; c) Os n.os 1 e 3 do artigo 70.o do acordo estabelecem claramente que o acordo não tem efeitos retroativos; e, d) O artigo 123.o da Convenção de Munique não permite obter a proteção do acordo uma vez concedida a patente e durante o período de oposição. Para o Instituto, o pedido de patente depositado antes de expirada a reserva feita por Espanha pode ser ampliado, enquanto estiver pendente, para obter a proteção prevista pelo Acordo ADPIC, designadamente pelo seu artigo 27.o, n.o 1. Por seu lado, a OMC entende que o artigo 70.o do acordo não tem efeitos retroativos mas aplica-se às patentes existentes (as que resultam de atos consumados antes da entrada em vigor do acordo).

( 28 ) A situação acaba por ser a mesma que levou o advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer a concluir, no processo Merck Genéricos, que o artigo 33.o do Acordo TRIPS não tinha efeito direto.

( 29 ) V. C. M. Correa, Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights, Oxford, OUP, 2007.

( 30 ) Neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C-409/06, Colet., p. I-8015n.o 67). É também oportuna a citação das conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo Banca Popolare di Cremona (acórdão de 3 de outubro de 2006, C-475/03, Colet., p. I-9373).