3.7.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 179/22


Recurso interposto em 30 de Abril de 2010 — Comissão Europeia/República Federal da Alemanha

(Processo C-206/10)

(2010/C 179/37)

Língua do processo: alemão

Partes

Demandante: Comissão Europeia (representante: V. Kreuschitz, agente)

Demandada: República Federal da Alemanha

Pedidos da demandante

declaração de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (1), e do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), conjugado com o Título III, capítulo I (doença e maternidade), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (2) ao fazer depender, por força da sua legislação nacional, a concessão de prestações a pessoas cegas e inválidas, entre as quais as pessoas surdas, (pensão por cegueira, pensão do Land por cegueira, ajuda por cegueira, ajuda do Land por cegueira, assistência ou ajuda a cegos ou surdos, pensão por cegueira ou surdez, etc) para as quais a República Federal da Alemanha é o Estado-Membro competente, segundo as disposições legais dos Länder, da condição de os beneficiários terem o seu domicílio ou a sua residência habitual no Land em causa;

condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

Fundamentos e principais argumentos

O presente recurso tem por objecto a incompatibilidade com os Regulamentos (CEE) n. 1408/71 e (CEE) n.o 1612/68 das disposições normativas dos Länder alemães, que fazem depender a concessão de prestações a pessoas cegas e inválidas da condição de os beneficiários terem o seu domicílio ou a sua residência habitual no Land em questão.

O Regulamento (CEE) n.o 1408/71 destina-se a coordenar, no âmbito da livre circulação, as disposições nacionais sobre a segurança social em conformidade com os objectivos do artigo 42.o CE (actual artigo 48.o TFUE). Nos termos do artigo 4.o, n.o 2B, do regulamento, este não se aplica às disposições legislativas de um Estado-Membro relativas às prestações especiais de carácter não contributivo, mencionadas na secção III do anexo II, cuja aplicação estiver limitada a uma parte do seu território. As prestações alemãs objecto do litígio são referidas como prestações especiais no anexo II, secção III do regulamento.

Apesar disso, a Comissão considera que a mera menção de uma prestação na lista do anexo II do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 não basta para excluir uma prestação, como «prestação especial de carácter não contributivo» do âmbito de aplicação do regulamento. O artigo 4.o, n.o 2B, do regulamento, sendo uma excepção, deve ser interpretado de forma estrita: só pode ser aplicável às prestações que cumprem as condições enumeradas na referida disposição de forma cumulativa.. Por isso, só estão englobadas as prestações sejam tanto especiais como de carácter não contributivo, que constam do anexo II, secção III, do regulamento e que tenham sido estabelecidas por disposições normativas cuja âmbito de aplicação esteja limitado a uma parte do território do Estado-Membro.

Contudo, as prestações controvertidas dos Länder não cumprem estes requisitos: devido às razões que se seguem, não devem qualificar-se de «prestações especiais de carácter não contributivo» mas sim de «prestações de doença».

Segundo a Comissão, por um lado, as prestações controvertidas dos Länder são concedidas com base num facto descrito por lei sem exame da necessidade pessoal. Têm por objecto compensar as despesas acrescidas devidas à invalidez e destinam-se a melhorar o estado de saúde e as condições de vida das pessoas inválidas. Por conseguinte, pretende-se essencialmente complementar as prestações da segurança social. O facto de a assistência à dependência concedida nos termos das disposições legais federais ser compensada com as prestações para as pessoas cegas e inválidas dos Länder demonstra, além disso, que ambas as prestações se destinam a cobrir o mesmo risco, a saber, o dos gastos suplementares devidos a doença, e que não se trata de uma protecção «a título supletivo, complementar ou acessório» contra as «eventualidades».

Por outro lado, a classificação de uma determinada prestação de acordo com a constituição interna de um Estado-Membro não tem influência sobre se a referida prestação deve ser considerada uma prestação da segurança social na acepção do Regulamento n.o 1408/71.

Além disso, as leis dos Länder aqui discutidas não constituem, do ponto de vista material, uma vantagem adicional, aplicável apenas a nível regional. Pelo contrário, esta prestação insere-se no sistema de protecção contra o risco dos custos adicionais em caso de doença, estabelecido em todo o Estado-Membro e que mantém uma relação estreita com o direito federal por via da compensação recíproca.

Daqui resulta que as prestações dos Länder em causa devem ser qualificadas como prestações de doença e não como prestações especiais. Por isso, a inclusão destas prestações no anexo II, secção III do Regulamento 1408/70 é inadmissível e estão abrangidas pela âmbito de aplicação deste regulamento.

Além do mais, o requisito da residência, estabelecido nas disposições legais alemãs viola o Regulamento (CEE) n.o 1612/68, ao impedir que os trabalhadores transfronteiriços e os membros das suas famílias possam receber essas prestações.

O Tribunal de Justiça afirmou claramente que um Estado-Membro não pode fazer depender a concessão de uma vantagem social da condição de que o beneficiário resida no referido estado. Esta conclusão do Tribunal de Justiça vale para todas as vantagens sociais na acepção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68.

O conceito de «vantagem social» é muito amplo: compreende não só as vantagens derivadas de um contrato de trabalho mas também todas as vantagens que um Estado-Membro concede aos seus nacionais e, por conseguinte, também aos trabalhadores. Na opinião da Comissão, o facto de a concessão das prestações controvertidas não se basear no exercício de uma actividade nem nos meios económicos do interessado ou da sua família, pois só ocorre em função da residência no Estado em causa, não pode justificar que não se tenha em conta as consequências daí resultantes para os trabalhadores que trabalham na Alemanha e residem noutro Estado-Membro. Por este motivo, não existe motivo suficiente para não qualificar as referidas prestações de vantagens sociais na acepção do Regulamento n.o 1612/68.

Os trabalhadores transfronteiriços que trabalham na Alemanha e os membros das suas famílias também devem ter direito às prestações que, de acordo com as disposições legais dos Länder, são atribuídas aos cegos e aos inválidos, mesmo que não residam nesse Estado-Membro. Por este motivo, o requisito de que tenham o seu domicílio ou residência habitual nesse Estado, viola o Regulamento n.o 1612/68.


(1)  JO L 257, p. 2; EE 05 01 p. 77.

(2)  JO L 149, p. 2; EE 05 01 p. 98.