TOMADA DE POSIÇÃO DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentada em 16 de Junho de 2010 1(1)

Processo C‑211/10 PPU

Doris Povse

contra

Mauro Alpago

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Processo prejudicial com tramitação urgente – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Responsabilidade parental conjunta dos dois progenitores – Deslocação da criança para um outro Estado‑Membro em violação de uma proibição de saída do território – Decisão do tribunal do primeiro Estado‑Membro que levanta a proibição e atribui provisoriamente o poder de decisão ao progenitor que se deslocou com a criança – Residência da criança no segundo Estado‑Membro durante mais de um ano – Decisão do tribunal do primeiro Estado‑Membro que ordena o regresso da criança a esse Estado – Razões susceptíveis de justificar a recusa no segundo Estado‑Membro da execução desta última decisão»





1.        Uma criança nascida em Itália, em 2006, de pai italiano e de mãe austríaca, que nunca contraíram matrimónio, encontra‑se actualmente na Áustria com a mãe, contra a vontade do pai. No âmbito de um processo que teve por objecto determinar o exercício da responsabilidade parental relativa à criança, um tribunal italiano ordenou o regresso desta a Itália. O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) (Áustria) submete‑nos cinco questões a respeito das razões pelas quais a execução deste despacho possa ser eventualmente recusada.

 Quadro jurídico

2.        Ao nível da União Europeia, a situação é regulada pelo Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho (2), lido em conjugação com a Convenção da Haia de 1980 (3).

 Convenção

3.        No preâmbulo da Convenção, os Estados signatários declaram‑se «[f]irmemente convictos de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia» e afirmam que desejam «proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita».

4.        Segundo o artigo 3.° da Convenção:

«A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a)      Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b)      Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»

5.        O artigo 12.° da Convenção prevê:

«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3.° e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.

[...]»

6.        Nos termos do artigo 13.° da Convenção:

«Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

a)      Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b)      Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar‑se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.»

7.        O artigo 17.° da Convenção dispõe:

«O facto de ter sido tomada uma decisão relativa à custódia ou de a mesma ser passível de reconhecimento no Estado requerido não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança nos termos desta Convenção; mas as autoridades judiciais ou administrativas do Estado requerido poderão tomar em consideração os motivos desta decisão no âmbito da aplicação da presente Convenção.»

8.        Segundo o artigo 19.° da Convenção:

«Qualquer decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da presente Convenção, não afecta os fundamentos do direito de custódia.»

 Regulamento

9.        Para a análise das questões suscitadas no presente reenvio prejudicial, afiguram‑se pertinentes diversos considerandos do regulamento, nomeadamente:

«(12) As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

[...]

(17)      Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a Convenção [...], completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.° Os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor‑se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efectuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e a execução da referida decisão no Estado‑Membro onde se encontra a criança raptada.

[...]

(21)      O reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado‑Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não‑reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável.

[...]

(23)      O Conselho Europeu de Tampere afirmou, nas suas conclusões (ponto 34) que as decisões proferidas em litígios em matéria de direito da família deveriam ser ‘automaticamente reconhecidas em toda a União sem quaisquer procedimentos intermediários ou motivos de recusa de execução’. Por este motivo, as decisões relativas ao direito de visita e as decisões relativas ao regresso da criança que tenham sido homologadas no Estado‑Membro de origem nos termos do presente regulamento deverão ser reconhecidas e têm força executória em todos os outros Estados‑Membros sem necessidade de qualquer outra formalidade. As regras de execução destas decisões continuam a ser reguladas pelo direito interno.

(24)      A certidão emitida para facilitar a execução da decisão não deverá ser susceptível de recurso. Só pode dar origem a uma acção de rectificação em caso de erro material, ou seja quando a certidão não reflicta correctamente o conteúdo da decisão.»

10.      O artigo 2.° do regulamento define determinadas expressões empregadas neste regulamento. Em particular, entende‑se por:

«4)      ‘Decisão’, qualquer decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, bem como qualquer decisão relativa à responsabilidade parental proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, independentemente da sua designação, tal como ‘acórdão’, ‘sentença’ ou ‘despacho judicial’;

[...]

11)      ‘Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança’, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

a)      Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;

e

b)      No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.

[...]»

11.      Segundo o artigo 8.° do regulamento, e sem prejuízo das disposições dos artigos 9.°, 10.° e 12.°, os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

12.      A este respeito, o artigo 10.° do regulamento (4) dispõe:

«Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas[...] continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro e:

a)      Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção;

ou

b)      A criança ter estado a residir nesse outro Estado‑Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:

i)      não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,

ii)      o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),

iii)      o processo instaurado num tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.° 7 do artigo 11.°,

iv)      os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.»

13.      Nos termos do artigo 11.° do regulamento:

«1.      Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.

2.      Ao aplicar os artigos 12.° e 13.° da [Convenção], deve‑se providenciar no sentido de que a criança tenha a oportunidade de ser ouvida durante o processo, excepto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade.

3.      O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.° 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.

Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem.

4.      O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.° da [Convenção], se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua protecção após o regresso.

5.      O tribunal não pode recusar o regresso da criança se a pessoa que o requereu não tiver tido oportunidade de ser ouvida.

6.      Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.° da [Convenção], deve imediatamente enviar, directamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as actas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.

7.      Excepto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da retenção ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que receba a informação referida no n.° 6 deve notificá‑la às partes e convidá‑las a apresentar as suas observações ao tribunal, nos termos do direito interno, no prazo de três meses a contar da data da notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da criança.

Sem prejuízo das regras de competência previstas no presente regulamento, o tribunal arquivará o processo se não tiver recebido observações dentro do prazo previsto.

8.      Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da [Convenção], uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança.»

14.      O artigo 15.° do regulamento refere‑se à possibilidade de transferência para um tribunal que se encontre mais bem colocado para conhecer do processo. Prevê:

«1.      Excepcionalmente, os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspectos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:

a)      Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado‑Membro, nos termos do n.° 4; ou

b)      Pedir ao tribunal de outro Estado‑Membro que se declare competente nos termos do n.° 5.

2.      O n.° 1 é aplicável:

a)      A pedido de uma das partes; ou

b)      Por iniciativa do tribunal; ou

c)      A pedido do tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nos termos do n.° 3.

Todavia, a transferência só pode ser efectuada por iniciativa do tribunal ou a pedido do tribunal de outro Estado‑Membro, se for aceite pelo menos por uma das partes.

3.      Considera‑se que a criança tem uma ligação particular com um Estado‑Membro, na acepção do n.° 2, se:

a)      Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.° 1, a criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

b)      A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

c)      A criança for nacional desse Estado‑Membro; ou

d)      Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

e)      O litígio se referir às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse da criança, que se encontram no território desse Estado‑Membro.

4.      O tribunal do Estado‑Membro competente para conhecer do mérito deve fixar um prazo para instaurar um processo nos tribunais do outro Estado‑Membro, nos termos do n.° 1.

Se não tiver sido instaurado um processo dentro desse prazo, continua a ser competente o tribunal em que o processo tenha sido instaurado nos termos dos artigos 8.° a 14.°

5.      O tribunal desse outro Estado‑Membro pode, se tal servir o superior interesse da criança, em virtude das circunstâncias específicas do caso, declarar‑se competente no prazo de seis semanas a contar da data em que tiver sido instaurado o processo com base nas alíneas a) ou b) do n.° 1. Nesse caso, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar renuncia à sua competência. No caso contrário, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar continua a ser competente, nos termos dos artigos 8.° a 14.°

6.      Os tribunais devem cooperar para efeitos do presente artigo, quer directamente, quer através das autoridades centrais designadas nos termos do artigo 53.°» (5).

15.      O capítulo III do regulamento tem por epígrafe «Reconhecimento e execução». A secção 1 deste capítulo refere‑se ao reconhecimento. Nesta secção, o artigo 23.° enumera os fundamentos de não reconhecimento das decisões em matéria de responsabilidade parental. Prevê:

«Uma decisão em matéria de responsabilidade parental não é reconhecida:

a)      Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido, tendo em conta o superior interesse da criança;

b)      Se, excepto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado‑Membro requerido;

c)      Se a parte revel não tiver sido citada ou notificada do acto introdutório da instância ou acto equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa, excepto se estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca;

d)      A pedido de qualquer pessoa que alegue que a decisão obsta ao exercício da sua responsabilidade parental, se a decisão tiver sido proferida sem que essa pessoa tenha tido a oportunidade de ser ouvida;

e)      Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental no Estado‑Membro requerido;

f)      Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental noutro Estado‑Membro ou no Estado terceiro em que a criança tenha a sua residência habitual, desde que essa decisão posterior reúna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado‑Membro requerido;

ou

g)      Se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.°» (6).

16.      O artigo 24.° desta mesma secção 1 dispõe:

«Não se pode proceder ao controlo da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem. O critério de ordem pública, referido na […] alínea a) do artigo 23.°, não pode ser aplicado às regras de competência enunciadas nos artigos [8.°] a 14.°» (7).

17.      A secção 4 do capítulo III, intitulada «Força executória de certas decisões em matéria de direito de visita e de certas decisões que exigem o regresso da criança», inclui os artigos 40.° a 45.° O artigo 40.°, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      A presente secção é aplicável:

[…]

b)      Ao regresso da criança, na sequência de uma decisão que exija o regresso da criança, nos termos do n.° 8 do artigo 11.°

2.      O disposto na presente secção não impede o titular da responsabilidade parental de requerer o reconhecimento e a execução de uma decisão, nos termos das secções 1 e 2 do presente capítulo.»

18.      Nos termos do artigo 42.°, intitulado «Regresso da criança»:

«1.      O regresso da criança referido na alínea b) do n.° 1 do artigo 40.°[...] resultante de uma decisão executória proferida num Estado‑Membro é reconhecido e goza de força executória noutro Estado‑Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento, se essa decisão tiver sido homologada no Estado‑Membro de origem, nos termos do n.° 2.

Mesmo se a legislação nacional não previr a força executória de pleno direito de uma decisão que exija o regresso da criança previsto no n.° 8 do artigo 11.°, o tribunal pode declarar a decisão com força executória, não obstante qualquer recurso.

2.      O juiz de origem que pronunciou a decisão referida na alínea b) do n.° 1 do artigo 40.° só emite a certidão referida no n.° 1[...] se:

a)      A criança tiver tido oportunidade de ser ouvida, excepto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade;

b)      As partes tiverem tido a oportunidade de ser ouvidas; e

c)      O tribunal, ao pronunciar‑se, tiver tido em conta a justificação e as provas em que assentava a decisão pronunciada ao abrigo do artigo 13.° da [Convenção].

Se o tribunal ou qualquer outra autoridade tomarem medidas para garantir a protecção da criança após o seu regresso ao Estado‑Membro onde reside habitualmente, essas medidas deverão ser especificadas na certidão.

O juiz de origem emite a referida certidão, por sua própria iniciativa, utilizando o formulário constante do Anexo IV (certidão relativa ao regresso da criança).

A certidão é redigida na língua da decisão.»

19.      De entre os elementos que devem ser certificados a este respeito consta, no n.° 13 do referido Anexo IV, a seguinte declaração:

«A decisão prevê o regresso da criança e o tribunal teve em conta na sua decisão os motivos e elementos de prova em que assenta a decisão tomada nos termos da alínea b) do artigo 13.° da [Convenção].»

20.      Nos termos do artigo 43.° do regulamento:

«1.      A legislação do Estado‑Membro de origem é aplicável a qualquer rectificação da certidão.

2.      A emissão de uma certidão nos termos do n.° 1 do artigo 41.° ou do n.° 1 do artigo 42.° não é susceptível de recurso.»

21.      O artigo 47.° do regulamento, sob a epígrafe «Processo de execução», prevê:

«1.      O processo de execução é regulado pela lei do Estado‑Membro de execução.

2.      Qualquer decisão proferida pelo tribunal de outro Estado‑Membro, e declarada executória nos termos da secção 2 ou homologada nos termos do n.° 1 do artigo 41.° ou do n.° 1 do artigo 42.°, é executada no Estado‑Membro de execução como se nele tivesse sido emitida.

Em particular, uma decisão homologada nos termos do n.° 1 do artigo 41.° ou do n.° 1 do artigo 42.° não pode ser executada em caso de conflito com uma decisão com força executória proferida posteriormente.»

22.      O artigo 53.° do regulamento prevê que cada Estado‑Membro designa uma ou várias autoridades centrais encarregadas de o assistir na aplicação do regulamento. Segundo o artigo 55.°, alínea c), do regulamento, uma das funções destas autoridades, em casos específicos de responsabilidade parental, é a de «[a]poiar a comunicação entre tribunais, nomeadamente para efeitos dos n.os 6 e 7 do artigo 11.° e do artigo 15.°»

 Quadro factual e processual

23.      No presente processo, procederei do mesmo modo que em relação à minha tomada de posição no processo que deu origem ao acórdão Rinau (8), resumindo os principais elementos do quadro factual e processual do litígio, como decorre da decisão de reenvio e das peças anexas, sob a forma de um quadro sinóptico.


Data

Itália

Áustria

6. 12. 2006

Nascimento da criança; nos termos do direito italiano, os pais têm a guarda conjunta.

 

31. 1. 2008

A mãe sai do domicílio comum com a criança.

 

4. 2. 2008

O pai pede que o Tribunale per i Minorenni di Venezia (Tribunal de Menores de Veneza) lhe atribua a guarda exclusiva da criança e declare uma proibição de saída da mãe do território italiano com a criança.

 

8. 2. 2008

O Tribunale per i Minorenni di Venezia proíbe provisoriamente que a mãe saia de Itália com a criança.

 
 

A mãe pede a guarda exclusiva da criança.

Apesar da proibição, a mãe deslocou‑se para a Áustria com a criança.

16. 4. 2008

 

O pai pediu o regresso da criança ao abrigo da Convenção.

23. 5. 2008

Antes de proferir uma decisão sobre a guarda definitiva, o Tribunale per i Minorenni di Venezia ordenou um exame pericial de natureza psicológica e contactos regulares entre a criança e o pai, na Itália e na Áustria, nos serviços sociais respectivos; a fim de permitir que a mãe se possa deslocar de um país para o outro com a criança para permitir os contactos com o pai, este tribunal revogou a proibição de saída do território; concede provisoriamente o direito de guarda conjunta aos dois progenitores e permite que a mãe mantenha a criança na Áustria, conferindo‑lhe apenas o poder de decisão relativo à sua vida quotidiana.

Inicialmente, os tribunais austríacos ignoram a existência e o teor desta decisão.

6. 6. 2008

 

A pedido da mãe, o Bezirksgericht Judenburg (Tribunal Cantonal de Judenburg, cantão de residência da mãe e da criança) proíbe que o pai contacte a mãe e a criança, pelo facto de ter assediado a mãe.

3. 7. 2008

 

Com fundamento no artigo 13.°, alínea b), da Convenção (risco grave de perigo psíquico em caso de separação da mãe), o Bezirksgericht Leoben (Tribunal Cantonal de Leoben, cantão contíguo ao de Judenburg) (9) indefere o pedido do pai (de 16 de Abril de 2008) que tinha por objecto que fosse ordenado o regresso da criança a Itália.

1. 9. 2008

 

Mediante recurso do pai, o Landesgericht Leoben (Tribunal Regional de Leoben) anulou o despacho de 3 de Julho de 2008 com fundamento no artigo 11.°, n.° 5, do regulamento, pelo facto de o pai não ter sido ouvido pelo Bezirksgericht.

6. 9. 2008

 

O prazo de validade do despacho do Bezirksgericht Judenburg expirou em 6 de Junho de 2008.

21. 11. 2008

 

O Bezirksgericht Leoben ouviu o pai e indeferiu de novo o seu pedido, fazendo referência, desta vez, ao despacho do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008 (do qual tinha tido conhecimento nessa data), que previa que a criança permaneceria com a mãe na Áustria.

7. 1. 2009

 

O Landesgericht Leoben confirma o indeferimento do pedido do pai, retomando a fundamentação com base no artigo 13.°, alínea b), da Convenção.

9. 4. 2009

O pai pede que o Tribunale per i Minorenni di Venezia ordene o regresso da criança, ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento.

 

15. 5. 2009

A mãe invoca a incompetência do Tribunale per i Minorenni di Venezia, com fundamento no artigo 10.° do regulamento; a título subsidiário, pede a transferência para o Bezirksgericht Judenburg, com fundamento no artigo «15(b)(5)» (10) do regulamento.

 

30. 4. 2009 e

19. 5. 2009

O Tribunale per i Minorenni di Venezia ouviu os representantes das partes, não tendo a mãe comparecido pessoalmente; os representantes declaram estar disponíveis para discutir um programa de contactos entre o pai e a criança, a preparar pelo perito nomeado pelo tribunal.

 

26. 5. 2009

 

Mediante pedido da mãe (não notificado ao Tribunale per i Minorenni di Venezia), o Bezirksgericht Judenburg declara‑se (sem ter ouvido o pai) competente para conhecer do pedido de guarda apresentado pela mãe, «ao abrigo do artigo 15.°, n.° 5,» do regulamento; este tribunal pede que o Tribunale per i Minorenni di Venezia renuncie à sua competência e lhe transmita o processo.

26. 6. 2009

O pai declara estar disponível para cumprir o programa de visitas a estabelecer.

 

27. 6. 2009

A mãe declara não pretender aceitar o plano de visitas a estabelecer, invocando dificuldades pessoais e receios relativamente ao bem‑estar da criança.

 

8. 7. 2009

A perita apresenta a proposta de plano de contactos no Tribunale per i Minorenni di Venezia, que recebe, na mesma data, o pedido do Bezirksgericht Judenburg de transferência do processo.

 

10. 7. 2009

O Tribunale per i Minorenni di Venezia julga não procedente a excepção de incompetência suscitada pela mãe, e recusa transmitir a competência para o Bezirksgericht Judenburg, com fundamento no facto de as condições do artigo 15.° do regulamento não se encontrarem reunidas (a situação não é excepcional na acepção do n.° 1, e a ligação particular com a Áustria na acepção do n.° 3 não está demonstrada); constata que o exame pericial de natureza psicológica não pode ser concluído devido à não cooperação da mãe; ordena o regresso imediato da criança a Itália, acompanhada da mãe (caso em que seria disponibilizada uma habitação social e estabelecido um calendário de visitas), ou para viver com o pai, de modo a restabelecer a relação entre o pai e a criança; e homologa a sua decisão em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento.

 

25. 8. 2009

 

O Bezirksgericht Judenburg confia provisoriamente a guarda à mãe, com fundamento no facto de o regresso a Itália ser perigoso para o interesse superior da criança. A sua decisão é notificada ao pai sem tradução e sem qualquer informação sobre o direito que lhe assistia de recusar a recepção.

22. 9. 2009

 

O pai pede que o Bezirksgericht Leoben execute a decisão de regresso do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009, invocando o artigo 47.° do regulamento.

23. 9. 2009

 

O Bezirksgericht Judenburg confirma que o seu despacho de 25 de Agosto de 2009 adquiriu força de caso julgado e força executória.

12. 11. 2009

 

O Bezirksgericht Leoben indefere o pedido de execução da decisão de regresso do Tribunale per i Minorenni di Venezia, com fundamento no facto de o regresso da criança para junto do pai a expor a um perigo psíquico.

30. 11. 2009

 

O pai recorre da decisão do Bezirksgericht Leoben de 12 de Novembro de 2009.

20. 1. 2010

 

O Landesgericht Leoben dá provimento ao recurso do pai, invocando uma aplicação estrita das disposições do regulamento.

16. 2. 2010

 

A mãe interpõe recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof da decisão do Landesgericht Leoben de 20 de Janeiro de 2010.

20. 4. 2010

 

O Oberster Gerichtshof submete cinco questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, requerendo que estas sejam apreciadas ao abrigo da tramitação urgente.

3. 5. 2010

 

O pedido de decisão prejudicial dá entrada no Tribunal de Justiça.

 Questões submetidas ao Tribunal de Justiça

24.      O órgão jurisdicional de reenvio admite que, segundo o acórdão Rinau (11), quando uma certidão tiver sido emitida nos termos do artigo 42.° do regulamento, o tribunal de execução só pode declarar a força executória de uma decisão proferida nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento e providenciar o regresso imediato da criança. A apreciação do mérito da decisão do tribunal italiano é, por conseguinte, em princípio, de excluir. Do mesmo modo, por força das normas processuais nacionais, a incompetência territorial deste tribunal não pode ser invocada no âmbito de um recurso de «Revision». Todavia, determinados aspectos requerem, em seu entender, um exame mais aprofundado.

25.      Por conseguinte, o Oberster Gerichtshof decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes cinco questões:

«1)      Uma medida provisória que atribui [o ‘poder de decisão parental’], em especial o direito de fixar o local de residência, ao progenitor que tenha [raptado a criança], até ser proferida a decisão definitiva sobre o direito de guarda, deve igualmente ser considerada uma ‘decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança’ na acepção do artigo 10.°, alínea b), iv), do [r]egulamento […]?

2)      A decisão que ordena o regresso só é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 11.°, n.° 8, do [regulamento] quando o tribunal ordena o regresso com base numa decisão que ele próprio tenha proferido sobre a guarda?

3)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira questão] ou à [segunda questão]:

a)      É possível invocar, no Estado de execução, a incompetência do tribunal de origem ([primeira questão]) ou a inaplicabilidade do artigo 8.°, n.° 2, do [regulamento] ([segunda questão]) para se opor à execução de uma decisão em relação à qual o tribunal de origem emitiu a certidão prevista no artigo 42.°, n.° 2, do [regulamento]?

b)      Ou, nesse caso, deve o recorrido pedir a revogação da certidão no Estado de origem, podendo a execução ser suspensa no Estado de execução até ser proferida a decisão no Estado de origem?

4)      Em caso de resposta negativa [à primeira e segunda questões], ou à [terceira questão, alínea a)]:

Uma decisão proferida por um tribunal do Estado de execução, considerada executória por força do respectivo direito, através da qual a guarda provisória é atribuída ao progenitor que [raptou a criança], obsta, por força do artigo 47.°, n.° 2, do [regulamento], à execução de uma decisão de regresso proferida anteriormente no Estado de origem com base no artigo 11.°, n.° 8, do [regulamento], mesmo que não obste à execução de uma decisão de regresso proferida no Estado de execução com base na Convenção [...]?

5)      Em caso de resposta igualmente negativa à [quarta questão]:

a)      A execução de uma decisão para a qual o tribunal de origem emitiu a certidão prevista no artigo 42.°, n.° 2, do [regulamento] pode ser recusada no Estado de execução se, desde que a decisão foi proferida, as circunstâncias se tiverem alterado de tal modo que a execução nesse momento pudesse pôr gravemente em risco o superior interesse da criança?

b)      Ou deve o recorrido invocar essas alterações de circunstâncias no Estado de origem, podendo a execução ser suspensa no Estado de execução até ser proferida a decisão no Estado de origem?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26.      Tendo o processo sido submetido à tramitação urgente prevista no artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas pelo Governo austríaco e pela Comissão Europeia, únicos autorizados a intervir neste estádio para além das partes no litígio no processo principal. As mesmas partes, bem como os Governos checo, alemão, francês, italiano, letão, esloveno e do Reino Unido, estiveram representados na audiência de 14 de Junho de 2010. Apesar de autorizados a apresentar observações escritas e a ser representados na audiência, no presente processo, os progenitores não fizeram uso do seu direito.

 Análise

 Observações preliminares

27.      As dúvidas do Oberster Gerichtshof devem‑se, de forma não despicienda, à percepção de um conflito entre a interpretação literal e a interpretação teleológica de determinadas disposições do regulamento. Por conseguinte, parece importante ter presente os três princípios fundamentais subjacentes às disposições pertinentes do regulamento e que devem orientar qualquer interpretação teleológica (12).

28.      Em primeiro lugar, o regulamento tem como fundamento o primado do interesse da criança e o respeito dos seus direitos. Além da preocupação de levar em conta, em cada caso, o interesse superior da criança em si próprio, esta ideia exprime‑se, nomeadamente, na regra geral segundo a qual os tribunais do local da sua residência habitual se encontram mais bem colocados para regular qualquer questão sobre a guarda ou a responsabilidade parental e devem, portanto, ser, em princípio, competentes na matéria. Todavia, parece‑me que, se o tribunal que deve proferir uma decisão num caso concreto deve levar em conta o interesse particular de cada criança em causa, a interpretação do regulamento deve basear‑se num conceito mais abrangente de interesse superior da criança, aplicável de maneira geral.

29.      Em segundo lugar, o regulamento pretende garantir que a deslocação ilícita de crianças não produza efeitos jurídicos, salvo se esta for aceite posteriormente pelas outras partes interessadas. Nesta perspectiva, prevê, por um lado, um mecanismo quase automático que visa obter o regresso da criança sem demora e, por outro, limita, em termos estritos, as possibilidades de transferência de competências para os tribunais do Estado‑Membro da deslocação ilícita, permitindo que os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual não levem em consideração uma eventual decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da Convenção.

30.      Assim, mesmo no domínio circunscrito da responsabilidade parental e da deslocação ilícita de crianças, o regulamento prossegue, pelo menos, dois objectivos – a competência dos tribunais do Estado da residência habitual da criança e o regresso desta, após uma deslocação ilícita, ao Estado da sua anterior residência habitual – que podem revelar‑se parcialmente incompatíveis, pelo menos se a deslocação foi prolongada, de modo que a criança adquiriu uma nova residência habitual no Estado‑Membro da deslocação.

31.      Em terceiro lugar, o regulamento exige um elevado grau de confiança mútua dos tribunais nacionais, que limita ao mínimo necessário os fundamentos de não reconhecimento das decisões de um tribunal de outro Estado‑Membro e torna o reconhecimento e a execução destas decisões quase automáticos. Além disso, prevê, com a mesma finalidade, um mecanismo de cooperação e incita os tribunais nacionais a utilizá‑lo.

32.      Na minha opinião, merecem também ser destacados dois outros aspectos do regulamento.

33.      Por um lado, o regulamento apenas prevê regras relativas à competência, ao reconhecimento e à execução. Não se refere de todo a questões de fundo. Ao contrário do que parece ter alegado o Governo austríaco na audiência, a aplicação do regulamento não supõe uma «integração europeia à custa da criança», antes visa determinar claramente, nas situações transfronteiriças, o tribunal competente e assegurar que os outros tribunais confiem nas suas decisões, visto que todos os tribunais dos Estados‑Membros devem, nas suas decisões, dar primazia ao interesse superior da criança em causa.

34.      Por outro lado, pressupõe – e, em certos casos, exige mesmo – que os tribunais e as partes actuem rapidamente em matéria de deslocação ou retenção ilícitas (13) de uma criança. Caso esta rapidez de actuação não seja assegurada na realidade, a aplicação do regulamento será afectada, como o demonstra o presente processo. Em particular, o regulamento visa evitar que a situação se complique devido à criação de novos vínculos que a criança poderia adquirir com o Estado‑Membro da deslocação ilícita.

35.      Por fim, importa ter presente as etapas sucessivas do processo previsto na Convenção e no regulamento em caso de deslocação ilícita (e impugnada). Em primeiro lugar, o progenitor separado da criança deve recorrer aos tribunais do Estado‑Membro da deslocação, com fundamento no artigo 12.° da Convenção, para obter um despacho que ordene o regresso. Este pedido deve ser deferido, salvo se existir um motivo excepcional de indeferimento, de entre os enumerados no artigo 13.° da Convenção, e se, no caso de um indeferimento com fundamento na alínea b) deste artigo, não for demonstrado que foram adoptadas disposições apropriadas para assegurar a protecção da criança após o seu regresso (v. artigo 11.°, n.° 4, do regulamento). Em qualquer caso, a decisão deve ser proferida, salvo em circunstâncias excepcionais, no prazo de seis semanas (artigo 11.°, n.° 3, do regulamento). Na eventualidade de uma decisão de retenção, esta deve ser comunicada às autoridades do Estado‑Membro da anterior residência habitual, e as partes (em princípio, os progenitores) devem ter a possibilidade de se pronunciar no tribunal competente deste Estado. Se for caso disso, este último tribunal pode ordenar o regresso da criança (artigo 11.°, n.° 8, do regulamento) e a sua decisão será directamente executória no Estado‑Membro da deslocação se for homologada nos termos do artigo 42.° do regulamento. Tal homologação apenas é possível, contudo, se o tribunal tiver levado em consideração os motivos e elementos de prova em que assenta a decisão de retenção. Um tribunal que ordene o regresso nestas circunstâncias deve, além disso, informar as autoridades do Estado‑Membro da deslocação das modalidades de qualquer medida tomada com vista a assegurar a protecção da criança após o seu regresso.

 Quanto à primeira questão

36.      O Oberster Gerichtshof pergunta‑nos se uma medida provisória que atribui «o ‘poder de decisão parental’, em especial o direito de fixar o local de residência», ao progenitor que tenha raptado a criança, até ser proferida a decisão definitiva sobre o direito de guarda, deve ser considerada uma «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança» na acepção do artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento (14).

37.      Trata‑se, no contexto do referido processo, de determinar se, devido à sua decisão de 23 de Maio de 2008, o Tribunale per i Minorenni di Venezia perdeu a competência que, noutras circunstâncias, teria mantido por força da regra geral do artigo 10.° do regulamento, na qualidade de tribunal do Estado‑Membro em que a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ilícita. Com efeito, o Oberster Gerichtshof considera que a criança adquiriu, agora, uma nova residência habitual na Áustria e que, se a condição da alínea a) deste artigo (no caso em apreço, o consentimento do pai) não estiver preenchida, em contrapartida, as duas primeiras condições estabelecidas com carácter subsidiário na alínea b) estão preenchidas (a saber, que a criança residiu na Áustria durante pelo menos um ano depois de o pai ter tomado conhecimento do paradeiro da criança e que a criança se integrou no seu novo ambiente). Se pelo menos uma das condições adicionais previstas de i) a iv) se encontrar igualmente preenchida, a competência geral é transferida para os tribunais da Áustria, Estado‑Membro da nova residência habitual da criança. O Oberster Gerichtshof afasta as condições i) a iii), mas considera que, caso – como alega a mãe – a decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008 seja uma «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança», a condição iv) será preenchida.

38.      Todavia, o Oberster Gerichtshof considera que, segundo uma interpretação teleológica, esta condição não deve considerar‑se preenchida – mesmo se, segundo uma interpretação literal, a decisão em questão seja uma «decisão sobre a guarda», já que regula a guarda da criança, mesmo que apenas provisoriamente, e não implicaria o seu regresso, pelo menos imediato.

39.      O seu raciocínio é, no essencial, o seguinte. Quando uma decisão definitiva sobre o direito de guarda não implique o regresso da criança, não há nenhuma razão para manter a competência dos tribunais do Estado da anterior residência habitual. Os tribunais do Estado da nova residência habitual estarão, em qualquer circunstância, mais aptos a proferir decisões posteriores relativas à criança, e as condições do artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento são compreensíveis e razoáveis. Em contrapartida, se uma autorização provisória que autorize a criança a permanecer com o «progenitor raptor» visar exclusivamente evitar as deslocações da criança, na pendência de uma decisão definitiva, a interpretação literal, provocando a perda de competência do tribunal da anterior residência habitual, impediria este de proferir a sua decisão definitiva. Todavia, tendo presente o objectivo do regulamento, este tribunal só deveria perder a sua competência se o processo sobre a guarda tiver sido concluído sem despacho que ordene o regresso. O Governo austríaco aprova por completo este raciocínio.

40.      Neste mesmo sentido, a Comissão destaca o risco de o tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual ser dissuadido de proferir uma decisão provisória sobre o direito de guarda que permitisse que a criança permanecesse no Estado‑Membro da sua nova residência habitual, e que seria no interesse da criança, pelo facto de recear ser privado da sua competência para proferir posteriormente uma decisão definitiva. A Comissão considera igualmente que, enquanto excepções à regra geral de manutenção da competência dos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual, as condições de transferência de competência enumeradas no artigo 10.° do regulamento deveriam ser objecto de uma interpretação restritiva e não ampla.

41.      Os Estados‑Membros representados na audiência defenderam todos, com excepção da República da Eslovénia, no essencial, o mesmo ponto de vista.

42.      Posso acolher globalmente este ponto de vista, apesar de considerar que importa matizar determinados pormenores e examinar outras considerações, que vão em sentido contrário e não podem ser excluídas à partida.

43.      Em primeiro lugar, cabe‑me assinalar que as reflexões do Oberster Gerichtshof assentam, em determinada medida, nas razões que levaram o Tribunale per i Minorenni di Venezia a atribuir a guarda provisória à mãe. Ora, duvido que deva ser seguida tal abordagem. Em princípio, não me parece conveniente interpretar o regulamento em função da fundamentação específica de uma decisão individual sobre o direito de guarda. Importa antes determinar se pode ser deduzida uma diferenciação objectiva do facto de a decisão ser provisória ou não. Além disso, há sempre o perigo de que o tribunal de um Estado‑Membro interprete erradamente a fundamentação do tribunal de um outro Estado‑Membro (15). Por conseguinte, tratarei de analisar a questão seguindo uma abordagem mais geral.

44.      Seguidamente, num contexto como este, duvido que se deva aplicar, sem qualquer especificidade, o princípio de que as excepções ou derrogações a uma regra devem ser objecto de uma interpretação restritiva. Com efeito, no caso do artigo 10.°, se a regra da manutenção da competência do tribunal da anterior residência habitual corresponde a um dos princípios fundamentais do regulamento – a saber, o de privar o acto ilícito do progenitor raptor de qualquer efeito jurídico –, a excepção corresponde a um outro princípio fundamental, visto que se trata de uma regra de competência «definida […] em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade» (16).

45.      Por fim, importa reconhecer que – por muito atractivo que possa parecer o resultado preconizado pelo órgão jurisdicional de reenvio, pela Comissão e pela quase totalidade dos Estados‑Membros representados na audiência – determinados argumentos podem advogar em sentido contrário. Estes podem ser resumidos do seguinte modo.

46.      O artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento refere‑se a uma situação em que a criança residiu pelo menos um ano no Estado‑Membro da deslocação ilícita, no qual adquiriu uma nova residência habitual e se integrou no seu novo ambiente, e durante a qual os tribunais do Estado‑Membro da sua anterior residência habitual não somente não conseguiram proferir, durante esse período, uma decisão definitiva sobre a guarda da criança mas ainda consideraram que – é certo, a título temporário, mas, de qualquer modo, durante o período de pelo menos um ano em causa – o interesse superior da criança exigia que esta permanecesse no Estado‑Membro da deslocação. Em razão do tempo decorrido, é muito provável que esses tribunais venham a sentir dificuldades cada vez maiores para se informarem sobre a situação e o enquadramento actual da criança (por meio, por exemplo, de exames periciais de natureza psicológica, de relatórios dos serviços sociais e/ou, em função da idade da criança, da interrogação directa). Além disso, esses tribunais encontram‑se num Estado‑Membro com o qual a criança está, inequivocamente, a perder progressivamente o contacto. Nestas condições, não deveria prevalecer o princípio da competência do tribunal mais próximo da criança sobre a manutenção da competência do tribunal da anterior residência habitual?

47.      Não penso que a resposta a esta questão deva ser afirmativa.

48.      Quando uma criança foi deslocada ilicitamente para um outro Estado‑Membro, o objectivo imediato do regulamento e da Convenção é o de assegurar o seu regresso rápido, a fim de privar o «progenitor raptor» de qualquer vantagem prática ou jurídica que poderia pretender obter da situação (17). Se este objectivo for realizado de forma eficaz, tal produz igualmente um efeito dissuasivo não despiciendo. Todavia, como se explica na fundamentação da proposta da Comissão anterior à adopção do regulamento (18), «po[de] ser considerado legítimo em alguns casos que a situação de facto criada pelo rapto de uma criança produza como efeito jurídico a transferência de competência. Convém, para este feito, encontrar um equilíbrio entre a possibilidade de o tribunal que se encontra agora mais próximo da criança se declarar competente e a necessidade de impedir que o autor do rapto retire vantagens do seu acto ilícito».

49.      É este equilíbrio – entre dois dos princípios que já identifiquei acima (19) – que o artigo 10.° do regulamento visa estabelecer no que diz respeito, em primeiro lugar, à competência geral em matéria de responsabilidade parental e, a título secundário, através do artigo 11.°, n.° 8, do mesmo regulamento, à competência especial para ordenar o regresso da criança.

50.      Em relação às deslocações ilícitas, o princípio de base, que visa privar o «progenitor raptor» de qualquer vantagem resultante do seu acto ilícito, exige a manutenção da competência dos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Este princípio é válido não somente para a competência geral mas igualmente, a fortiori, em relação à competência para ordenar o regresso.

51.      Todavia, parece ser perfeitamente razoável – e em conformidade com a procura de equilíbrio acima descrita – prever, como no artigo 10.°, alínea a), do regulamento, que a aquisição de uma nova residência habitual, juntamente com o consentimento de qualquer parte que tenha o direito de guarda, possa provocar a transferência desta competência para os tribunais do Estado‑Membro da nova residência habitual. Neste caso, a competência para ordenar o regresso da criança já não tem razão de ser.

52.      Poderia parecer também perfeitamente razoável prever a mesma transferência de competência cada vez que a criança não somente adquire uma nova residência habitual mas também reside no novo Estado‑Membro há mais de um ano e se integrou no seu novo ambiente, mesmo na falta de consentimento expresso de todas as partes que tenham o direito de guarda. É, com efeito, a solução prevista no artigo 7.° da Convenção da Haia de 1996 (20), que parece estar em conformidade com o princípio da competência dos tribunais da residência habitual, no interesse superior da criança. Todavia, se resulta dos trabalhos preparatórios anteriores à adopção do regulamento que diversas delegações eram favoráveis a esta solução (21), acabou por ser conscientemente escolhida uma abordagem mais exigente, limitando‑se a transferência de competência estritamente aos quatro pressupostos enumerados de forma taxativa no texto final do artigo 10.°, alínea b), do regulamento.

53.      Os três primeiros pressupostos implicam, de facto, o consentimento tácito dos titulares de um direito de guarda (a saber, normalmente, o progenitor separado da criança), na medida em que não foi apresentado nenhum pedido de regresso da criança no Estado‑Membro da deslocação ilícita, ou então esse pedido foi retirado ou indeferido sem que o requerente tenha instaurado um processo em aplicação do artigo 11.°, n.os 7 e 8, do regulamento, no Estado‑Membro da anterior residência habitual.

54.      O quarto pressuposto, pertinente no caso em apreço, é o de uma decisão de guarda que não implica o regresso da criança, proferida por um tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Trata‑se, não de um consentimento tácito por parte deste tribunal a uma transferência de competência, mas antes de uma decisão que aprova a aquisição pela criança de uma nova residência habitual noutro Estado‑Membro, a qual provocará a transferência de competência. Assim, enquanto a transferência de competência se produz automaticamente por força dos artigos 8.° e 9.° do regulamento quando uma criança altera a residência habitual deslocando‑se legalmente de um Estado‑Membro para outro, em caso de deslocação ilícita, o tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual deve legalizar esta deslocação, aprovando‑a para atingir o mesmo resultado.

55.      Não se contesta que tal aprovação se expressa numa decisão que visa regular a questão da guarda de modo duradouro, desde que as outras condições do artigo 10.°, alínea b), do regulamento (nova residência habitual há mais de um ano, integração no novo ambiente) se encontrem preenchidas. Segundo uma interpretação literal (o Governo esloveno salientou a definição bastante ampla da expressão «decisão» no artigo 2.°, n.° 4, do regulamento), o mesmo acontece no caso de uma decisão provisória, destinada a ser substituída por uma decisão duradoura posterior.

56.      Todavia, não considero que este deva ser o caso. O período de um ano que condiciona a transferência de competência em todos os pressupostos previstos no artigo 10.°, alínea b), do regulamento implica claramente, nos três primeiros casos, uma data‑limite para a apresentação ou a confirmação de um pedido que tenha por objecto o regresso da criança. Por conseguinte, seria de estranhar – e incoerente – se, no quarto pressuposto, o referido período implicasse uma data‑limite para o arquivamento do processo. Ora, é a este resultado que conduziria a inclusão de decisões provisórias no conceito de «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança». Nesse caso, um tribunal que não tivesse proferido qualquer «decisão sobre a guarda que não determine o regresso [imediato] da criança» manteria a sua competência até ao termo do processo, enquanto que um tribunal que tenha proferido tal decisão (o que se pode frequentemente revelar desejável no interesse da criança) se imporia, por este motivo, uma data‑limite para proferir a sua decisão mais duradoura.

57.      Quando é submetido um litígio a um tribunal que tenha por objecto a guarda de uma criança, e sobretudo quando este litígio se situa no quadro de uma deslocação ilícita, esse tribunal deve frequentemente fazer frente a uma dificuldade importante. A obstinação dos progenitores pode conduzi‑los a utilizar todos os expedientes processuais disponíveis com o intuito de recuperar a criança. Em certos casos, o progenitor em causa pode enganar‑se de via, noutros casos, pode explorá‑los conscientemente. Além disso, uma vez que os tribunais dos dois Estados‑Membros são necessariamente afectados, os trâmites processuais num Estado podem atrasar os do outro, e uma eventual falha de comunicação pode prolongar ainda mais os prazos. Todavia, em qualquer caso, há um perigo real que a duração do processo escape, por este facto, à fiscalização do tribunal ao qual foi submetido o litígio no Estado‑Membro da anterior residência habitual.

58.      O presente processo constitui um exemplo disso. Em primeiro lugar, parece que o Bezirksgericht Leoben só indeferiu o pedido de regresso apresentado pelo pai com fundamento na Convenção em 3 de Julho de 2008, cerca de onze semanas após a apresentação deste pedido em 16 de Abril de 2008, enquanto o artigo 11.°, n.° 3, do regulamento impõe um prazo máximo de seis semanas, «excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem». Seguidamente, após este indeferimento, em vez de recorrer directamente para o Tribunale per i Minorenni di Venezia para obter um despacho ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, o pai interpôs recurso do indeferimento na Áustria – duas vezes, porque o primeiro indeferimento foi anulado e foi proferido um novo indeferimento. Além disso, mesmo após o indeferimento do seu segundo recurso, em 7 de Janeiro de 2009, o pai deixou passar três meses antes de apresentar o pedido nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento (22). Durante todo este período, as medidas que o Tribunale per i Minorenni di Venezia tinha previsto com o objectivo de estar suficientemente informado para tomar uma decisão duradoura sobre a guarda da criança (contactos com o pai, relatório do perito psicólogo) – medidas que fundamentaram, precisamente, a decisão de deixar a criança provisoriamente com a mãe na Áustria – não puderam ser levadas a cabo com sucesso, devido à falta total de cooperação por parte da mãe. O período de um ano passou, por conseguinte, sem que tal se deva nem a um consentimento do pai nem a uma inacção do Tribunale per i Minorenni di Venezia (23).

59.      Porém, o tribunal ao qual foi submetido, em primeiro lugar, tal litígio deve, frequentemente, proferir medidas provisórias imediatas, para atender às questões mais urgentes, enquanto não dispuser de todos os elementos necessários para proferir uma decisão duradoura sobre a guarda da criança. Foi, precisamente, o que se passou no caso em apreço. Não me parece concebível que o legislador tenha pretendido que a competência fosse transferida automaticamente ao fim de um ano numa tal situação, quando esta teria permanecido no primeiro tribunal caso este não tivesse de proferir uma medida provisória imediata, remetendo para uma data posterior a decisão duradoura quanto à guarda. Tal equivaleria a uma interrupção do curso do processo instaurado no tribunal competente, pela simples razão de o tribunal ter proferido uma medida provisória que considerava necessária.

60.      Pelo contrário, a transferência da competência para os tribunais do Estado‑Membro da deslocação ilícita só pode, em meu entender, justificar‑se se o decorrer do tempo for acompanhado do consentimento do progenitor requerente – pondo um termo definitivo a qualquer processo já iniciado, ou excluindo qualquer processo ulterior que pudesse ser concluído com um despacho que ordene o regresso com força executória nos termos dos artigos 11.°, n.° 8, e 42.° do regulamento – ou de uma decisão do tribunal competente ao qual foi submetido o litígio, pondo termo à acção intentada nesse tribunal e não determinando o regresso da criança. Assim, os quatro pressupostos previstos no artigo 10.°, alínea b), do regulamento encontram todos um fundamento coerente numa decisão, expressa ou tácita, que exclua o recurso posterior ao mecanismo dos artigos 11.°, n.° 8, e 42.° do regulamento.

61.      Na audiência, foi suscitada a questão de saber como é que o tribunal do Estado‑Membro da deslocação ilícita pode determinar com toda a certeza se a decisão do tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual tem um carácter provisório ou definitivo. Com efeito, as decisões em matéria de guarda de crianças são sempre, pela sua própria natureza, sujeitas à possibilidade de revisão em função de uma alteração das circunstâncias e nunca são, por conseguinte, finais no mesmo grau que a maioria das outras decisões judiciais (24). Além disso, as diferenças processuais e de terminologia entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros podem tornar menos fácil a incumbência de distinguir uma decisão provisória de uma decisão «definitiva».

62.      Parece que a resposta se encontra no critério expresso pelo Governo francês, a saber, que uma decisão de guarda deve ser considerada provisória enquanto o tribunal não tiver «esgotado a sua competência». Por conseguinte, basta examinar – se for necessário, com a assistência das autoridades centrais pertinentes – se, no processo em causa, ainda há medidas a tomar, sem que seja necessário apresentar de novo um pedido no tribunal.

63.      Por conseguinte, chego à conclusão que os objectivos do regulamento se opõem a uma interpretação literal do seu artigo 10.°, alínea b), iv), e que uma medida provisória que atribui a guarda de uma criança ao progenitor que a raptou até ser proferida a decisão definitiva (ou duradoura) sobre o direito de guarda não é uma «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança» na acepção desta disposição.

 Quanto à segunda questão

64.      O Oberster Gerichtshof pergunta se um despacho que ordene o regresso só é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento quando o tribunal o profere com fundamento numa decisão sobre a guarda que ele próprio tenha proferido.

65.      Explica que a mãe defende que só um despacho que ordene o regresso proferido com fundamento numa decisão sobre a guarda é abrangido pelo artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. A decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009, da qual o pai pretende assegurar a execução, não se funda numa decisão sobre a guarda e não é, por conseguinte, abrangida por esta disposição.

66.      O Oberster Gerichtshof admite correctamente que tal interpretação não é comprovada pela letra da disposição – que se refere, sem qualificação, a «uma decisão posterior que exija o regresso da criança» – nem pelo acórdão Rinau (25) – que salienta a autonomia processual de uma decisão posterior a uma decisão de retenção –, mas considera que não pode ser excluída no quadro de uma interpretação sistemática e teleológica. Por um lado, resulta do artigo 11.°, n.° 7, do regulamento que o regime dos n.os 6 a 8, que concede a última palavra aos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual, só se justifica se o despacho que ordena o regresso se fundar numa medida sobre a guarda que determine o regresso da criança. Por outro lado, tal interpretação tornaria mais coerente o sistema dos artigos 10.° e 11.° no seu conjunto.

67.      Preciso, à partida, que não estou de forma alguma convencida que as considerações expostas pelo órgão jurisdicional de reenvio devam conduzir ao resultado que este preconiza. Como já expliquei no quadro da primeira questão, o objectivo principal da Convenção é assegurar, salvo em determinadas circunstâncias excepcionais, o regresso imediato da criança, antes de a questão sobre a guarda ou sobre a responsabilidade parental ser examinada. O artigo 11.° do regulamento visa reforçar este dispositivo, sempre na óptica de um regresso sem demora – e não após ter proferido uma decisão sobre a questão da guarda, no termo de um processo que poderá revelar‑se longo.

68.      Todavia, o Oberster Gerichtshof considera – e este ponto de vista também foi defendido por diversos Estados‑Membros na audiência – que um despacho que ordene o regresso, fundado numa medida sobre a guarda que determine o regresso da criança, proferido após o apuramento dos factos e a obtenção de provas, oferece uma melhor garantia de fundamentação do que uma decisão proferida no quadro de um mero processo de medidas provisórias.

69.      Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se uma decisão deste último tipo fosse abrangida pelo artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, seria difícil compreender o artigo no seu conjunto. Com efeito, em vez de exigir que o tribunal do Estado da deslocação ilícita decida, em primeiro lugar, no âmbito de um processo que visa o regresso nos termos da Convenção, o tribunal do Estado da anterior residência habitual poderia proferir um mero despacho que ordene o regresso imediatamente após o rapto, que poderia ter directamente força executória no outro Estado‑Membro, exactamente como a decisão proferida nos termos do referido artigo 11.°, n.° 8. O processo nos termos da Convenção, exigível por este artigo 11.°, implicaria, nesse caso, uma perda de tempo, e não teria, em si mesmo, qualquer utilidade.

70.      Quanto à primeira parte deste raciocínio, reconheço que um processo que implique um exame mais aprofundado dos factos oferece uma garantia acrescida de fundamentação. Todavia, o processo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, se for conduzido correctamente, oferece, na minha opinião, uma garantia perfeitamente suficiente. Trata‑se de uma situação em que o tribunal do Estado da deslocação ilícita já recusou ordenar o regresso da criança, por uma ou várias das razões enumeradas no artigo 13.° da Convenção, e comunicou ao tribunal do Estado da anterior residência habitual – com a assistência eventual das autoridades centrais respectivas, prevista no artigo 55.°, alínea c), do regulamento – uma cópia da sua decisão e de todos os documentos pertinentes. Este último tribunal – que se encontra mais bem colocado para avaliar as circunstâncias em que a criança viveu antes da sua deslocação e as circunstâncias nas quais viverá, se for caso disso, quando regressar – só pode homologar, em conformidade com o artigo 42.° do regulamento, a sua decisão proferida ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, deste se levou em conta os motivos e elementos de prova em que assenta a decisão de retenção (26). Por conseguinte, o tribunal pode presumir que – em conformidade também com o princípio da confiança mútua subjacente ao regulamento – excluiu os referidos motivos e elementos de prova com base noutros elementos que o primeiro tribunal desconhecia.

71.      A abordagem defendida por determinados Estados‑Membros na audiência parece, pelo contrário, ter por base uma desconfiança dos tribunais do Estado‑Membro da deslocação em relação às decisões proferidas pelos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Tal abordagem constitui não somente a negação do princípio da confiança mútua mas também não leva em conta a vantagem evidente decorrente do exame duplo do pedido de regresso por dois tribunais, encontrando‑se um mais bem colocado para levar em conta as circunstâncias actuais nas quais vive a criança, enquanto o outro se encontra mais bem colocado para avaliar as circunstâncias em que viveu no passado e viverá em caso de regresso.

72.      Quanto à segunda parte do raciocínio, parece‑me que se funda numa ideia falsa da relação entre a Convenção e o regulamento. A Convenção prevê, sem ambiguidade, que, em caso de rapto de uma criança, há que recorrer, antes de mais, aos tribunais do Estado em que se encontra a criança no sentido de obter o seu regresso imediato. Com efeito, são esses tribunais os que se encontram mais bem colocados para ordenar o regresso da maneira mais eficaz. As suas decisões serão executadas directamente nos termos do processo nacional. Só no caso em que esses tribunais considerem que existe uma das razões de retenção enumeradas no artigo 13.° da Convenção – portanto, só em casos considerados excepcionais – é que será necessário recorrer, nos termos do artigo 11.° do regulamento, ao tribunal competente do Estado da anterior residência habitual. Nesse caso, este último deve estar convencido de que a razão invocada não impede o regresso para poder obviar à decisão de retenção proferida ao abrigo da Convenção.

73.      Em contrapartida, caso incumbisse aos tribunais do Estado da anterior residência habitual ordenar, à partida, o regresso da criança, por um lado, o processo de execução seria – sempre, e não somente em caso de recurso ao artigo 11.°, n.° 8, do regulamento – dificultado pela necessidade de uma colaboração entre as autoridades dos dois Estados‑Membros diferentes, a qual implicaria, na maior parte dos casos, a necessidade de obter uma tradução dos documentos pertinentes e, por outro, não existiria uma protecção essencial do interesse superior da criança, a saber, o duplo exame obrigatório em caso de dúvida quanto à oportunidade de ordenar o seu regresso.

74.      Por conseguinte, parece‑me que o sistema do artigo 11.° do regulamento, considerado no seu conjunto, é perfeitamente coerente, sem que seja necessário exigir uma decisão prévia sobre a guarda como fundamento da decisão proferida ao abrigo do n.° 8 desta disposição.

75.      O Oberster Gerichtshof salienta ainda que uma decisão proferida ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento pode, se esta for anterior a uma decisão duradoura sobre o direito de guarda, que poderia conduzir a um resultado diferente, obrigar a criança a mudar duas vezes o local de residência. Esta é também uma consideração que foi salientada por diversos Estados‑Membros na audiência.

76.      A possibilidade de uma deslocação dupla não pode ser negada. Todavia, trata‑se de um elemento aceite, na minha opinião, tanto pelos autores da Convenção como pelos do regulamento como um corolário necessário do objectivo de assegurar, em caso de deslocação ou retenção ilícitas, o regresso imediato ou sem demora da criança. Esta intenção parece‑me bastante clara no sistema das disposições pertinentes do regulamento. Em primeiro lugar, a criança regressa ao Estado‑Membro da sua anterior residência habitual e, em seguida, são decididas as questões sobre a guarda e a responsabilidade parental. Tal implicaria, necessariamente, em determinados casos, uma dupla deslocação – ou mesmo, uma tripla deslocação, contando com a primeira deslocação ilícita. Se é verdade que as deslocações múltiplas não são no interesse da criança em causa, parece‑me que o interesse mais amplo de desencorajar qualquer tentativa de rapto, privando‑a de qualquer efeito jurídico ou prático, deve prevalecer, em conformidade com o espírito do regulamento (e da Convenção).

77.      Além disso, importa considerar o processo à luz do objectivo prosseguido, a saber, o regresso da criança ao tribunal competente. Este regresso consiste simplesmente em «corrigir» a primeira deslocação ilícita. O tribunal competente deve, assim, examinar a questão sobre a guarda, levando em conta todas as circunstâncias, e pelos menos determinados aspectos deste exame, como as observações psicológicas, os relatórios sociais ou, se for caso disso, a inquirição directa, exigem normalmente a presença da criança. Não pode ser no interesse desta complicar e prolongar este processo ao mantê‑la no Estado‑Membro da deslocação ilícita. Por fim, o tribunal profere a sua decisão, que terá ou não como resultado uma última deslocação, mas que terá sido proferida com perfeito conhecimento de causa.

78.      Por fim, o Oberster Gerichtshof sugere que a possibilidade de os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual ordenarem o regresso da criança ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, sem terem proferido previamente uma decisão sobre a guarda, contraria o princípio da confiança mútua, porque supõe que os tribunais do outro Estado‑Membro possam recusar o regresso por razões subjectivas.

79.      Este argumento não me convence de todo. Como explicitei anteriormente, o processo concede antes a garantia de um exame duplo em caso de dúvida quanto à oportunidade de ordenar o regresso da criança, e exige uma fundamentação ponderada de qualquer decisão que ordene o regresso proferida ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. Tal não me parece de todo incompatível com o princípio da confiança mútua que se encontra subjacente ao regulamento e que – pelo contrário – exige que o tribunal de um Estado‑Membro não impute aos tribunais de um outro Estado‑Membro uma intenção subjectiva, mas parta do pressuposto de que as suas decisões são tão objectivamente fundamentadas como as dos tribunais do seu próprio Estado‑Membro.

80.      Por conseguinte, sou de opinião que a letra ou o espírito do regulamento em nada limita a possibilidade de ordenar o regresso da criança ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, caso o mesmo tribunal já tenha proferido uma decisão sobre a guarda.

 Quanto à terceira questão

81.      Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão, o Oberster Gerichtshof questiona se é possível invocar, no Estado de execução, a incompetência do tribunal de origem (primeira questão) ou a inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento (segunda questão) contra a execução de uma decisão que o tribunal de origem homologou em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento, ou se, neste caso, o demandado deve pedir a revogação da certidão no Estado de origem, o que permitiria suspender a execução no Estado de execução até que seja proferida a decisão no Estado de origem.

82.      Na medida em que proponho uma resposta negativa às duas primeiras questões, a terceira questão já não se coloca. Todavia, examiná‑la‑ei, tendo presente a possibilidade de o Tribunal de Justiça poder dar uma resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão, e tendo presente, sobretudo, o interesse mais geral que possa existir em clarificar os limites das possibilidades de oposição à execução de uma decisão homologada em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento.

83.      O Oberster Gerichtshof salienta que, tendo o Tribunale per i Minorenni di Venezia emitido uma certidão em conformidade com o artigo 42.° do regulamento, os tribunais austríacos não são competentes para apreciar o mérito da sua decisão. Todavia, não seria de excluir que estes tribunais possam verificar se a referida decisão foi proferida com fundamento no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. Dado que, segundo o artigo 40.° deste último, a secção 4 do regulamento é aplicável «[a]o regresso da criança, na sequência de uma decisão que exija o regresso da criança, nos termos do n.° 8 do artigo 11.°», o artigo 42.°, n.° 1, do regulamento só seria aplicável, e a certidão não teria, por conseguinte, efeitos obrigatórios, se existisse tal decisão – o que não seria o caso se a resposta a uma ou a outra das duas primeiras questões fosse afirmativa.

84.      Ainda segundo o órgão jurisdicional de reenvio, dado que a referida certidão visa permitir a execução imediata sem novo exame de mérito, só o tribunal de origem poderia declarar que esta foi emitida indevidamente. Ora, o artigo 43.° do regulamento apenas prevê uma «rectificação» da certidão. Em contrapartida, o artigo 10.° do Regulamento n.° 805/2004 (27), disposição mais recente que se refere a um problema análogo, prevê que a certidão de título executivo europeu será, mediante pedido dirigido ao tribunal de origem, revogada nos casos em que tenha sido emitida de forma claramente errada. Dado que o legislador europeu não pretendeu seguramente uma protecção judicial inferior no que se refere ao regresso de uma criança do que no que se refere à cobrança de um crédito não contestado, o mesmo deveria acontecer, segundo o Oberster Gerichtshof, em relação à certidão prevista no caso em apreço. Neste caso, dever‑se‑ia também aplicar por analogia o artigo 23.° do Regulamento n.° 805/2004 (28), de modo a permitir a suspensão da execução até que o tribunal de origem se tenha pronunciado sobre o pedido de rectificação ou de revogação da certidão.

85.      O raciocínio do órgão jurisdicional de reenvio assenta, assim, em grande medida, numa comparação com o Regulamento n.° 805/2004, adoptado menos de cinco meses após o regulamento, tendo‑se desenrolado no Conselho da União Europeia os trabalhos preparatórios que precederam os dois regulamentos, em grande medida, na mesma altura. Por conseguinte, seria de estranhar, na minha opinião, que uma divergência significativa entre os dois textos (rectificação apenas em caso de erro material no quadro do regulamento e rectificação em caso de erro material e revogação se a certidão foi indevidamente emitida no quadro do Regulamento n.° 805/2004) não traduza uma vontade de diferenciação por parte do legislador. Com efeito, resulta dos referidos trabalhos preparatórios que, nos dois casos, foram equacionadas diferentes opções antes de se chegar aos textos divergentes actuais (29).

86.      Por conseguinte, parece‑me de excluir que se pretenda interpretar o primeiro destes regulamentos à luz do segundo, tanto mais quanto, embora procedam ambos do domínio geral da cooperação judiciária em matéria civil, os domínios específicos relativos a cada um deles são bastante diferentes e não implicam necessariamente abordagens comparáveis. Com efeito, não existe uma medida comum entre o interesse de assegurar o regresso de uma criança em caso de deslocação ilícita e o interesse de proceder à cobrança de um crédito não contestado. Além disso, saliento que as situações reguladas pelas disposições pertinentes diferem também na medida em que, no quadro do regulamento, se trata de um conflito, e, portanto, de uma contestação, já conhecidos e já levados em consideração pelo menos por dois tribunais, enquanto no quadro do Regulamento n.° 805/2004 o pedido de revogação da certidão transforma um crédito supostamente não contestado num crédito, no mínimo, parcialmente contestado, o que pode justificar uma suspensão por parte de um tribunal de execução no qual não foi anteriormente intentada uma acção para recuperação do crédito.

87.      Dito isto, é evidente que se coloca a questão de saber que possibilidades existem quando resulta que foi emitida indevidamente uma certidão do tipo visado no artigo 42.° do regulamento. Se o interesse em obter o regresso imediato de uma criança que foi deslocada ilicitamente, e em assegurar a execução simples e rápida das decisões que ordenem este regresso no termo do processo previsto no artigo 11.° do regulamento, milita contra a possibilidade de impugnar a certidão prevista no referido artigo 42.°, é sempre possível que um tribunal emita tal certidão considerando, erradamente, estar habilitado a fazê‑lo, quando, na realidade, não se encontram preenchidas as condições necessárias para proferir uma decisão com fundamento no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento.

88.      Na audiência foi evocado um exemplo de um tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual que ordena o regresso da criança, sem que tenha sido previamente proferida uma decisão de retenção em aplicação do artigo 13.° da Convenção no Estado‑Membro da deslocação ilícita, que homologa o seu despacho nos termos do artigo 42.° do regulamento. O tribunal em causa seria, na verdade, competente para proferir uma decisão que ordenasse o regresso da criança nestas circunstâncias, mas, neste caso, não se tratava de uma decisão visada no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. Assim, a homologação de tal decisão em conformidade com o referido artigo 42.° não se encontra prevista (30), e a certidão seria, portanto, indevidamente emitida.

89.      De modo algum se pode conceber que o legislador tenha pretendido eliminar qualquer forma de remediar um erro deste tipo, que não corresponde necessariamente à única possibilidade de rectificação enunciada no vigésimo quarto considerando do regulamento, a saber, «quando a certidão não reflicta correctamente o conteúdo da decisão».

90.      Trata‑se de uma problemática que já abordei na minha tomada de posição no processo Rinau (31), bem como, mais recentemente e num contexto ligeiramente diferente, nas minhas conclusões no processo Purrucker (32). Neste processo, limitar‑me‑ei a resumir a posição a que cheguei a este respeito, fazendo referência às considerações expostas nos dois processos já mencionados.

91.      O regulamento proíbe claramente qualquer recurso contra a emissão da certidão. Pelo contrário, não proíbe o recurso da decisão homologada. Se uma parte considerar que não se encontram preenchidas as condições necessárias para permitir que o tribunal em causa profira esta decisão, deve poder impugnar a competência desse tribunal junto do mesmo tribunal – o que a mãe parece ter feito no caso em apreço – e, eventualmente, interpor recurso para um tribunal superior. Caso o direito nacional não permita uma via de recurso nestas circunstâncias, o tribunal deve, nos termos do artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, recorrer ao Tribunal de Justiça. Nestas circunstâncias, qualquer recurso interno ou recurso para o Tribunal de Justiça deve beneficiar do tratamento mais rápido possível.

92.      Tal conclusão responde à primeira parte da terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio, mas este pergunta também, na segunda parte da sua questão, se, no caso de uma decisão homologada em que a exactidão da certidão é impugnada, o tribunal requerido pode suspender a execução da decisão a fim de permitir a revogação eventual da certidão.

93.      Saliento que, no caso em apreço, nada indica, nem na decisão de reenvio nem nos restantes documentos apresentados ao Tribunal de Justiça, que a mãe tenha impugnado a competência do Tribunale per i Minorenni di Venezia ao interpor recurso, em Itália, da decisão de 10 de Julho de 2009, cuja execução é requerida pelo pai na Áustria.

94.      Em tais circunstâncias, parece‑me ser totalmente de excluir que os tribunais austríacos possam suspender a execução deste decisão a fim de permitir à mãe a interposição de recurso. Esses tribunais não são competentes para julgar o recurso e, não tendo sido interposto qualquer recurso no tribunal competente, nada na letra ou no espírito do regulamento justifica que se atrase a execução de uma decisão cuja finalidade é, recorde‑se, obter o regresso sem demora da criança.

95.      Seria diferente se a mãe já tivesse interposto tal recurso antes de o pai tentar obter a executar da decisão na Áustria? Nestas circunstâncias, uma suspensão da execução poderia parecer mais justificada, já que o tribunal do Estado‑Membro da execução é confrontado com uma incerteza real, e já não hipotética, quanto à força executória da decisão impugnada. Este poderia, desta forma, evitar uma deslocação injustificada da criança, que seria seguida de uma nova deslocação ou da manutenção injustificada da criança no Estado‑Membro de origem.

96.      Todavia, não estou convencida que o regulamento permita tal suspensão. Não só não a prevê expressamente, como, além disso, se pode deduzir da presença, noutra parte do referido regulamento, de uma disposição que permite a suspensão da instância, mediante o pedido de uma declaração de executoriedade de uma decisão sobre o exercício da responsabilidade parental (33), que esta omissão é intencional – intenção confirmada, além disso, pelo facto de as disposições dos actuais artigos 43.° e 44.° terem sido fortemente contestadas aquando da elaboração do regulamento (34), não tendo sido adoptada uma disposição que permita a suspensão da execução.

97.      Todavia, à semelhança da conclusão a que cheguei no que diz respeito à possibilidade de impugnação da decisão (35), parece‑me evidente que o progenitor que impugne esta decisão no Estado‑Membro de origem deve poder igualmente requerer, neste mesmo Estado‑Membro, a suspensão da execução da decisão, suspensão que os tribunais do Estado‑Membro de execução deveriam ter em conta.

98.      À luz das considerações precedentes, chego, por conseguinte, à conclusão de que o Tribunal de Justiça deveria responder à terceira questão do Oberster Gerichtshof no sentido de que, quando uma decisão homologada por um tribunal de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento é impugnada com fundamento na incompetência do tribunal de origem ou na inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, a única via de recurso possível é a de interpor recurso da própria decisão (e não da certidão) nos tribunais deste Estado‑Membro. Os tribunais do Estado‑Membro de execução não dispõem de competência para recusar ou suspender a execução.

 Quanto à quarta questão

99.      Em caso de resposta negativa à primeira ou à segunda questão prejudicial ou à primeira parte da terceira questão, o Oberster Gerichtshof pergunta se uma decisão, proferida por um tribunal do Estado de execução, que atribui provisoriamente a guarda ao progenitor que raptou a criança e que deve ser considerada executória por força do direito deste Estado, obsta, por força do artigo 47.°, n.° 2, do regulamento, à execução de um despacho que ordene o regresso proferido anteriormente no Estado de origem ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, mesmo que não obste à execução de um despacho de regresso proferido no Estado de execução nos termos da Convenção.

100. Antes de abordar esta questão, que, no quadro do processo principal, se refere aos efeitos do despacho do Bezirksgericht Judenburg de 25 de Agosto de 2009, parece‑me útil examinar as condições em que esse tribunal se considerou competente para proferir o dito despacho.

101. Resulta da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009 que a mãe requereu, em primeiro lugar, ao tribunal italiano que o litígio fosse transferido para os tribunais austríacos, em aplicação do artigo 15.° do regulamento (36). Este pedido foi indeferido com o fundamento de que, em primeiro lugar, a situação não era excepcional, mas se referia a um litígio ordinário entre progenitores sobre a guarda da sua filha (enquanto o artigo 15.° é aplicável «[e]xcepcionalmente»), e, em segundo lugar, que a criança não tinha uma «ligação particular» com a Áustria, segundo a definição prevista no dito artigo 15.°, n.° 3.

102. Esta decisão é da competência do Tribunale per i Minorenni di Venezia e não está em causa no presente reenvio prejudicial. Porém, suscita certas reservas da minha parte.

103. Em primeiro lugar, não me parece correcto excluir a aplicação do artigo 15.° do regulamento com fundamento no facto de o processo dizer respeito a um litígio ordinário entre progenitores sobre a guarda da sua filha. A expressão introdutiva «[e]xcepcionalmente» não exige, em meu entender, que a situação deva ser excepcional antes de a disposição poder ser aplicada. Em vez disso, esta expressão permite ao tribunal competente a derrogação das regras gerais de competência e a transferência do processo ou de uma parte do processo para um tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular se considerar que este último tribunal se encontra mais bem colocado para julgar o processo e se a transferência servir o superior interesse da criança – situação que será, em princípio, excepcional.

104. Em segundo lugar, parece‑me que, ao contrário do que refere o Tribunale per i Minorenni di Venezia na sua fundamentação, muitos dos critérios alternativos do artigo 15.°, n.° 3, do regulamento (dos quais, consequentemente, a presença de um único seria suficiente para estabelecer uma «ligação particular») se encontravam, de facto, reunidos no caso em apreço. Assim, é pacífico que a criança tinha a nacionalidade austríaca para além da nacionalidade italiana, o que preenche a condição da alínea c) da disposição, que não se limita ao caso de uma nacionalidade única. Além disso, parece claro que, no momento em que o pedido de transferência foi indeferido, a mãe tinha estabelecido a sua residência habitual na Áustria, o que corresponde ao critério da alínea d) (37).

105. Dito isto, mesmo que a fundamentação do Tribunale per i Minorenni di Venezia possa ser considerada insuficiente em determinados aspectos, é claro que nada no artigo 15.° do regulamento podia obrigar esse tribunal a considerar que o Bezirksgericht Judenburg se encontrava mais bem colocado para conhecer do processo e que a transferência teria servido o interesse superior da criança, e, portanto, a declarar‑se incompetente a favor do tribunal austríaco. Destaco, também, que o Tribunal de Justiça não foi informado da interposição de um eventual recurso desta recusa de transferência por parte da mãe, o que pareceria ser a via normal a seguir pela mãe, caso impugnasse a fundamentação do Tribunale per i Minorenni di Venezia.

106. Em seguida, resulta da decisão de reenvio que, sem ter aguardado a apreciação do seu pedido pelo Tribunale per i Minorenni di Venezia, a mãe apresentou um pedido sobre a guarda directamente ao Bezirksgericht Judenburg. Este, em 26 de Maio de 2009, declarou‑se competente «nos termos do artigo 15.°, n.° 5, do regulamento» e pediu que o tribunal italiano lhe transferisse o processo. Parece que é com base nesta declaração de competência que o Bezirksgericht Judenburg proferiu a sua decisão de 25 de Agosto de 2009, atribuindo a guarda provisoriamente à mãe, decisão a propósito da qual o Oberster Gerichtshof pergunta se esta poderia obstar à execução do despacho de regresso do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009.

107. Não disponho do texto desta decisão de 26 de Maio de 2009, mas o resumo sucinto efectuado pelo Oberster Gerichtshof parece indicar que o Bezirksgericht Judenburg se declarou competente em violação do artigo 15.° do regulamento. Com efeito, este artigo não permite, de modo algum, que um tribunal se declare competente por sua própria iniciativa. Resulta claramente do artigo 15.°, n.° 5, do regulamento que antes de tal declaração (38) de competência deve ser instaurado um processo «com base nas alíneas a) ou b) do n.° 1» – portanto, por iniciativa directa ou indirecta do tribunal competente, que suspende a instância, convidando as partes a apresentarem um pedido ao tribunal de outro Estado‑Membro, ou pede ele próprio ao referido tribunal que se declare competente. Um pedido de transferência, apresentado por um tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular, é, certo, possível nos termos do n.° 2, alínea c) (39), mas a tramitação posterior deste pedido é da incumbência do tribunal competente para conhecer do mérito – e, por conseguinte, do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual (anterior).

108. Por conseguinte, a competência do Bezirksgericht Judenburg para proferir a sua decisão de 25 de Agosto de 2009 parece questionável. Se, nos termos do artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento, o Tribunale per i Minorenni di Venezia tinha perdido a sua competência nesse momento (questão à qual proponho que se responda pela negativa), é plausível que o Bezirksgericht Judenburg tenha adquirido a competência em aplicação da regra normal do artigo 8.° do referido regulamento. Em contrapartida, este não pode ter adquirido a competência em virtude do artigo 15.° do regulamento, porque o Tribunale per i Minorenni di Venezia não tomou qualquer iniciativa nesse sentido (40).

109. Na sua decisão de reenvio, o Oberster Gerichtshof evoca determinadas razões pelas quais a certidão do Bezirksgericht Judenburg, que certifica que a sua decisão de 25 de Agosto de 2009 tinha adquirido força de caso julgado e força executória, poderia ter sido emitida indevidamente, nomeadamente por causa de eventuais vícios de notificação da decisão. Todavia, precisa que a certidão vincula todos os tribunais austríacos e só poderia ser revogada, se fosse caso disso, pelo próprio Bezirksgericht Judenburg, mediante pedido ou a título oficioso. O Oberster Gerichtshof não equaciona a possibilidade de o Bezirksgericht Judenburg se ter erradamente declarado competente, e, portanto, não refere se uma eventual incompetência escapa igualmente à sua fiscalização. De qualquer modo, parece‑me que a declaração de competência nos termos do artigo 15.° do regulamento deveria poder ser objecto de uma fiscalização no sistema jurisdicional austríaco.

110. Sem prejuízo das considerações precedentes, que o Oberster Gerichtshof deverá, sendo caso disso, levar em conta, examinarei a quarta questão prejudicial considerando, como faz o próprio Oberster Gerichtshof, que a decisão do Bezirksgericht Judenburg de 25 de Agosto de 2009 que atribuiu provisoriamente a guarda à mãe tem força executória.

111. O órgão jurisdicional de reenvio explica que, se, em matéria de direito de guarda, uma decisão com força executória em caso de conflito com uma decisão proferida anteriormente obsta, em princípio, à execução desta última – o que se encontra previsto expressamente no artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento –, tal não seria necessariamente o caso em direito nacional. Com efeito, o próprio Oberster Gerichtshof decidiu recentemente que um despacho que ordene o regresso, proferido na Áustria por força da Convenção, deve ser executado mesmo em caso de conflito com uma medida provisória de guarda decidida por outro tribunal austríaco, dado que o artigo 17.° da Convenção dispõe que o simples facto de uma decisão de guarda ter sido proferida no Estado requerido não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança. Se, nos termos do artigo 47.°, n.° 2, do regulamento, o despacho proferido no estrangeiro que ordena o regresso deve ser tratado exactamente como se se tratasse de uma decisão de um tribunal nacional, uma medida provisória que atribua a guarda não pode obstar à sua execução.

112. Por conseguinte, na sua questão, o Oberster Gerichtshof supõe que a disposição do artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento («uma decisão homologada nos termos do [...] artigo 42.°, n.° 1, não pode ser executada em caso de conflito com uma decisão com força executória proferida posteriormente») se refere a qualquer decisão com força executória proferida posteriormente, incluindo no Estado‑Membro de execução. A Comissão opõe‑se a esta interpretação, alegando que esta esvaziaria de conteúdo o mecanismo pretendido pelo legislador previsto no artigo 11.°, n.° 8, que concede aos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual a última palavra quanto ao regresso da criança. O sentido da disposição do artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento seria o de precisar que uma decisão posterior de um tribunal do Estado‑Membro de origem pode eliminar os efeitos da decisão que ordena o regresso, proferida nos termos do artigo 11.°, n.° 8, que não deve ser, nesse caso, executada.

113. Apesar de não se depreender do teor da disposição a precisão proposta pela Comissão, subscrevo o ponto de vista desta. Além dos argumentos que alega – e é certo que o artigo 11.°, n.° 8, do regulamento não teria sentido se a decisão a que se refere pudesse ser substituída por uma decisão posterior do tribunal que já proferiu a decisão de retenção em aplicação do artigo 13.° da Convenção –, é claro que a «decisão com força executória proferida posteriormente» só pode ser a decisão de um tribunal competente. Ora, por exemplo, se se tratar de uma decisão em matéria de responsabilidade parental, são os tribunais do Estado‑Membro em que foi proferida a decisão nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento que são competentes, e não os tribunais do Estado‑Membro em que a criança se encontra ilicitamente.

114. Foi suscitada na audiência a questão de saber por que razão, se a disposição do artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento se limitasse ao caso da anulação de uma decisão homologada no Estado‑Membro de origem, o legislador não o teria precisado expressamente, em vez de escolher a expressão «em caso de conflito», que também seria aplicável no caso de uma decisão proferida posteriormente no Estado‑Membro de execução. Todavia, parece‑me que também foi dada uma resposta satisfatória a esta questão. Mesmo se se excluir que um tribunal do Estado‑Membro de execução possa, ao proferir simplesmente uma decisão contrária, tornar inoperante a decisão que deve, nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, constituir a última palavra sobre o regresso da criança, podem existir outros tipos de decisões que estejam em conflito com o despacho que ordena o regresso – por exemplo, se se ordenar o regresso a um progenitor que, entretanto, foi condenado a uma pena de prisão. É de notar, igualmente, que o artigo 47.° do regulamento é também aplicável às decisões homologadas em conformidade com o seu artigo 41.°, que se referem ao direito de visita e que podem, por conseguinte, ser afectadas por decisões posteriores de ordem diferente.

115. De qualquer modo, conviria interpretar o regulamento em conformidade, na medida do possível, com a Convenção, e não dar, de modo algum, ao poder de decisão reforçado, concedido aos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual pelo artigo 11.°, n.° 8, do regulamento e pelo sistema de homologação previsto no seu artigo 42.°, um alcance que equivaleria a restringir aquele em relação ao disposto no artigo 17.° da Convenção, que prevê, nomeadamente, que o simples facto de uma decisão sobre a guarda ter sido proferida no Estado requerido não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança, mas que as autoridades deste Estado poderão tomar em consideração os motivos desta decisão.

 Quanto à quinta questão

116. Por fim, em caso de resposta negativa à quarta questão, o Oberster Gerichtshof pergunta se a execução de uma decisão homologada pelo tribunal de origem em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento pode ser recusada no Estado de execução se esta puser gravemente em risco o superior interesse da criança devido a uma alteração de circunstâncias desde que a decisão foi proferida ou se esta alteração de circunstâncias deve ser invocada no Estado de origem, e se é possível suspender a execução no Estado de execução até que o tribunal do Estado de origem profira a decisão.

117. O órgão jurisdicional de reenvio explica que a mãe recusará verosimilmente deslocar‑se a Itália com a criança e que a tal não pode ser obrigada. A execução do despacho que ordena o regresso separaria, por conseguinte, a criança da mãe a fim de a confiar ao pai. Segundo o artigo 47.°, n.° 2, do regulamento, esta execução deveria ser realizada como se a decisão tivesse sido proferida na Áustria. Ora, segundo a jurisprudência austríaca, um despacho que ordene o regresso proferido na Áustria nos termos da Convenção só pode ser executado se tiver ocorrido uma alteração das circunstâncias que ocasione um risco grave de que a criança seja exposta a um perigo físico ou psíquico, o que poderia ser o caso se a criança residiu durante muito tempo no Estado de execução.

118. No caso em apreço, a criança viveu um pouco mais de um ano em Itália, tendo o Tribunale per i Minorenni di Venezia proferido o seu despacho que ordena o regresso um ano e meio após a deslocação ilícita da criança para a Áustria. Não houve qualquer contacto entre o pai e a criança durante os nove meses subsequentes a este despacho e, durante os dezoito meses precedentes, os contactos limitaram‑se a visitas. Assim, a criança passou mais de dois terços da sua vida separada do pai. O órgão jurisdicional de reenvio considera que não pode ser excluído que retirar a criança à mãe para a confiar ao pai coloque gravemente em perigo o seu desenvolvimento psíquico e que, mesmo se a atitude da mãe é criticável, tal não justificaria o risco de expor a criança a tal perigo.

119. Por conseguinte, é possível que esse despacho que ordena o regresso proferido na Áustria não seja executado. Dado que o artigo 47.° do regulamento impõe o mesmo tratamento que o aplicável às decisões proferidas no Estado de execução, o mesmo deveria acontecer com a decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia.

120. Todavia, segundo a teleologia das disposições pertinentes, compete ao Tribunale per i Minorenni di Venezia decidir se as circunstâncias se alteraram. Não se trata da execução propriamente dita, mas da justificação material do despacho que ordena o regresso. Deste ponto de vista, a mãe deveria pedir ao Tribunale per i Minorenni di Venezia a anulação da sua decisão. Entretanto, deveria ser autorizada a suspensão da execução da decisão na Áustria.

121. A este respeito, o Governo austríaco salienta que, segundo o artigo 47.°, n.° 1, do regulamento, o processo de execução é determinado pelo direito do Estado‑Membro de execução. Conviria levar em conta todos os obstáculos à execução decorrentes deste direito. No caso em apreço, destes obstáculos fazem parte todas as circunstâncias ocorridas posteriormente que possam pôr em perigo o interesse superior da criança. Se fosse da competência do tribunal do Estado de origem o exame de tal obstáculo, isso conduziria a uma separação do exame dos diferentes obstáculos e a uma competência paralela dos tribunais dos dois Estados, o que não favoreceria a confiança mútua nem o interesse superior da criança, que deve permanecer o critério supremo. Por fim, a competência dos tribunais do Estado de execução estaria em conformidade com a economia do regulamento. Em virtude do critério da proximidade, as autoridades do Estado em que se encontra a criança seriam mais aptas para apreciar se as circunstâncias se alteraram desde que a decisão foi proferida.

122. Pelo contrário, a Comissão considera que o artigo 47.°, n.° 2, do regulamento deve ser interpretado levando em conta o princípio do regresso imediato da criança e a repartição das competências que daqui decorre. Sendo da competência do tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual a decisão final vinculativa quanto ao regresso, a decisão do Estado de execução deve determinar apenas as modalidades de execução. Por conseguinte, o artigo 47.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que as exigências de forma do Estado de execução – por exemplo, no que diz respeito aos prazos, aos serviços competentes e aos regimes sancionatórios – são aplicáveis à própria execução, enquanto o tribunal do Estado‑Membro de origem é o único competente para decidir sobre as acusações materiais relativas à regularidade do título executivo – por exemplo, para decidir se a execução da decisão deve ser suspensa dado que, devido a uma alteração das circunstâncias após ter sido emitido o título executivo, a sua execução já não seria no interesse da criança.

123. Por mim, partilho do ponto de vista da Comissão, do qual o próprio órgão jurisdicional de reenvio parece estar parcialmente convencido (41). Segundo a economia do regulamento, a decisão final sobre a oportunidade de ordenar o regresso da criança é da competência exclusiva dos tribunais do Estado da sua anterior residência habitual. A partir do momento em que um tribunal do Estado da deslocação ilícita tenha proferido uma decisão de retenção em aplicação do artigo 13.° da Convenção, a sua competência na matéria esgota‑se, salvo no que diz respeito, se for caso disso, à revogação ou à anulação desta decisão. Qualquer decisão posterior sobre o mérito – que deve levar em conta os motivos e elementos de prova com base nos quais a decisão de retenção foi proferida – incumbe ao tribunal competente do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Esta decisão posterior deverá, sendo caso disso, ser obrigatoriamente executada no outro Estado‑Membro – é verdade, nos termos do processo (isto é, a forma) determinado pelo seu próprio direito, não podendo no entanto ser tidas em conta considerações de mérito susceptíveis de obstar à execução.

124. Ora, parece‑me evidente que um eventual risco de perigo psíquico ou físico resulta de considerações de fundo e não de forma. Em caso de impugnação da decisão final que ordena o regresso da criança, é, portanto, ao tribunal que a proferiu, e não ao tribunal a quem incumbe a sua execução, que a parte em causa deve recorrer.

125. Quanto à possibilidade de suspensão da instância na pendência do resultado de tal impugnação, são aplicáveis as mesmas considerações que expus nos n.os 93 a 97 da presente tomada de posição, e cumpre concluir que não existe tal possibilidade no tribunal de execução, mas que, em caso de impugnação nos tribunais do Estado‑Membro de origem, estes deveriam ter a competência de ordenar a suspensão da execução na pendência da decisão sobre a impugnação.

126. Por fim, e de qualquer modo, saliento que o órgão jurisdicional de reenvio se refere a uma possibilidade de perigo psíquico que decorreria não apenas da separação da criança do pai durante os nove meses subsequentes à decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009 mas também da separação durante os dezoito meses que a precederam. Ora, mesmo se a execução dessa decisão pudesse, por qualquer via, ser posta em causa devido a acontecimentos posteriores, não o poderia ser com fundamento num qualquer aspecto da situação anterior, que o Tribunale per i Minorenni di Venezia teve necessariamente de levar em conta. E, no que se refere a tais acontecimentos posteriores, importa salientar que o mero decurso do tempo não pode figurar entre eles se o processo previsto no regulamento for correctamente seguido, já que um despacho proferido nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento goza de força executória imediata, sem possibilidade de oposição ao seu reconhecimento.

 Conclusão

127. Tendo em conta as considerações precedentes, considero que o Tribunal de Justiça deve responder da seguinte forma às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof:

«1)      Uma medida provisória que atribua a guarda de uma criança ao progenitor que a raptou na pendência da decisão relativa à guarda definitiva (ou duradoura) não é uma ‘decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança’ na acepção do artigo 10.°, alínea b), iv), do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000.

2)      Um despacho que ordene o regresso é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento n.° 2201/2003 independentemente do facto de o tribunal o ter proferido ou não com fundamento numa decisão sobre a guarda que ele próprio proferiu.

3)      Quando uma decisão homologada por um tribunal de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 é impugnada com fundamento na incompetência do tribunal de origem ou na inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 8, do referido regulamento, a única via de recurso possível consiste em interpor recurso da própria decisão (e não da certidão) nos tribunais deste Estado‑Membro. Os tribunais do Estado‑Membro de execução não dispõem de competência para recusar ou suspender a execução.

4)      Uma decisão proferida por um tribunal do Estado de execução, que atribua provisoriamente a guarda ao progenitor que raptou a criança, não obsta à execução de um despacho que ordene o regresso proferido anteriormente no Estado de origem nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento n.° 2201/2003.

5)      Quando uma decisão homologada por um tribunal de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 for impugnada com fundamento no facto de a sua execução colocar gravemente em perigo o interesse superior da criança, devido a uma alteração das circunstâncias desde que esta decisão foi proferida, a única via de recurso possível consiste em interpor recurso da própria decisão (e não da certidão) nos tribunais deste Estado‑Membro. Os tribunais do Estado‑Membro de execução não dispõem de competência para recusar ou suspender a execução.»


1 – Língua original: francês.


2 – Regulamento de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1, a seguir «regulamento»).


3 – Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em de 25 de Outubro de 1980 e em vigor desde 1 de Dezembro de 1983, na qual todos os Estados‑Membros são partes (a seguir «Convenção»). Ao contrário do regulamento, esta Convenção não prevê regras de competência. A este respeito, o regulamento inspira‑se na Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de protecção da criança, concluída na Haia em 19 de Outubro de 1996 (JO 2008, L 151, p. 39). Importa referir que, por força do seu artigo 60.°, o regulamento prevalece em relação à Convenção, na medida em que esta diga respeito a matérias reguladas pelo dito regulamento.


4 – Os artigos 9.° e 12.°, relativos, respectivamente, ao caso em que uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e ao caso em que a competência dos tribunais de um outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular é aceite de forma inequívoca por todas as partes, não são pertinentes no presente processo.


5 –      O artigo 53.° do regulamento prevê a designação, por cada Estado‑Membro, de uma ou várias autoridades centrais «encarregadas de o assistir na aplicação do presente regulamento» (v. n.° 22 da presente tomada de posição).


6 –      O artigo 56.° do regulamento refere‑se à colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento noutro Estado‑Membro.


7 –      A citação apenas se refere às disposições relativas à responsabilidade parental, com excepção das relativas ao divórcio, à separação ou à anulação do casamento, que não são pertinentes neste contexto.


8 – Acórdão de 11 de Julho de 2008 (C‑195/08 PPU, Colect., p. I‑5271).


9 – Não resulta dos autos a razão pela qual o processo na Áustria foi instaurado em dois tribunais cantonais diferentes.


10 – V. nota de pé de página n.° 36 da presente tomada de posição.


11 – Já referido na nota de pé de página n.° 8.


12 – V., também, acórdão Rinau, já referido na nota de pé de página n.° 8 (n.os 47 e segs.), bem como a minha tomada de posição no mesmo processo (n.os 15 e segs.).


13 – O regulamento é aplicável, simultaneamente, aos casos de deslocação e de retenção ilícitas. Doravante, referir‑me‑ei exclusivamente à «deslocação ilícita», visto que corresponde à situação do presente processo. Todas as considerações expressas referem‑se, porém, aos dois casos.


14 – Como foi precisado pelo Governo italiano na audiência, parece que a expressão «o ‘poder de decisão parental’, em especial o direito de fixar o local de residência», utilizada na questão prejudicial, não reflecte com precisão o teor da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008. Todavia, é pacífico que esta decisão tem por objecto a guarda da criança e não implica o seu regresso.


15 – Questiono‑me mesmo se tal não sucede, em certa medida, no presente processo. Com efeito, o Oberster Gerichtshof parece supor que o Tribunale per i Minorenni di Venezia atribuiu a guarda provisória à mãe sobretudo para evitar deslocações regulares da criança, enquanto que, segundo a minha interpretação do despacho de 23 de Maio de 2008, esse tribunal pretendia, nomeadamente, facilitar as deslocações da criança, com a mãe, entre a Áustria e a Itália, a fim de manter os contactos com o pai.


16 – V. décimo segundo considerando do regulamento. Além disso, importa notar que o critério da proximidade é susceptível, pela sua própria natureza, de produzir resultados que variarão no tempo.


17 – Todavia, estou de acordo com a precisão apresentada pelo Governo francês na audiência, a saber, que se trata, não de uma sanção aplicada ao «progenitor raptor», mas antes de uma medida que visa restabelecer a situação jurídica que teria prevalecido se não tivesse ocorrido a deslocação ilícita.


18 – Proposta de regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 e altera o Regulamento (CE) n.° 44/2001 em matéria de obrigação de alimentos [COM(2002) 222 final/2] em relação ao artigo 21.° da proposta de regulamento, actual artigo 10.° do regulamento. A redacção da disposição foi alterada, mas o conteúdo permaneceu essencialmente o mesmo.


19 – V. n.os 28 e 29 da presente tomada de posição.


20 – Já referida na nota de pé de página n.° 3. Esta Convenção foi assinada por todos os Estados‑Membros da União, com excepção de Malta, mas, até à data, só foi ratificada por oito de entre eles, com excepção da República da Áustria e da República Italiana. Os restantes Estados‑Membros, com excepção do Reino da Dinamarca, foram autorizados a ratificá‑la ou a ela aderir simultaneamente, no interesse da União (v. Decisão 2008/431/CE do Conselho, de 5 de Junho de 2008, que autoriza certos Estados‑Membros a ratificar ou aderir, no interesse da Comunidade Europeia, à Convenção da Haia de 1996 relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de protecção da criança, e que autoriza certos Estados‑Membros a fazer uma declaração sobre a aplicação da regulamentação interna pertinente do direito comunitário – Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de protecção da criança, JO L 151, p. 36).


21 – V., designadamente, secção II, alínea a), do Documento 13940/02 do Conselho, de 8 de Novembro de 2002 (pontos 11 e segs.).


22 – É possível que este prazo possa ser explicado por uma compreensão incorrecta do artigo 11.°, n.° 7, do regulamento, que prevê um prazo de três meses para permitir às partes apresentar observações sobre a decisão de retenção, mas não dispomos de informações a este respeito.


23 – Neste contexto, refiro o exemplo do caso em apreço, mas dos processos Rinau, já referido, e Purrucker (C‑256/09), pendente no Tribunal de Justiça, resultam também circunstâncias comparáveis. No presente caso, há que assinalar que a demora do processo se ficou igualmente a dever a determinados atrasos na comunicação da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008 aos tribunais austríacos e do pedido de transferência de competência do Bezirksgericht Judenburg, de 26 de Maio de 2009, ao Tribunale per i Minorenni di Venezia.


24 – V. as minhas conclusões no processo Purrucker, já referido na nota de pé de página n.° 23 (n.os 118 e segs.).


25 – Já referido na nota de pé de página n.° 8 (designadamente, n.os 63 e segs.).


26 – Artigo 42.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea c), e Anexo IV, n.° 13, do regulamento.


27 – Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO L 143, p. 15).


28 – «Quando o devedor tiver [...] requerido a [...] revogação da certidão de Título Executivo Europeu em conformidade com o artigo 10.°, o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode, a pedido do devedor [...] c) [e]m circunstâncias excepcionais, suspender o processo de execução».


29 – V., por exemplo, no quadro do regulamento, o Documento 7730/03 da delegação alemã, de 21 de Março de 2003, que defende de forma acérrima (p. 10) a possibilidade de recurso contra a emissão da certidão – posição que não foi, porém, incorporada no regulamento, tal como foi adoptado. No quadro do Regulamento n.° 805/2004, pelo contrário, é de referir que a proposta inicial da Comissão [COM(2002) 159 final] previa apenas, mas com um raciocínio completo e expresso na fundamentação, que a decisão que decida sobre um pedido de certidão «não é susceptível de recurso» – posição que a Comissão manteve na sua proposta alterada [COM(2003) 341 final] mesmo após a proposta de alteração do Parlamento Europeu que estabelecia uma possibilidade de recurso, mas que não foi retida pelo Parlamento e pelo Conselho na versão final do texto adoptado.


30 – V. acórdão Rinau, já referido na nota de pé de página n.° 8, n.os 58 e segs. Tal despacho, embora não goze da força executória imediata prevista nos artigos 42.° e 47.° do regulamento, pode, porém, beneficiar dos processos de reconhecimento e de execução previstos para outras decisões nos artigos 28.° e segs.


31 – Já referido na nota de pé de página n.° 8; v., em particular, n.os 85 a 96 da tomada de posição.


32 – Já referido na nota de pé de página n.° 23; v., em particular, n.os 127, 128 e 148 a 154 das conclusões.


33 – Artigo 35.° do regulamento, na secção 2 do capítulo III, que não é aplicável às decisões que ordenam o regresso da criança, reguladas pela secção 4.


34 – V. Documento 7730/03 da delegação alemã, de 21 de Março de 2003, já referido na nota de pé de página n.° 29. Na altura, tratava‑se do artigo 48.° do projecto de regulamento.


35 – V. n.° 91 da presente tomada de posição.


36 – Ao referir‑se ao artigo «15.°(b)(5)», não é certo que o Tribunale per i Minorenni di Venezia tenha pretendido visar o ponto b) dos n.os 1, 2 ou 3 do artigo 15.° do regulamento, podendo cada um ser eventualmente pertinente. A explicação mais plausível parece ser, todavia, a de que a mãe pediu a esse tribunal, nos termos do n.° 1, alínea b), que pedisse ao Bezirksgericht Judenburg «que se declare competente nos termos do n.° 5».


37 – Além disso, saliento que a criança tinha residido habitualmente na Áustria durante mais de metade da sua vida (quer tenha ou não adquirido uma nova «residência habitual» na acepção do regulamento), o que poderia eventualmente preencher a condição da alínea b), segundo a sua redacção em francês, mas não necessariamente noutras versões linguísticas.


38 – Assinalo que a versão inglesa do regulamento prevê mais explicitamente que o tribunal em causa aceite a competência, e não que se declare competente.


39 – Resulta da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009 que o Bezirksgericht Judenburg apresentou, efectivamente, tal pedido – mas ao mesmo tempo que a declaração da sua própria competência e, por conseguinte, sem aguardar a resposta a este pedido.


40 – Além disso, saliento que o artigo 15.° só é aplicável se o tribunal que transfere o processo for ele próprio competente. Com fundamento neste artigo, o Bezirksgericht Judenburg reconheceu, por conseguinte, tácita mas necessariamente, a competência do Tribunale per i Minorenni di Venezia em 26 de Maio de 2009.


41 – V. n.° 120 da presente tomada de posição.


TOMADA DE POSIÇÃO DA ADVOGADA‑GERAL

E. SHARPSTON

de 16 de Junho de 2010 1(1)

Processo C‑211/10 PPU

Doris Povse

contra

Mauro Alpago

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Processo prejudicial com tramitação urgente – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Responsabilidade parental conjunta dos dois progenitores – Deslocação da criança para um outro Estado‑Membro em violação de uma proibição de saída do território – Decisão do tribunal do primeiro Estado‑Membro que levanta a proibição e atribui provisoriamente o poder de decisão ao progenitor que se deslocou com a criança – Residência da criança no segundo Estado‑Membro durante mais de um ano – Decisão do tribunal do primeiro Estado‑Membro que ordena o regresso da criança a esse Estado – Razões susceptíveis de justificar a recusa no segundo Estado‑Membro da execução desta última decisão»





1.        Uma criança nascida na Itália em 2006, de pai italiano e de mãe austríaca, que nunca contraíram matrimónio, encontra‑se actualmente na Áustria com a mãe, contra a vontade do pai. No âmbito de um processo que teve por objecto determinar o exercício da responsabilidade parental relativa à criança, um tribunal italiano ordenou o regresso desta a Itália. O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) (Áustria) submete‑nos cinco questões a respeito das razões pelas quais a execução deste despacho possa ser eventualmente recusada.

 Quadro jurídico

2.        Ao nível da União Europeia, a situação é regulada pelo Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho (2), lido em conjugação com a Convenção da Haia de 1980 (3).

 Convenção

3.        No preâmbulo da Convenção, os Estados signatários declaram‑se «[f]irmemente convictos de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia» e afirmam que desejam «proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita».

4.        Segundo o artigo 3.° da Convenção:

«A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a)      Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b)      Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»

5.        O artigo 12.° da Convenção prevê:

«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3.° e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.

[...]»

6.        Nos termos do artigo 13.° da Convenção:

«Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

a)      Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b)      Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar‑se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.»

7.        O artigo 17.° da Convenção dispõe:

«O facto de ter sido tomada uma decisão relativa à custódia ou de a mesma ser passível de reconhecimento no Estado requerido não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança nos termos desta Convenção; mas as autoridades judiciais ou administrativas do Estado requerido poderão tomar em consideração os motivos desta decisão no âmbito da aplicação da presente Convenção.»

8.        Segundo o artigo 19.° da Convenção:

«Qualquer decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da presente Convenção, não afecta os fundamentos do direito de custódia.»

 Regulamento

9.        Diversos considerandos do regulamento se afiguram pertinentes à análise das questões suscitadas pelo presente reenvio prejudicial, nomeadamente:

«(12) As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

[...]

(17)      Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.° Os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor‑se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efectuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e a execução da referida decisão no Estado‑Membro onde se encontra a criança raptada.

[...]

(21)      O reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado‑Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não‑reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável.

[...]

(23)      O Conselho Europeu de Tampere afirmou, nas suas conclusões (ponto 34) que as decisões proferidas em litígios em matéria de direito da família deveriam ser ‘automaticamente reconhecidas em toda a União sem quaisquer procedimentos intermediários ou motivos de recusa de execução’. Por este motivo, as decisões relativas ao direito de visita e as decisões relativas ao regresso da criança que tenham sido homologadas no Estado‑Membro de origem nos termos do presente regulamento deverão ser reconhecidas e têm força executória em todos os outros Estados‑Membros sem necessidade de qualquer outra formalidade. As regras de execução destas decisões continuam a ser reguladas pelo direito interno.

(24)      A certidão emitida para facilitar a execução da decisão não deverá ser susceptível de recurso. Só pode dar origem a uma acção de rectificação em caso de erro material, ou seja quando a certidão não reflicta correctamente o conteúdo da decisão.»

10.      O artigo 2.° do regulamento define determinadas expressões empregues neste regulamento. Em particular, entende‑se por:

«4)      ‘Decisão’, qualquer decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, bem como qualquer decisão relativa à responsabilidade parental proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, independentemente da sua designação, tal como ‘acórdão’, ‘sentença’ ou ‘despacho judicial’;

[...]

11)      ‘Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança’, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

a)      Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;

e

b)      No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.

[...]»

11.      Segundo o artigo 8.° do Regulamento, e sem prejuízo das disposições dos artigos 9.°, 10.° e 12.°, os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

12.      A este respeito, o artigo 10.° do regulamento (4) dispõe:

«Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro e:

a)      Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção;

ou

b)      A criança ter estado a residir nesse outro Estado‑Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:

i)      não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,

ii)      o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),

iii)      o processo instaurado num tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.° 7 do artigo 11.°,

iv)      os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.»

13.      Nos termos do artigo 11.° do regulamento:

«1.      Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.

2.      Ao aplicar os artigos 12.° e 13.° da [Convenção], deve‑se providenciar no sentido de que a criança tenha a oportunidade de ser ouvida durante o processo, excepto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade.

3.      O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.° 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.

Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem.

4.      O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.° da [Convenção], se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua protecção após o regresso.

5.      O tribunal não pode recusar o regresso da criança se a pessoa que o requereu não tiver tido oportunidade de ser ouvida.

6.      Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.° da [Convenção], deve imediatamente enviar, directamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as actas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.

7.      Excepto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da retenção ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que receba a informação referida no n.° 6 deve notificá‑la às partes e convidá‑las a apresentar as suas observações ao tribunal, nos termos do direito interno, no prazo de três meses a contar da data da notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da criança.

Sem prejuízo das regras de competência previstas no presente regulamento, o tribunal arquivará o processo se não tiver recebido observações dentro do prazo previsto.

8.      Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da [Convenção], uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança.»

14.      O artigo 15.° do regulamento refere‑se à possibilidade de transferência a um tribunal que se encontre mais bem colocado para conhecer do processo. Prevê:

«1.      Excepcionalmente, os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspectos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:

a)      Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado‑Membro, nos termos do n.° 4; ou

b)      Pedir ao tribunal de outro Estado‑Membro que se declare competente nos termos do n.° 5.

2.      O n.° 1 é aplicável:

a)      A pedido de uma das partes; ou

b)      Por iniciativa do tribunal; ou

c)      A pedido do tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nos termos do n.° 3.

Todavia, a transferência só pode ser efectuada por iniciativa do tribunal ou a pedido do tribunal de outro Estado‑Membro, se for aceite pelo menos por uma das partes.

3.      Considera‑se que a criança tem uma ligação particular com um Estado‑Membro, na acepção do n.° 2, se:

a)      Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.° 1, a criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

b)      A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

c)      A criança for nacional desse Estado‑Membro; ou

d)      Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

e)      O litígio se referir às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse da criança, que se encontram no território desse Estado‑Membro.

4.      O tribunal do Estado‑Membro competente para conhecer do mérito deve fixar um prazo para instaurar um processo nos tribunais do outro Estado‑Membro, nos termos do n.° 1.

Se não tiver sido instaurado um processo dentro desse prazo, continua a ser competente o tribunal em que o processo tenha sido instaurado nos termos dos artigos 8.° a 14.°

5.      O tribunal desse outro Estado‑Membro pode, se tal servir o superior interesse da criança, em virtude das circunstâncias específicas do caso, declarar‑se competente no prazo de seis semanas a contar da data em que tiver sido instaurado o processo com base nas alíneas a) ou b) do n.° 1. Nesse caso, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar renuncia à sua competência. No caso contrário, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar continua a ser competente, nos termos dos artigos 8.° a 14.°

6.      Os tribunais devem cooperar para efeitos do presente artigo, quer directamente, quer através das autoridades centrais designadas nos termos do artigo 53.° (5).»

15.      O Capítulo III do regulamento tem por epígrafe «Reconhecimento e execução». A secção 1 deste capítulo refere‑se ao reconhecimento. Nesta secção, o artigo 23.° enumera os fundamentos de não‑reconhecimento das decisões em matéria de responsabilidade parental. Prevê:

«Uma decisão em matéria de responsabilidade parental não é reconhecida:

a)      Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido, tendo em conta o superior interesse da criança;

b)      Se, excepto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado‑Membro requerido;

c)      Se a parte revel não tiver sido citada ou notificada do acto introdutório da instância ou acto equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa, excepto se estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca;

d)      A pedido de qualquer pessoa que alegue que a decisão obsta ao exercício da sua responsabilidade parental, se a decisão tiver sido proferida sem que essa pessoa tenha tido a oportunidade de ser ouvida;

e)      Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental no Estado‑Membro requerido;

f)      Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental noutro Estado‑Membro ou no Estado terceiro em que a criança tenha a sua residência habitual, desde que essa decisão posterior reúna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado‑Membro requerido;

ou

g)      Se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.° (6).»

16.      O artigo 24.° desta mesma secção 1 dispõe:

«Não se pode proceder ao controlo da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem. O critério de ordem pública, referido na […] alínea a) do artigo 23.°, não pode ser aplicado às regras de competência enunciadas nos artigos [8.°] a 14.° (7).»

17.      A secção 4 do Capítulo III, intitulada «Força executória de certas decisões em matéria de direito de visita e de certas decisões que exigem o regresso da criança», inclui os artigos 40.° a 45.° O artigo 40.°, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      A presente secção é aplicável:

[…]

b)      Ao regresso da criança, na sequência de uma decisão que exija o regresso da criança, nos termos do n.° 8 do artigo 11.°

2.      O disposto na presente secção não impede o titular da responsabilidade parental de requerer o reconhecimento e a execução de uma decisão, nos termos das secções 1 e 2 do presente capítulo.»

18.      Nos termos do artigo 42.°, intitulado «Regresso da criança»:

«1.      O regresso da criança referido na alínea b) do n.° 1 do artigo 40.°, resultante de uma decisão com força executória proferida num Estado‑Membro é reconhecido e goza de força executória noutro Estado‑Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento, se essa decisão tiver sido homologada no Estado‑Membro de origem, nos termos do n.° 2.

Mesmo se a legislação nacional não previr a força executória de pleno direito de uma decisão que exija o regresso da criança previsto no n.° 8 do artigo 11.°, o tribunal pode declarar a decisão com força executória, não obstante qualquer recurso.

2.      O juiz de origem que pronunciou a decisão referida na alínea b) do n.° 1 do artigo 40.° só emite a certidão referida no n.° 1, se:

a)      A criança tiver tido oportunidade de ser ouvida, excepto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade;

b)      As partes tiverem tido a oportunidade de ser ouvidas; e

c)      O tribunal, ao pronunciar‑se, tiver tido em conta a justificação e as provas em que assentava a decisão pronunciada ao abrigo do artigo 13.° da [Convenção].

Se o tribunal ou qualquer outra autoridade tomarem medidas para garantir a protecção da criança após o seu regresso ao Estado‑Membro onde reside habitualmente, essas medidas deverão ser especificadas na certidão.

O juiz de origem emite a referida certidão, por sua própria iniciativa, utilizando o formulário constante do anexo IV (certidão relativa ao regresso da criança).

A certidão é redigida na língua da decisão.»

19.      De entre os elementos que devem ser certificados a este respeito consta, no n.° 13 do referido Anexo IV, a seguinte declaração: «A decisão prevê o regresso da criança e o tribunal teve em conta na sua decisão os motivos e elementos de prova em que assenta a decisão tomada nos termos da alínea b) do artigo 13.° da [Convenção]».

20.      Nos termos do artigo 43.° do regulamento:

«1.      A legislação do Estado‑Membro de origem é aplicável a qualquer rectificação da certidão.

2.      A emissão de uma certidão nos termos do n.° 1 do artigo 41.° ou do n.° 1 do artigo 42.° não é susceptível de recurso.»

21.      O artigo 47.° do regulamento, sob a epígrafe «Processo de execução», prevê:

«1.      O processo de execução é regulado pela lei do Estado‑Membro de execução.

2.      Qualquer decisão proferida pelo tribunal de outro Estado‑Membro, e declarada executória nos termos da secção 2 ou homologada nos termos do n.° 1 do artigo 41.° ou do n.° 1 do artigo 42.°, é executada no Estado‑Membro de execução como se nele tivesse sido emitida.

Em particular, uma decisão homologada nos termos do n.° 1 do artigo 41.° ou do n.° 1 do artigo 42.° não pode ser executada em caso de conflito com uma decisão com força executória proferida posteriormente.»

22.      O artigo 53.° do regulamento prevê que cada Estado‑Membro designa uma ou várias autoridades centrais encarregadas de o assistir na aplicação do regulamento. Segundo o artigo 55.°, alínea c), do regulamento uma das funções destas autoridades, em casos específicos de responsabilidade parental, é a de «[a]poiar a comunicação entre tribunais, nomeadamente para efeitos dos n.os 6 e 7 do artigo 11.° e do artigo 15.°»

 Quadro factual e processual

23.      Neste ponto, procederei do mesmo modo que em relação à minha tomada de posição no processo que deu origem ao acórdão Rinau (8), resumindo os principais elementos do quadro factual e processual do litígio, como decorre da decisão de reenvio e das peças anexas, sob a forma de um quadro sinóptico.


Data

Itália

Áustria

6. 12. 2006

Nascimento da criança; nos termos do direito italiano, os pais têm a guarda conjunta.

 

31. 1. 2008

A mãe sai do domicílio comum com a criança.

 

4. 2. 2008

O pai pede que o Tribunale per i Minorenni di Venezia (tribunal de menores de Veneza) lhe atribua a guarda exclusiva da criança e declare uma proibição de saída da mãe do território italiano com a criança.

 

8. 2. 2008

O Tribunale per i Minorenni di Venezia proíbe provisoriamente que a mãe saia de Itália com a criança.

 
 

A mãe pede a guarda exclusiva da criança.

Apesar da proibição, a mãe deslocou‑se para a Áustria com a criança.

16. 4. 2008

 

O pai pediu o regresso da criança ao abrigo da Convenção.

23. 5. 2008

Antes de proferir uma decisão sobre a guarda definitiva, o Tribunale per i Minorenni di Venezia ordenou um exame pericial de natureza psicológica e contactos regulares entre a criança e o pai, na Itália e na Áustria, nos serviços sociais respectivos; a fim de permitir que a mãe se possa deslocar de um país para o outro com a criança para permitir os contactos com o pai, este tribunal revogou a proibição de saída do território; concede provisoriamente o direito de guarda conjunto aos dois progenitores e permite que a mãe mantenha a criança na Áustria, conferindo‑lhe apenas o poder de decisão relativo à sua vida quotidiana.

Inicialmente, os tribunais austríacos ignoram a existência e o teor desta decisão.

6. 6. 2008

 

A pedido da mãe, o Bezirksgericht Judenburg (tribunal cantonal de Judenburg, cantão de residência da mãe e da criança) proíbe que o pai contacte a mãe e a criança, pelo facto de ter assediado a mãe.

3. 7. 2008

 

Com fundamento no artigo 13.°, alínea b), da Convenção (risco grave de perigo psíquico em caso de separação da mãe), o Bezirksgericht Leoben (tribunal cantonal de Leoben, cantão contíguo ao de Judenburg) (9) indefere o pedido do pai (de 16 de Abril de 2008) que tinha por objecto que fosse ordenado o regresso da criança à Itália.

1. 9. 2008

 

Mediante recurso do pai, o Landesgericht Leoben (tribunal regional de Leoben) anulou o despacho de 3 de Julho de 2008 com fundamento no artigo 11.°, n.° 5, do regulamento, pelo facto de o pai não ter sido ouvido pelo Bezirksgericht.

6. 9. 2008

 

O prazo de validade do despacho do Bezirksgericht Judenburg expirou em 6 de Junho de 2008.

21. 11. 2008

 

O Bezirksgericht Leoben ouviu o pai e indeferiu de novo o seu pedido, fazendo referência, desta vez, ao despacho do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008 (do qual tinha tido conhecimento nessa data), e prevendo que a criança permaneceria com a mãe na Áustria.

7. 1. 2009

 

O Landesgericht Leoben confirma o indeferimento do pedido do pai, retomando a fundamentação com base no artigo 13.°, alínea b), da Convenção.

9. 4. 2009

O pai pede que o Tribunale per i Minorenni di Venezia ordene o regresso da criança, ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento.

 

15. 5. 2009

A mãe invoca a incompetência do Tribunale per i Minorenni di Venezia, com fundamento no artigo 10.° do regulamento; a título subsidiário, pede a transferência para o Bezirksgericht Judenburg, com fundamento no artigo «15(b)(5)» (10) do regulamento.

 

30. 4. 2009 e

19. 5. 2009

O Tribunale per i Minorenni di Venezia ouviu os representantes das partes, não tendo a mãe comparecido pessoalmente; os representantes declaram estar disponíveis para discutir um programa de contactos entre o pai e a criança, a preparar pelo perito nomeado pelo tribunal.

 

26. 5. 2009

 

Mediante pedido da mãe (não notificado ao Tribunale per i Minorenni di Venezia), o Bezirksgericht Judenburg declara‑se (sem ter ouvido o pai) competente para conhecer do pedido de guarda apresentado pela mãe, «ao abrigo do artigo 15.°, n.° 5,» do regulamento; este tribunal pede que o Tribunale per i Minorenni di Venezia renuncie à sua competência e lhe transmita o processo.

26. 6. 2009

O pai declara estar disponível para cumprir o programa de visitas a estabelecer.

 

27. 6. 2009

A mãe declara não pretender aceitar o plano de visitas a estabelecer, invocando dificuldades pessoais e receios relativamente ao bem‑estar da criança

 

8. 7. 2009

A perita apresenta a proposta de plano de contactos no Tribunale per i Minorenni di Venezia, que recebe, na mesma data, o pedido do Bezirksgericht Judenburg de transferência do processo.

 

10. 7. 2009

O Tribunale per i Minorenni di Venezia julga não procedente a excepção de incompetência suscitada pela mãe, e recusa transmitir a competência para o Bezirksgericht Judenburg, com fundamento no facto de as condições do artigo 15.° do regulamento não se encontrarem reunidas (a situação não é excepcional na acepção do n.° 1, e a ligação particular com a Áustria na acepção do n.° 3 não está demonstrada); constata que o exame pericial de natureza psicológica não pode ser concluído devido à não cooperação da mãe; ordena o regresso imediato da criança a Itália, acompanhada da mãe (caso em que seria disponibilizada uma habitação social e estabelecido um calendário de visitas), ou para viver com o pai, de modo a restabelecer a relação entre o pai e a criança; e homologa a sua decisão em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento.

 

25. 8. 2009

 

O Bezirksgericht Judenburg confia provisoriamente a guarda à mãe, com fundamento no facto de o regresso a Itália ser perigoso para o interesse superior da criança. A sua decisão é notificada ao pai sem tradução e sem qualquer informação sobre o direito que lhe assistia de recusar a recepção.

22. 9. 2009

 

O pai pede que o Bezirksgericht Leoben execute a decisão de regresso do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009, invocando o artigo 47.° do regulamento.

23. 9. 2009

 

O Bezirksgericht Judenburg confirma que o seu despacho de 25 de Agosto de 2009 adquiriu força de caso julgado e força executória.

12. 11. 2009

 

O Bezirksgericht Leoben indefere o pedido de execução da decisão de regresso do Tribunale per i Minorenni di Venezia, com fundamento no facto de o regresso da criança para junto do pai a expor a um perigo psíquico.

30. 11. 2009

 

O pai recorre da decisão do Bezirksgericht Leoben de 12 de Novembro de 2009.

20. 1. 2010

 

O Landesgericht Leoben dá provimento ao recurso do pai, invocando uma aplicação estrita das disposições do regulamento.

16. 2. 2010

 

A mãe interpõe recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof da decisão do Landesgericht Leoben de 20 de Janeiro de 2010.

20. 4. 2010

 

O Oberster Gerichtshof submete cinco questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, requerendo que estas sejam apreciadas ao abrigo da tramitação urgente.

3. 5. 2010

 

O pedido de decisão prejudicial dá entrada no Tribunal de Justiça.

 Questões submetidas ao Tribunal de Justiça

24.      O órgão jurisdicional de reenvio admite que, segundo o acórdão Rinau (11), quando uma certidão tiver sido emitida nos termos do artigo 42.° do regulamento, o tribunal de execução só pode declarar a força executória de uma decisão proferida nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento e providenciar o regresso imediato da criança. A apreciação do mérito da decisão do tribunal italiano é, por conseguinte, em princípio, de excluir. Do mesmo modo, por força das normas processuais nacionais, a incompetência territorial deste tribunal não pode ser invocada no âmbito de um recurso de «Revision». Todavia, determinados aspectos requerem, no seu entender, um exame mais aprofundado.

25.      Por conseguinte, o Oberster Gerichtshof decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as cinco questões seguintes:

«1.      Uma medida provisória que atribui [o ‘poder de decisão parental’], em especial o direito de fixar o local de residência, ao progenitor que tenha [raptado a criança], até ser proferida a decisão definitiva sobre o direito de guarda, deve igualmente ser considerada uma ‘decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança’ na acepção do artigo 10.°, alínea b), iv), do Regulamento […]?

2.      A decisão que ordena o regresso só é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento Bruxelas II A quando o tribunal ordena o regresso com base numa decisão que ele próprio tenha proferido sobre a guarda?

3.      Em caso de resposta afirmativa à questão 1 ou à questão 2:

3.1.      É possível invocar, no Estado de execução, a incompetência do tribunal de origem (questão 1) ou a inaplicabilidade do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas II A (questão 2) para se opor à execução de uma decisão em relação à qual o tribunal de origem emitiu a certidão prevista no artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas II A?

3.2.      Ou, nesse caso, deve o recorrido pedir a revogação da certidão no Estado de origem, podendo a execução ser suspensa no Estado de execução até ser proferida a decisão no Estado de origem?

4.      Em caso de resposta negativa às questões 1 e 2, ou à questão 3.1:

Uma decisão proferida por um tribunal do Estado de execução, considerada executória por força do respectivo direito, através da qual a guarda provisória é atribuída ao progenitor que [raptou a criança], obsta, por força do artigo 47.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas II A, à execução de uma decisão de regresso proferida anteriormente no Estado de origem com base no artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento Bruxelas II A, mesmo que não obste à execução de uma decisão de regresso proferida no Estado de execução com base na Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças?

5.      Em caso de resposta igualmente negativa à questão 4:

5.1.      A execução de uma decisão para a qual o tribunal de origem emitiu a certidão prevista no artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas II A, pode ser recusada no Estado de execução se, desde que a decisão foi proferida, as circunstâncias se tiverem alterado de tal modo que a execução nesse momento pudesse pôr gravemente em risco o superior interesse da criança?

5.2.      Ou deve o recorrido invocar essas alterações de circunstâncias no Estado de origem, podendo a execução ser suspensa no Estado de execução até ser proferida a decisão no Estado de origem?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26.      Tendo o processo sido submetido a tramitação acelerada regulada pelo artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas pelo Governo austríaco e pela Comissão Europeia, únicos autorizados a intervir neste estádio para além das partes no processo principal, autorizadas a intervir nesta fase. As mesmas partes, assim como os governos checo, alemão, francês, italiano, letão, esloveno, e do Reino Unido, estiveram representados na audiência de 14 de Junho de 2010. Apesar de autorizados a apresentar observações escritas e a ser representados na audiência, no presente processo os progenitores não fizeram uso do seu direito.

 Análise

 Observações preliminares

27.      As dúvidas do Oberster Gerichtshof devem‑se, de forma não despicienda, à percepção de um conflito entre a interpretação literal e a interpretação teleológica de determinadas disposições do regulamento. Por conseguinte, parece importante ter presentes os três princípios fundamentais subjacentes às disposições pertinentes do regulamento que devem orientar qualquer interpretação teleológica (12).

28.      Em primeiro lugar, o regulamento tem como fundamento o primado do interesse da criança e o respeito dos seus direitos. Além da preocupação de levar em conta, em cada caso, o interesse superior da criança em si próprio, esta ideia exprime‑se, nomeadamente, na regra geral segundo a qual os tribunais do local da sua residência habitual se encontram mais bem colocados para regular qualquer questão sobre a guarda ou a responsabilidade parental e devem, portanto, ser, em princípio, competentes na matéria. Todavia, parece‑me que, se o tribunal que deve proferir uma decisão num caso concreto deve levar em conta o interesse particular de cada criança em causa, a interpretação do regulamento deve basear‑se num conceito mais abrangente de interesse superior da criança, aplicável de maneira geral.

29.      Em segundo lugar, o regulamento pretende garantir que a deslocação ilícita de crianças não produza efeitos jurídicos, salvo se esta for aceite posteriormente pelas outras partes interessadas. Nesta perspectiva, prevê, por um lado, um mecanismo quase automático que visa obter o regresso da criança sem demora e, por outro, limita, em termos estritos, as possibilidades de transferência de competências para os tribunais do Estado‑Membro da deslocação ilícita, permitindo que os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual não levem em consideração uma eventual decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da Convenção.

30.      Assim, mesmo no domínio circunscrito da responsabilidade parental e da deslocação ilícita de crianças, o regulamento prossegue, pelo menos, dois objectivos – a competência dos tribunais do Estado da residência habitual da criança, e o regresso desta, após uma deslocação ilícita, ao Estado da sua anterior residência habitual – que podem revelar‑se parcialmente incompatíveis, pelo menos se a deslocação foi prolongada, de modo que a criança adquiriu uma nova residência habitual no Estado‑Membro da deslocação.

31.      Em terceiro lugar, o regulamento exige um elevado grau de confiança mútua dos tribunais nacionais, limitando ao mínimo necessário os fundamentos de não reconhecimento das decisões de um tribunal de outro Estado‑Membro e torna o reconhecimento e a execução destas decisões quase automáticos. Além disso, prevê, com a mesma finalidade, um mecanismo de cooperação e incita os tribunais nacionais a utilizá‑lo.

32.      Na minha opinião, merecem também ser destacados dois outros aspectos do regulamento.

33.      Por um lado, o regulamento apenas prevê regras relativas à competência, ao reconhecimento e à execução. Não se refere de todo a questões de fundo. Ao contrário do que parece ter alegado o Governo austríaco na audiência, a aplicação do regulamento não supõe uma «integração europeia à custa da criança», antes visa determinar claramente, nas situações transfronteiriças, o tribunal competente e assegurar que os outros tribunais confiem nas suas decisões, visto que todos os tribunais dos Estados‑Membros devem, nas suas decisões, dar primazia ao interesse superior da criança interessada.

34.      Por outro lado, pressupõe – e, em certos casos, exige mesmo – que os tribunais e as partes actuem rapidamente em matéria de deslocação ou retenção ilícitas (13) de uma criança. Caso esta rapidez de actuação não seja assegurada na realidade, a aplicação do regulamento será afectada, como o demonstra o presente processo. Em particular, o regulamento visa evitar que a situação se complique devido à criação de novos vínculos que a criança poderia adquirir com o Estado‑Membro da deslocação ilícita.

35.      Por fim, importa ter presentes as etapas sucessivas do processo previsto na Convenção e no regulamento em caso de deslocação ilícita (e impugnada). Em primeiro lugar, o progenitor separado da criança deve recorrer aos tribunais do Estado‑Membro da deslocação, com fundamento no artigo 12.° da Convenção, para obter um despacho que ordene o regresso. Este pedido deve ser deferido, salvo se existir um motivo excepcional de indeferimento, de entre os enumerados no artigo 13.° da Convenção, e se, no caso de um indeferimento com fundamento na alínea b) deste artigo, não for demonstrado que foram adoptadas disposições apropriadas para assegurar a protecção da criança após o seu regresso (v. artigo 11.°, n.° 4, do regulamento). Em qualquer caso, a decisão deve ser proferida, salvo em circunstâncias excepcionais, no prazo de seis semanas (artigo 11.°, n.° 3, do regulamento). Na eventualidade de uma decisão de retenção, esta deve ser comunicada às autoridades do Estado‑Membro da anterior residência habitual, e as partes (em princípio, os progenitores) devem ter a possibilidade de se pronunciar no tribunal competente deste Estado. Se for caso disso, este último tribunal pode ordenar o regresso da criança (artigo 11.°, n.° 8, do regulamento) e a sua decisão será directamente executória no Estado‑Membro da deslocação se for homologada nos termos do artigo 42.° do regulamento. Tal homologação apenas é possível, contudo, se o tribunal tiver levado em consideração os motivos e elementos de prova em que assenta a decisão de retenção. Um tribunal que ordene o regresso nestas circunstâncias deve, além disso, informar as autoridades do Estado‑Membro da deslocação das modalidades de qualquer medida tomada com vista a assegurar a protecção da criança após o seu regresso.

 Quanto à primeira questão

36.      O Oberster Gerichtshof solicita‑nos se uma medida provisória que atribui «o ‘poder de decisão parental’, em especial o direito de fixar o local de residência», ao progenitor que tenha raptado a criança, até ser proferida a decisão definitiva sobre o direito de guarda, deve ser considerada uma «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança» na acepção do artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento (14).

37.      Trata‑se, no contexto do referido processo, de determinar se, devido à sua decisão de 23 de Maio de 2008, o Tribunale per i Minorenni di Venezia perdeu a competência que, noutras circunstâncias, teria mantido por força da regra geral do artigo 10.° do regulamento, na qualidade de tribunal do Estado‑Membro em que a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ilícita. Com efeito, o Oberster Gerichtshof considera que a criança adquiriu, agora, uma nova residência habitual na Áustria e que, se a condição da alínea a) deste artigo (no caso em apreço, o consentimento do pai) não estiver preenchida, em contrapartida, as duas primeiras condições estabelecidas com carácter subsidiário na alínea b), estão preenchidas (a saber que a criança residiu na Áustria durante pelo menos um ano depois de o pai ter tomado conhecimento do paradeiro da criança e que a criança se integrou no seu novo ambiente). Se pelo menos uma das condições adicionais previstas de i) a iv) se encontrar igualmente preenchida, a competência geral é transferida para os tribunais da Áustria, Estado‑Membro da nova residência habitual da criança. O Oberster Gerichtshof afasta as condições i) a iii), mas considera que, caso – como alega a mãe – a decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008 seja uma «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança», a condição iv) será preenchida.

38.      Todavia, o Oberster Gerichtshof considera que, segundo uma interpretação teleológica, esta condição não deve considerar‑se preenchida – mesmo se, segundo uma interpretação literal, a decisão em questão seja uma «decisão sobre a guarda», já que regula a guarda da criança, mesmo que apenas provisoriamente e não implicaria o seu regresso, pelo menos imediato.

39.      O seu raciocínio é, no essencial, o seguinte. Quando uma decisão definitiva sobre o direito de guarda não implique o regresso da criança, não há qualquer razão para manter a competência dos tribunais do Estado da anterior residência habitual. Os tribunais do Estado da nova residência habitual estarão, em qualquer circunstância, mais aptos a proferir decisões posteriores relativas à criança, e as condições do artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento são compreensíveis e razoáveis. Em contrapartida, se uma autorização provisória que autorize a criança a permanecer com o «progenitor raptor» visar exclusivamente evitar as deslocações da criança, na pendência de uma decisão definitiva, a interpretação literal, provocando a perda de competência do tribunal da anterior residência habitual, impediria este de proferir a sua decisão definitiva. Todavia, tendo presente o objectivo do regulamento, este tribunal só deveria perder a sua competência se o processo sobre a guarda tiver sido concluído sem despacho que ordene o regresso. O Governo austríaco aprova por completo este raciocínio.

40.      Neste mesmo sentido, a Comissão destaca o risco de o tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual ser dissuadido de proferir uma decisão provisória sobre o direito de guarda que permitisse que a criança permanecesse no Estado‑Membro da sua nova residência habitual, e que seria no interesse da criança, pelo facto de recear ser privado da sua competência para proferir posteriormente uma decisão definitiva. A Comissão considera igualmente que, enquanto excepções à regra geral de manutenção da competência dos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual, as condições de transferência de competência enumeradas no artigo 10.° do regulamento deveriam ser objecto de uma interpretação restritiva e não ampla.

41.      Os Estados‑Membros representados na audiência defenderam todos, com excepção da República da Eslovénia, no essencial, o mesmo ponto de vista.

42.      Posso acolher globalmente este ponto de vista, apesar de considerar que importa matizar determinados pormenores e examinar outras considerações, que vão em sentido contrário e não podem ser excluídas à partida.

43.      Em primeiro lugar, cabe‑me assinalar que as reflexões do Oberster Gerichtshof assentam, em determinada medida, nas razões que levaram o Tribunale per i Minorenni di Venezia a atribuir a guarda provisória à mãe. Ora, duvido que deva ser seguida tal abordagem. Em princípio, não me parece conveniente interpretar o regulamento em função da fundamentação específica de uma decisão individual sobre o direito de guarda. Importa antes determinar se pode ser deduzida uma diferenciação objectiva do facto de a decisão ser provisória ou não. Além disso, há sempre o perigo de que o tribunal de um Estado‑Membro interprete erradamente a fundamentação do tribunal de um outro Estado‑Membro (15). Por conseguinte, tratarei de analisar a questão seguindo uma abordagem mais geral.

44.      Seguidamente, num contexto como este, duvido que se deva aplicar, sem qualquer especificidade, o princípio de que as excepções ou derrogações a uma regra devem ser objecto de uma interpretação restritiva. Com efeito, no caso do artigo 10.°, se a regra da manutenção da competência do tribunal da anterior residência habitual corresponde a um dos princípios fundamentais do regulamento – a saber, o de privar o acto ilícito do progenitor raptor de qualquer efeito jurídico – a excepção corresponde a um outro princípio fundamental, visto que se trata de uma regra de competência «definida […] em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade» (16).

45.      Por fim, importa reconhecer que – por muito atractivo que possa parecer o resultado preconizado pelo órgão jurisdicional de reenvio, pela Comissão e a quase totalidade dos Estados‑Membros representados na audiência – determinados argumentos podem advogar em sentido contrário. Estes podem ser resumidos do seguinte modo.

46.      O artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento refere‑se a uma situação em que a criança residiu pelo menos um ano no Estado‑Membro da deslocação ilícita, no qual adquiriu uma nova residência habitual e se integrou no seu novo ambiente, e durante a qual os tribunais do Estado‑Membro da sua anterior residência habitual não somente não conseguiram proferir, durante esse período, uma decisão definitiva sobre a guarda da criança, mas ainda consideraram que – é certo, a título temporário, mas, de qualquer modo, durante o período de pelo menos um ano em causa – o interesse superior da criança exigia que esta permanecesse no Estado‑Membro da deslocação. Em razão do tempo decorrido, é muito provável que estes tribunais venham a sentir dificuldades cada vez maiores para se informarem sobre a situação e o enquadramento actual da criança (por meio, por exemplo, de exames periciais de natureza psicológica, de relatórios dos serviços sociais e/ou, em função da idade da criança, da interrogação directa). Além disso, estes tribunais encontram‑se num Estado‑Membro com o qual a criança está, inequivocamente, a perder progressivamente o contacto. Nestas condições, não deveria prevalecer o princípio da competência do tribunal mais próximo da criança sobre a manutenção da competência do tribunal da anterior residência habitual?

47.      Não penso que a resposta a esta questão deva ser afirmativa.

48.      Quando uma criança foi deslocada ilicitamente para um outro Estado‑Membro, o objectivo imediato do regulamento e da Convenção é o de assegurar o seu regresso rápido, a fim de privar o «progenitor raptor» de qualquer vantagem prática ou jurídica que poderia pretender obter da situação (17). Se este objectivo for realizado de forma eficaz, tal produz igualmente um efeito dissuasivo não despiciendo. Todavia, como se explica na fundamentação da proposta da Comissão anterior à adopção do regulamento (18), «po[de] ser considerado legítimo em alguns casos que a situação de facto criada pelo rapto de uma criança produza como efeito jurídico a transferência de competência. Convém, para este feito, encontrar um equilíbrio entre a possibilidade de o tribunal que se encontra agora mais próximo da criança se declarar competente e a necessidade de impedir que o autor do rapto retire vantagens do seu acto ilícito».

49.      É este equilíbrio – entre dois dos princípios que já identifiquei acima (19) – que o artigo 10.° do regulamento visa estabelecer no que diz respeito, em primeiro lugar, à competência geral em matéria de responsabilidade parental e, a título secundário, através do artigo 11.°, n.° 8, do mesmo regulamento, à competência especial para ordenar o regresso da criança.

50.      Em relação às deslocações ilícitas, o princípio de base, que visa privar o «progenitor raptor» de qualquer vantagem resultante do seu acto ilícito, exige a manutenção da competência dos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Este princípio é válido não somente para a competência geral mas igualmente, a fortiori, em relação à competência para ordenar o regresso.

51.      Todavia, parece ser perfeitamente razoável – e em conformidade com a procura de equilíbrio acima descrita – prever, como no artigo 10.°, alínea a), do regulamento que a aquisição de uma nova residência habitual, juntamente com o consentimento de qualquer parte que tenha o direito de guarda, possa provocar a transferência desta competência para os tribunais do Estado‑Membro da nova residência habitual. Neste caso, a competência para ordenar o regresso da criança já não tem razão de ser.

52.      Poderia parecer também perfeitamente razoável prever a mesma transferência de competência cada vez que a criança não somente adquire uma nova residência habitual, mas também reside no novo Estado‑Membro há mais de um ano e se integrou no seu novo ambiente, mesmo na falta de consentimento expresso de todas as partes que tenham o direito de guarda. É, com efeito, a solução prevista no artigo 7.° da Convenção da Haia de 1996 (20), que parece estar em conformidade com o princípio da competência dos tribunais da residência habitual, no interesse superior da criança. Todavia, se resulta dos trabalhos preparatórios anteriores à adopção do regulamento que diversas delegações eram favoráveis a esta solução (21), acabou por ser conscientemente escolhida uma abordagem mais exigente, limitando‑se a transferência de competência estritamente aos quatro pressupostos enumerados de forma taxativa no texto final do artigo 10.°, alínea b), do regulamento.

53.      Os três primeiros pressupostos implicam, de facto, o consentimento tácito dos titulares de um direito de guarda (a saber, normalmente, o progenitor separado da criança), na medida em que não foi apresentado qualquer pedido de regresso da criança no Estado‑Membro da deslocação ilícita, ou então esse pedido foi retirado ou indeferido sem que o requerente tenha instaurado um processo em aplicação do artigo 11.°, n.os 7 e 8, do regulamento, no Estado‑Membro da anterior residência habitual.

54.      O quarto pressuposto, pertinente no caso em apreço, é o de uma decisão de guarda que não implica o regresso da criança, proferida por um tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Trata‑se não de um consentimento tácito por parte deste tribunal a uma transferência de competência, mas antes de uma decisão que aprova a aquisição pela criança de uma nova residência habitual noutro Estado‑Membro, a qual provocará a transferência de competência. Assim, enquanto a transferência de competência se produz automaticamente por força dos artigos 8.° e 9.° do regulamento quando uma criança altera a residência habitual deslocando‑se legalmente de um Estado‑Membro para outro, em caso de deslocação ilícita, o tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual deve legalizar esta deslocação, aprovando‑a para atingir o mesmo resultado.

55.      Não se contesta que tal aprovação se expressa numa decisão que visa regular a questão da guarda de modo duradouro, desde que as outras condições do artigo 10.°, alínea b), do regulamento (nova residência habitual há mais de um ano, integração no novo ambiente), se encontrem preenchidas. Segundo uma interpretação literal (o Governo esloveno salientou a definição bastante ampla da expressão «decisão» no artigo 2.°, n.° 4, do regulamento), o mesmo acontece no caso de uma decisão provisória, destinada a ser substituída por uma decisão duradoura posterior.

56.      Todavia, não considero que este deva ser o caso. O período de um ano que condiciona a transferência de competência em todos os pressupostos previstos no artigo 10.°, alínea b), do regulamento implica claramente, nos três primeiros casos, uma data limite para a apresentação ou a confirmação de um pedido que tenha por objecto o regresso da criança. Por conseguinte, seria de estranhar – e incoerente – se, no quarto pressuposto, o referido período implicasse uma data limite para o arquivamento do processo. Ora, é a este resultado que conduziria a inclusão de decisões provisórias no conceito de «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança». Nesse caso, um tribunal que não tivesse proferido qualquer «decisão sobre a guarda que não determine o regresso [imediato] da criança» manteria a sua competência até ao termo do processo, enquanto que um tribunal que tenha proferido tal decisão (o que se pode frequentemente revelar desejável no interesse da criança) se imporia, por este motivo, uma data limite para proferir a sua decisão mais duradoura.

57.      Quando é submetido um litígio a um tribunal que tenha por objecto a guarda de uma criança, e sobretudo quando este litígio se situa no quadro de uma deslocação ilícita, este tribunal deve frequentemente fazer frente a uma dificuldade importante. A obstinação dos progenitores pode conduzi‑los a utilizar todos os expedientes processuais disponíveis com o intuito de recuperar a criança. Em certos casos, o progenitor em causa pode enganar‑se de via, noutros casos, pode explorá‑los conscientemente. Além disso, uma vez que os tribunais dos dois Estados‑Membros são necessariamente afectados, os trâmites processuais num Estado podem atrasar os do outro, e uma eventual falha de comunicação pode prolongar ainda mais os prazos. Todavia, em qualquer caso, há um perigo real que a duração do processo escape, por este facto, à fiscalização do tribunal ao qual foi submetido o litígio no Estado‑Membro da anterior residência habitual.

58.      O presente processo constitui um exemplo disso. Em primeiro lugar, parece que o Bezirksgericht Leoben só indeferiu o pedido de regresso apresentado pelo pai com fundamento na Convenção em 3 de Julho de 2008, cerca de onze semanas após a apresentação deste pedido em 16 de Abril de 2008, enquanto o artigo 11.°, n.° 3, do regulamento impõe um prazo máximo de seis semanas, «excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem». Seguidamente, após este indeferimento, em vez de recorrer directamente para o Tribunale per i Minorenni di Venezia para obter um despacho ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, o pai interpôs recurso do indeferimento na Áustria – duas vezes, porque o primeiro indeferimento foi anulado e foi proferido um novo indeferimento. Além disso, mesmo após o indeferimento do seu segundo recurso em 7 de Janeiro de 2009, o pai deixou passar três meses antes de apresentar o pedido nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento (22). Durante todo este período, as medidas que o Tribunale per i Minorenni di Venezia tinha previsto com o objectivo de estar suficientemente informado para tomar uma decisão duradoura sobre a guarda da criança (contactos com o pai, relatório do perito psicólogo) – medidas que fundamentaram, precisamente, a decisão de deixar a criança provisoriamente com a mãe na Áustria – não puderam ser levadas a cabo com sucesso, devido à ausência total de cooperação por parte da mãe. O período de um ano passou, por conseguinte, sem que tal se deva nem a um consentimento do pai nem a uma inacção do Tribunale per i Minorenni di Venezia (23).

59.      Porém, o tribunal ao qual foi submetido, em primeiro lugar, tal litígio deve, frequentemente, proferir medidas provisórias imediatas, para atender às questões mais urgentes, enquanto não dispuser de todos os elementos necessários para proferir uma decisão duradoura sobre a guarda da criança. Foi, precisamente, o que se passou no caso em apreço. Não me parece concebível que o legislador tenha pretendido que a competência fosse transferida automaticamente ao fim de um ano numa tal situação, quando esta teria permanecido no primeiro tribunal caso este não tivesse de proferir uma medida provisória imediata, remetendo para uma data posterior a decisão duradoura quanto à guarda. Tal equivaleria a uma interrupção do curso do processo instaurado no tribunal competente, pela simples razão de o tribunal ter proferido uma medida provisória que considerava necessária.

60.      Pelo contrário, a transferência da competência para os tribunais do Estado‑Membro da deslocação ilícita só pode, no meu entender, justificar‑se se o decorrer do tempo for acompanhado do consentimento do progenitor requerente – pondo um termo definitivo a qualquer processo já iniciado, ou excluindo qualquer processo ulterior que pudesse ser concluído com um despacho que ordene o regresso com força executória nos termos dos artigos 11.°, n.° 8, e 42.° do regulamento – ou de uma decisão do tribunal competente ao qual foi submetido o litígio, pondo termo à acção intentada neste tribunal e não determinando o regresso da criança. Assim, os quatro pressupostos previstos no artigo 10.°, alínea b), do regulamento encontram todos um fundamento coerente numa decisão, expressa ou tácita, que exclua o recurso posterior ao mecanismo dos artigos 11.°, n.° 8, e 42.° do regulamento.

61.      Na audiência, foi suscitada a questão de saber como é que o tribunal do Estado‑Membro da deslocação ilícita pode determinar com toda a certeza se a decisão do tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual tem um carácter provisório ou definitivo. Com efeito, as decisões em matéria de guarda de crianças são sempre, pela sua própria natureza, sujeitas à possibilidade de revisão em função de uma alteração das circunstâncias e nunca são, por conseguinte, finais no mesmo grau que a maioria das outras decisões judiciais (24). Além disso, as diferenças processuais e de terminologia entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros podem tornar menos fácil a incumbência de distinguir uma decisão provisória de uma decisão «definitiva».

62.      Parece que a resposta se encontra no critério expresso pelo Governo francês, a saber que uma decisão de guarda deve ser considerada provisória enquanto o tribunal não tiver «esgotado a sua competência». Por conseguinte, basta examinar – se for necessário, com a assistência das autoridades centrais pertinentes – se, no processo em causa, ainda há medidas à tomar, sem que seja necessário apresentar de novo um pedido no tribunal.

63.      Por conseguinte, chego à conclusão que os objectivos do regulamento se opõem a uma interpretação literal do seu artigo 10.°, alínea b), iv), e que uma medida provisória que atribui a guarda de uma criança ao progenitor que a raptou até ser proferida a decisão definitiva (ou duradoura) sobre o direito de guarda não é uma «decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança» na acepção desta disposição.

 Quanto à segunda questão

64.      O Oberster Gerichtshof pergunta se um despacho que ordene o regresso só é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento quando o tribunal o profere com fundamento numa decisão sobre a guarda que ele próprio tenha proferido.

65.      Explica que a mãe defende que só um despacho que ordene o regresso proferido com fundamento numa decisão sobre a guarda é abrangido pelo artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. A decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009, da qual o pai pretende assegurar a execução, não se funda numa decisão sobre a guarda e não é, por conseguinte, abrangida por esta disposição.

66.      O Oberster Gerichtshof admite correctamente que tal interpretação não é comprovada nem pela letra da disposição – que se refere, sem qualificação, a «uma decisão posterior que exija o regresso da criança» – nem pelo acórdão Rinau (25) – que salienta a autonomia processual de uma decisão posterior a uma decisão de retenção –, mas considera que não pode ser excluída no quadro de uma interpretação sistemática e teleológica. Por um lado, resulta do artigo 11.°, n.° 7, do regulamento que o regime dos n.os 6 a 8, que concede a última palavra aos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual, só se justifica se o despacho que ordena o regresso se fundar numa medida sobre a guarda que determine o regresso da criança. Por outro lado, tal interpretação tornaria mais coerente o sistema dos artigos 10.° e 11.° no seu conjunto.

67.      Preciso, à partida, que não estou de forma alguma convencida que as considerações expostas pelo órgão jurisdicional de reenvio devam conduzir ao resultado que este preconiza. Como já expliquei no quadro da primeira questão, o objectivo principal da Convenção é assegurar, salvo em determinadas circunstâncias excepcionais, o regresso imediato da criança, antes de a questão sobre a guarda ou sobre a responsabilidade parental ser examinada. O artigo 11.° do regulamento visa reforçar este dispositivo, sempre na óptica de um regresso sem demora – e não após ter proferido uma decisão sobre a questão da guarda, no termo de um processo que poderá revelar‑se longo.

68.      Todavia, o Oberster Gerichtshof considera – e este ponto de vista também foi defendido por diversos Estados‑Membros na audiência – que um despacho que ordene o regresso, fundado numa medida sobre a guarda que determine o regresso da criança, proferido após o apuramento dos factos e a obtenção de provas, oferece uma melhor garantia de fundamentação do que uma decisão proferida no quadro de um mero processo de medidas provisórias.

69.      Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se uma decisão deste último tipo fosse abrangida pelo artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, seria difícil compreender o artigo no seu conjunto. Com efeito, em vez de exigir que o tribunal do Estado da deslocação ilícita decida, em primeiro lugar, no âmbito de um processo que visa o regresso nos termos da Convenção, o tribunal do Estado da anterior residência habitual poderia proferir um mero despacho que ordene o regresso imediatamente após o rapto, que poderia ter directamente força executória no outro Estado‑Membro, exactamente como a decisão proferida nos termos do referido artigo 11.°, n.° 8. O processo nos termos da Convenção, exigível por este artigo 11.°, implicaria, nesse caso, uma perda de tempo, e não teria, em si mesmo, qualquer utilidade.

70.      Quanto à primeira parte deste raciocínio, reconheço que um processo que implique um exame mais aprofundado dos factos oferece uma garantia acrescida de fundamentação. Todavia, o processo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, se for conduzido correctamente, oferece, na minha opinião, uma garantia perfeitamente suficiente. Trata‑se de uma situação em que o tribunal do Estado da deslocação ilícita já recusou ordenar o regresso da criança, por uma ou várias das razões enumeradas no artigo 13.° da Convenção, e comunicou ao tribunal do Estado da anterior residência habitual – com a assistência eventual das autoridades centrais respectivas, prevista no artigo 55.°, alínea c), do regulamento – uma cópia da sua decisão e de todos os documentos pertinentes. Este último tribunal – que se encontra mais bem colocado para avaliar as circunstâncias em que a criança viveu antes da sua deslocação e as circunstâncias nas quais viverá, se for caso disso, quando regressar – só pode homologar, em conformidade com o artigo 42.° do regulamento, a sua decisão proferida ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, deste se levou em conta os motivos e elementos de prova em que assenta a decisão de retenção (26). Por conseguinte, o tribunal pode presumir que – em conformidade também com o princípio da confiança mútua subjacente ao regulamento – excluiu os referidos motivos e elementos de prova com base noutros elementos que o primeiro tribunal desconhecia.

71.      A abordagem defendida por determinados Estados‑Membros na audiência parece, pelo contrário, ter por base uma desconfiança dos tribunais do Estado‑Membro da deslocação em relação às decisões proferidas pelos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Tal abordagem constitui não somente a negação do princípio da confiança mútua, mas também não leva em conta a vantagem evidente decorrente do exame duplo do pedido de regresso por dois tribunais, encontrando‑se um mais bem colocado para levar em conta as circunstâncias actuais nas quais vive a criança, enquanto o outro se encontra mais bem colocado para avaliar as circunstâncias em que viveu no passado e viverá em caso de regresso.

72.      Quanto à segunda parte do raciocínio, parece‑me que se funda numa ideia falsa da relação entre a Convenção e o regulamento. A Convenção prevê, sem ambiguidade, que, em caso de rapto de uma criança, há que recorrer, antes de mais, aos tribunais do Estado em que se encontra a criança no sentido de obter o seu regresso imediato. Com efeito, são estes tribunais os que se encontram mais bem colocados para ordenar o regresso da maneira mais eficaz. As suas decisões serão executadas directamente nos termos do processo nacional. Só no caso em que estes tribunais considerem que existe uma das razões de retenção enumeradas no artigo 13.° da Convenção – portanto, só em casos considerados excepcionais – é que será necessário recorrer, nos termos do artigo 11.° do regulamento, ao tribunal competente do Estado da anterior residência habitual. Nesse caso, este último deve estar convencido de que a razão invocada não impede o regresso para poder obviar à decisão de retenção proferida ao abrigo da Convenção.

73.      Em contrapartida, caso incumbisse aos tribunais do Estado da anterior residência habitual ordenar, à partida, o regresso da criança, por um lado, o processo de execução seria – sempre, e não somente em caso de recurso ao artigo 11.°, n.° 8, do regulamento – dificultado pela necessidade de uma colaboração entre as autoridades dos dois Estados‑Membros diferentes, a qual implicaria, na maior parte dos casos, a necessidade de obter uma tradução dos documentos pertinentes e, por outro, não existiria uma protecção essencial do interesse superior da criança, a saber o duplo exame obrigatório em caso de dúvida quanto à oportunidade de ordenar o seu regresso.

74.      Por conseguinte, parece‑me que o sistema do artigo 11.°, do regulamento considerado no seu conjunto, é perfeitamente coerente, sem que seja necessário exigir uma decisão prévia sobre a guarda como fundamento da decisão proferida ao abrigo do n.° 8 desta disposição.

75.      O Oberster Gerichtshof salienta, ainda, que uma decisão proferida ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento pode, se esta for anterior a uma decisão duradoura sobre o direito de guarda, que poderia conduzir a um resultado diferente, obrigar a criança a mudar duas vezes o local de residência. Esta é também uma consideração que foi salientada por diversos Estados‑Membros na audiência.

76.      A possibilidade de uma deslocação dupla não pode ser negada. Todavia, trata‑se de um elemento aceite, na minha opinião, tanto pelos autores da Convenção como pelos do regulamento como um corolário necessário do objectivo de assegurar, em caso de deslocação ou retenção ilícitas, o regresso imediato ou sem demora da criança. Esta intenção parece‑me bastante clara no sistema das disposições pertinentes do regulamento. Em primeiro lugar, a criança regressa ao Estado‑Membro da sua anterior residência habitual e, de seguida, são decididas as questões sobre a guarda e a responsabilidade parental. Tal implicaria, necessariamente, em determinados casos, uma dupla deslocação – ou mesmo, uma tripla deslocação, contando com a primeira deslocação ilícita. Se é verdade que as deslocações múltiplas não são no interesse da criança em causa, parece‑me que o interesse mais amplo de desencorajar qualquer tentativa de rapto, privando‑a de qualquer efeito jurídico ou prático, deve prevalecer, em conformidade com o espírito do regulamento (e da Convenção).

77.      Além disso, importa considerar o processo à luz do objectivo prosseguido, a saber o regresso da criança ao tribunal competente. Este regresso consiste simplesmente em «corrigir» a primeira deslocação ilícita. O tribunal competente deve, assim, examinar a questão sobre a guarda, levando em conta todas as circunstâncias, e pelos menos determinados aspectos deste exame, como as observações psicológicas, os relatórios sociais ou, se for caso disso, a inquirição directa, exigem normalmente a presença da criança. Não pode ser no interesse desta complicar e prolongar este processo ao mantê‑la no Estado‑Membro da deslocação ilícita. Por fim, o tribunal profere a sua decisão, que terá ou não como resultado uma última deslocação, mas que terá sido proferida com perfeito conhecimento de causa.

78.      Por fim, o Oberster Gerichtshof sugere que a possibilidade de os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual ordenarem o regresso da criança ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento sem ter proferido previamente uma decisão sobre a guarda, contraria o princípio da confiança mútua, porque supõe que os tribunais do outro Estado‑Membro possam recusar o regresso por razões subjectivas.

79.      Este argumento não me convence de todo. Como explicitei anteriormente, o processo concede antes a garantia de um exame duplo em caso de dúvida quanto à oportunidade de ordenar o regresso da criança, e exige uma fundamentação ponderada de qualquer decisão que ordene o regresso proferida ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. Tal não me parece de todo incompatível com o princípio da confiança mútua que se encontra subjacente ao regulamento e que – pelo contrário – exige que o tribunal de um Estado‑Membro não impute aos tribunais de um outro Estado‑Membro uma intenção subjectiva, mas parta do pressuposto de que as suas decisões são tão objectivamente fundamentadas como as dos tribunais do seu próprio Estado‑Membro.

80.      Por conseguinte, sou de opinião que a letra ou o espírito do regulamento em nada limita a possibilidade de ordenar o regresso da criança ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, caso o mesmo tribunal já tenha proferido uma decisão sobre a guarda.

 Quanto à terceira questão

81.      Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão, o Oberster Gerichtshof questiona se é possível invocar, no Estado de execução, a incompetência do tribunal de origem (primeira questão) ou a inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento (segunda questão) contra a execução de uma decisão que o tribunal de origem homologou em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento, ou se, neste caso, o demandado deve pedir a revogação da certidão no Estado de origem, o que permitiria suspender a execução no Estado de execução até que seja proferida a decisão no Estado de origem.

82.      Na medida em que proponho uma resposta negativa às duas primeiras questões, a terceira questão já não se coloca. Todavia, examinarei, tendo presente a possibilidade de o Tribunal de Justiça poder dar uma resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão, e tendo presente, sobretudo, o interesse mais geral que possa existir em clarificar os limites das possibilidades de oposição à execução de uma decisão homologada em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento.

83.      O Oberster Gerichtshof salienta que, tendo o Tribunale per i Minorenni di Venezia emitido uma certidão em conformidade com o artigo 42.° do regulamento, os tribunais austríacos não são competentes para apreciar o mérito da sua decisão. Todavia, não seria de excluir que estes tribunais possam verificar se a referida decisão foi proferida com fundamento no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. Dado que, segundo o artigo 40.°, deste último, a secção 4 do regulamento é aplicável «[a]o regresso da criança, na sequência de uma decisão que exija o regresso da criança, nos termos do n.° 8 do artigo 11.°», o artigo 42.°, n.° 1, do regulamento só seria aplicável, e a certidão não teria, por conseguinte, efeitos obrigatórios, se existisse tal decisão – o que não seria o caso se a resposta a uma ou a outra das duas primeiras questões fosse afirmativa.

84.      Ainda segundo o órgão jurisdicional de reenvio, dado que a referida certidão visa permitir a execução imediata sem novo exame de mérito, só o tribunal de origem poderia declarar que esta foi emitida indevidamente. Ora, o artigo 43.° do regulamento apenas prevê uma «rectificação» da certidão. Em contrapartida, o artigo 10.° do Regulamento n.° 805/2004 (27), disposição mais recente que se refere a um problema análogo, prevê que a certidão de título executivo europeu será, mediante pedido dirigido ao tribunal de origem, revogada nos casos em que tenha sido emitida de forma claramente errada. Dado que o legislador europeu não pretendeu seguramente uma protecção judicial inferior no que se refere ao regresso de uma criança do que no que se refere à cobrança de um crédito não contestado, o mesmo deveria acontecer, segundo o Oberster Gerichtshof, em relação à certidão prevista no caso em apreço. Neste caso, dever‑se‑ia também aplicar por analogia o artigo 23.° do Regulamento n.° 805/2004 (28), de modo a permitir a suspensão da execução até que o tribunal de origem se tenha pronunciado sobre o pedido de rectificação ou de revogação da certidão.

85.      O raciocínio do órgão jurisdicional de reenvio assenta, assim, em grande medida, numa comparação com o Regulamento n.° 805/2004, adoptado menos de cinco meses após o regulamento, tendo‑se desenrolado no Conselho da União Europeia os trabalhos preparatórios que precederam os dois regulamentos, em grande medida, na mesma altura. Por conseguinte, seria de estranhar, na minha opinião, que uma divergência significativa entre os dois textos (rectificação apenas em caso de erro material no quadro do regulamento e rectificação em caso de erro material e revogação se a certidão foi indevidamente emitida no quadro do Regulamento n.° 805/2004) não traduza uma vontade de diferenciação por parte do legislador. Com efeito, resulta dos referidos trabalhos preparatórios que, nos dois casos, foram equacionadas diferentes opções antes de se chegar aos textos divergentes actuais (29).

86.      Por conseguinte, parece‑me de excluir que se pretenda interpretar o primeiro destes regulamentos à luz do segundo, tanto mais quanto, embora procedam ambos do domínio geral da cooperação judiciária em matéria civil, os domínios específicos relativos a cada um deles são bastante diferentes e não implicam necessariamente abordagens comparáveis. Com efeito, não existe uma medida comum entre o interesse de assegurar o regresso de uma criança em caso de deslocação ilícita e o interesse de proceder à cobrança de um crédito não contestado. Além disso, saliento que as situações reguladas pelas disposições pertinentes diferem também na medida em que, no quadro do regulamento, trata‑se de um conflito, e, portanto, de uma contestação, já conhecidos e já levados em consideração pelo menos por dois tribunais, enquanto no quadro do Regulamento n.° 805/2004 o pedido de revogação da certidão transforma um crédito supostamente não contestado num crédito, no mínimo, parcialmente contestado, o que pode justificar uma suspensão por parte de um tribunal de execução no qual não foi anteriormente intentada uma acção para recuperação do crédito.

87.      Dito isto, é evidente que se coloca a questão de saber que possibilidades existem quando resulta que foi emitida indevidamente uma certidão do tipo visado no artigo 42.° do regulamento. Se o interesse em obter o regresso imediato de uma criança que foi deslocada ilicitamente e em assegurar a execução simples e rápida das decisões que ordenem este regresso no termo do processo previsto no artigo 11.° do regulamento milita contra a possibilidade de impugnar a certidão prevista no referido artigo 42.°, é sempre possível que um tribunal emita tal certidão considerando, erradamente, estar habilitado a fazê‑lo, quando, na realidade, não se encontram preenchidas as condições necessárias para proferir uma decisão com fundamento no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento.

88.      Na audiência foi evocado um exemplo de um tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual que ordena o regresso da criança, sem que tenha sido previamente proferida uma decisão de retenção em aplicação do artigo 13.° da Convenção no Estado‑Membro da deslocação ilícita, que homologa o seu despacho nos termos do artigo 42.° do regulamento. O tribunal em causa seria, na verdade, competente para proferir uma decisão que ordenasse o regresso da criança nestas circunstâncias mas, neste caso, não se tratava de uma decisão visada no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento. Assim, a homologação de tal decisão em conformidade com o referido artigo 42.° não se encontra prevista (30), e a certidão seria, portanto, indevidamente emitida.

89.      De modo algum se pode conceber que o legislador tenha pretendido eliminar qualquer forma de remediar um erro deste tipo, que não corresponde necessariamente à única possibilidade de rectificação enunciada no considerando 24 do regulamento, a saber, «quando a certidão não reflicta correctamente o conteúdo da decisão».

90.      Trata‑se de uma problemática que já abordei na minha tomada de posição relativa ao processo Rinau (31), assim como, mais recentemente e num contexto ligeiramente diferente, nas minhas conclusões no processo Purrucker (32). Neste processo, limitar‑me‑ei a resumir a posição a que cheguei a este respeito, fazendo referência às considerações expostas nos dois processos já referidos.

91.      O regulamento proíbe claramente qualquer recurso contra a emissão da certidão. Pelo contrário, não proíbe o recurso da decisão homologada. Se uma parte considerar que não se encontram preenchidas as condições necessárias para permitir que o tribunal em causa profira esta decisão, esta deve poder impugnar a competência deste tribunal junto do mesmo tribunal –o que a mãe parece ter feito no caso em apreço – e, eventualmente, interpor recurso para um tribunal superior. Caso o direito nacional não permita uma via de recurso nestas circunstâncias, o tribunal deve, nos termos do artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, recorrer ao Tribunal de Justiça. Nestas circunstâncias, qualquer recurso interno ou recurso para o Tribunal de Justiça deve beneficiar do tratamento mais rápido possível.

92.      Tal conclusão responde à primeira parte da terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio, mas este pergunta também, na segunda parte da sua questão, se, no caso de uma decisão homologada em que a exactidão da certidão é impugnada, o tribunal requerido pode suspender a execução da decisão a fim de permitir a revogação eventual da certidão.

93.      Saliento que, no caso em apreço, nada indica, nem na decisão de reenvio nem nos restantes documentos apresentados ao Tribunal de Justiça, que a mãe tenha impugnado a competência do Tribunale per i Minorenni di Venezia ao interpor recurso, em Itália, da decisão de 10 de Julho de 2009, cuja execução é requerida pelo pai na Áustria.

94.      Em tais circunstâncias, parece‑me ser totalmente de excluir que os tribunais austríacos possam suspender a execução deste decisão a fim de permitir à mãe a interposição de recurso. Estes tribunais não são competentes para julgar o recurso e, não tendo sido interposto qualquer recurso no tribunal competente, nada na letra ou no espírito do regulamento justifica que se atrase a execução de uma decisão cuja finalidade é, recorde‑se, obter o regresso sem demora da criança.

95.      Seria diferente se a mãe já tivesse interposto tal recurso antes de o pai tentar obter a executar da decisão na Áustria? Nestas circunstâncias, uma suspensão da execução poderia parecer mais justificada, já que o tribunal do Estado‑Membro da execução é confrontado com uma incerteza real e já não hipotética quanto à força executória da decisão impugnada. Este poderia, desta forma, evitar uma deslocação injustificada da criança, que seria seguida de uma nova deslocação ou da manutenção injustificada da criança no Estado‑Membro de origem.

96.      Todavia, não estou convencida que o regulamento permita tal suspensão. Não só não a prevê expressamente, como, além disso, se pode deduzir da presença, noutra parte do referido regulamento, de uma disposição que permite a suspensão da instância, mediante o pedido de uma declaração de executoriedade de uma decisão sobre o exercício da responsabilidade parental (33), que esta omissão é intencional – intenção confirmada, além disso, pelo facto de as disposições dos actuais artigos 43.° e 44.° terem sido fortemente contestadas aquando da elaboração do regulamento (34), não tendo sido adoptada uma disposição que permita a suspensão da execução.

97.      Todavia, à semelhança da conclusão a que cheguei no que diz respeito à possibilidade de impugnação da decisão (35), parece‑me evidente que o progenitor que impugne esta decisão no Estado‑Membro de origem deve poder igualmente requerer, neste mesmo Estado‑Membro, a suspensão da execução da decisão, suspensão que os tribunais do Estado‑Membro de execução deveriam ter em conta.

98.      À luz das considerações precedentes, chego, por conseguinte, à conclusão de que o Tribunal de Justiça deveria responder à terceira questão do Oberster Gerichtshof no sentido de que, quando uma decisão homologada por um tribunal de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento, for impugnada com fundamento na incompetência do tribunal de origem ou na inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, a única via de recurso possível é a de interpor recurso da própria decisão (e não da certidão) para os tribunais deste Estado‑Membro. Os tribunais do Estado‑Membro de execução não dispõem de qualquer competência para recusar ou suspender a execução.

 Quanto à quarta questão

99.      Em caso de resposta negativa à primeira ou à segunda questão prejudicial ou à primeira parte da terceira questão, o Oberster Gerichtshof pergunta se uma decisão, proferida por um tribunal do Estado de execução, que atribui provisoriamente a guarda ao progenitor que raptou a criança e que deve ser considerada executória por força do direito deste Estado, obsta, por força do artigo 47.°, n.° 2, do regulamento, à execução de um despacho que ordene o regresso proferido anteriormente no Estado de origem ao abrigo do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, mesmo que não obste à execução de um despacho de regresso proferido no Estado de execução nos termos da Convenção.

100. Antes de abordar esta questão, que, no quadro do processo principal, se refere aos efeitos do despacho do Bezirksgericht Judenburg de 25 de Agosto de 2009, parece‑me útil examinar as condições em que este tribunal se considerou competente para proferir o referido despacho.

101. Resulta da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009 que a mãe requereu, em primeiro lugar, ao tribunal italiano que o litígio fosse transferido para os tribunais austríacos, em aplicação do artigo 15.° do regulamento (36). Este pedido foi indeferido com o fundamento de que, em primeiro lugar, a situação não era excepcional, mas se referia a um litígio ordinário entre progenitores sobre a guarda da sua filha (enquanto o artigo 15.° é aplicável «[e]xcepcionalmente»), e, em segundo lugar, que a criança não tinha uma «ligação particular» com a Áustria, segundo a definição prevista no referido artigo 15, n.° 3.

102. Esta decisão é da competência do Tribunale per i Minorenni di Venezia e não está em causa no presente reenvio prejudicial. Porém, esta suscita certas reservas da minha parte.

103. Em primeiro lugar, não me parece correcto excluir a aplicação do artigo 15.° do regulamento com fundamento no facto de o processo dizer respeito a um litígio ordinário entre progenitores sobre a guarda da sua filha. A expressão introdutiva «[e]xcepcionalmente» não exige, no meu entender, que a situação deva ser excepcional antes de a disposição poder ser aplicada. Em vez disso, esta expressão permite ao tribunal competente a derrogação das regras gerais de competência e a transferência do processo ou de uma parte do processo para um tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular se considerar que este último tribunal se encontra mais bem colocado para julgar o processo e se a transferência servir o superior interesse da criança – situação que será, em princípio, excepcional.

104. Em segundo lugar, parece‑me que, ao contrário do que refere o Tribunale per i Minorenni di Venezia na sua fundamentação, muitos dos critérios alternativos do artigo 15.°, n.° 3, do regulamento (dos quais, consequentemente, a presença de um único seria suficiente para estabelecer uma «ligação particular»), se encontravam, de facto, reunidos no caso em apreço. Assim, é pacífico que a criança tinha a nacionalidade austríaca para além da nacionalidade italiana, o que preenche a condição da alínea c) da disposição, que não se limita ao caso de uma nacionalidade única. Além disso, parece claro que, no momento em que o pedido de transferência foi indeferido, a mãe tinha estabelecido a sua residência habitual na Áustria, o que corresponde ao critério da alínea d) (37).

105. Dito isto, mesmo que a fundamentação do Tribunale per i Minorenni di Venezia possa ser considerada insuficiente em determinados aspectos, é claro que nada no artigo 15.° do regulamento podia obrigar este tribunal a considerar que o Bezirksgericht Judenburg se encontrava mais bem colocado para conhecer do processo e que a transferência teria servido o interesse superior da criança, e, portanto, a declarar‑se incompetente em favor do tribunal austríaco. Destaco, também, que o Tribunal de Justiça não foi informado da interposição de um eventual recurso desta recusa de transferência por parte da mãe, o que pareceria ser a via normal a seguir pela mãe, caso impugnasse a fundamentação do Tribunale per i Minorenni di Venezia.

106. De seguida, resulta da decisão de reenvio que, sem ter aguardado a apreciação do seu pedido pelo Tribunale per i Minorenni di Venezia, a mãe apresentou um pedido sobre a guarda directamente ao Bezirksgericht Judenburg. Este, em 26 de Maio de 2009, declarou‑se competente «nos termos do artigo 15.°, n.° 5, do regulamento» e pediu que o tribunal italiano lhe transferisse o processo. Parece que é com base nesta declaração de competência que o Bezirksgericht Judenburg proferiu a sua decisão de 25 de Agosto de 2009, atribuindo a guarda provisoriamente à mãe, decisão a propósito da qual o Oberster Gerichtshof pergunta se esta poderia obstar à execução do despacho de regresso do Tribunale per i Minorenni di Venezia, de 10 de Julho de 2009.

107. Não disponho do texto desta decisão de 26 de Maio de 2009, mas o resumo sucinto efectuado pelo Oberster Gerichtshof parece indicar que o Bezirksgericht Judenburg se declarou competente em violação do artigo 15.° do regulamento. Com efeito, este artigo não permite, de modo algum, que um tribunal se declare competente por sua própria iniciativa. Resulta claramente do artigo 15.°, n.° 5, do regulamento que antes de tal declaração (38) de competência deve ser instaurado um processo «com base nas alíneas a) ou b) do n.° 1» – portanto, por iniciativa directa ou indirecta do tribunal competente, que suspende a instância, convidando as partes a apresentarem um pedido ao tribunal de outro Estado‑Membro, ou pede ele próprio ao referido tribunal que se declare competente. Um pedido de transferência apresentado por um tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular, é, certo, possível nos termos do n.° 2, alínea c) (39), mas a tramitação posterior deste pedido é da incumbência do tribunal competente para conhecer do mérito – e, por conseguinte, do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual (anterior).

108. Por conseguinte, a competência do Bezirksgericht Judenburg para proferir a sua decisão de 25 de Agosto de 2009 parece questionável. Se, nos termos do artigo 10.°, alínea b), iv), do regulamento, o Tribunale per i Minorenni di Venezia tinha perdido a sua competência nesse momento (questão à qual proponho que se responda pela negativa), é plausível que o Bezirksgericht Judenburg tenha adquirido a competência em aplicação da regra normal do artigo 8.° do referido regulamento. Em contrapartida, este não pode ter adquirido a competência em virtude do artigo 15.° do regulamento, porque o Tribunale per i Minorenni di Venezia não tomou qualquer iniciativa nesse sentido (40).

109. Na sua decisão de reenvio, o Oberster Gerichtshof evoca determinadas razões pelas quais a certidão do Bezirksgericht Judenburg, que certifica que a sua decisão de 25 de Agosto de 2009 tinha adquirido força de caso julgado e força executória, poderia ter sido emitida indevidamente, nomeadamente por causa de eventuais vícios de notificação da decisão. Todavia, precisa que a certidão vincula todos os tribunais austríacos e só poderia ser revogada, se fosse caso disso, pelo próprio Bezirksgericht Judenburg, mediante pedido ou a título oficioso. O Oberster Gerichtshof não equaciona a possibilidade de o Bezirksgericht Judenburg se ter erradamente declarado competente, e, portanto, não refere se uma eventual incompetência escapa igualmente à sua fiscalização. De qualquer modo, parece‑me que a declaração de competência nos termos do artigo 15.° do regulamento deveria poder ser objecto de uma fiscalização no sistema jurisdicional austríaco.

110. Sem prejuízo das considerações precedentes, que o Oberster Gerichtshof deverá, sendo caso disso, levar em conta, examinarei a quarta questão prejudicial considerando, como faz o próprio Oberster Gerichtshof, que a decisão do Bezirksgericht Judenburg de 25 de Agosto de 2009 que atribuiu provisoriamente a guarda à mãe tem força executória.

111. O órgão jurisdicional de reenvio explica que se, em matéria de direito de guarda, uma decisão com força executória em caso de conflito com uma decisão proferida anteriormente obsta, em princípio, à execução desta última – o que se encontra previsto expressamente no artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento – tal não seria necessariamente o caso em direito nacional. Com efeito o próprio Oberster Gerichtshof decidiu recentemente que um despacho que ordene o regresso, proferido na Áustria por força da Convenção, deve ser executado mesmo em caso de conflito com uma medida provisória de guarda decidida por outro tribunal austríaco, dado que o artigo 17.° da Convenção dispõe que o simples facto de uma decisão de guarda ter sido proferida no Estado requerido não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança. Se, nos termos do artigo 47.°, n.° 2, do regulamento, o despacho proferido no estrangeiro que ordena o regresso deve ser tratado exactamente como se se tratasse de uma decisão de um tribunal nacional, uma medida provisória que atribua a guarda não pode obstar à sua execução.

112. Por conseguinte, na sua questão, o Oberster Gerichtshof supõe que a disposição do artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento («uma decisão homologada nos termos do [...] artigo 42.°, n.° 1, não pode ser executada em caso de conflito com uma decisão com força executória proferida posteriormente») se refere a qualquer decisão com força executória proferida posteriormente, incluindo no Estado‑Membro de execução. A Comissão opõe‑se a esta interpretação, alegando que esta esvaziaria de conteúdo o mecanismo pretendido pelo legislador previsto no artigo 11.°, n.° 8, que concede aos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual a última palavra quanto ao regresso da criança. O sentido da disposição do artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento seria o de precisar que uma decisão posterior de um tribunal do Estado‑Membro de origem pode eliminar os efeitos da decisão que ordena o regresso, proferida nos termos do artigo 11.°, n.° 8, que não deve ser, nesse caso, executada.

113. Apesar de não se depreender do teor da disposição a precisão proposta pela Comissão, subscrevo o ponto de vista desta. Além dos argumentos que alega – e é certo que o artigo 11.°, n.° 8, do regulamento não teria sentido se a decisão a que se refere pudesse ser substituída por uma decisão posterior do tribunal que já proferiu a decisão de retenção em aplicação do artigo 13.° da Convenção – é claro que a «decisão com força executória proferida posteriormente» só pode ser a decisão de um tribunal competente. Ora, por exemplo, se se tratar de uma decisão em matéria de responsabilidade parental, são os tribunais do Estado‑Membro em que foi proferida a decisão nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento que são competentes e não os tribunais do Estado‑Membro em que a criança se encontra ilicitamente.

114. Foi suscitada na audiência a questão de saber por que razão, se a disposição do artigo 47.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento se limitasse ao caso da anulação de uma decisão homologada no Estado‑Membro de origem, o legislador não o teria precisado expressamente, em vez de escolher a expressão «em caso de conflito», que também seria aplicável no caso de uma decisão proferida posteriormente no Estado‑Membro de execução. Todavia, parece‑me que também foi dada uma resposta satisfatória a esta questão. Mesmo se se excluir que um tribunal do Estado‑Membro de execução possa, ao proferir simplesmente uma decisão contrária, tornar inoperante a decisão que deve, nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento, constituir a última palavra sobre o regresso da criança, podem existir outros tipos de decisões que estejam em conflito com o despacho que ordena o regresso – por exemplo, se se ordenar o regresso a um progenitor que, entretanto, foi condenado a uma pena de prisão. É de notar, igualmente, que o artigo 47.° do regulamento é também aplicável às decisões homologadas em conformidade com o seu artigo 41.°, que se referem ao direito de visita e que podem, por conseguinte, ser afectadas por decisões posteriores de ordem diferente.

115. De qualquer modo, conviria interpretar o regulamento em conformidade, na medida do possível, com a Convenção, e não dar, de modo algum, ao poder de decisão reforçado, concedido aos tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual pelo artigo 11.°, n.° 8, do regulamento e pelo sistema de homologação previsto no seu artigo 42.°, um alcance que equivaleria a restringir aquele em relação ao disposto no artigo 17.° da Convenção, que prevê, nomeadamente, que o simples facto de uma decisão sobre a guarda ter sido proferida no Estado requerido não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança, mas as autoridades deste Estado poderão tomar em consideração os motivos desta decisão.

 Quanto à quinta questão

116. Por fim, em caso de resposta negativa à quarta questão, o Oberster Gerichtshof pergunta se a execução de uma decisão homologada pelo tribunal de origem em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do regulamento pode ser recusada no Estado de execução se esta puser gravemente em risco o superior interesse da criança devido a uma alteração de circunstâncias desde que a decisão foi proferida ou se esta alteração de circunstâncias deve ser invocada no Estado de origem, e se é possível suspender a execução no Estado de execução até que o tribunal do Estado de origem profira a decisão.

117. O órgão jurisdicional de reenvio explica que a mãe recusará verosimilmente deslocar‑se a Itália com a criança e que a tal não pode ser obrigada. A execução do despacho que ordena o regresso separaria, por conseguinte, a criança da mãe a fim de a confiar ao pai. Segundo o artigo 47.°, n.° 2, do regulamento, esta execução deveria ser realizada como se a decisão tivesse sido proferida na Áustria. Ora, segundo a jurisprudência austríaca, um despacho que ordene o regresso proferido na Áustria nos termos da Convenção só pode ser executado se tiver ocorrido uma alteração das circunstâncias que ocasione um risco grave de que a criança seja exposta a um perigo físico ou psíquico, o que poderia ser o caso se a criança residiu durante muito tempo no Estado de execução.

118. No caso em apreço, a criança viveu um pouco mais de um ano em Itália, tendo o Tribunale per i Minorenni di Venezia proferido o seu despacho que ordena o regresso um ano e meio após a deslocação ilícita da criança para a Áustria. Não houve qualquer contacto entre o pai e a criança durante os nove meses subsequentes a este despacho e, durante os dezoito meses precedentes, os contactos limitaram‑se a visitas. Assim, a criança passou mais de dois terços da sua vida separada do pai. O órgão jurisdicional de reenvio considera que não pode ser excluído que retirar a criança à mãe para a confiar ao pai coloque gravemente em perigo o seu desenvolvimento psíquico e que, mesmo se a atitude da mãe é criticável, tal não justificaria o risco de expor a criança a tal perigo.

119. Por conseguinte, é possível que esse despacho que ordena o regresso proferido na Áustria não seja executado. Dado que o artigo 47.° do regulamento impõe o mesmo tratamento que o aplicável às decisões proferidas no Estado de execução, o mesmo deveria acontecer com a decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia.

120. Todavia, segundo a teleologia das disposições relevantes, compete ao Tribunale per i Minorenni di Venezia decidir se as circunstâncias se alteraram. Não se trata da execução propriamente dita mas da justificação material do despacho que ordena o regresso. Deste ponto de vista, a mãe deveria pedir ao Tribunale per i Minorenni di Venezia a anulação da sua decisão. Entretanto, deveria ser autorizada a suspensão da execução da decisão na Áustria.

121. A este respeito, o Governo austríaco salienta que, segundo o artigo 47.°, n.° 1, do regulamento, o processo de execução é determinado pelo direito do Estado‑Membro de execução. Conviria levar em conta todos os obstáculos à execução decorrentes deste direito. No caso em apreço, destes obstáculos fazem parte todas as circunstâncias ocorridas posteriormente que possam pôr em perigo o interesse superior da criança. Se fosse da competência do tribunal do Estado de origem o exame de tal obstáculo, tal conduziria a uma separação do exame dos diferentes obstáculos e a uma competência paralela dos tribunais dos dois Estados, o que não favoreceria a confiança mútua nem o interesse superior da criança, que deve permanecer o critério supremo. Por fim, a competência dos tribunais do Estado de execução estaria em conformidade com a economia do regulamento. Em virtude do critério da proximidade, as autoridades do Estado em que se encontra a criança seriam mais aptas para apreciar se as circunstâncias se alteraram desde que a decisão foi proferida.

122. Pelo contrário, a Comissão considera que o artigo 47.°, n.° 2, do regulamento deve ser interpretado levando em conta o princípio do regresso imediato da criança e a repartição das competências que daqui decorre. Sendo da competência do tribunal do Estado‑Membro da anterior residência habitual a decisão final vinculativa quanto ao regresso, a decisão do Estado de execução deve determinar apenas as modalidades de execução. Por conseguinte, o artigo 47.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que as exigências de forma do Estado de execução – por exemplo, no que diz respeito aos prazos, aos serviços competentes e aos regimes sancionatórios – são aplicáveis à própria execução, enquanto o tribunal do Estado‑Membro de origem é o único competente para decidir sobre as acusações materiais relativas à regularidade do título executivo – por exemplo, para decidir se a execução da decisão deve ser suspensa dado que, devido a uma alteração das circunstâncias após ter sido emitido o título executivo, a sua execução já não seria no interesse da criança.

123. Por meu lado, partilho do ponto de vista da Comissão, do qual o próprio órgão jurisdicional de reenvio parece estar parcialmente convencido (41). Segundo a economia do regulamento, a decisão final sobre a oportunidade de ordenar o regresso da criança é da competência exclusiva dos tribunais do Estado da sua anterior residência habitual. A partir do momento em que um tribunal do Estado da deslocação ilícita tenha proferido uma decisão de retenção em aplicação do artigo 13.° da Convenção, a sua competência na matéria esgota‑se, salvo no que diz respeito, se for caso disso, à revogação ou à anulação desta decisão. Qualquer decisão posterior sobre o mérito – que deve levar em conta os motivos e elementos de prova com base nos quais a decisão de retenção foi proferida – incumbe ao tribunal competente do Estado‑Membro da anterior residência habitual. Esta decisão posterior deverá, sendo caso disso, ser obrigatoriamente executada no outro Estado‑Membro – é verdade, nos termos do processo (isto é, a forma) determinado pelo seu próprio direito, não podendo no entanto ser tidas em conta considerações de mérito susceptíveis de obstar à execução.

124. Ora, parece‑me evidente que um eventual risco de perigo psíquico ou físico resulta de considerações de fundo e não de forma. Em caso de impugnação da decisão final que ordena o regresso da criança, é, portanto, ao tribunal que a proferiu, e não ao tribunal a quem incumbe a sua execução, que a parte em causa deve recorrer.

125. Quanto à possibilidade de suspensão da instância na pendência do resultado de tal impugnação, são aplicáveis as mesmas considerações que expus nos n.os 93 a 97 da presente tomada de posição, e cumpre concluir que não existe tal possibilidade no tribunal de execução mas que, em caso de impugnação nos tribunais do Estado‑Membro de origem, estes deveriam ter a competência de ordenar a suspensão da execução na pendência da decisão sobre a impugnação.

126. Por fim, e de qualquer modo, saliento que o órgão jurisdicional de reenvio se refere a uma possibilidade de perigo psíquico que decorreria não apenas da separação da criança do pai durante os nove meses subsequentes à decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009, mas também da separação durante os dezoito meses que a precederam. Ora, mesmo se a execução dessa decisão pudesse, por qualquer via, ser posta em causa devido a acontecimentos posteriores, não o poderia ser com fundamento num qualquer aspecto da situação anterior, que o Tribunale per i Minorenni di Venezia teve necessariamente de levar em conta. E, no que se refere a tais acontecimentos posteriores, importa salientar que o mero decurso do tempo não pode figurar entre eles se o processo previsto no regulamento for correctamente seguido, já que um despacho proferido nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento goza de força executória imediata, sem possibilidade de oposição ao seu reconhecimento.

 Conclusão

127. Tendo em conta as considerações precedentes, considero que o Tribunal de Justiça deve responder da seguinte forma às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof:

«1.      Uma medida provisória que atribua a guarda de uma criança ao progenitor que a raptou na pendência da decisão relativa à guarda definitiva (ou duradoura) não é uma ‘decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança’ na acepção do artigo 10.°, alínea b), iv), do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000.

2.      Um despacho que ordene o regresso é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 independentemente do facto de o tribunal o ter proferido ou não com fundamento numa decisão sobre a guarda que ele próprio proferiu.

3.      Quando uma decisão homologada por um tribunal de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 é impugnada com fundamento em incompetência do tribunal de origem ou na inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 8, do referido regulamento, a única via de recurso possível consiste em interpor recurso da própria decisão (e não da certidão) nos tribunais deste Estado‑Membro. Os tribunais do Estado‑Membro de execução não dispõem de competência para recusar ou suspender a execução.

4.      Uma decisão proferida por um tribunal do Estado de execução que atribua provisoriamente a guarda ao progenitor que raptou a criança não obsta à execução de um despacho que ordene o regresso proferido anteriormente no Estado de origem nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento n.° 2201/2003.

5.      Quando uma decisão homologada por um tribunal de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 for impugnada com fundamento no facto de a sua execução colocar gravemente em perigo o interesse superior da criança devido a uma alteração das circunstâncias desde que esta decisão foi proferida, a única via de recurso possível consiste em interpor recurso da própria decisão (e não da certidão) nos tribunais deste Estado‑Membro. Os tribunais do Estado‑Membro de execução não dispõem de competência para recusar ou suspender a execução.»


1 – Língua original: francês.


2 – Regulamento de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1, a seguir «regulamento»).


3 – Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em de 25 de Outubro de 1980 e em vigor desde 1 de Dezembro de 1983, da qual todos os Estados‑Membros são Partes (a seguir «Convenção»). Ao contrário do regulamento, esta Convenção não prevê regras de competência. A este respeito, o regulamento inspira‑se na Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de protecção da criança, concluída na Haia em 19 de Outubro de 1996 (JO 2008, L 151, p. 39). Importa referir que, por força do seu artigo 60.°, o regulamento prevalece em relação à convenção, na medida em que esta diga respeito a matérias reguladas pelo referido regulamento.


4 – Os artigos 9.° e 12.°, relativos, respectivamente, ao caso em que uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e ao caso em que a competência dos tribunais de um outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular é aceite de forma inequívoca por todas as partes, não são pertinentes no presente processo.


5 –      O artigo 53.° do regulamento prevê a designação, por cada Estado‑Membro, de uma ou várias autoridades centrais «encarregadas de o assistir na aplicação do presente regulamento» (v. n.° 22 da presente tomada de posição).


6 –      O artigo 56.° do regulamento refere‑se à colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento noutro Estado‑Membro.


7 –      A citação apenas se refere às disposições relativas à responsabilidade parental, com excepção das relativas ao divórcio, à separação ou à anulação do casamento, que não são pertinentes neste contexto.


8 – Acórdão de 11 de Julho de 2008, (C‑195/08 PPU, Colect., p. I‑5271).


9 – Não resulta dos autos a razão pela qual o processo na Áustria foi instaurado em dois tribunais contonais diferentes.


10 – V. nota de rodapé n.° 36 da presente tomada de posição.


11 – Já referido na nota de rodapé n.° 8.


12 – V. também acórdão Rinau, já referido na nota de rodapé 8 (n.os 47 e segs.), assim como a minha tomada de posição no mesmo processo (n.os 15 e segs.).


13 – O regulamento é aplicável, simultaneamente, aos casos de deslocação e de retenção ilícitas. Doravante, referir‑me‑ei exclusivamente à «deslocação ilícita», visto que corresponde à situação do presente processo. Todas as considerações expressas referem‑se, porém, aos dois casos.


14 – Como foi precisado pelo Governo italiano na audiência, parece que a expressão «o ‘poder de decisão parental’, em especial o direito de fixar o local de residência», utilizada na questão prejudicial, não reflecte com precisão o teor da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia, de 23 de Maio de 2008. Todavia, é pacífico que esta decisão tem por objecto a guarda da criança e não implica o seu regresso.


15 – Questiono‑me mesmo se tal não sucede, em certa media, no presente processo. Com efeito, o Oberster Gerichtshof parece supor que o Tribunale per i Minorenni di Venezia atribuiu a guarda provisória à mãe sobretudo para evitar deslocações regulares da criança, enquanto que, segundo a minha interpretação do despacho de 23 de Maio de 2008, este tribunal pretendia, nomeadamente, facilitar as deslocações da criança, com a mãe, entre a Áustria e a Itália, a fim de manter os contactos com o pai.


16 – V. considerando 12 do regulamento. Além disso, importa notar que o critério da proximidade é susceptível, pela sua própria natureza, de produzir resultados que variarão no tempo.


17 – Todavia, estou de acordo com a precisão apresentada pelo Governo francês na audiência, a saber que se trata não de uma sanção aplicada ao «progenitor raptor», mas antes de uma medida que visa restabelecer a situação jurídica que teria prevalecido se não tivesse ocorrido a deslocação ilícita.


18 – Proposta de Regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 e altera o Regulamento (CE) n.° 44/2001 em matéria de obrigação de alimentos [COM(2002) 222 final/2] em relação ao artigo 21.° da proposta de regulamento, actual artigo 10.° do regulamento. A redacção da disposição foi alterada, mas o conteúdo permaneceu essencialmente o mesmo.


19 – V. n.os 28 e 29 da presente tomada de posição.


20 – Já referida na nota de rodapé n.° 3. Esta Convenção foi assinada por todos os Estados‑Membros da União, com excepção de Malta, mas, até à data, só foi ratificada por oito de entre eles, com excepção da República da Áustria e da República Italiana. Os restantes Estados‑Membros, com excepção do Reino da Dinamarca, foram autorizados a ratificá‑la ou a ela aderir simultaneamente, no interesse da União (v. Decisão 2008/431/CE do Conselho, de 5 de Junho de 2008, que autoriza certos Estados‑Membros a ratificar ou aderir, no interesse da Comunidade Europeia, à Convenção da Haia de 1996 relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de protecção da criança, e que autoriza certos Estados‑Membros a fazer uma declaração sobre a aplicação da regulamentação interna pertinente do direito comunitário – Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de protecção da criança, JO L 151, p. 36).


21 – V., nomeadamente, a secção II, alínea a), do Documento 13940/02 do Conselho, de 8 de Novembro de 2002 (pontos 11 e segs.).


22 – É possível que este prazo possa ser explicado por uma compreensão incorrecta do artigo 11.°, n.° 7, do regulamento, que prevê um prazo de três meses para permitir às partes apresentar observações sobre a decisão de retenção, mas não dispomos de informações a este respeito.


23 – Neste contexto, refiro o exemplo do caso em apreço, mas dos processos Rinau, já referido, e Purrucker (C‑256/09), pendente no Tribunal de Justiça, resultam também circunstâncias comparáveis. No presente caso, há que assinalar que a demora do processo se ficou igualmente a dever a determinados atrasos na comunicação da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 23 de Maio de 2008 aos tribunais austríacos e do pedido de transferência de competência do Bezirksgericht Judenburg, de 26 de Maio de 2009, ao Tribunale per i Minorenni di Venezia.


24 – V. as minhas conclusões no processo Purrucker, já referido na nota de rodapé n.° 23 (n.os 118 e segs.).


25 – Já referido na nota de rodapé n.° 8 (nomeadamente, os n.os 63 e segs.).


26 – Artigo 42.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea c), e Anexo IV, n.° 13, do regulamento.


27 – Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO L 143, p. 15).


28 – «Quando o devedor tiver [...] requerido a [...] revogação da certidão de Título Executivo Europeu em conformidade com o artigo 10.°, o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode, a pedido do devedor [...] c) [e]m circunstâncias excepcionais, suspender o processo de execução.»


29 – V., por exemplo, no quadro do regulamento, o Documento 7730/03 da delegação alemã, de 21 de Março de 2003, que defende de forma acérrima (p. 10) a possibilidade de recurso contra a emissão da certidão – posição que não foi, porém, incorporada no regulamento, tal como foi adoptado. No quadro do Regulamento n.° 805/2004, pelo contrário, é de referir que a proposta inicial da Comissão [COM(2002) 159 final] previa apenas, mas com um raciocínio completo e expresso na fundamentação, que a decisão que decida sobre um pedido de certidão «não é susceptível de recurso» – posição que a Comissão manteve na sua proposta alterada [COM(2003) 341 final] mesmo após a proposta de emendas do Parlamento Europeu que estabelecia uma possibilidade de recurso, mas que não foi retida pelo Parlamento e pelo Conselho na versão final do texto adoptado.


30 – V. acórdão Rinau, já referido na nota de rodapé 8, n.os 58 e seguintes. Tal despacho, embora não goze da força executória imediata prevista nos artigos 42.° e 47.° do regulamento, pode, porém, beneficiar dos processos de reconhecimento e de execução previstos para outras decisões nos artigos 28.° e seguintes.


31 – Já referido na nota de rodapé n.° 8; v., em particular, n.os 85 a 96 da tomada de posição.


32 – Já referido na nota de rodapé n.° 23; v., em particular, n.os 127, 128 e 148 a 154 das conclusões.


33 – Artigo 35.° do regulamento, na secção 2 do Capítulo III, que não é aplicável às decisões que ordenam o regresso da criança, reguladas pela secção 4.


34 – V. Documento 7730/03 da delegação alemã, de 21 de Março de 2003, já referido na nota de rodapé n.° 29. Na altura, tratava‑se do artigo 48.° do projecto de regulamento.


35 – V. n.° 91 da presente tomada de posição.


36 – Ao referir‑se ao artigo «15.°, b), 5)», não é certo que o Tribunale per i Minorenni di Venezia tenha pretendido visar o ponto b) dos n.os 1, 2 ou 3 do artigo 15.° do regulamento, podendo cada um ser eventualmente pertinente. A explicação mais plausível parece ser, todavia, a de que a mãe pediu a este tribunal, nos termos do n.° 1, alínea b), que este pedisse ao Bezirksgericht Judenburg «que se declare competente nos termos do n.° 5».


37 – Além disso, saliento que a criança tinha residido habitualmente na Áustria durante mais de metade da sua vida (quer tenha ou não adquirido uma nova «residência habitual» na acepção do regulamento), o que poderia eventualmente preencher a condição da alínea b), segundo a sua redacção em francês, mas não necessariamente noutras versões linguísticas.


38 – Assinalo que a versão inglesa do regulamento prevê mais explicitamente que o tribunal em causa aceite a competência, e não que se declare competente.


39 – Resulta da decisão do Tribunale per i Minorenni di Venezia de 10 de Julho de 2009 que o Bezirksgericht Judenburg apresentou, efectivamente, tal pedido – mas ao mesmo tempo que a declaração da sua própria competência e, por conseguinte, sem aguardar a resposta a este pedido.


40 – Além disso, saliento que o artigo 15.° só é aplicável se o tribunal que transfere o processo for ele próprio competente. Com fundamento neste artigo, o Bezirksgericht Judenburg reconheceu, por conseguinte, tácita mas necessariamente, a competência do Tribunale per i Minorenni di Venezia em 26 de Maio de 2009.


41 – V. n.° 120 da presente tomada de posição.