CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 27 de junho de 2012 ( 1 )

Processo C-245/11

K

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Asylgerichtshof (Áustria)]

«Regulamento (CE) n.o 343/2003 — Determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado-Membro por um nacional de um país terceiro — Artigo 3.o, n.o 2 — Cláusula de soberania — Artigo 15.o — Cláusula humanitária — Aplicação do Regulamento n.o 343/2003 em conformidade com os direitos fundamentais — Artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Proibição da tortura e de tratos ou penas desumanos ou degradantes — Artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Respeito pela vida privada e familiar»

I — Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial do Asylgerichtshof (tribunal para os refugiados) austríaco tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ( 2 ). Através da primeira questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se um Estado-Membro, em aplicação da chamada «cláusula humanitária», consagrada no artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, pode ser obrigado a analisar um pedido de asilo mesmo sem que lhe tenha sido dirigido um pedido de análise pelo Estado-Membro responsável segundo as regras gerais, quando naquele primeiro Estado-Membro, que se substitui ao segundo na análise, se encontram membros da família do requerente de asilo que necessitam dos cuidados deste. O órgão jurisdicional de reenvio, através da segunda questão prejudicial, pergunta se o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 pode fazer nascer uma obrigação de intervenção, para efeitos de análise do pedido de asilo, na esfera de um Estado-Membro que à partida não é responsável, quando a responsabilidade de um outro Estado-Membro, tal como em princípio brotaria do regulamento, conduziria a uma violação do artigo 3.o ou do artigo 8.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH») ou do artigo 4.o ou do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta dos Direitos Fundamentais» ou «CDF»). Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda saber em que sentido se tem de tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), neste contexto.

II — Quadro jurídico

A — Carta dos Direitos Fundamentais

2.

O artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, sob a epígrafe «Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes», dispõe o seguinte:

«Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

3.

O artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, sob a epígrafe «Respeito pela vida privada e familiar», determina o seguinte:

«Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.»

B — Regulamento n.o 343/2003

4.

O artigo 2.o, alínea i), do Regulamento n.o 343/2003 determina o seguinte:

«Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

[…]

i)

“Membros da família”: inclui, desde que a família tenha sido constituída previamente no país de origem, os seguintes membros do grupo familiar do requerente, presentes no território do Estado-Membro:

i)

o cônjuge do candidato a asilo ou o seu/sua companheiro(a) numa relação duradoura, se a legislação ou prática do Estado-Membro em questão tratar de forma comparável os casais que contraíram e os casais que não contraíram matrimónio, ao abrigo da respetiva legislação sobre estrangeiros;

ii)

os filhos menores dos casais mencionados no ponto i) ou do requerente, desde que sejam solteiros e estejam a seu cargo, independentemente de terem nascido do casamento ou fora dele, ou os adotados, nos termos do direito nacional;

iii)

o pai, a mãe ou o tutor, se o requerente ou refugiado for menor e solteiro;

[…]»

5.

O artigo 3.o do Regulamento n.o 343/2003 estatui:

«1.   Os Estados-Membros analisarão todo o pedido de asilo apresentado por um nacional de um país terceiro a qualquer dos Estados-Membros, quer na fronteira, quer no território do Estado-Membro em causa. O pedido de asilo é analisado por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.

2.   Em derrogação do n.o 1, cada Estado-Membro tem o direito de analisar um pedido de asilo que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento. Nesse caso, este Estado torna-se o Estado responsável, na aceção do presente regulamento, e assume as obrigações inerentes a essa responsabilidade. Se for caso disso, informará o Estado-Membro anteriormente responsável, aquele que conduz o processo de determinação do Estado responsável ou aquele que foi requerido para efeitos de tomada ou retomada a cargo.

[…]»

6.

O artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 determina o seguinte:

«1.   Mesmo que não seja responsável em aplicação dos critérios definidos no presente regulamento, qualquer Estado-Membro pode reunir membros de uma família, bem como outros familiares dela dependentes, por razões humanitárias, baseadas nomeadamente em motivos familiares ou culturais. Nesse caso, esse Estado-Membro analisará o pedido de asilo da pessoa em questão, a pedido de outro Estado-Membro. As pessoas interessadas terão de dar o seu consentimento.

2.   Nos casos em que a pessoa em causa seja dependente da assistência da outra, devido a encontrar-se grávida ou ter dado à luz recentemente, ou ser portadora de doença ou deficiência grave ou ser de idade avançada, os Estados-Membros manterão, por norma, juntos ou reunirão o candidato a asilo e um membro da sua família que se encontre no território de um dos Estados-Membros, desde que os laços familiares existissem já no país de origem.

[…]

4.   Se o Estado-Membro requerido aceder a este pedido, será transferida para este a responsabilidade pela análise do pedido.

[…]»

III — Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

7.

A recorrente no processo principal (a seguir «recorrente») entrou ilegalmente na Polónia, onde apresentou um primeiro pedido de asilo. A recorrente abandonou este Estado-Membro, sem aguardar pelo final do processo, e entrou ilegalmente na Áustria, onde apresentou um segundo pedido de asilo.

8.

Um filho da recorrente mora na Áustria com a sua mulher e os filhos menores de ambos.

9.

O referido cônjuge-mulher sofreu uma experiência bastante traumatizante há vários anos, num país terceiro, o que confidenciou à recorrente.

10.

A recorrente é a única pessoa na família que tem conhecimento desta experiência traumatizante e é a conselheira e confidente mais próxima da sua nora.

11.

Se a experiência traumatizante da nora for descoberta, esta corre o perigo de ser gravemente maltratada ou até assassinada, supostamente para repor a honra da família.

12.

A nora encontra-se sob tratamento psiquiátrico, psicoterapêutico e médico permanente. É tratada com medicamentos fortes e sofre de múltiplos problemas de saúde.

13.

Por causa das suas doenças, a nora não é capaz de realizar a lide da casa e, além disso, não tem capacidade para cuidar dos seus filhos, pelo que existe o risco de que a Jugendschutzbehörde (autoridade austríaca para a proteção de menores) ordene a entrega dos filhos aos cuidados de terceiros. Esta medida foi suspensa depois da chegada da recorrente.

14.

A recorrente, depois de ter chegado à Áustria, viveu por algum tempo com a família do seu filho. Atualmente, a recorrente já não vive em economia comum com a nora e os netos.

15.

O Bundesasylamt (departamento federal para os refugiados) declarou inadmissível o pedido de asilo apresentado pela recorrente na Áustria, com o fundamento de que a Polónia é que é o Estado-Membro competente. A Polónia, no seguimento de um pedido nesse sentido apresentado pela Áustria, aceitou tomar a recorrente a seu cargo. O objeto do processo que corre termos junto do órgão jurisdicional de reenvio é o recurso interposto pela recorrente da decisão que julgou inadmissível o pedido de asilo por si apresentado.

16.

Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas acerca da aplicação do artigo 15.o e do artigo 3.o do Regulamento n.o 343/2003 a um caso como aquele que está em discussão no processo principal, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões, para decisão a título prejudicial:

«1.

Deve o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro que, à partida, não seja responsável, segundo as regras dos artigos 6.° a 14.° deste regulamento, pela condução do processo de uma requerente de asilo, passa obrigatoriamente a ser responsável quando nele se encontram a nora dessa pessoa, que sofre de uma doença grave e está em perigo por motivos culturais, ou os seus netos menores que necessitam de cuidados devido à doença da nora, e quando a requerente de asilo está disposta a prestar assistência à nora ou aos netos e tem condições para o fazer? Esta interpretação também é aplicável quando não tenha sido apresentado, pelo Estado-Membro que à partida é responsável, o pedido de análise do requerimento de asilo a que se refere o artigo 15.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 343/2003?

2.

Deve o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 ser interpretado no sentido de que, numa situação como a descrita na primeira questão, se opera uma transferência de responsabilidade para um Estado-Membro que à partida não é responsável, quando, de outro modo, a responsabilidade do Estado designado segundo as regras do Regulamento n.o 343/2003 constituiria uma violação do artigo 3.o ou do artigo 8.o da CEDH (artigos 4.° ou 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da UE)? Nessa situação, e em caso de interpretação e aplicação incidentais do artigo 3.o ou do artigo 8.o da CEDH (artigos 4.° ou 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da UE), os conceitos de ‘tratamento desumano’ ou de ‘família’ podem ser aplicados num sentido diferente, isto é, mais abrangente do que o sentido consagrado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem?»

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.

A decisão de reenvio prejudicial, datada de 20 de maio de 2011, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de maio de 2011. Apresentaram observações escritas a recorrente, a República Checa, a República da Polónia, a República da Áustria, a República da Hungria, a República Italiana, a República Francesa, o Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia. Na audiência realizada no dia 8 de maio de 2012 participaram os mandatários judiciais da recorrente, da República da Áustria e da Comissão.

V — Pedidos das partes

18.

Em resposta às questões prejudiciais, os Governos checo e austríaco defendem que o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 não se aplica quando o candidato a asilo já se encontra no território nacional do Estado-Membro no qual deseja o reagrupamento com membros da sua família e no qual apresentou um pedido de asilo. Afirmam que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, diferentemente, regula os casos em que o candidato a asilo se encontra no território nacional de um Estado-Membro que não é responsável, nos termos do capítulo III do regulamento. Deste modo, ao presente caso aplica-se apenas o artigo 3.o, n.o 2, do regulamento. Também os Governos francês, húngaro, do Reino Unido e italiano entendem que num caso como o presente se aplica exclusivamente o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, mas fundamentam a sua posição com a falta de pedido de análise por parte do Estado-Membro competente. No tocante à aplicação do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, os Governos francês e húngaro entendem que, segundo o artigo 3.o, n.o 2, o direito de intervenção constitui em regra um direito potestativo dos Estados-Membros, mas que o seu exercício pode tornar-se obrigatório, em caso de violação da Carta dos Direitos Fundamentais ou da CEDH. Já os Governos checo, do Reino Unido, e italiano entendem que as decisões adotadas dentro da margem de apreciação dos Estados-Membros, consagrada no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, que lhes permite intervir na análise de um pedido de asilo, não estão sujeitas ao direito da União. Não obstante, os Governos checo e do Reino Unido realçam que os Estados-Membros da União Europeia, enquanto Estados contratantes da CEDH, estão obrigados a respeitar este acordo internacional.

19.

O Governo polaco, a Comissão e a recorrente, na resposta à primeira questão prejudicial, partem do princípio de que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 é aplicável a um caso como o que se discute no processo principal. Enquanto o Governo polaco, em resposta à segunda questão prejudicial, defende que os Estados-Membros são completamente livres no quadro da margem de apreciação que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 lhes concede, já a Comissão e a recorrente consideram possível constituir-se uma obrigação de análise em caso de violações dos direitos fundamentais.

VI — Apreciação jurídica

20.

O órgão jurisdicional de reenvio, através do seu pedido de decisão prejudicial, solicita esclarecimentos acerca da aplicação tanto da «cláusula de soberania», prevista no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, como da «cláusula humanitária», prevista no artigo 15.o do mesmo regulamento, num caso como aquele que está em discussão no processo principal.

21.

Analisarei, seguidamente, os objetivos do Regulamento n.o 343/2003 e a inserção do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 15.o nesse mesmo regulamento. Partindo desta base, passarei a responder em concreto às duas questões prejudiciais.

A — Objetivos do Regulamento n.o 343/2003 e inserção do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 15.o no Regulamento n.o 343/2003

1. Principais objetivos do Regulamento n.o 343/2003

22.

Através do Regulamento n.o 343/2003 procedeu-se à substituição da Convenção sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado-Membro das Comunidades Europeias, assinada em Dublim em 15 de junho de 1990 ( 3 ) (a seguir «Convenção de Dublim»).

23.

A Comissão, logo na sua Proposta de regulamento, de 26 de julho de 2001, expôs detalhadamente os principais objetivos do que viria a ser o Regulamento n.o 343/2003 ( 4 ). Salienta-se aí, no ponto 2.1 da exposição de motivos, sob a epígrafe «Objetivos», por um lado, a necessidade de se garantir o direito de asilo através de um procedimento rápido, baseado em critérios objetivos, de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo, que seja justo para os respetivos interessados; por outro lado, menciona-se também a necessidade de se prevenir o abuso decorrente da apresentação de pedidos de asilo múltiplos, em vários Estados-Membros.

24.

Estes objetivos essenciais, tal como foram formulados pela Comissão, foram acolhidos no Regulamento n.o 343/2003. O terceiro e o quarto considerandos mencionam como objetivo determinante a rápida determinação do Estado-Membro responsável, através de um método claro e operacional que garanta um acesso efetivo ao procedimento. No artigo 3.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento n.o 343/2003 consagra-se, então, como princípio basilar, a regra segundo a qual o pedido de asilo é analisado por um único Estado-Membro. Desta forma, por um lado, evitam-se os chamados «refugees in orbit», ou seja, a situação na qual os candidatos a asilo são empurrados de um Estado para o outro, ficando assim o direito de asilo destituído de conteúdo útil. Por outro lado, coloca-se também um travão ao chamado «asylum shopping», ao excluir-se a migração contínua e descontrolada dentro da União Europeia, com recurso à instauração simultânea ou sucessiva de procedimentos de asilo dentro da União Europeia ( 5 ).

25.

No sexto considerando do Regulamento n.o 343/2003 é ainda salientada a preservação da unidade das famílias, desde que tal seja compatível com os outros objetivos prosseguidos pelo regulamento. No sétimo considerando prevê-se ainda como objetivo um mesmo Estado-Membro poder tratar conjuntamente dos pedidos de asilo dos membros de uma mesma família, ainda que em derrogação dos critérios de responsabilidade gerais, a fim de permitir a aproximação dos membros de uma família quando tal seja necessário por motivos de natureza humanitária.

26.

É à luz deste quadro que o terceiro capítulo do Regulamento n.o 343/2003 contém — como o refere o artigo 5.o, n.o 1 —, sob a forma de um regime de competência estruturado hierarquicamente por ordem decrescente, os critérios previstos para a determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo. Nos artigos 6.° a 8.° do regulamento está essencialmente em causa a preservação da unidade das famílias e só depois, mais concretamente nos artigos 9.° a 12.° do regulamento, é que se indicam critérios que justificam a responsabilidade de um Estado-Membro pelo facto de ter sido ele a permitir a entrada do candidato a asilo no território da União Europeia. Esta graduação dos critérios de responsabilidade visa, por um lado, contribuir para a concretização do princípio da determinação do Estado-Membro responsável com fundamento exclusivo em critérios objetivos e fazer justiça ao objetivo da preservação da família. Por outro lado, destina-se a evitar abusos decorrentes da apresentação simultânea ou sucessiva de pedidos de asilo múltiplos e a garantir que, em última análise, só seja declarado responsável um único Estado-Membro.

2. Inserção sistemática do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 15.o no Regulamento n.o 343/2003

27.

O legislador da União não ignorou o facto de poderem existir casos em que a determinação da responsabilidade, segundo uma enumeração rígida de critérios de atribuição dessa responsabilidade, pode conduzir a resultados inaceitáveis. A fim de se evitar esses resultados, foram introduzidas duas disposições que permitem que, em derrogação da referida enumeração de critérios de atribuição da responsabilidade, esta seja atribuída a um Estado-Membro diferente, por razões especiais; está em causa a «cláusula de soberania», consagrada no artigo 3.o, n.o 2, e a «cláusula humanitária», consagrada no artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003.

28.

A Comissão, na sua Proposta de regulamento de 26 de julho de 2001, justificou a existência da cláusula humanitária referindo que foi sobretudo utilizada para prevenir ou remediar a dispersão dos membros de uma família que uma aplicação estrita dos critérios de responsabilidade poderia por vezes originar. Ainda que o regulamento, que então se tinha em vista, pudesse prever várias disposições obrigatórias destinadas a organizar a aproximação ou a manutenção da unidade dos requerentes de asilo que pertençam ao mesmo grupo familiar, as situações suscetíveis de se apresentar são tão diversas que não podiam ser todas reguladas por disposições específicas, pelo que se afigurou necessário prever uma cláusula humanitária, no interesse dos Estados-Membros e dos requerentes de asilo ( 6 ).

29.

Deste modo, o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 contém, segundo a sua génese histórica, um regime derrogatório em relação à enumeração de critérios de atribuição da responsabilidade, ordenada hierarquicamente, que se encontra prevista no capítulo III do regulamento.

30.

O mesmo aplica-se ao direito de intervenção previsto no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003. A este propósito, resulta da Proposta de regulamento da Comissão de 26 de julho de 2001, que na origem do exercício do direito de intervenção podem estar considerações políticas, humanitárias ou até meramente práticas do Estado-Membro que não é responsável em aplicação dos critérios gerais ( 7 ).

31.

Tanto o artigo 15.o como o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 constituem, pois, regras derrogatórias em relação à enumeração de critérios de atribuição da responsabilidade, prevista no capítulo III do regulamento. Enquanto o artigo 15.o se encontra inserido no capítulo IV do regulamento, sob a epígrafe «cláusula humanitária», já o artigo 3.o, n.o 2, está previsto no capítulo II, que tem por epígrafe «princípios gerais». A proposta da Comissão para um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de reformulação do Regulamento n.o 343/2003 ( 8 ), demonstra que a referida inserção sistemática de uma disposição derrogatória entre os princípios gerais do capítulo II do regulamento, e da outra disposição derrogatória num capítulo IV específico, não é ideal. Propõe-se aí que, por razões de clareza, a cláusula de soberania e a cláusula humanitária sejam reexaminadas e sintetizadas num capítulo com a designação «cláusulas discricionárias» ( 9 ).

3. Relação entre o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003

32.

Até agora não foi analisada a relação que existe entre o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003.

33.

Os Governos checo e austríaco consideram o local de permanência do candidato a asilo como critério decisivo para delimitar o âmbito de aplicação destas disposições e consideram, por conseguinte, que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 se aplica quando o candidato a asilo se encontra num Estado que, de acordo com as regras gerais, não é responsável pela análise do pedido de asilo, e que o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 é aplicável nos casos em que o candidato a asilo se encontra num Estado responsável pela análise do pedido de asilo, mas em que se afigura conveniente que o procedimento de asilo corra os seus termos noutro Estado. Não concordo com esta leitura.

34.

Sucede que uma interpretação deste tipo, que sem considerar outras circunstâncias se orienta exclusivamente pelo local de permanência do candidato a asilo, não seria consentânea com o já referido objetivo do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003.

35.

Tal como já se expôs, a previsão do artigo 15.o no Regulamento n.o 343/2003 tinha em vista preservar ou restabelecer a união familiar, na aceção de um regime residual para os casos em que o regime de atribuição da responsabilidade, tal como se encontra previsto no capítulo III, implica a imposição ao candidato a asilo de um sacrifício inaceitável de um ponto de vista humanitário. Logo na primeira Proposta de regulamento da Comissão de 26 de julho de 2001, se quis que o objetivo da criação de um regime residual visasse evitar a separação de membros da família ( 10 ). A redação do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, tal como acabou por ser adotada, assenta manifestamente na referida proposta. Constitui pressuposto essencial da aplicação da cláusula humanitária o reagrupamento de membros da mesma família ou o acautelamento da sua separação ( 11 ).

36.

Deste modo, de acordo tanto com a sua génese histórica como também com o seu sentido literal, o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 constitui uma regra especial, adotada por razões familiares num contexto humanitário, enquanto o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 constitui uma cláusula compassiva de natureza geral. É o que resulta, também, do facto de no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 — ao contrário do que sucede no artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 — não se proceder à enumeração exemplificativa de casos de aplicação da referida disposição.

37.

Além disso, constitui ainda uma diferença assinalável entre o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 o facto de no caso do artigo 3.o, n.o 2, já ter sido apresentado um pedido de asilo junto do Estado-Membro que, regra geral, não é responsável, sendo que no caso do artigo 15.o não tem de ser necessariamente assim.

38.

Importa então reter, em síntese, que tanto o artigo 3.o, n.o 2, como também o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 constituem disposições especiais para decisões ao abrigo do poder discricionário dos Estados-Membros, cujos âmbitos de aplicação podem sobrepor-se e que podem ser simultaneamente aplicáveis — desde que estejam preenchidos os respetivos pressupostos. O artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 constitui, neste quadro, uma disposição especial para decisões ao abrigo do poder discricionário no contexto do reagrupamento familiar por razões humanitárias, sem que a sua aplicação dependa do local de permanência do candidato a asilo, sendo que para o exercício do direito de intervenção, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do mesmo regulamento, podem revestir natureza decisiva outras razões para além das humanitárias. Neste sentido, a cláusula humanitária consagrada no artigo 15.o não constitui uma disposição geral para casos compassivos, sendo que pressupõe necessariamente que o requerente tenha um membro da sua família no território dos Estados-Membros.

B — Quanto à primeira questão prejudicial

39.

Através da primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se, num caso como aquele que se discute no processo principal, a República da Áustria pode ser obrigada, por força do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, a analisar o pedido de asilo apresentado pela recorrente, em substituição do Estado-Membro responsável segundo as regras consagradas nos artigos 6.° a 14.°, mesmo que não tenha sido apresentado um pedido de análise por esse mesmo Estado-Membro responsável.

40.

Para responder a esta questão, examinarei antes de mais a relação entre o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003. À luz desta análise irei, seguidamente, apreciar se o artigo 15.o, n.o 2, pode ser aplicável a um caso como aquele que se discute no processo principal. Uma vez que, na minha opinião, a resposta a esta questão é negativa, irei, por fim, responder à primeira questão prejudicial com base no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003.

1. A relação entre o n.o 1 e o n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003

41.

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003 confere aos Estados-Membros a possibilidade de, por razões humanitárias, reunir membros de uma família, bem como outros familiares dela dependentes, e para este efeito apreciar pedidos de asilo pelos quais não seriam responsáveis, segundo as regras de atribuição da responsabilidade previstas no capítulo III. Segundo o artigo 15.o, n.o 1, segunda frase, é necessário que outro Estado-Membro tenha apresentado pedido nesse sentido. Além disso, o artigo 15.o, n.o 1, terceira frase, postula a necessidade de consentimento por parte do candidato a asilo.

42.

O artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 contém exemplos de razões humanitárias. Neste contexto, resulta da globalidade deste regime e da sua génese histórica que o artigo 15.o, n.o 1, regula tanto os pressupostos como também o procedimento a seguir caso se verifiquem razões humanitárias, enquanto o artigo 15.o, n.o 2, enuncia casos típicos em que é, em princípio, de pressupor verificarem-se razões humanitárias, na aceção desta disposição, sendo por conseguinte aplicável a cláusula humanitária.

43.

A Comissão já recomendara, na sua Proposta de regulamento de 26 de julho de 2001, que fossem precisados os princípios à luz dos quais se deverá admitir que se proceda, de forma derrogatória aos critérios de responsabilidade, ao reagrupamento familiar ( 12 ). Esta recomendação, tal como a versão final do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, tem origem no artigo 2.o, n.o 2, quarta frase, da Decisão n.o 1/2000 do comité criado nos termos do artigo 18.o da Convenção de Dublim, de 31 de outubro de 2000 ( 13 ), que previa dever-se, de um modo geral, proceder ao reagrupamento familiar, ao abrigo da Convenção de Dublim, sempre que surgisse uma das situações aí enumeradas e que, atualmente, se encontram também enunciadas no artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003.

44.

A razão da diferenciação entre o artigo 15.o, n.o 1 e o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 reside no facto de o legislador ter tido consciência de que é imaginável um número incontável de situações diversas de aplicação da cláusula humanitária, pelo que não podem ser todas reguladas por disposições específicas ( 14 ). Pense-se, por exemplo, em candidatos a asilo provenientes de territórios das antigas potências coloniais, que hoje em dia ainda exercem uma influência marcante na vida cultural dos países de origem de alguns candidatos a asilo, ou também nos seus conhecimentos linguísticos, que podem justificar que se atribua um peso especial ao aspeto familiar, no âmbito do reagrupamento ( 15 ). Compete aos Estados-Membros apreciar, à luz do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, se nestes casos se verificam razões humanitárias que imponham o reagrupamento familiar. Diferentemente, o artigo 15.o, n.o 2, do referido regulamento precisa situações da vida particularmente relevantes, em que as circunstâncias especiais assumem um peso tão determinante que por regra é de assumir a verificação de razões humanitárias, impondo-se consequentemente, por norma, o reagrupamento familiar, ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, do regulamento.

45.

Esta apreciação é confirmada através da constatação de que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, ao contrário do artigo 15.o, n.o 1, não contém quaisquer pressupostos, limitando-se assim a enumerar casos individualizados em que, em regra, é de presumir a verificação de razões humanitárias. O artigo 15.o, n.o 2 também não prevê, explicitamente, que a avocação da responsabilidade para a análise de um pedido de asilo tenha de ocorrer a pedido de um outro Estado-Membro ou com o consentimento das pessoas interessadas. Caso se entenda que os dois primeiros números do artigo 15.o constituem disposições independentes uma da outra, isso implica que seja precisamente em casos especialmente graves que a análise seja levada a cabo por um Estado-Membro que não é responsável segundo os critérios do capítulo III, sem que o candidato a asilo tenha sequer a possibilidade de se pronunciar a esse propósito. É evidente que esta solução não foi desejada pelo legislador.

46.

Dito isto, concluo que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 constitui uma enumeração e especificação das razões humanitárias a que se reporta o artigo 15.o, n.o 1.

47.

A diferença essencial entre o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 reside na margem de apreciação concedida aos Estados-Membros. A margem de apreciação das autoridades com poder decisório é significativamente restringida nos casos referidos no artigo 15.o, n.o 2, em relação ao artigo 15.o, n.o 1. O artigo 15.o, n.o 2, descreve situações em que, por regra, é suposto ocorrer um agrupamento. Caso se verifique uma tal situação, só é possível proferir uma decisão diferente da do reagrupamento se estiverem em causa circunstâncias especiais que possam, excecionalmente, justificá-lo ( 16 ). Por conseguinte, será necessária uma fundamentação especial quando, apesar de estar verificada uma das situações da vida enumeradas no artigo 15.o, n.o 2, se pretender negar a ocorrência de uma razão humanitária.

48.

Diferentemente, o regime consagrado no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003 concede aos Estados-Membros o poder de decidir discricionariamente em função do caso concreto, devendo o próprio Estado-Membro proceder a uma ponderação de todos os fatores relevantes. Com efeito, as expressões «humanitários» e «motivos familiares ou culturais» constituem conceitos indeterminados, que permitem uma aplicação flexível a diferentes situações de facto de cariz familiar. Esta margem de decisão consideravelmente mais ampla que a resultante do regime previsto no artigo 15.o, n.o 2, encontra a sua justificação no objetivo da cláusula humanitária de, à luz das exigências decorrentes da Carta dos Direitos Fundamentais e da CEDH, abranger casos que, atendendo ao grande número de situações e circunstâncias imagináveis, não são passíveis de ser definidos individualmente ex ante.

2. O artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 não se aplica a um caso como aquele que está em discussão no processo principal

49.

O artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 estatui, textualmente, que, nos casos em que a «pessoa em causa» seja dependente da assistência «da outra», devido a encontrar-se grávida ou ter dado à luz recentemente, ou ser portadora de doença ou deficiência grave ou ser de idade avançada, os Estados-Membros manterão juntos, por norma, ou reunirão o candidato a asilo e um membro da sua família que se encontre no território de um dos Estados-Membros, desde que os laços familiares existissem já no país de origem.

50.

A questão de saber quem é a «pessoa em causa» e a quem se refere a expressão «da outra», no âmbito do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, não é difícil de responder, caso se tenha em consideração o artigo 15.o, n.o 1, do mesmo regulamento. Com efeito, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, segunda frase, o Estado-Membro que não seja primariamente responsável pode, a pedido de outro Estado-Membro, analisar o pedido de asilo da «pessoa em questão», nas condições referidas nesse número. Logo, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, a «pessoa em questão» é o requerente de asilo.

51.

Tendo em atenção a relação sistemática entre o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, é, por isso, de partir do princípio de que a «pessoa em causa», no sentido do artigo 15.o, n.o 2, é o candidato a asilo, enquanto «da outra», nos termos desta disposição, se reporta a um membro da família do candidato a asilo.

52.

Por conseguinte, de acordo com o seu sentido literal, o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 não é aplicável a um caso como aquele que está em discussão no processo principal. No processo principal não é a candidata a asilo que depende da assistência de um membro da família que se encontra noutro Estado-Membro, sendo que o que está em causa é haver um membro da família que carece da ajuda da candidata a asilo.

53.

Na minha opinião não existem fundamentos teleológicos que justifiquem alterar-se esta interpretação, que respeita o teor literal e a inserção sistemática do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, no sentido de esta norma excecional também se aplicar quando esteja em causa um membro da família que se encontre num Estado-Membro e que carece da assistência do candidato a asilo.

54.

O facto de no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1560/2003 da Comissão, relativo às modalidades de aplicação do Regulamento n.o 343/2003 ( 17 ) se dizer que o n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 é aplicável independentemente de o requerente de asilo estar dependente da assistência do membro da sua família presente num Estado-Membro ou de o membro da família presente num Estado-Membro estar dependente da assistência do requerente de asilo, em nada altera o exposto supra. É que o Regulamento n.o 1560/2003 constitui um regulamento de execução, que só pode desenvolver ou especificar as disposições contidas no regulamento principal, mas que não as pode alterar significativamente.

55.

Neste quadro, é de manter que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 não é suscetível de ser aplicado a um caso como aquele que está em discussão no processo principal.

3. Quanto à aplicação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003 a um caso como aquele que está em discussão no processo principal

56.

Segundo o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, qualquer Estado-Membro, mesmo que não seja responsável em aplicação dos critérios definidos no capítulo III desse mesmo regulamento, pode reunir membros de uma família, bem como outros familiares dela dependentes, pelas razões humanitárias aí mencionadas, sendo que neste caso esse Estado-Membro analisará o pedido de asilo da pessoa em questão, a pedido de outro Estado-Membro e desde que a pessoa interessada tenha dado o seu consentimento. O artigo 15.o, n.o 4, do Regulamento n.o 343/2003 confirma que, num caso destes, a responsabilidade pela análise do pedido é transferida para o Estado-Membro requerido.

57.

A fim de se poder responder à questão de saber se desta disposição, num caso como o que está em discussão no processo principal, pode resultar a obrigação, para a República da Áustria, de analisar o pedido de asilo da recorrente, importa, em especial, esclarecer,

se a recorrente pode ser considerada como fazendo parte do círculo de membros da família, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003;

se, em caso afirmativo, em que circunstâncias a possibilidade de análise de um pedido de asilo, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, pode intensificar-se no sentido de converter-se numa obrigação de análise; e

se, caso se verifique uma tal obrigação de análise, é possível prescindir-se do pedido de análise.

58.

Passo a analisar estas três questões.

a) A recorrente pode ser considerada como fazendo parte do círculo de membros da família, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003

59.

Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, um Estado-Membro, estando preenchidos os pressupostos aí referidos, pode reunir «membros de uma família, bem como outros familiares dela dependentes», para efeitos de análise dos pedidos de asilo.

60.

O artigo 2.o, alínea i), do Regulamento n.o 343/2003 contém uma definição legal relativamente restritiva do conceito de «membros da família», que não abrange a relação entre sogra e nora. Esta constatação suscita a questão de saber se o círculo de membros da família, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, corresponde a um conceito mais amplo de família do que aquele que subjaz ao artigo 2.o, alínea i).

61.

Entendo que importa responder afirmativamente a esta questão. É certo que, comparando a versão alemã do Regulamento n.o 343/2003 com outras versões linguísticas, se constata que o conceito de «Familienmitglieds», no artigo 15.o, n.o 1, corresponde ao de «Familienangehörigen» no artigo 2.o, alínea i), do Regulamento n.o 343/2003 ( 18 ). Contudo, do facto de também se fazer referência a «outros» familiares resulta, desde logo, que aqui não releva a definição do artigo 2.o, alínea i). É neste sentido que aponta também a versão inglesa, na qual se fala, nesta parte, de «other dependent relatives».

62.

Estas cogitações levam-me a concluir que a recorrente pode ser considerada como fazendo parte do círculo de «membros de uma família, bem como outros familiares dela dependentes», na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003.

b) Quanto às circunstâncias nas quais a possibilidade de análise de um pedido de asilo, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, se pode converter numa obrigação de análise

63.

Tal como expus nas minhas conclusões apresentadas em 22 de setembro de 2011 no processo N.S. ( 19 ), e foi aceite pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 21 de dezembro de 2011, proferido nesse mesmo processo ( 20 ), a decisão de um Estado-Membro de, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, analisar um pedido de asilo, deve ser classificada, para os efeitos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, como um ato de aplicação do Regulamento n.o 343/2003, de modo que os Estados-Membros, no contexto desta decisão, têm de respeitar as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais.

64.

Esta valoração é suscetível de ser transferida para a cláusula humanitária, contida no artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003. Neste sentido, a decisão de um Estado-Membro de, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, analisar um pedido de asilo, deve ser classificada, para os efeitos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, como um ato de aplicação do Regulamento n.o 343/2003, no âmbito da qual o Estado-Membro em causa tem de respeitar as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais.

65.

À luz desta exigência de respeito pela Carta dos Direitos Fundamentais é possível que os Estados-Membros estejam obrigados, em determinadas circunstâncias especiais, a exercer o seu direito de análise de um pedido de asilo, por razões humanitárias, de acordo com o artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, caso se constate que, de outro modo, existe um risco sério de restrição injustificada dos direitos do candidato a asilo, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais ( 21 ).

66.

É neste sentido que o órgão jurisdicional de reenvio, no seu pedido de decisão prejudicial, faz referência a uma possível violação, por um lado, da proibição de tratos ou penas desumanos ou degradantes, consagrada no artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, e por outro lado, do princípio do respeito pela vida privada e familiar, consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

67.

O órgão jurisdicional de reenvio refere, a propósito de uma eventual violação do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que no processo principal a recorrente será transferida para a Polónia se a Áustria não for competente para a tramitação do processo de asilo da recorrente. Esta situação implica uma separação da recorrente da sua nora, carente de apoio, o que pode conduzir a um sério agravamento do estado de saúde da referida nora e a que esta fique em perigo. Em relação a uma eventual violação do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que uma transferência da recorrente para a Polónia implica a separação dos seus netos menores, existindo ainda consequentemente o risco de os mesmos serem separados da mãe, devido à falta de apoio ( 22 ).

68.

Ainda que seja ao órgão jurisdicional de reenvio que, em última análise, cabe decidir se no processo principal existe um risco sério de violação do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, importa realçar que a violação da proibição dos tratos desumanos ou degradantes, consagrada na Carta dos Direitos Fundamentais, pressupõe a sujeição a dor ou sofrimento de cariz físico ou moral que, atendendo à sua intensidade e duração, revelem uma gravidade relevante ( 23 ). A recorrente, tal como a sua nora, não correm o risco de as autoridades estatais lhes infligirem diretamente um mal desse tipo. O que há a recear são apenas efeitos indiretos sobre a vida e a existência da nora da recorrente.

69.

Embora neste contexto seja de partir do princípio que o artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais também pode obrigar os Estados-Membros a garantir proteção em relação à tortura e a tratos ou penas desumanos ou degradantes quando infligidos por particulares ( 24 ), afigura-se-me duvidoso que os efeitos negativos sobre a vida e a existência da nora, decorrentes da transferência da recorrente para a Polónia, revele, num caso como o presente, a gravidade exigida para que se considere violado o artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Logo, importa que o órgão jurisdicional de reenvio aprecie, com o máximo cuidado, se os efeitos que a transferência da recorrente para a Polónia produz sobre a vida e a existência da nora, que permanece na Áustria, são efetivamente de classificar como desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

70.

Mas, mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio conclua que a nora corre um risco sério de violação dos direitos que o artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais lhe garante, tem de reconhecer à República da Áustria uma margem de apreciação suficientemente ampla na escolha das medidas a adotar para evitar as ingerências que se anteveem ( 25 ). Ainda que, num caso como aquele do processo principal, se pudesse efetivamente extrair do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais a obrigação positiva da República da Áustria de atuar contra o perigo em que a nora é colocada em virtude da transferência da recorrente para a Polónia, caberia à República da Áustria a escolha das medidas de proteção adequadas a adotar.

71.

Daqui resulta não ser possível extrair do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais uma proibição da transferência da recorrente para a Polónia, nem mesmo se o direito fundamental, num caso como o do processo principal, impuser à República da Áustria que adote uma atuação positiva para proteção da nora. Neste caso, a República da Áustria é livre de escolher uma outra medida de proteção adequada, em benefício da referida nora.

72.

Pelo exposto, não se afigura necessário apreciar mais aprofundadamente a questão de saber se a República da Áustria, a fim de impedir o tratamento desumano ou degradante, proibido pelo artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, de uma pessoa que não a recorrente, pode ser obrigada, por razões humanitárias, a analisar, ao abrigo do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, o pedido de asilo apresentado pela referida recorrente.

73.

Quanto a uma possível violação do direito ao respeito pela vida familiar, consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência, por um lado, à relação entre a recorrente como avó e os seus netos. Por outro lado, realça que em caso de transferência da recorrente para a Polónia é de contar com a separação dos netos da sua mãe, no quadro de medidas a adotar pelos serviços de proteção de menores.

74.

No contexto da aplicação do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais a um caso como aquele que está em discussão no processo principal é de partir do princípio que a relação entre a recorrente enquanto avó e os seus netos se encontra abrangida pelo direito ao respeito pela vida familiar, uma vez que para este efeito não se exige que os membros da família vivam juntos ( 26 ). Neste sentido, não é de excluir que uma transferência da recorrente para a Polónia constitua uma ingerência no seu direito ao respeito pela vida familiar, na aceção do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

75.

Uma tal ingerência poderia, porém, ser justificável, nos termos do artigo 52.o, n.os 1 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais. O artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, em particular, prevê que qualquer restrição ao exercício do direito ao respeito pela vida familiar deve ser prevista por lei ( 27 ) e respeitar o conteúdo essencial desse direito, bem como o princípio da proporcionalidade. Uma vez que a transferência da recorrente para a Polónia ocorreria em cumprimento do regime previsto no Regulamento n.o 343/2003 para determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a mesma disporia de uma base legal. Além disso, o Tribunal de Justiça salientou, no acórdão N.S. e o., que os critérios de responsabilidade previstos no capítulo III do Regulamento n.o 343/2003, mesmo que se verifique uma restrição de direitos fundamentais, só podem ser afastados em circunstâncias excecionais ( 28 ). Esta ideia tem de ser tida em conta num caso como o que está em discussão no processo principal, no contexto da apreciação da proporcionalidade de uma ingerência no direito ao respeito pela vida familiar ( 29 ), bem como no contexto da apreciação do respeito pelo conteúdo essencial deste mesmo direito ( 30 ). Neste sentido, só uma restrição especialmente gravosa do direito ao respeito pela vida familiar pode ser classificada como restrição inadmissível, suscetível de afetar os critérios de responsabilidade previstos no Regulamento n.o 343/2003.

76.

No que toca ao exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio a propósito do risco de separação dos netos da nora, em caso de transferência da recorrente para a Polónia, é ainda de salientar o facto, referido por esse mesmo órgão jurisdicional de reenvio, de que essa separação é previsível, no quadro de medidas de proteção de menores ( 31 ). O órgão jurisdicional de reenvio menciona, ainda, que neste caso se verificaria uma separação legítima da nora dos seus filhos ( 32 ). Tendo em consideração o facto de a República da Áustria ser parte contratante da CEDH, há que supor que uma separação dos netos da respetiva mãe, levada a cabo no quadro de medidas de proteção de menores e em cumprimento do direito austríaco, não deverá, em condições normais, constituir uma restrição injustificada do direito ao respeito pela vida familiar dos netos e da nora, na aceção do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Sob este ponto de vista, também não se afigura necessário apreciar mais aprofundadamente a questão de saber se a República da Áustria, a fim de impedir a violação do direito fundamental ao respeito pela vida familiar de uma pessoa que não a recorrente, pode ser obrigada, por razões humanitárias, a analisar, ao abrigo do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, o pedido de asilo apresentado pela referida recorrente.

77.

Em síntese, constata-se, por fim, que os Estados-Membros, em circunstâncias excecionais, podem estar obrigados a exercer o seu direito de análise de um pedido de asilo, por razões humanitárias, nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, desde que esteja assente que, de outro modo, existe um risco sério de se verificar uma ingerência injustificada nos direitos do candidato a asilo, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais.

c) A exigência de pedido de análise quando se verifica a obrigação de se proceder a essa análise

78.

Segundo o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, um Estado-Membro pode reunir membros de uma família, bem como outros familiares dela dependentes, pelas razões humanitárias aí referidas, para efeitos de análise dos pedidos de asilo, desde que as pessoas interessadas tenham dado o seu consentimento e tenha sido apresentado pedido nesse sentido, por outro Estado-Membro.

79.

De acordo com o sentido literal do regulamento, a aplicação da cláusula humanitária depende, portanto, da apresentação de um pedido de análise, por outro Estado-Membro.

80.

Na minha opinião, esta exigência de pedido de análise encontra a sua justificação na necessidade de se coordenar a atuação de cada um dos Estados-Membros no quadro da análise de pedidos de asilo. Importa ter aqui especialmente em conta que a questão da responsabilidade pela condução do procedimento de asilo, nos termos do Regulamento n.o 343/2003, deve ser decidida tão rápida e uniformemente quanto possível. Neste contexto, a importância do pedido de análise afigura-se-me residir no facto de, através deste pedido, se pretender esclarecer inequivocamente entre os vários Estados-Membros intervenientes em certo procedimento de asilo quem deverá analisar o pedido de asilo, segundo as disposições do Regulamento n.o 343/2003.

81.

Dito isto, não se pode prescindir da exigência de pedido de análise, nem mesmo quando um Estado-Membro, em circunstâncias excecionais, se encontra obrigado, por razões humanitárias, a exercer o seu direito de análise de um pedido de asilo, ao abrigo do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003. Neste caso, a exigência de pedido de asilo, tal como vem consagrada no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003, deve ser entendida no sentido de o Estado-Membro obrigado a assumir a análise, à luz de uma interpretação e de uma aplicação do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003 conformes aos direitos fundamentais, se encontrar obrigado a informar o outro Estado-Membro interveniente no procedimento de asilo acerca da situação fatual e jurídica e a pedir-lhe que manifeste a sua concordância em relação à avocação do procedimento de asilo.

4. Conclusão

82.

Atendendo ao raciocínio supra exposto, deve-se responder à primeira questão prejudicial no sentido de que os Estados-Membros, em circunstâncias excecionais, podem estar obrigados a exercer o seu direito de análise de um pedido de asilo, por razões humanitárias, nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 343/2003, desde que esteja assente que, de outro modo, existe um risco sério de se verificar uma ingerência injustificada num direito do candidato a asilo, consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais. Caso não exista um pedido de análise, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento n.o 343/2003, recai sobre o Estado-Membro obrigado a assumir a análise a obrigação de informar o outro Estado-Membro interveniente no procedimento de asilo acerca da situação fatual e jurídica e de pedir-lhe que manifeste a sua concordância em relação à avocação do procedimento de asilo.

C — Quanto à segunda questão prejudicial

83.

Através da sua segunda questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o direito da República da Áustria, que resulta do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, de num caso como aquele que está em discussão no processo principal intervir na análise do pedido de asilo apresentado pela recorrente, se pode intensificar de modo a convolar-se numa obrigação de intervenção, quando a responsabilidade pela análise do pedido, tal como resulta do Regulamento n.o 343/2003, conduzir a uma violação do artigo 3.o ou do artigo 8.o da CEDH ou do artigo 4.o ou do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais. O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se também sobre a relevância da jurisprudência do TEDH proferida acerca do artigo 3.o e do artigo 8.o da CEDH no âmbito da interpretação do artigo 4.o e do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

84.

Para efeitos de resposta à questão de saber se e em que condições o direito de intervenção consagrado no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 pode intensificar-se de modo a convolar-se numa obrigação de intervenção, importa atender ao acórdão N.S. e o., já referido, no qual o Tribunal de Justiça concluiu que a decisão de um Estado-Membro de, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, analisar um pedido de asilo, deve ser classificada, para efeitos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, como um ato de aplicação do direito da União, pelo que os Estados-Membros, no contexto dessa decisão, devem observar as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais ( 33 ).

85.

O Tribunal de Justiça deduziu, a partir daqui, que o Estado-Membro no qual o candidato a asilo se encontra e que não é responsável pela análise do pedido de asilo segundo as regras do capítulo III do Regulamento n.o 343/2003, não pode transferir esse candidato a asilo para o Estado-Membro responsável, na aceção do referido capítulo III do Regulamento n.o 343/2003, quando não possa ignorar que essa transferência conduz a uma violação dos direitos do referido candidato a asilo, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais ( 34 ). Numa situação destas, o Estado-Membro no qual se encontra o candidato a asilo, sem prejuízo da faculdade de ele próprio analisar o pedido referido no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, deve ignorar o critério do capítulo III, do qual resulta a responsabilidade desse outro Estado-Membro, e prosseguir com a análise para verificar se um dos restantes critérios permite identificar outro Estado-Membro como responsável pela análise do pedido de asilo, para o qual o candidato a asilo possa ser transferido sem violação dos respetivos direitos fundamentais ( 35 ). Contudo, o Estado-Membro em que se encontra o requerente de asilo deve assegurar que a situação de violação dos direitos fundamentais deste requerente não seja agravada por um procedimento excessivamente longo de determinação do Estado-Membro responsável. Sendo necessário, deve analisar ele próprio o pedido, em conformidade com as modalidades previstas no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 ( 36 ).

86.

Para efeitos de resposta à questão de saber como tomar em consideração a jurisprudência do TEDH relativa aos artigos 3.° e 8.° da CEDH, no quadro da interpretação e aplicação dos artigos 4.° e 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais, importa atender ao artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais. Segundo esta disposição, os direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, que correspondem a direitos garantidos pela CEDH, têm o mesmo sentido e âmbito dos direitos conferidos por esta CEDH. Além disso, no artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais esclarece-se ainda expressamente que esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

87.

Tal como já expus nas conclusões por mim apresentadas no processo N.S. e o. ( 37 ), o artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais deve ser interpretado no sentido de obrigar a garantir que, nos domínios em que existe uma sobreposição entre as suas normas e as da CEDH, a proteção assegurada pela Carta dos Direitos Fundamentais não deva ficar aquém da que é assegurada pela CEDH. Tendo a jurisprudência do TEDH precisado o sentido e o âmbito da proteção garantida pela CEDH, o Tribunal de Justiça deve atribuir especial importância e um peso considerável a esta jurisprudência ao interpretar as disposições correspondentes da Carta dos Direitos Fundamentais.

88.

De resto, afigura-se-me merecer resposta negativa a questão do órgão jurisdicional de reenvio, de saber se num caso como o que está em discussão no processo principal, no âmbito da análise da verificação de uma restrição injustificada dos artigos 4.° ou 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais, se deve aplicar os conceitos de «tratamento desumano» e de «família» com sentido diferente do sentido consagrado pela jurisprudência do TEDH a propósito dos artigos 3.° ou 8.° da CEDH.

89.

Tal como já referi ( 38 ), a violação da proibição dos tratos desumanos ou degradantes, consagrada no artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, pressupõe a sujeição a dor ou sofrimento de cariz físico ou moral que, atendendo à sua intensidade e duração, revelem uma gravidade relevante. Desta forma, o conceito de «trato desumano ou degradante», na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais, coincide com o conceito, de igual teor, adotado no artigo 3.o da CEDH. Pois também de acordo com a jurisprudência constante do TEDH tem certo mau trato de atingir um determinado patamar mínimo de gravidade, a fim de ficar abrangido pelo artigo 3.o da CEDH. Saber se foi atingido esse patamar mínimo é algo que depende da totalidade das circunstâncias do caso, entre elas a duração desses maus tratos, os efeitos físicos e psicológicos por eles provocados e, em alguns casos, o sexo, a idade e o estado de saúde da vítima ( 39 ).

90.

Quanto à interpretação do conceito de «vida familiar», o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em especial, se do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais apenas resulta uma proteção da vida familiar «efetiva», tal como exige a jurisprudência do TEDH proferida a propósito do artigo 8.o da CEDH, ou se o artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais também concede proteção a relações familiares que não constituem uma vida familiar «efetiva», na aceção da jurisprudência do TEDH. Esta questão coloca-se no processo principal porque a recorrente só viveu na Áustria, em economia comum com a sua nora e os seus netos durante pouco tempo, já não o fazendo atualmente.

91.

Segundo a jurisprudência do TEDH acerca do artigo 8.o da CEDH, esta disposição garante o direito ao respeito pela vida familiar, pressupondo-se uma família constituída. Neste sentido, é determinante que entre as pessoas em causa tenha efetivamente existido vida familiar ( 40 ), importando apreciar, em especial, se realmente e de facto se verificam relações pessoais estreitas ( 41 ).

92.

Na minha opinião este esclarecimento prestado pelo TEDH, no sentido de que o artigo 8.o da CEDH só protege a vida familiar de facto, é aplicável, sem necessidade de considerações adicionais, ao direito ao respeito pela vida familiar, tal como consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Neste contexto importa remeter para as anotações relativas à CDF ( 42 ) e, em especial, para a anotação ao artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, onde se salienta que os direitos garantidos no artigo 7.o correspondem aos garantidos pelo artigo 8.o da CEDH ( 43 ). É, pois, de concluir, a partir daqui, que a vida familiar, na aceção do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, pressupõe uma relação pessoal estreita, que exista de facto, entre as pessoas em causa.

VII — Conclusão

93.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais que lhe foram submetidas pelo Asylgerichtshof nos seguintes termos:

«1.

Os Estados-Membros, em circunstâncias excecionais, podem estar obrigados a exercer o seu direito de análise de um pedido de asilo, por razões humanitárias, nos termos do artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro, desde que esteja assente que, de outro modo, existe um risco sério de se verificar uma ingerência injustificada num direito do candidato a asilo, consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais. Caso não exista um pedido de análise, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento n.o 343/2003, recai sobre o Estado-Membro obrigado a assumir a análise a obrigação de informar o outro Estado-Membro interveniente no procedimento de asilo acerca da situação fatual e jurídica e de pedir-lhe que manifeste a sua concordância em relação à avocação do procedimento de asilo.

2.

O Estado-Membro no qual o candidato a asilo se encontra e que não é responsável pela análise do pedido de asilo segundo as regras do capítulo III do Regulamento n.o 343/2003, não pode transferir esse candidato a asilo para o Estado-Membro responsável, na aceção do referido capítulo III do Regulamento n.o 343/2003, quando não possa ignorar que essa transferência conduz a uma violação dos direitos do referido candidato a asilo, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. Numa situação destas, o Estado-Membro no qual se encontra o candidato a asilo, sem prejuízo da faculdade de poder ele próprio analisar o pedido referido no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, deve ignorar o critério do capítulo III, do qual resulta a responsabilidade desse outro Estado-Membro, e prosseguir com a análise para verificar se um dos restantes critérios permite identificar outro Estado-Membro como responsável pela análise do pedido de asilo, para o qual o candidato a asilo possa ser transferido sem violação dos respetivos direitos fundamentais. Contudo, o Estado-Membro em que se encontra o requerente de asilo deve assegurar que a situação de violação dos direitos fundamentais deste requerente não seja agravada por um procedimento excessivamente longo de determinação do Estado-Membro responsável. Sendo necessário, deve analisar ele próprio o pedido, em conformidade com as modalidades previstas no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003.

3.

Num caso como o que está em discussão no processo principal, ao apreciar a questão de saber se uma transferência da recorrente para o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo segundo o capítulo III do Regulamento n.o 343/2003 conduz a uma restrição injustificada dos artigos 4.° ou 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais, não devem ser aplicados conceitos de «tratamento desumano», na aceção do artigo 3.o da CEDH, e de «família», na aceção do artigo 8.o da CEDH, com sentido diferente do sentido consagrado pela jurisprudência do TEDH.»


( 1 ) Língua original das conclusões: alemão. Língua do processo: alemão.

( 2 ) JO L 50, p. 1.

( 3 ) JO C 254, p. 1.

( 4 ) Proposta de regulamento do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro [COM(2001) 447 final].

( 5 ) Hermann, M. em Hailbronner, K. (ed.), EU Immigration and Asylum Law, Munique, 2010, comentário ao Regulamento n.o 343/2003, artigo 1.o, n.os 20 e segs.; Filzwieser, C./Sprung, A., Dublin II-Verordnung, Das Europäische Asylzuständigkeitssystem, 3.a ed., 2010, artigo 3.o, n.o K6; Huber, B./Göbel-Zimmermann, R., Ausländer- und Asylrecht, 2.a ed., Munique, 2008, n.o 1885.

( 6 ) [COM(2001) 447 final] (já referida na nota 4, comentário ao artigo 16.o).

( 7 ) Idem, comentário ao artigo 3.o

( 8 ) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida [COM(2008) 820 final].

( 9 ) Idem, ponto 3 da exposição de motivos da proposta.

( 10 ) [COM(2001) 447 final] (já referida na nota 4, comentário ao então artigo 16.o).

( 11 ) Este objetivo também encontra consagração na já referida proposta da Comissão de reformulação do Regulamento n.o 343/2003. Com efeito, nesta proposta procede-se a uma diferenciação entre a cláusula de soberania e a cláusula humanitária no sentido de a cláusula de soberania se destinar a ser aplicada principalmente por razões humanitárias e compassivas e a cláusula humanitária sempre que a aplicação estrita dos critérios obrigatórios leve à separação dos membros de uma família; v. [COM(2008) 820 final] (já referida na nota 8, ponto 3 da exposição de motivos da proposta).

( 12 ) [COM(2001) 447 final] (já referida na nota 4, comentário ao artigo 16.o).

( 13 ) Decisão n.o 1/2000, de 31 de outubro de 2000, do Comité criado nos termos do artigo 18.o da Convenção de Dublim sobre a transferência da responsabilidade pelos pedidos dos familiares nos termos do n.o 4 do artigo 3.o e do artigo 9.o da referida convenção (JO L 281, p. 1). Realça-se, no segundo considerando desta decisão, que nos termos do n.o 4 do artigo 3.o e do artigo 9.o da Convenção de Dublim, qualquer Estado-Membro pode analisar um pedido de asilo apresentado por um requerente de asilo mesmo que essa análise não seja da sua competência de acordo com os critérios definidos na mesma convenção. Refere-se na Decisão n.o 1/2000 que constitui seu objetivo estabelecer regras quanto à interpretação e aplicação das referidas disposições no tocante ao tratamento de pedidos de asilo de familiares.

( 14 ) V. [COM(2001) 447 final] (já referida na nota 4, comentário ao artigo 16.o).

( 15 ) V., a este propósito, Filzwieser, C./Sprung, A. (já referido na nota 5), artigo 15.o, nota K8.

( 16 ) V., a este propósito, Filzwieser, C./Sprung, A. (já referido na nota 5), artigo 15.o, nota K11; Hailbronner/Thiery, «Schengen II und Dublin. Der zuständige Asylstaat in Europa», ZAR, 1997, p. 57.

( 17 ) Regulamento (CE) n.o 1560/2003 da Comissão, de 2 de setembro de 2003, relativo às modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 343/2003 ( JO L 222, p. 3 ).

( 18 ) Na versão inglesa fala-se, neste contexto, tanto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 343/2003 como no artigo 2.o, alínea i), unitariamente, de «family members». Nas versões francesa e espanhola do regulamento verifica-se esta mesma utilização unitária.

( 19 ) Conclusões de 22 de setembro de 2011 apresentadas no processo N.S. (C-411/10, Colet. 2011, pp. I-13905, I-13909, n.os 69 e segs.).

( 20 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N.S. e o. (C-411/10 e C-493/10, Colet., p. I-13905, n.os 64 e segs.).

( 21 ) Quanto à obrigação comparável dos Estados-Membros, de exercerem o seu direito de intervenção nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003, a fim de obstarem ao sério risco de violação dos direitos fundamentais dos candidatos a asilo, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, v. as minhas conclusões apresentadas no processo N.S. (já referidas na nota 19, n.os 116 e segs.). Ainda que o Tribunal de Justiça, quanto a este aspeto, tenha proferido no processo N.S. uma decisão relativamente ambígua (v. acórdão N.S. e o., já referido na nota 20, em especial n.o 82), não deixou de concluir que o Estado-Membro em que se encontra o requerente de asilo e que não é responsável pela análise do respetivo pedido segundo as regras do capítulo III do Regulamento n.o 343/2003, deve assegurar que a situação de violação dos direitos fundamentais deste requerente não seja agravada por um procedimento excessivamente longo de determinação do Estado-Membro responsável, devendo, se necessário, analisar ele próprio o pedido, em conformidade com as modalidades previstas no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 343/2003 (n.o 98). V., também a este propósito, o n.os 84 e segs. das presentes conclusões.

( 22 ) V. a decisão de reenvio prejudicial, em especial n.os 33, 41 e 45.

( 23 ) Neste sentido, Jarass, D., Charta der Grundrechte der Europäischen Union, Munique, 2010, artigo 4.o, n.o 8; Callies, C. em EUV/AEUV (ed. Callies/Ruffert), 4.a edição, Munique, 2011, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 4.o, n.os 8 e segs.

( 24 ) O TEDH decide em jurisprudência constante que a obrigação dos Estados contratantes, nos termos do artigo 1.o da CEDH, de reconhecerem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos na Convenção, em conjugação com o artigo 3.o da CEDH, exige que os Estados-Membros adotem medidas que garantam que as pessoas dependentes da sua jurisdição não sejam submetidas a torturas ou a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, incluindo por particulares. Veja-se, neste sentido, TEDH, acórdãos Ebcin c. Turquia de 1 de maio de 2011, petição n.o 19506/05, § 35; de 10 de maio de 2001, Z. e o. c. Reino Unido, petição n.o 29392/95, § 73; e de 23 de setembro de 1998, A. c. Reino Unido, petição n.o 25599/94, § 22.

( 25 ) V. também, neste contexto, a jurisprudência constante do TEDH, segundo a qual as medidas a adotar pelos Estados, destinadas a impedir violações indiretas do artigo 1.o, em conjugação com o artigo 3.o da CEDH, têm que ser aptas a fornecer uma «proteção eficaz» e abranger «medidas adequadas» a impedir as violações das quais as autoridades tivessem ou devessem ter conhecimento [TEDH, acórdãos Karaman e o. c. Turquia de 31 de janeiro de 2012, petição n.o 60272/08, § 46; e Mubilanzila Mayeka e Kaniki Mitunga c. Bélgica de 12 de outubro de 2006, petição n.o 13178/03, § 53]. Além disso, o TEDH confirmou ainda expressamente, no seu acórdão Opuz c. Turquia de 9 de junho de 2009, petição n.o 33401/02, § 165, que não pode constituir tarefa do TEDH decidir, substituindo-se às autoridades nacionais competentes, quais as medidas disponíveis que devem ser adotadas a fim de se dar cumprimento às obrigações positivas de proteção que recaem sobre o Estado em questão e que brotam do artigo 3.o da CEDH.

( 26 ) V. Jarass, D. (já referido na nota 23), artigo 7.o, n.o 21.

( 27 ) Em virtude desta reserva de lei, no que tange a restrições aos direitos fundamentais, as restrições aos direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais carecem de previsão expressa pelo legislador da União ou pelo legislador nacional.

( 28 ) Acórdão N.S. e o. (já referido na nota 20, n.o 82).

( 29 ) Esta apreciação da proporcionalidade deve ser realizada com recurso a um esquema de análise composto por três níveis distintos, havendo então que apreciar não apenas a adequação e a necessidade, mas também a razoabilidade da ingerência no direito fundamental.

( 30 ) No que concerne à garantia do respeito pelo conteúdo essencial coloca-se mesmo a questão de saber se pode continuar a gozar de significado autónomo em face do controlo da proporcionalidade em três níveis distintos [v., a este propósito, Kingreen, T. em EUV/AEUV (ed. Callies/Ruffert), 4.a ed., Munique, 2011, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 52.o, n.o 64; Jarass, D. (já referido na nota 23), artigo 52.o, n.o 45]. Se uma restrição for tão abrangente que atropela por completo componentes essenciais do direito fundamental em causa, afetando por conseguinte o seu conteúdo essencial, então é, em regra, desrazoável e, consequentemente, impugnável com fundamento na sua desproporcionalidade.

( 31 ) Decisão de reenvio prejudicial, n.o 41.

( 32 ) Decisão de reenvio prejudicial, n.o 46.

( 33 ) Acórdão N.S. e o. (já referido na nota 20, n.os 64 e segs.).

( 34 ) Idem, n.o 94.

( 35 ) Idem, n.os 96 e segs.

( 36 ) Idem, n.o 98.

( 37 ) V. as minhas conclusões de 22 de setembro de 2011 apresentadas no processo N.S. e o. (já referidas na nota 19, ponto 4 da proposta de decisão).

( 38 ) V. n.o 68 das presentes conclusões.

( 39 ) V., neste contexto, TEDH, acórdãos Stanev c. Bulgária de 17 de janeiro de 2012, petição n.o 36760/06, § 202; Gäfgen c. Alemanha de 1 de junho de 2010, petição n.o 22978/05, § 88; Testa c. Croácia de 30 de janeiro de 2008, petição n.o 20877/04, § 43; e Jalloh c. Alemanha de 11 de julho de 2006, petição n.o 54810/00, § 67.

( 40 ) V. TEDH, acórdão Marckx e Bélgica de 13 de junho de 1979, petição n.o 6833/74, § 31.

( 41 ) V. TEDH, acórdão Şerife Yigit c. Turquia de 2 de novembro de 2010, petição n.o 3976/05, § 93); e K. e T. c. Finlândia de 12 de julho de 2001, petição n.o 25702/94, § 150).

( 42 ) JO 2007, C 303, p. 32. Segundo o artigo 52.o, n.o 7, da Carta dos Direitos Fundamentais, os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados-Membros têm de ter em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais. No artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE é também expressamente confirmada a importância das anotações relativas à CDF para a interpretação das disposições concretas da Carta dos Direitos Fundamentais.

( 43 ) Para confirmação deste princípio, v. acórdão de 5 de outubro de 2010, McB. (C-400/10 PPU, Colet., p. I-8965, n.o 53).