CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

YVES BOT

apresentadas em 8 de dezembro de 2011 ( 1 )

Processo C-1/11

Interseroh Scrap and Metals Trading GmbH

contra

Sonderabfall-Management-Gesellschaft Rheinland-Pfalz mbH (SAM)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Mainz (Alemanha)]

«Proteção do ambiente — Transferências de resíduos — Regulamento (CE) n.o 1013/2006 — Informações que devem acompanhar as transferências de resíduos incluídos na lista verde — Tratamento confidencial — Alcance»

1. 

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos ( 2 ), conforme alterado pela Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 ( 3 ).

2. 

O Verwaltungsgericht Mainz (Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça quatro questões, através das quais pretende, no essencial, saber se a obrigação de informação prevista no artigo 18.o, n.o 1, do regulamento pode ser restringida pelo direito à proteção do segredo comercial.

3. 

Por conseguinte, através do presente processo, o Tribunal de Justiça é convidado a examinar o alcance da remissão, feita no artigo 18.o, n.o 4, do regulamento, para as disposições que exigem um tratamento confidencial da informação e a apreciar a consagração, pelo direito da União, de um direito à proteção do segredo comercial, antes, se for o caso, de o confrontar com as exigências de informação impostas pela regulamentação ambiental.

4. 

Nas presentes conclusões, apresento as razões pelas quais considero, em primeiro lugar, que as disposições para as quais remete o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento não podem aplicar-se nas relações entre os participantes em operações de transferência; seguidamente, que o artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que limita, por razões relativas à proteção do segredo comercial, o acesso do destinatário dos resíduos às informações relativas ao produtor dos resíduos, previstas no n.o 6 do documento que figura no Anexo VII do referido regulamento; e, por último, que as referidas disposições são compatíveis com o direito primário.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

5.

Adotado com base no artigo 175.o, n.o 1, CE, o regulamento tem por objetivo instituir um sistema harmonizado de procedimentos, através dos quais a circulação dos resíduos possa ser limitada, a fim de garantir a proteção do ambiente.

6.

Este regulamento revoga e substitui o Regulamento (CEE) n.o 259/93 do Conselho, de 1 de fevereiro de 1993 ( 4 ), que revogou a Diretiva 84/631/CEE do Conselho, de 6 de dezembro de 1984 ( 5 ).

7.

Esta nova regulamentação visa, nomeadamente, integrar as alterações das listas de resíduos anexas à Convenção sobre o Controlo dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação, assinada em Basileia, em 22 de março de 1989, e aprovada em nome da Comunidade pela Decisão 93/98/CEE do Conselho, de 1 de fevereiro de 1993 ( 6 ), e o conteúdo da Decisão do Conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico C(2001) 107 Final relativa à revisão da Decisão da OCDE C(1992) 39 Final sobre o controlo dos movimentos transfronteiriços de resíduos destinados a operações de valorização.

8.

Para esse fim, o regulamento estabelece os procedimentos e os regimes de controlo aplicáveis às transferências de resíduos, em função de critérios que assentam essencialmente no tipo de resíduos transferidos, no Estado de exportação e no destino dos resíduos, consoante se trate de eliminação ou de valorização.

9.

Mais precisamente, estabelece três categorias de resíduos em função da sua perigosidade e, consequentemente, em função do procedimento de controlo a adotar em relação aos mesmos. Assim, o Anexo III do regulamento estabelece a lista verde, que inclui os resíduos que se considere apresentarem riscos insignificantes para a saúde humana e para o ambiente ao longo da sua transferência. Estes resíduos são, em princípio, exclusivamente sujeitos a um procedimento de informação. O Anexo IV deste regulamento, denominado «lista laranja», enumera os resíduos que, representando um risco para a saúde humana e o ambiente, estão sujeitos ao procedimento mais exigente de notificação e autorização prévia por escrito. Por último, o Anexo V do referido regulamento inclui uma lista não denominada dos resíduos mais perigosos, sujeitos a proibição de exportação.

10.

O artigo 3.o, n.o 2, do regulamento prevê que as transferências no interior da União Europeia, transitando ou não por Estados terceiros, de resíduos incluídos na lista verde destinados a operações de valorização ( 7 ) estão sujeitas aos requisitos gerais de informação estabelecidos no artigo 18.o do referido regulamento.

11.

Nos termos do artigo 18.o do regulamento:

«1.   Os resíduos referidos nos n.os 2 e 4 do artigo 3.o que se destinem a ser transferidos estão sujeitos aos seguintes requisitos processuais:

a)

A fim de permitir o seguimento das transferências desses resíduos, a pessoa sob a jurisdição do país de expedição que trata da transferência deve garantir que os resíduos sejam acompanhados do documento que figura no Anexo VII;

b)

O documento que figura no Anexo VII deve ser assinado pela pessoa que trata da transferência antes de esta ter lugar e pelo representante da instalação de valorização ou do laboratório e pelo destinatário no momento da receção dos resíduos em causa.

[…]

3.   Para fins de inspeção, controlo do cumprimento, planeamento e estatísticas, os Estados-Membros podem, de acordo com a legislação nacional, solicitar as informações referidas no n.o 1 sobre transferências sujeitas ao presente artigo.

4.   As informações referidas no n.o 1 devem ser tratadas como informações confidenciais sempre que tal for exigido pela legislação nacional e comunitária.»

12.

O Anexo VII do regulamento, para o qual remete o seu artigo 18.o, enumera as informações que devem acompanhar as transferências de resíduos, prevendo, designadamente, no respetivo n.o 6, que devem ser indicados, tratando-se do produtor de resíduos (produtor inicial, novo produtor ou agente de recolha), o seu nome, a sua morada, a pessoa a contactar, o seu número de telefone, número de fax e o endereço de correio eletrónico.

B – Direito nacional

13.

A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland) impõe o tratamento confidencial das informações relativas aos segredos comerciais em aplicação das disposições dos seus artigos 12.°, relativo ao livre exercício de uma atividade profissional, e 14.°, relativo ao direito de propriedade. De acordo com a jurisprudência, as fontes de abastecimento de uma empresa constituem segredos comerciais abrangidos pela proteção dos direitos fundamentais.

14.

O artigo 5.o, n.o 1, da lei relativa à execução do Regulamento n.o 1013/2006 e da Convenção de Basileia, de 22 de março de 1989, sobre o Controlo dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação ( 8 ) de 19 de julho de 2007 ( 9 ), dispõe, relativamente às transferências abrangidas pelo artigo 18.o do regulamento, também conjugado com os artigos 37.°, n.o 3, 38.°, n.o 1, 40.°, n.o 3, 42.°, n.o 1, 44.°, n.o 1, 45.°, 46.°, n.o 1, 47.° ou 48.° do regulamento, que a pessoa que organiza a transferência deve, na medida do possível, preencher o formulário constante do respetivo Anexo VII.

II – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15.

O litígio no processo principal opõe a Interseroh Scrap and Metals Trading GmbH (a seguir «Interseroh»), especializada no negócio dos resíduos de aço e de metal, à Sonderabfall-Management-Gesellschaft Rheinland-Pfalz GmbH (SAM), à qual o Land da Renânia-Palatinado incumbiu a fiscalização dos fluxos de resíduos especiais.

16.

A Interseroh, na sua qualidade de negociante intermediário, compra resíduos incluídos na lista verde a um produtor ou agente de recolha e a seguir revende-os a aciarias, fundições e fábricas metalúrgicas, sendo a mercadoria diretamente entregue ao destinatário pelo produtor ou pelo agente de recolha.

17.

Esta prática comercial traduz-se na celebração de dois contratos distintos, dos quais, um vincula o intermediário ao produtor dos resíduos, e o outro, vincula esse negociante ao destinatário.

18.

De acordo com as disposições do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do regulamento, a Interseroh deve mencionar no documento referido no Anexo VII diversas informações que permitam identificar o produtor dos resíduos.

19.

A Interseroh considera que essa obrigação a leva a divulgar informações relativas às suas fontes de abastecimento que são abrangidas pelo segredo comercial, o que, em seu entender, tem como consequência colocar os seus clientes na posição de poderem contratar diretamente com o produtor, excluindo-a dos mercados de valorização dos resíduos.

20.

Por essa razão, esta sociedade decidiu designar-se, a ela própria, como produtora ou como agente de recolha, no n.o 6 do documento que figura no Anexo VII do regulamento ou não preencher esse campo, uma vez que, de qualquer modo, a identidade do verdadeiro produtor ou agente de recolha, em seu entender, já decorre das guias de entrega e de pesagem que também devem acompanhar o transporte.

21.

Inspecionada em 7 de maio de 2009 e condenada pela SAM a pagar uma coima, a Interseroh intentou uma ação no Verwaltungsgericht Mainz, para ver declarado que, enquanto negociante intermediário, não está obrigada, perante o seu cliente, a indicar a identidade do produtor dos resíduos.

22.

O Verwaltungsgericht Mainz decidiu suspender a instância e submeter ao tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos, também é aplicável aos participantes em operações de transferência?

2)

Em caso de resposta negativa: o artigo 18.o, n.o 1, do referido regulamento é restringido pelo direito primário, para efeitos de proteção dos segredos comerciais?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: o artigo 18.o, n.o 4, do referido regulamento restringe, para efeitos da proteção dos segredos comerciais, o dever, imposto pelo artigo 18.o, n.o 1, desse regulamento à pessoa que trata da transferência, de identificar, também perante o destinatário dos resíduos, o produtor dos resíduos ou [do] agente de recolha, mediante o documento constante do Anexo VII do regulamento?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão: o alcance da restrição depende de uma ponderação dos interesses no caso concreto (interesses comerciais em causa por um lado, proteção do ambiente por outro)?»

III – Análise

A – Observações preliminares

23.

Antes de responder às questões submetidas, considero útil salientar os dados jurídicos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio assim como a natureza dos problemas jurídicos que pretende ver esclarecidos.

1. Os dados jurídicos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio

24.

O juiz nacional expõe que, embora o tratamento confidencial das informações relativas ao produtor ou ao agente de recolha dos resíduos não seja exigido pelas disposições da legislação alemã que regem a transferência dos resíduos, essa confidencialidade é, em contrapartida, imposta pela Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, em aplicação das disposições conjugadas dos seus artigos 12.° e 14.°, uma vez que é geralmente admitido que as fontes de abastecimento de uma empresa constituem segredos comerciais abrangidos pela proteção dos direitos fundamentais. Considero dado incontestável esta apresentação que o juiz nacional fez da lei.

2. Objeto e alcance das questões

25.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que importa partir do postulado de que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento só autoriza o tratamento confidencial das informações previstas no artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento se tal for cumulativamente exigido pela legislação da União e pela legislação nacional. Baseia esta análise na comparação deste artigo 18.o, n.o 4, nas suas versões nas línguas inglesa e francesa, com o artigo 21.o do regulamento, que remete para a legislação «nacional ou comunitária».

26.

Tomando por adquirido que a legislação alemã exige o tratamento confidencial das informações relativas às fontes de abastecimento, o órgão jurisdicional de reenvio considera que importa examinar se a legislação da União também exige esse tratamento confidencial.

27.

Questiona-se, por conseguinte, sobre a extensão da proteção do segredo comercial permitida pelo artigo 18.o, n.o 4, do regulamento e sobre o conteúdo e a aplicação eventual das regras de direito primário para resolver o litígio no processo principal.

28.

Por outras palavras, o Verwaltungsgericht Mainz pergunta se o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento comporta, por si, uma restrição à obrigação de comunicar ao destinatário dos resíduos as informações previstas no seu artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento, e se, não sendo esse o caso, essa restrição decorre do direito primário e dos princípios gerais do direito da União.

29.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais de reenvio definir o objeto das questões que pretendam submeter. Com efeito, compete unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer do litígio e aos quais cabe a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar, tendo em conta as particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça ( 10 ).

30.

Considero que resulta da decisão de reenvio que, se as questões tiverem formalmente como objeto a interpretação do artigo 18.o, n.os 1 e 4, do regulamento, o Verwaltungsgericht Mainz, ao interrogar-se, com a sua segunda questão, sobre a incidência do direito primário no alcance da obrigação prevista no artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento, tem necessariamente dúvidas quanto à validade dessa disposição, pelo que o objeto da questão obriga a uma apreciação de validade.

31.

Proponho que o Tribunal de Justiça inicie o exame do presente processo pela primeira, terceira e quarta questões, que se referem todas à interpretação das disposições do artigo 18.o, n.o 4, do regulamento, para as quais sugiro uma resposta única. Seguidamente, abordarei a segunda questão, relativa à compatibilidade do artigo 18.o, n.o 1, desse regulamento com o direito à proteção do segredo comercial e que implica, portanto, indiretamente, uma apreciação de validade. O exame das questões por esta ordem justifica-se, em meu entender, pelo facto de que a apreciação da validade de um ato implica necessariamente uma interpretação prévia.

B – Quanto à primeira, terceira e quarta questões

32.

Com a primeira, terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre o alcance do artigo 18.o, n.o 4, do regulamento que prevê o tratamento confidencial das informações referidas no n.o 1 deste artigo «sempre que tal for exigido pela legislação nacional e comunitária» ( 11 ).

33.

Pressupõe, assim, que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento seja considerado como uma disposição geradora de obrigações, da qual se deve precisar o âmbito de aplicação deve ser precisado para determinar se visa apenas os terceiros ou se também diz respeito às partes intervenientes na operação de transferências de resíduos.

34.

Inscrevendo-se nesta lógica, os Governos belga, austríaco e português conjugam o n.o 4 com o n.o 3 do mesmo artigo e consideram, por conseguinte, que as regulamentações para as quais remete o referido n.o 4 são apenas as que são aplicáveis às autoridades que reclamam informações para fins de inspeção, controlo da aplicação, planeamento e estatísticas. Por conseguinte, a remissão para estas regulamentações só pode visar as disposições relativas ao tratamento confidencial das informações pelas autoridades competentes em questão dos Estados-Membros.

35.

A Interseroh sustenta, pelo contrário, baseando-se na letra do n.o 4 do artigo 18.o do regulamento, quanto ao seu posicionamento neste artigo, num número distinto, e quanto à sua finalidade, que é a de garantir o segredo comercial, que a obrigação de tratamento confidencial das informações também se aplica às pessoas que participam em operações de transferência.

36.

A Comissão Europeia, adotando uma posição intermédia, considera que a obrigação de confidencialidade se aplica não só às autoridades competentes em questão dos Estados-Membros mas também às empresas que participam em operações de transferência dos resíduos, mas somente nas relações com terceiros, podendo estas empresas, entre si, enquadrar contratualmente os efeitos de uma comunicação de informações não autorizada.

37.

Antes de sugerir elementos de resposta, parece-me útil fazer, a título preliminar, duas precisões sobre o sentido que se deve dar ao artigo 18.o, n.o 4, do regulamento.

38.

Importa salientar, em primeiro lugar, que essa disposição não cria, por si própria, uma obrigação de confidencialidade cujo campo de aplicação se torne necessário apreciar.

39.

Tal disposição, embora com uma redação um pouco diferente, dado que se referia apenas à legislação nacional, já constava do Regulamento n.o 259/93, cujo artigo 11.o, n.o 2, previa que as informações que acompanham as transferências de resíduos deviam ser tratadas «confidencialmente em conformidade com a legislação nacional em vigor».

40.

Há que observar que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento, tal como o artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 259/93, que o substituiu, não cria, por si próprio, uma qualquer obrigação de confidencialidade, mas que se limita a remeter, no que diz respeito ao tratamento confidencial das informações recolhidas nos termos do seu n.o 1, para a aplicação das disposições do direito da União e das disposições nacionais em vigor na matéria. O tratamento confidencial da informação é, pois, concebido como uma exceção subordinada à adoção de uma regulamentação específica.

41.

Em segundo lugar, não penso que se deva deduzir do emprego da conjunção de coordenação «e» que o tratamento confidencial deva ser cumulativamente previsto pela legislação da União e pela legislação nacional.

42.

É certo que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento pode ser utilmente aproximado do seu artigo 21.o, relativo ao acesso do público às notificações, que prevê que as autoridades competentes de expedição ou de destino podem publicar, pelos meios apropriados, como a Internet, as informações relativas às notificações de transferências que tenham autorizado, «quando estas informações não sejam confidenciais por força da legislação nacional ou comunitária confidenciais à luz da legislação nacional ou [ ( 12 )] comunitária». Os dois elementos são claramente mencionados nesse artigo como sendo alternativos, pelo emprego da conjunção «ou», ao passo que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento utiliza a conjunção «e».

43.

Todavia, a conjunção «e» pode, de um ponto de vista linguístico, revestir quer um sentido cumulativo, quer um sentido distributivo, e deve ser lida no contexto em que seja utilizada ( 13 ). O artigo 19.o, n.o 6, da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às transferências de resíduos ( 14 ), estava redigida de forma diferente, dado que previa que as informações referidas no seu n.o 1 deviam ser objeto de um tratamento confidencial «em conformidade com a legislação comunitária e nacional». Tendo em conta a finalidade prosseguida pelo artigo 18.o, n.o 4, do regulamento, considero que a conjunção «e» não deve ser entendida como impondo uma dupla exigência. Basta, a meu ver, que a legislação nacional exija o tratamento confidencial da informação, mas é necessário, bem entendido, que essa legislação nacional seja conforme ao direito da União e entre, portanto, no âmbito da remissão deste artigo 18.o, n.o 4.

44.

Por conseguinte, é efetivamente o alcance da reserva feita neste artigo à aplicação da legislação nacional e à aplicação da legislação da União que deve ser examinado com maior precisão.

45.

Esse exame deve ser efetuado tendo em conta que o direito à confidencialidade não é proclamado como um princípio, mas enunciado, pelo contrário, como uma exceção que deve ser objeto de uma interpretação estrita.

46.

A regra de interpretação que proponho que seja adotada é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, num acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/França ( 15 ), considerou que a lei francesa era demasiado genérica quando permitia uma recusa com o fundamento de que a divulgação de uma informação «em geral, possa violar os segredos legalmente protegidos». Essa regra obriga a equilibrar, em cada caso particular, o interesse público que a divulgação visa proteger com o interesse protegido pela recusa da divulgação ( 16 ).

47.

A questão do alcance do artigo 18.o, n.o 4, do regulamento subdivide-se em duas interrogações.

48.

A primeira é a de saber se as disposições para as quais remete o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento são de molde a restringir a obrigação de mencionar o nome do produtor dos resíduos no n.o 6 do documento que figura no Anexo VII deste regulamento.

49.

Com a segunda questão, o tribunal de reenvio pretende saber, no caso de a resposta à primeira questão ser negativa, se essas disposições podem justificar que a informação relativa ao produtor, mencionada no documento que figura no Anexo VII do regulamento, não seja comunicada ao destinatário dos resíduos.

1. Quanto à obrigação que tem o negociante intermediário de preencher o n.o 6 do documento que figura no Anexo VII do regulamento

50.

Penso poder afirmar que resulta claramente das disposições do artigo 18.o do regulamento que o n.o 4 deste artigo não comporta nenhuma derrogação à obrigação prevista no n.o 1 do referido artigo. De facto, estas duas disposições não têm o mesmo objeto, visto que uma impõe uma informação, ao passo que a outra tem por objeto especificar as modalidades de tratamento. Por outras palavras, o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento só pode aplicar-se se as informações foram efetivamente mencionadas previamente no documento que figura no Anexo VII deste regulamento, de acordo com o preceituado no n.o 1 desse artigo.

51.

Esta interpretação resulta dos próprios termos do artigo 18.o, n.os 1 e 4, do regulamento.

52.

Corresponde também à economia geral do dispositivo instituído pelo regulamento, que exclui qualquer exceção à obrigação de informação quanto ao produtor ou ao agente de recolha de resíduos sempre que a pessoa organiza a transferência seja comerciante. A nota de rodapé 3 do Anexo VII do regulamento especifica, assim, expressamente, que, no caso de a pessoa que organiza a transferência não ser o produtor nem o agente de recolha devem também ser fornecidas informações relativamente ao produtor ou ao agente de recolha. Esta precisão seria destituída de alcance se o artigo 18.o, n.o 4, deste regulamento devesse ser interpretado no sentido de que autoriza o negociante intermediário a não indicar os elementos de identificação do produtor ou do agente de recolha. Assim, ao contemplar expressamente o modelo comercial no qual assenta a atividade da Interseroh, o regulamento não autoriza derrogação alguma neste particular.

53.

Atendendo às considerações anteriores, proponho, assim, concluir que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento não permite uma derrogação à obrigação, prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, em relação à pessoa que organiza a transferência, de garantir que os resíduos sejam acompanhados do documento que figura no Anexo VII do referido regulamento.

54.

Em consequência, considero que um negociante, como, no caso presente, a Interseroh, não pode deixar de indicar no n.o 6 desse documento o nome e os dados do produtor ou do agente de recolha de resíduos, a pretexto, nomeadamente, de que as mesmas informações constavam de outros documentos, como as guias de entrega ou os talões de pesagem.

55.

Resta, pois, determinar se o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento reserva a aplicação de disposições que, sem dispensar a pessoa que organiza a transferência da obrigação de completar o n.o 6 do referido documento, limitariam, nomeadamente por razões relativas à proteção do segredo das fontes de abastecimento, a comunicação destas informações ao destinatário dos resíduos.

2. Quanto à obrigação de comunicar ao destinatário dos resíduos a identidade do produtor ou do agente de recolha dos resíduos

56.

Não me parece que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento possa ser interpretado segundo a interpretação restritiva que dele fazem os Governos belga, austríaco e português, nem segundo a abordagem extensiva proposta pela Interseroh. Penso que se deve subscrever a interpretação intermédia sugerida pela Comissão, pelas razões que se seguem.

57.

É exato que esta disposição parece remeter principalmente para as disposições do direito da União ou para as disposições nacionais que permitem aos Estados-Membros derrogar o princípio de liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente, consagrada pela Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003 ( 17 ).

58.

Esta interpretação é corroborada pelo vigésimo terceiro considerando do regulamento, que especifica que os Estados-Membros devem ser obrigados a assegurar que, em conformidade com a Convenção sobre o acesso à informação, a participação do público no processo de tomada de decisão e o acesso à justiça em matéria de ambiente, celebrada em 25 de junho de 1988 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 ( 18 ), as autoridades competentes envolvidas tornem públicas, pelos meios apropriados, as informações relativas às notificações de transferências, «quando estas informações não sejam confidenciais por força da legislação nacional ou comunitária».

59.

A Diretiva 2003/4, que tem precisamente por objetivo tornar as disposições do direito da União compatíveis com esta Convenção, dispõe, no seu artigo 4.o, n.o 2, alínea d), que os Estados-Membros podem prever que um pedido de informação sobre ambiente seja indeferido se a divulgação dessa informação prejudicar «[a] confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, incluindo o interesse público em manter a confidencialidade estatística e o sigilo fiscal».

60.

Deduzo da aproximação destas diferentes disposições, à semelhança dos Governos belga, austríaco e português, que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento remete para as disposições derrogatórias do princípio do direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas.

61.

De resto, segundo o relatório da Comissão de 12 de abril de 2011 ( 19 ), respeitante, designadamente, à aplicação do artigo 18.o e do Anexo VII do regulamento, é a aceção que parece ser a mais comummente aceite pelas autoridades encarregues pelos Estados-Membros da aplicação do regulamento.

62.

Contudo, considero que a remissão feita por este artigo tem necessariamente um alcance mais amplo. De facto, há que constatar que o n.o 4 do referido artigo está redigido em termos gerais e que é autónomo e distinto do n.o 3 do mesmo artigo consagrado à comunicação das informações às autoridades dos Estados-Membros. Esta dupla consideração, que se baseia tanto na redação do n.o 4 do artigo 18.o do regulamento como no na sua localização no interior que na sua inserção neste artigo, afigura-se ser de natureza a excluir qualquer interpretação demasiado restritiva.

63.

Por conseguinte, penso que as disposições para as quais remete o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento podem aplicar-se a todas as pessoas que possam deter as informações referidas no seu artigo 18.o, n.o 1, seja não só às autoridades de expedição ou de destino mas também a todas as pessoas singulares ou coletivas que participam em operações de transferência dos resíduos.

64.

Contudo, em meu entender, o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento aplica-se às pessoas que participam em operações de transferência exclusivamente nas suas relações com terceiros e não nas relações entre elas, pelo que esta disposição não pode permitir que um negociante dissimule informações ao destinatário dos resíduos. Duas séries de considerações militam neste sentido.

65.

A primeira assenta na economia geral do regulamento, que contém várias disposições que me parecem incompatíveis com a possibilidade de o negociante dissimular ao destinatário as informações relativas à identificação do produtor.

66.

O regulamento prevê a utilização de um documento único, cujo conteúdo está determinado no seu Anexo VII, e não comporta nenhuma disposição alternativa que autorize o recurso a dois formulários distintos, sendo um destinado à autoridade de controlo e outro ao destinatário ( 20 ), ou um código que só a autoridade de controlo possa decifrar. Pretendo precisar, sobre este ponto, que contrariamente ao que sustenta o Governo belga, o artigo 26.o, n.o 3, do regulamento que se limita a prever a possibilidade de elaborar o documento do seu Anexo VII sob forma eletrónica desde que possa ser consultado em modo de leitura, em qualquer momento, ao longo do transporte, não me parece de forma alguma suscetível de permitir encobrir os dados relativos ao produtor de resíduos. Também não me parece que o Tribunal de Justiça tenha por missão substituir-se ao legislador da União, prevendo mecanismos que permitam evitar a divulgação da identidade do produtor dos resíduos ao seu destinatário.

67.

O artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do regulamento dispõe, por outro lado, que o documento que figura no seu Anexo VII deve ser assinado pelo representante da instalação de valorização ou do laboratório e pelo destinatário no momento da receção dos resíduos, ao passo que o artigo 20.o, n.o 2, do regulamento precisa que as informações comunicadas em conformidade com o seu artigo 18.o, n.o 1, são conservadas, durante três anos, no mínimo, a contar do início da transferência, nomeadamente, pelo destinatário e pela instalação que recebe os resíduos. Sendo signatário e depositário do documento, o destinatário não pode receber uma versão truncada desse documento.

68.

A segunda série de considerações prende-se com o efeito útil do regulamento.

69.

Em primeiro lugar, o regulamento imputa aos Estados-Membros responsabilidade pela aplicação das medidas de controlo respeitantes às transferências de resíduos e precisa que essas medidas incluem controlos imprevistos que podem ser efetuados não só na origem, junto do produtor, do detentor ou do notificador, ao longo da transferência, mas também no destino, onde serão realizados com o destinatário final ou a instalação. Esses controlos incluem, além do controlo físico dos resíduos, a inspeção de documentos e a confirmação da identidade dos que participam.

70.

Resulta dessas disposições que as autoridades do Estado de destino devem estar em condições de poder efetuar controlos no local de chegada dos resíduos. A eficácia destes controlos pressupõe que essas autoridades possam aceder no domicílio do destinatário a um documento único, que tenha os diferentes campos de informações completamente preenchidos.

71.

Além disso, deve salientar-se que o regulamento, em conformidade com a totalidade da regulamentação ambiental, faz recair uma responsabilidade especial sobre o produtor de resíduos, cuja identificação é, em consequência, essencial.

72.

O artigo 49.o, n.o 1, do regulamento dispõe que o produtor deve tomar as medidas necessárias para que todos os resíduos que transfira sejam geridos sem pôr em perigo a saúde humana e de uma maneira ecologicamente racional durante toda a transferência e as operações de valorização e de eliminação. Por conseguinte, a responsabilidade do produtor só cessa quando terminarem essas operações.

73.

Contrariamente ao que sustenta a Interseroh, a responsabilidade da pessoa que organiza a transferência dos resíduos não exclui a do produtor. Embora, em caso de transferência ilícita, a responsabilidade pela devolução incumba, em primeiro lugar, à pessoa que organiza a transferência ( 21 ), também é verdade que o regulamento, que imputa a obrigação pela retoma e pelos custos correspondentes suportados segundo um mecanismo em cadeia, que vai do notificador à autoridade competente de expedição, passando por «outras pessoas singulares ou coletivas», permite responsabilizar o produtor, caso seja impossível imputar tal responsabilidade à pessoa que organiza a transferência ( 22 ). Em resposta à preocupação de assegurar que nenhum resíduo seja abandonado e de que exista um responsável quando o detentor atual dos resíduos seja insolvente, a legislação ambiental não exclui, portanto, em princípio, a responsabilidade do produtor inicial, mesmo que este já não tenha os resíduos na sua posse ( 23 ).

74.

Sempre que seja detetada uma transferência ilícita que não seja da autoria do destinatário e que a responsabilidade da pessoa que organizou a transferência não possa ser posta em causa, por exemplo porque essa pessoa é insolvente ou foi objeto de dissolução, as autoridades competentes devem, pois, poder dirigir-se ao destinatário ou à instalação de valorização para conhecer a identidade do produtor com vista a, se for esse o caso, responsabilizá-lo ou fazê-lo suportar o custo da devolução.

75.

Por estas razões, importa considerar que:

por um lado, que o artigo 18.o, n.o 4, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que apenas remete para as disposições que impõem o tratamento confidencial das informações referidas no artigo 18.o, n.o 1, desse regulamento em relação a terceiros à operação de transferência dos resíduos, e

por outro, que o artigo 18.o, n.o 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que limita, por razões relativas à proteção do segredo comercial, o acesso do destinatário dos resíduos às informações relativas ao produtor dos resíduos mencionados no n.o 6 do documento que figura no Anexo VII deste regulamento.

C – Quanto à segunda questão

76.

Com a segunda questão, relativa à incidência do direito primário, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se indiretamente sobre a questão de saber se a obrigação do artigo 18.o, n.o 1, do regulamento é compatível com as exigências de proteção do segredo comercial, como as que decorrem desse direito e dos princípios gerais do direito da União.

77.

Nestas circunstâncias, há que averiguar se o respeito dos direitos fundamentais obsta à interpretação do regulamento exposta no n.o 75 das presentes conclusões.

78.

Esta questão obriga a indagar se o segredo comercial goza de proteção em direito da União e, se for o caso, qual o grau dessa proteção.

79.

Pode responder-se que o direito à proteção do segredo comercial goza de uma consagração de princípio no direito da União.

80.

Esse direito está consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como uma componente do direito a uma boa administração. Nos termos do artigo 41.o, n.o 2, da Carta, o direito a uma boa administração inclui, nomeadamente, «o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial». O referido direito também é mencionado no artigo 339.o TFUE que impõe aos membros das instituições da União a obrigação de não divulgar as informações que, por sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional, «designadamente as respeitantes às empresas e respetivas relações comerciais ou elementos dos seus preços de custo».

81.

Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça referiu-se por várias vezes ao direito à proteção do segredo comercial, que erigiu em princípio geral.

82.

No seu acórdão de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão ( 24 ), o Tribunal de Justiça apesar de realçar que as disposições aplicáveis na causa se referiam a hipóteses particulares, considerou, no entanto, que eram a expressão de um princípio geral que se aplica no desenrolar do procedimento administrativo ( 25 ). Reafirmou, no acórdão de 19 de maio de 1994, SEP/Comissão ( 26 ), a existência de um «princípio geral do direito das empresas à proteção dos seus segredos comerciais» ( 27 ).

83.

Uma vez que a proteção do segredo comercial foi diretamente consagrada como um princípio geral, não me parece necessário indagar se deve ser protegida como componente do direito de propriedade ou do direito ao livre exercício de uma atividade económica.

84.

De qualquer modo, este princípio não se apresenta como uma prerrogativa absoluta e deve ser tomado em consideração por referência à sua função na sociedade. Em consequência, podem ser-lhe introduzidas restrições, desde que justificadas por razões imperiosas de interesse geral, que sejam adequadas a garantir a realização do objetivo prosseguido e que não ultrapassem o necessário para atingir esse objetivo.

85.

Assim, no seu acórdão Varec, já referido, o Tribunal de Justiça, por exemplo, foi levado a ponderar o direito dos operadores à proteção das suas informações confidenciais e dos seus segredos comerciais com o direito de acesso às informações relativas aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços ( 28 ).

86.

A ponderação a fazer para encontrar um equilíbrio deve, a meu ver, ter em conta que, segundo o artigo 191.o, n.o 2, TFUE, a política da União no domínio do ambiente visa um nível de proteção elevado. Esta política assenta nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador. Além disso, nos termos do artigo 11.o TFUE, «[a]s exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e ações da União, em especial com o objetivo de promover um desenvolvimento sustentável».

87.

Os elementos determinantes no momento de proceder à ponderação entre o interesse na proteção do ambiente e o direito ao segredo comercial devem residir, em minha opinião, por um lado, no contributo que a informação em causa traz à proteção do ambiente e, por outro, no grau de gravidade da violação do segredo comercial resultante da divulgação dessa informação.

88.

A obrigação que tem o negociante revelar a identidade do produtor responde ao objetivo de interesse geral de proteção do ambiente.

89.

De um modo geral, como o Tribunal de Justiça salientou no acórdão de 8 de setembro de 2009, Comissão/Parlamento e Conselho ( 29 ), o regulamento visa principalmente, em razão do seu objetivo como do seu conteúdo, a proteção da saúde humana e do ambiente contra os efeitos potencialmente nefastos das transferências transfronteiriças de resíduos ( 30 ).

90.

Sendo certo que o procedimento prévio de notificação e consentimento escrito previsto no regulamento para os resíduos perigosos constitui o instrumento típico da política do ambiente ( 31 ), o procedimento de informação previsto para os resíduos incluídos na lista verde responde igualmente a este objetivo. O Tribunal de Justiça salientou, assim, que «o facto de o regulamento […] também se aplicar a resíduos não perigosos e a resíduos que se destinam a ser valorizados não lhe pode imprimir caráter comercial e diminuir a sua dimensão ambiental, uma vez que o caráter nocivo para o ambiente é inerente à própria natureza dos resíduos, sejam eles quais forem [ ( 32 )]» ( 33 ).

91.

Qualquer que seja a sua perigosidade, os resíduos não podem ser considerados mercadoria vulgar. Circulam apenas «em liberdade vigiada» ( 34 ) uma vez que as exigências imperativas relativas à proteção do ambiente obstam necessariamente aos seus movimentos.

92.

A obrigação de indicar os elementos de identificação no documento remetido ao destinatário dos resíduos revela-se necessária para atingir esse objetivo.

93.

Constitui uma dupla garantia de eficácia para as autoridades de controlo e de segurança em relação aos destinatários responsáveis pela valorização dos resíduos.

94.

Com efeito, a eficácia dos controlos dos resíduos quando do seu transporte ou da sua chegada ao local de destino pressupõe que as autoridades do país de trânsito ou de destino disponham, ao consultar o documento de acompanhamento dos resíduos, de um conhecimento imediato da identidade do produtor, sem serem obrigadas a dirigir-se à pessoa que organiza a transferência e que, por aplicação do artigo 18.o, n.o, 1, alínea a), do regulamento, se encontra no Estado de expedição. Como alega o Governo belga, esse elemento de informação constitui um critério que permite apreciar a necessidade de proceder a um controlo físico, necessariamente longo e oneroso, uma vez que impõe a imobilização da mercadoria A necessidade de se dirigir ao comerciante para conhecer a identidade do produtor atrasaria, assim, os procedimentos de controlo e apresentaria, consequentemente, sérios inconvenientes para os setores de atividade, como é o caso do transporte marítimo, que aplicam o princípio do «em cima da hora» e trabalham com prazos curtos.

95.

Saliente-se que, embora os resíduos incluídos na lista verde sejam considerados como apresentando perigos mínimos para o ambiente e os riscos para a saúde humana, a obrigação de informação prevista no artigo 18.o, n.o 1, do regulamento tem por finalidade prevenir os riscos de ser contornado o procedimento prévio de notificação e consentimento escrito previsto para os resíduos perigosos. Importa, em consequência, que as autoridades dos Estados-Membros possam exercer uma fiscalização ininterrupta sobre o percurso dos resíduos, desde a produção à sua valorização final, para poder verificar que se incluem efetivamente na lista verde ou, quando é o caso, que não são juntos com outros materiais de uma forma que comprometa a sua valorização no respeito do ambiente.

96.

Estando em causa a segurança do tratamento, o Governo austríaco sublinha, corretamente, que é através do conhecimento da natureza e da composição dos resíduos que o destinatário e as autoridades de controlo podem assegurar que os resíduos poderão ser tratados de um modo ecologicamente racional. A indicação do produtor de resíduos pode constituir, por si só, um índice essencial, quando, por exemplo, for comprovado que o produtor produz habitualmente resíduos perigosos. Além disso, se a instalação de valorização ou as autoridades de controlo do Estado de destino se considerarem insuficientemente informadas, poderão ser-lhe solicitados esclarecimentos complementares.

97.

O conhecimento da identidade do produtor constitui, portanto, uma informação necessária para o destinatário dos resíduos, da qual não pode ser privado sempre que recorra a um comerciante para tratar da transferência.

98.

A violação do direito à proteção dos dados cobertos pelo segredo comercial que possa eventualmente resultar dessa informação parece-me limitada.

99.

Partilho da análise da Comissão que alegou que, nas relações entre si, as partes na operação de transferência poderiam, sob certas reservas, prever pactos contratuais para minorarem os inconvenientes que possam resultar da utilização, pelo destinatário, para fins diferentes dos previstos pelo regulamento, das informações relativas a identidade do produtor.

100.

Interrogo-me, por outro lado, sobre a realidade e a gravidade do prejuízo que resultaria, para os negociantes, da divulgação da identidade dos produtores. Os elementos de informação fornecidos na fase escrita do processo e na audiência não permitem apreendê-las com precisão.

101.

Decorre destas considerações que o regime de informação instituído pelo regulamento para os resíduos incluídos na lista verde é proporcionado.

102.

Por conseguinte, concluo que o exame da segunda questão não revelou elementos que possam afetar a validade do artigo 18.o, n.os 1 e 4, do regulamento, de acordo com a interpretação que proponho.

IV – Conclusão

103.

Pelas razões expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Verwaltungsgericht Mainz:

«1)

O artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos, conforme modificado pela Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, deve ser interpretado no sentido de que só remete para as disposições que impõem o tratamento confidencial das informações referidas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1013/2006, conforme modificado pela Diretiva 2009/31, em relação a terceiros a operação de transferência dos resíduos.

2)

O artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1013/2006, conforme modificado pela Diretiva 2009/31, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que limita, por razões relativas à proteção do segredo comercial, o acesso do destinatário dos resíduos às informações relativas ao produtor dos resíduos mencionados no n.o 6 do documento que figura no Anexo VII deste regulamento.

3)

A análise da segunda questão não revelou elementos suscetíveis de afetar a validade do artigo 18.o, n.os 1 e 4, do Regulamento n.o 1013/2006, conforme modificado pela Diretiva 2009/31.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 190, p. 1.

( 3 ) JO L 140, p. 114, a seguir «regulamento».

( 4 ) Regulamento relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1).

( 5 ) Diretiva relativa à vigilância e ao controlo na Comunidade das transferências transfronteiras de resíduos perigosos (JO L 326, p. 31).

( 6 ) JO L 39, p. 1.

( 7 ) Todos os resíduos destinados a eliminação estão sujeitos ao procedimento mais exigente de notificação e autorização prévia por escrito, previsto no capítulo 1 deste regulamento.

( 8 ) Gesetz zur Ausführung der Verordnung (EG) Nr. 1013/2006 des Europäischen Parlaments und des Rates vom 14. Juni 2006 über die Verbringung von Abfällen und des Basler Übereinkommens vom 22. März 1989 über die Kontrolle der grenzüberschreitenden Verbringung gefährlicher Abfälle und ihrer Entsorgung..

( 9 ) BGBl. 2007 I, p. 1462.

( 10 ) V. acórdão de 5 de maio de 2011, MSD Sharp & Dohme (C-316/09, Colet., p. I-3249, n.o 21 e jurisprudência referida).

( 11 ) Na versão em língua francesa, o verbo está no plural enquanto o sujeito está no singular. A expressão é a seguinte, na versão em língua inglesa: «where this is required by Community and national legislation».

( 12 ) O sublinhado é meu.

( 13 ) V., para uma apreciação, pelo Tribunal de Justiça, do sentido a dar ao emprego da conjunção «ou», acórdão de 12 de julho de 2005, Comissão/França (C-304/02, Colet., p. I-6263, n.o 83).

( 14 ) Proposta apresentada pela Comissão em 30 de junho de 2003 [COM(2003) 379 final]. Europeu [COM(2003) 379 final 2003/0139(COD)]

( 15 ) C-233/00, Colet., p. I-6625.

( 16 ) V. acórdão de 16 de dezembro de 2010, Stichting Natuur en Milieu e o. (C-266/09, Colet., p. I-13119).

( 17 ) Diretiva relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO L 41, p. 26).

( 18 ) JO L 124, p. 1.

( 19 ) Relatório disponível em língua inglesa no sítio Internet da Comissão: Assessment and guidance for the implemention of EU waste legislation in Member States. Na página 23 deste relatório é indicado que:

«In the majority of cases ‘confidentiality’ pursuant to artigo 18(4) is interpreted as compliant with data protection law requirements throughout data management by [Competent Authorities].

Ireland is the only Member State which interprets the legislation in a way that ‘persons who arrange the shipment’ (box 1) may omit the information on consignee and recovery facility by referring to the exporter. Box 2 and 7 in this case will be filled with ‘Confidential - please refer to box 1’.»

( 20 ) No relatório da Comissão mencionado na note de rodapé 14, só a autoridade eslovena declarou aceitar o recurso a dois formulários [«Slovenia declares that it can also accept if there are two Annex VII documents for the same shipment. In the first could be the data about the producer and in the second the data about recovery, so that you can get all required data» (p. 25)].

( 21 ) V. artigo 24.o, n.o 9, do regulamento.

( 22 ) Os artigos 24.°, n.o 9, e 25.°, n.o 4, do regulamento não exoneram o notificador de qualquer responsabilidade, uma vez que se limitam a prever que a pessoa que trata da transferência está sujeita às mesmas obrigações. Ora, segundo a definição hierarquizada que lhe dá o artigo 2.o, n.o 15, alínea a), deste regulamento, o notificador é, em primeiro lugar, o produtor inicial [i)].

( 23 ) Os artigos 24.°, n.o 10, e 25.°, n.o 5, do regulamento reservam expressamente a aplicação das disposições comunitárias e nacionais relativas à responsabilidade. Ora, o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativo aos resíduos e que revoga certas Diretivas (JO L 312, p. 3), prevê que o produtor inicial ou o detentor são responsáveis pela execução de uma operação completa de valorização ou de eliminação, mesmo quando os resíduos são transferidos para outras pessoas para tratamento preliminar. Sem prejuízo do regulamento, essa disposição autoriza, por outro lado, os Estados-Membros a precisar as condições da responsabilidade e decidir em que casos o produtor inicial continua a ser responsável por toda a cadeia de tratamento ou em que casos a responsabilidade do produtor e do detentor pode ser partilhada ou delegada entre os intervenientes na cadeia de tratamento.

( 24 ) 53/85, Colet., p. 1965.

( 25 ) N.o 28.

( 26 ) C-36/92 P, Colet., p. I-1911.

( 27 ) N.os 36 e 37. V. também, acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Varec (C-450/06, Colet., p. I-581, n.o 49).

( 28 ) N.os 51 e 52.

( 29 ) C-411/06, Colet., p. I-7585.

( 30 ) N.o 62.

( 31 ) N.o 59 e jurisprudência citada.

( 32 ) O sublinhado é meu.

( 33 ) Acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, já referido (n.o 67 e jurisprudência citada).

( 34 ) V. Gillardin, J., «Les resíduos: des marchandises en liberté surveillée», L’entreprise et la gestion des resíduos, Bruylant, Bruxelles, 1993, p. 63.