ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

27 de novembro de 2012 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regime linguístico — Anúncios de concursos gerais para o recrutamento de administradores e de assistentes — Publicação integral em três línguas oficiais — Língua das provas — Escolha da segunda língua de entre três línguas oficiais»

No processo C-566/10 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 2 de dezembro de 2010,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por J. Currall e J. Baquero Cruz, na qualidade de agentes, assistidos por A. Dal Ferro, avvocato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

República da Lituânia,

República Helénica, representada por A. Samoni-Rantou, S. Vodina e G. Papagianni, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice-presidente, A. Tizzano, M. Ilešič, A. Rosas (relator), G. Arestis e J. Malenovský, presidentes de secção, A. Borg Barthet, U. Lõhmus, C. Toader, J.-J. Kasel, M. Safjan e D. Šváby, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 6 de junho de 2012,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 21 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a República Italiana pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de setembro de 2010, Itália/Comissão (T-166/07 e T-285/07, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento aos seus recursos de anulação dos anúncios de concursos gerais EPSO/AD/94/07, para a constituição de uma reserva de recrutamento de administradores (AD 5) no domínio da informação, da comunicação e dos média (JO 2007, C 45 A, p. 3), EPSO/AST/37/07, para a constituição de uma reserva de recrutamento de assistentes (AST 3) no domínio da comunicação e da informação (JO 2007, C 45 A, p. 15), e EPSO/AD/95/07, para a constituição de uma reserva de recrutamento de administradores (AD 5) no domínio da informação (biblioteca/documentação) (JO 2007, C 103 A, p. 7) (a seguir, considerados em conjunto, «anúncios de concurso controvertidos»).

Quadro jurídico

2

Os artigos 1.° a 6.° do Regulamento (CEE) n.o 1 do Conselho, de 15 de abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385; EE 01 F1 p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1»), dispõem:

«Artigo 1.o

As línguas oficiais e as línguas de trabalho das Instituições da União são o alemão, o búlgaro, o checo, o dinamarquês, o eslovaco, o esloveno, o espanhol, o estónio, o finlandês, o francês, o grego, o húngaro, o irlandês, o inglês, o italiano, o letão, o lituano, o maltês, o neerlandês, o polaco, o português, o romeno e o sueco.

Artigo 2.o

Os textos dirigidos às instituições por um Estado-Membro ou por uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-Membro serão redigidos numa das línguas oficiais, à escolha do expedidor. A resposta será redigida na mesma língua.

Artigo 3.o

Os textos dirigidos pelas instituições a um Estado-Membro ou a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-Membro serão redigidos na língua desse Estado.

Artigo 4.o

Os regulamentos e os outros textos de caráter geral são redigidos nas línguas oficiais.

Artigo 5.o

O Jornal Oficial da União Europeia é publicado nas línguas oficiais.

Artigo 6.o

As instituições podem determinar as modalidades de aplicação deste regime linguístico nos seus regulamentos internos.»

3

Os artigos 1.°-D, 7.°, n.o 1, primeiro parágrafo, 24.°-A, 27.°, 28.°, 29.°, n.o 1, e 45.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 723/2004 do Conselho, de 22 de março de 2004 (JO L 124, p. 1, a seguir «Estatuto dos Funcionários»), enunciam:

«Artigo 1.o-D

1.   Na aplicação do presente Estatuto, é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.

[…]

6.   No respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação da sua aplicação deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal. Estes objetivos podem, nomeadamente, justificar a fixação de uma idade obrigatória de aposentação e de uma idade mínima para beneficiar de uma pensão de aposentação.

[…]

Artigo 7.o

1.   A [autoridade investida do poder de nomeação] coloca cada funcionário, mediante nomeação ou transferência, no interesse exclusivo do serviço, e sem ter em conta a nacionalidade, num lugar do seu grupo de funções que corresponda ao seu grau.

[…]

Artigo 24.o-A

As Comunidades facilitarão o aperfeiçoamento profissional do funcionário na medida em que este seja compatível com as exigências do bom funcionamento do serviço e conforme aos seus próprios interesses.

Este aperfeiçoamento é igualmente tido em conta para efeitos de promoção na carreira.

[…]

Artigo 27.o

O recrutamento deve ter em vista assegurar à instituição o serviço de funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, recrutados numa base geográfica tão alargada quanto possível dentre os nacionais dos Estados-Membros das Comunidades.

Nenhum lugar pode ser reservado para os nacionais de um Estado-Membro determinado.

[…]

Artigo 28.o

Não pode ser nomeado funcionário quem:

[…]

f)

Não provar que possui um conhecimento aprofundado de uma das línguas das Comunidades e um conhecimento satisfatório de outra língua das Comunidades, na medida necessária às funções que for chamado a exercer.

[…]

Artigo 29.o

1.   Antes de prover as vagas existentes numa instituição, a [autoridade investida do poder de nomeação]

[…]

dará então início ao processo de concurso documental, por prestação de provas, ou documental e por prestação de provas. O processo de concurso é regido pelas disposições constantes do anexo III.

O processo pode também ser iniciado a fim de constituir uma reserva de recrutamento.

[…]

Artigo 45.o

1.   A promoção é conferida por decisão da [autoridade investida do poder de nomeação], à luz do n.o 2 do artigo 6.o Implica a nomeação do funcionário no grau imediatamente superior do grupo de funções a que pertence. A promoção faz-se exclusivamente por escolha entre os funcionários que tenham completado um período mínimo de dois anos de antiguidade no seu grau, após análise comparativa dos méritos dos funcionários suscetíveis de serem promovidos. Na análise comparativa dos méritos, a [autoridade investida do poder de nomeação] tomará em especial consideração os relatórios sobre os funcionários, a utilização de línguas na execução das suas funções, para além daquela em que já deram provas de conhecimento aprofundado nos termos da alínea f) do artigo 28.o e, sempre que se justifique, o nível das responsabilidades que exercem.

2.   Antes da sua primeira promoção após o recrutamento, os funcionários terão de demonstrar a sua capacidade de trabalhar numa terceira língua entre as referidas no artigo 314.o do Tratado CE. As instituições de comum acordo aprovarão regras destinadas à execução do presente número. Dessas regras constará o acesso à formação dos funcionários numa terceira língua e as disposições de execução para a avaliação da capacidade do funcionário para trabalhar numa terceira língua, nos termos da alínea d) do n.o 2 do artigo 7.o do anexo III.»

4

Os artigos 1.°, n.os 1 e 2, e 7.° do anexo III do Estatuto dos Funcionários preveem:

«Artigo 1.o

1.   O [anúncio] do concurso é estabelecido pela [autoridade investida do poder de nomeação] após consulta da Comissão Paritária.

O anúncio deve especificar:

a)

A natureza do concurso (concurso no seio da instituição, concurso no seio das instituições, concurso geral, eventualmente comum a duas ou mais instituições);

b)

As modalidades (concurso documental, por prestação de provas, ou documental e por prestação de provas);

c)

A natureza das funções e atribuições correspondentes aos lugares a prover e o grupo de funções e grau propostos;

d)

Tendo em conta o n.o 3 do artigo 5.o do Estatuto, os diplomas e outros documentos comprovativos de habilitações ou o nível de experiência requerido para os lugares a prover;

e)

No caso de concurso por prestação de provas, a natureza destas provas e a sua cotação respetiva;

f)

Eventualmente[,] os conhecimentos linguísticos requeridos pela natureza específica dos lugares a prover;

g)

Eventualmente, o limite de idade, assim como o aumento do limite de idade aplicável aos agentes em funções há pelo menos um ano;

h)

A data[-]limite de receção das candidaturas;

i)

Se for caso disso, as derrogações consentidas em virtude da [alínea] a) do artigo 28.o do Estatuto.

Em caso de concurso geral comum a duas ou mais instituições, o [anúncio] de concurso é aprovado pela [autoridade investida do poder de nomeação] a que se refere o n.o 2 do artigo 2.o do Estatuto, após consulta da Comissão Paritária comum.

2.   Aquando da organização de concursos gerais, deverá ser publicado um [anúncio] de concurso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, pelo menos, um mês antes da data-limite prevista para a receção das candidaturas e, quando necessário, pelo menos, dois meses antes da data das provas práticas.

3.   Todos os concursos são tornados públicos no seio das instituições das três Comunidades Europeias, dentro dos mesmos prazos.

[…]

Artigo 7.o

1.   Após consulta do Comité do Estatuto, as instituições confiarão ao Serviço de Seleção do Pessoal das Comunidades Europeias [a seguir «EPSO»] a responsabilidade de adotar as medidas necessárias para garantir a aplicação de normas uniformes nos processos de seleção de funcionários das Comunidades e nos processos de avaliação e nas provas referidas nos artigos 45.° e 45.°-A do Estatuto.

2.   As funções [do EPSO] consistirão em:

a)

Organizar, a pedido de uma instituição, concursos gerais;

[…]

d)

Assumir a responsabilidade geral pela definição e organização da avaliação dos conhecimentos linguísticos, de modo a garantir que os requisitos constantes do n.o 2 do artigo 45.o do Estatuto são preenchidos de forma harmonizada e coerente.

[…]»

5

O EPSO foi criado pela Decisão 2002/620/CE do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão, do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social, do Comité das Regiões e do [Provedor] de Justiça, de 25 de julho de 2002 (JO L 197, p. 53). De acordo com o disposto no artigo 2.o, n.o 1, primeiro período, desta decisão, o EPSO exerce os poderes de seleção atribuídos, nomeadamente, pelo anexo III do Estatuto às autoridades investidas do poder de nomeação das instituições signatárias da referida decisão. O artigo 4.o, último período, da Decisão 2002/620 prevê que quaisquer recursos nos domínios abrangidos por esta decisão serão interpostos contra a Comissão Europeia.

6

A missão do EPSO foi precisada pelo artigo 7.o do anexo III do Estatuto dos Funcionários, acrescentado pelo Regulamento n.o 723/2004.

Antecedentes do litígio

7

Em 28 de fevereiro de 2007, o EPSO publicou os anúncios de concursos gerais EPSO/AD/94/07 e EPSO/AST/37/07 apenas nas edições alemã, inglesa e francesa do Jornal Oficial da União Europeia, para a elaboração, por um lado, de uma lista de reserva para o preenchimento de lugares vagos nas instituições para administradores (AD 5) no domínio da informação, da comunicação e dos média e, por outro, de uma lista de reserva para o preenchimento de lugares vagos nas instituições para assistentes (AST 3) no domínio da comunicação e da informação.

8

Em 8 de maio de 2007, o EPSO publicou o anúncio de concurso geral EPSO/AD/95/07 apenas nas edições alemã, inglesa e francesa do Jornal Oficial da União Europeia, para elaboração de uma lista de reserva para o preenchimento de lugares vagos, nomeadamente no Parlamento Europeu, para administradores (AD 5) no domínio da informação (biblioteca/documentação).

9

O ponto I A dos anúncios de concurso controvertidos, que regula as condições de admissão aos testes de acesso, previa, sob o título «Conhecimentos linguísticos», que todos os candidatos deviam possuir um conhecimento aprofundado de uma das línguas oficiais da União (a seguir «línguas oficiais») como língua principal e um conhecimento satisfatório de alemão, de inglês ou de francês como segunda língua, obrigatoriamente diferente da língua principal. Por outro lado, previa-se sob o mesmo título que, a fim de garantir a clareza e a compreensão dos textos de caráter geral e das comunicações entre o EPSO e os candidatos, as convocatórias para os diferentes testes e provas, bem como toda a correspondência entre o EPSO ou o secretariado do júri e os candidatos, seriam redigidas unicamente em alemão, em inglês ou em francês. O ponto I B dos anúncios de concurso controvertidos indicava, além disso, que os testes de acesso seriam realizados «em alemão, em inglês ou em francês ([segunda] língua)».

10

O ponto II A dos anúncios de concurso controvertidos, relativo à natureza das funções e às condições de admissão aos concursos, previa, sob o título «Conhecimentos linguísticos», que, para serem admitidos às provas escritas, os candidatos deviam possuir um conhecimento aprofundado de uma das línguas oficiais como língua principal e um conhecimento satisfatório de alemão, de inglês ou de francês como segunda língua, obrigatoriamente diferente da língua principal. O ponto II B dos anúncios de concurso controvertidos previa além disso que as provas escritas seriam realizadas «em alemão, em inglês ou em francês ([segunda] língua […])».

11

Em 20 de junho e 13 de julho de 2007, o EPSO publicou duas alterações aos anúncios de concurso controvertidos em todas as versões linguísticas do Jornal Oficial da União Europeia (C 136 A, p. 1, e C 160, p. 14). Na alteração publicada em 20 de junho de 2007, era indicado que os candidatos deviam possuir, para o concurso EPSO/AD/94/07, um grau universitário de três anos no domínio em questão, a saber, no domínio da informação, da comunicação e dos média, ou qualquer grau universitário de três anos em qualquer outro domínio, seguido de uma experiência profissional de pelo menos três anos num domínio relevante para as funções em questão. Era também indicado, relativamente ao concurso EPSO/AST/37/07, que, em função da natureza das qualificações dos candidatos, era exigida uma experiência profissional de três ou de seis anos. Na alteração publicada em 13 de julho de 2007, era indicado que os candidatos deviam ter, para o concurso EPSO/AD/95/07, um nível universitário de três anos no domínio da informação (biblioteca/documentação) ou um nível universitário de três anos seguido de uma qualificação especializada nesse domínio, não sendo exigida experiência profissional. Acresce que as duas alterações remetiam expressamente para a versão integral dos anúncios de concurso controvertidos publicados nas edições alemã, inglesa e francesa do Jornal Oficial e estabeleciam um novo prazo de apresentação de candidaturas nos concursos em causa.

Recursos para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

12

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de maio de 2007, a República Italiana interpôs um recurso de anulação dos anúncios de concurso EPSO/AD/94/07 e EPSO/AST/37/07. A República da Lituânia interveio em apoio dos pedidos da República Italiana nesse processo, registado sob o número T-166/07.

13

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de julho de 2007, a República Italiana interpôs um recurso de anulação do anúncio de concurso EPSO/AD/95/07. A República Helénica interveio em apoio dos pedidos da República Italiana nesse processo, registado sob o número T-285/07.

14

Os processos T-166/07 e T-285/07 foram apensados por despacho de 9 de novembro de 2009 para efeitos da fase oral e do acórdão.

15

A República Italiana contestava no essencial, em primeiro lugar, a não publicação no Jornal Oficial da União Europeia dos anúncios de concurso controvertidos nas outras línguas oficiais além das línguas alemã, inglesa e francesa e, em segundo lugar, a limitação arbitrária a apenas três línguas por ocasião da escolha da segunda língua para participar nos concursos em causa, para qualquer comunicação com o EPSO e para o desenrolar das provas.

16

Depois de ter julgado improcedente um pedido de não conhecimento do mérito apresentado pela Comissão, o Tribunal Geral examinou, em primeiro lugar, o fundamento relativo à violação do artigo 290.o CE e, em segundo lugar, o fundamento relativo à violação dos artigos 1.°, 4.°, 5.° e 6.° do Regulamento n.o 1. Em terceiro lugar, pronunciou-se sobre o fundamento relativo à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e do multilinguismo. Este fundamento, dividido em duas partes, tinha por objeto, na sua primeira parte, a conformidade com estes três princípios da publicação integral no Jornal Oficial da União Europeia dos anúncios de concurso controvertidos apenas nas línguas alemã, inglesa e francesa. A segunda parte deste fundamento tinha por objeto a conformidade com estes mesmos princípios da escolha da segunda língua de entre as três línguas escolhidas para participar nos concursos em causa, para qualquer comunicação com o EPSO e para o desenrolar das provas. Em quarto lugar, o Tribunal Geral examinou o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima a fim de verificar se a publicação dos anúncios de concurso controvertidos no Jornal Oficial da União Europeia afeta este princípio, na medida em que contraria uma prática constante seguida até julho de 2005, que consistia em redigir e em publicar na íntegra no Jornal Oficial da União Europeia os anúncios de concurso em todas as línguas oficiais. Por último, o Tribunal Geral examinou os fundamentos relativos à falta de fundamentação dos anúncios de concurso controvertidos e ao desvio de poder.

17

O Tribunal Geral julgou cada um destes fundamentos improcedentes e, por conseguinte, negou provimento aos recursos de anulação.

Pedidos das partes no presente recurso

18

A República Italiana conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular o acórdão recorrido;

pronunciar-se diretamente sobre o litígio e anular os anúncios de concurso controvertidos;

condenar a Comissão nas despesas.

19

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a República Italiana nas despesas.

20

A República Helénica conclui pedindo que o Tribunal julgue procedente a sua resposta de modo a que o acórdão proferido em 13 de setembro de 2010 pelo Tribunal Geral nos processos T-166/07 e T-285/07 seja anulado.

21

A República da Lituânia não apresentou resposta.

Quanto ao presente recurso

22

O presente recurso assenta em sete fundamentos.

Argumentos das partes

Primeiro fundamento

23

O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 290.o CE e do artigo 6.o do Regulamento n.o 1.

24

Visa os n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral declarou que os anúncios de concurso controvertidos não violavam o artigo 290.o CE, na medida em que foram adotados pela Comissão ao abrigo da competência reconhecida às instituições e aos órgãos comunitários pelo artigo 6.o do Regulamento n.o 1, que permite expressamente às instituições determinarem as modalidades de aplicação do regime linguístico nos seus regulamentos internos. Invocando nomeadamente o n.o 48 das conclusões do advogado-geral M. Poiares Maduro no processo em que foi proferido o acórdão de 15 de março de 2005, Espanha/Eurojust (C-160/03, Colet., p. I-2077), e a jurisprudência referida, o Tribunal Geral declarou nesses mesmos números que havia que reconhecer às instituições uma certa autonomia funcional no exercício da competência que lhes é conferida pelo artigo 6.o do Regulamento n.o 1, para assegurar o seu bom funcionamento.

25

A República Italiana alega que o Tribunal Geral violou o artigo 290.o CE e o artigo 6.o do Regulamento n.o 1 ao reconhecer a competência da Comissão para adotar os anúncios controvertidos quando, em primeiro lugar, a Comissão nunca adotou um regulamento interno para determinar as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1, em segundo lugar, um anúncio de concurso não é um regulamento interno e, em terceiro lugar, a Comissão, por intermédio do EPSO, substituiu o Conselho ao pretender adotar, através de uma simples prática administrativa, um regime linguístico num domínio importante, como o domínio dos concursos de admissão às carreiras na administração da União.

26

A República Helénica, invocando o acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia de 15 de junho de 2010, Pachtitis/Comissão (F-35/08), acórdão que, no momento em que foi apresentada a resposta da República Helénica, era objeto de um recurso interposto pela Comissão, a que foi negado provimento por acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2011, Comissão/Pachtitis (T-361/10 P, Colet., p. II-8225), sublinha que o EPSO é incompetente para determinar a língua de um concurso, não apenas por isso equivaler a determinar o regime linguístico de uma instituição, quando tal é da competência do Conselho, mas também na medida em que as línguas constituem o «teor das provas» e fazem parte dos conhecimentos que compete ao júri dos concursos avaliar. A República Helénica questiona-se sobre a existência de uma «autonomia funcional», como foi referido no n.o 41 do acórdão recorrido, assente no artigo 6.o do Regulamento n.o 1 e que o Tribunal Geral reconheceu às instituições. Conclui que o regulamento é utilizado para evitar o voto por unanimidade exigido pelo artigo 290.o CE.

27

A Comissão considera que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito. Recorda que a necessidade de reconhecer às instituições uma certa autonomia funcional resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Deste modo, foi com razão que o Tribunal Geral declarou que os anúncios de concurso são uma expressão desse poder de auto-organização. O facto de a Comissão não ter adotado disposições internas na aceção do artigo 6.o do Regulamento n.o 1 não é pertinente, na medida em que esta disposição mais não é do que a expressão de um poder de auto-organização mais amplo.

Segundo fundamento

28

O segundo fundamento é relativo à violação dos artigos 1.° e 4.° a 6.° do Regulamento n.o 1.

29

Visa os n.os 52 a 57 do acórdão recorrido. No n.o 52 desse acórdão, o Tribunal Geral, citando nomeadamente o n.o 60 do acórdão de 5 de outubro de 2005, Rasmussen/Comissão (T-203/03, ColetFP, pp. I-A79 e II-1287), recordou uma jurisprudência constante segundo a qual «o Regulamento [n.o 1] não é aplicável às relações entre as instituições e os seus funcionários e agentes, na medida em que fixa unicamente o regime linguístico aplicável entre as instituições […] e um Estado-Membro ou uma pessoa abrangida pela jurisdição de um dos Estados-Membros». No n.o 53 do referido acórdão, reportando-se nomeadamente ao n.o 13 do acórdão de 7 de fevereiro de 2001, Bonaiti Brighina/Comissão (T-118/99, ColetFP, pp. I-A-25 e II-7), o Tribunal Geral considerou que «[o]s funcionários e outros agentes das Comunidades, bem como os candidatos a esses lugares, são apenas abrangidos pela jurisdição das Comunidades» e que, além disso, «o artigo 6.o do Regulamento n.o 1 permite expressamente que as instituições determinem as modalidades de aplicação do regime linguístico nos seus regulamentos internos». No n.o 54 do acórdão recorrido, justificou a equiparação dos funcionários e dos outros agentes das Comunidades aos candidatos a esses lugares, em matéria de regime linguístico aplicável, pelo «facto de os referidos candidatos se relacionarem com uma instituição unicamente para obterem um lugar de funcionário ou agente, para o qual determinados conhecimentos linguísticos são necessários e podem ser exigidos pelas disposições comunitárias aplicáveis para preencher o lugar em causa». Concluiu, nos n.os 55 e 56 desse acórdão, que «os artigos 1.°, 4.° e 5.° do Regulamento n.o 1 não se aplicam aos anúncios de concurso controvertidos» e que «a escolha da língua de publicação externa de um anúncio […] é da responsabilidade das instituições».

30

A República Italiana sublinha novamente que a Comissão não adotou nenhum regulamento interno em aplicação do artigo 6.o do Regulamento n.o 1. Sustenta, por outro lado, que um anúncio de concurso é um texto de alcance geral na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 1, na medida em que é suscetível de interessar todos os cidadãos comunitários e que, de todo o modo, o anúncio é a lei especial do concurso. Considera que este entendimento é confirmado pelo artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, que impõe a publicação dos anúncios de concurso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Por último, esse Estado-Membro contesta a equiparação dos candidatos num concurso aos funcionários e aos outros agentes, sublinhando que um candidato é um cidadão da União, que tem um direito público subjetivo fundamental de aceder aos lugares da função pública da União e que, quando apresenta um pedido de participação num concurso para entrar numa instituição, é necessariamente exterior a esta.

31

A República Helénica sustenta que existe uma contradição entre os n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral concluiu que os anúncios de concurso controvertidos foram adotados ao abrigo da competência reconhecida às instituições pelo artigo 6.o do Regulamento n.o 1, e os n.os 52 a 58 desse acórdão, em que aquele Tribunal rejeitou o fundamento relativo à violação dos artigos 1.° e 4.° a 6.° do Regulamento n.o 1, por o regulamento não ser aplicável às relações entre as instituições da União e os seus funcionários. Segundo a República Helénica, ou o Regulamento n.o 1 é aplicável, e, nesse caso, o seu artigo 6.o é pertinente, ou não o é. Por outro lado, alega que o n.o 60 do acórdão Rasmussen, já referido, é uma simples afirmação que não tem justificação e que, por repetição, passou a ser jurisprudência constante.

32

A Comissão considera que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito, nomeadamente no que respeita à equiparação dos candidatos num concurso aos funcionários em funções. Tal princípio figura igualmente na jurisprudência do Tribunal de Justiça para justificar a aplicação dos procedimentos previstos no Estatuto dos Funcionários àqueles que reivindicam essa qualidade. Por outro lado, um anúncio de concurso define as regras aplicáveis às pessoas que se candidatam, regras essas que apenas exprimem o interesse do serviço e, por conseguinte, as necessidades internas da instituição. Esse anúncio não pode assim constituir um texto de caráter geral.

33

A Comissão sublinha que o anexo III do Estatuto dos Funcionários impõe obrigações para garantir a igualdade de acesso à informação, e não exprime exigências linguísticas formais que caracterizem o regime «externo», ou seja, as relações entre as instituições e o mundo exterior.

Terceiro fundamento

34

O terceiro fundamento é relativo à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e do multilinguismo e, mais concretamente, à violação do artigo 12.o CE, do artigo 22.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 6.o, n.o 3, UE, do artigo 5.o do Regulamento n.o 1, do artigo 1.o, n.os 2 e 3, do anexo III do Estatuto dos Funcionários e, por último, do artigo 230.o CE.

35

Tem por objeto os n.os 72 a 91 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral se pronunciou sobre a primeira parte de um fundamento, relativa à publicação no Jornal Oficial da União Europeia nas línguas alemã, inglesa e francesa dos anúncios de concurso controvertidos, bem como à publicação neste Jornal, em todas as línguas oficiais, de alterações aos referidos anúncios de concurso.

36

No n.o 72 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que «nenhuma disposição nem nenhum princípio de direito comunitário impõe que anúncios de concursos sejam sistematicamente publicados no Jornal Oficial em todas as línguas oficiais». Contudo, recordou no n.o 74 desse acórdão que, «embora a administração tenha o direito de adotar as medidas que lhe pareçam adequadas para regular certos aspetos do processo de recrutamento do pessoal, essas medidas não podem levar a uma discriminação em razão da língua entre os candidatos a um determinado lugar». No n.o 84 do referido acórdão, o Tribunal Geral constatou «que os anúncios de concurso controvertidos só foram publicados, de forma integral, nas línguas alemã, inglesa e francesa». No entanto, considerou, no n.o 85 do mesmo acórdão, que as duas alterações publicadas no Jornal Oficial da União Europeia em todas as línguas oficiais, que informavam de forma sucinta o público sobre a existência e o conteúdo dos anúncios de concurso controvertidos e remetiam para as edições alemã, inglesa e francesa para obter o texto na sua versão integral, «sanaram a não publicação no Jornal Oficial dos anúncios de concurso controvertidos em todas as línguas oficiais». O Tribunal Geral concluiu assim, no n.o 90 do acórdão recorrido, que «a publicação integral no Jornal Oficial dos anúncios de concurso controvertidos apenas em três línguas, seguida de uma publicação sucinta no Jornal Oficial, em todas as línguas oficiais, de alterações aos referidos anúncios, não constitui uma discriminação em razão da língua entre candidatos contrária ao artigo 12.o CE[, que] também não constitui uma violação do artigo 6.o, n.o 3, UE, que se limita a indicar que a União respeita as identidades nacionais[, e que] não viola o artigo 22.o da [Carta], ainda para mais porque esta não tem força jurídica vinculativa».

37

A República Italiana sustenta que o Tribunal Geral, ao tomar em consideração as alterações aos anúncios de concurso, violou o artigo 230.o CE porque a legalidade de um ato deve ser apreciada tendo em conta a sua redação no momento em que foi adotado. Por outro lado, sustenta que, de qualquer modo, a publicação das alterações não permitiu sanar a não publicação dos anúncios em todas as línguas oficiais.

38

Segundo a República Italiana, o raciocínio do Tribunal Geral padece de uma tautologia, na medida em que presume o conhecimento das três línguas pelo facto de os anúncios preverem apenas estas três línguas. Ora, havia precisamente que justificar a limitação a três línguas, bem como a discriminação que resulta dessa limitação.

39

A República Helénica sustenta igualmente que os anúncios de concurso deviam ter sido publicados em todas as línguas oficiais e contesta que a publicação das alterações tenha sanado a violação inicial.

40

A Comissão salienta que os argumentos desenvolvidos no âmbito do presente fundamento não põem em causa o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral nos n.os 72, 73 a 76 nem 79 a 81 do acórdão recorrido, que, em seu entender, era suficiente para fundamentar o dispositivo desse acórdão. De qualquer forma, o anúncio de concurso devia indicar as exigências impostas pelo interesse do serviço para evitar que pessoas não qualificadas se candidatassem inutilmente. Sustenta que o Tribunal Geral fundamentou corretamente a conclusão a que chegou e segundo a qual a obrigação da instituição não consiste em publicar os anúncios de concurso em todas as línguas oficiais, mas em garantir que o método de publicação escolhido não é fonte de discriminação entre candidatos.

Quarto fundamento

41

O quarto fundamento é relativo à violação das regras respeitantes à não discriminação em razão da língua, dos artigos 1.° e 6.° do Regulamento n.o 1 e dos artigos 1.°-D, n.os 1 e 6, 27.°, segundo parágrafo, e 28.°, alínea f), do Estatuto dos Funcionários.

42

Tem por objeto os n.os 93 a 105 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral se pronunciou sobre uma parte de um fundamento relativo à escolha da segunda língua entre três línguas para participar nos concursos em causa, para qualquer comunicação com o EPSO e para o desenrolar das provas e concluiu, no referido n.o 105, que havia que julgar totalmente improcedente o fundamento relativo à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e do multilinguismo.

43

Baseando-se nas conclusões do advogado-geral M. Poiares Maduro no processo em que foi proferido o acórdão Espanha/Eurojust, já referido, o Tribunal Geral recordou, no n.o 93 do acórdão recorrido, «que o bom funcionamento das instituições e dos órgãos comunitários pode objetivamente justificar uma escolha limitada de línguas de comunicação interna». No n.o 94 desse acórdão, recordou também que a escolha de uma ou de várias línguas oficiais no plano interno não pode comprometer o acesso igual dos cidadãos da União aos empregos propostos pelas instituições e pelos órgãos comunitários. No entanto, o Tribunal Geral constatou, no n.o 95 do referido acórdão, «que todos os candidatos nos concursos em causa que possuíssem as competências linguísticas exigidas pelos anúncios de concurso controvertidos puderam, nas mesmas condições, aceder aos processos de recrutamento e neles participar». No n.o 99 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que «a República Italiana não apresentou nenhum elemento concreto suscetível de pôr em causa a pertinência dos conhecimentos linguísticos exigidos pelos anúncios de concurso controvertidos [e que] não pode, por conseguinte, alegar que essa exigência não é objetivamente imposta pelas necessidades do serviço». Salientou ainda nesse número que a não publicação inicial de uma menção em todas as línguas oficiais não prejudicou os candidatos cuja língua principal não fosse a língua alemã, inglesa ou francesa, na medida em que as duas alterações publicadas posteriormente reabriram o prazo para a apresentação das candidaturas aos concursos em causa. Por último, no n.o 101 do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que, embora os domínios abrangidos pelos anúncios de concurso controvertidos exijam uma grande variedade de competências linguísticas, o facto de a língua principal, cujo conhecimento aprofundado é exigido pelos ditos anúncios, poder ser qualquer língua oficial é suficiente para garantir uma grande variedade de competências linguísticas no recrutamento dos candidatos que respondem aos referidos anúncios.

44

Com este fundamento, a República Italiana sustenta que aceitar apenas três línguas oficiais como segunda língua, para qualquer comunicação com o EPSO, bem como para o desenrolar das provas do concurso, constitui uma discriminação em razão da língua, desde logo relativamente às outras línguas que não foram escolhidas como segunda língua mas também relativamente aos cidadãos dos Estados-Membros que conhecem uma segunda língua oficial diferente das três línguas escolhidas. Alega que a faculdade de que as instituições dispõem para determinar as modalidades de aplicação do regime linguístico nos seus regulamentos internos se refere apenas ao funcionamento interno das instituições, e não ao desenrolar dos concursos externos, e que, de todo o modo, nenhuma instituição adotou disposições a este respeito.

45

Esse Estado-Membro sustenta além disso que, à luz do princípio da proibição de reservar lugares aos nacionais de um determinado Estado-Membro, previsto no artigo 27.o, segundo parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, as restrições à utilização das línguas nas instituições devem ser consideradas exceções que devem ser devidamente justificadas. Por outro lado, o artigo 28.o do Estatuto dos Funcionários precisa que a segunda língua pode ser escolhida de entre qualquer língua da União e não prevê posições privilegiadas entre nenhuma delas a este respeito. O referido Estado-Membro deduz assim deste entendimento que as línguas de seleção devem ser o mais neutras possível relativamente às qualificações pretendidas, o que pressupõe que todas as línguas da União podem ser admitidas. Segundo a República Italiana, uma interpretação correta do artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários deve levar à conclusão de que a avaliação das qualificações profissionais necessárias para ser aprovado na seleção, a fim de ser eficaz e não discriminatória, não deveria ser influenciada de forma decisiva pelos conhecimentos linguísticos do candidato. Considera que esta interpretação é confirmada pelo artigo 1.o do anexo III do Estatuto dos Funcionários, segundo o qual o anúncio de concurso deve especificar, eventualmente, os conhecimentos linguísticos requeridos pela natureza específica dos lugares a prover. As limitações que esta disposição prevê mais não são do que simples eventualidades. Devem ser fundamentadas no anúncio e basear-se naquilo que é «[necessário] às funções» a exercer e na «natureza específica dos lugares a prover». Ora, os anúncios de concurso controvertidos não respeitaram essas regras.

46

A República Italiana contesta a afirmação feita pelo Tribunal Geral, nos n.os 98 e 99 do acórdão recorrido, segundo a qual não demonstrou que a escolha das três línguas como línguas das provas não era adequada à luz da finalidade dos concursos em causa. Sustenta que o ónus da prova não recaía sobre si, mas sobre a Comissão, na medida em que essa instituição invoca uma exceção às regras segundo as quais todas as línguas comunitárias são línguas oficiais e línguas de trabalho.

47

A República Italiana não nega a importância das necessidades organizacionais internas, ou mesmo práticas, das instituições. Considera, no entanto, que, quando esta importância se traduz em limitações às possibilidades de expressão linguística dos nacionais europeus, deve ser invocada no quadro de regras transparentes e adequadas. As instituições devem precisar a natureza das necessidades que podem conduzir a limitações linguísticas não apenas no âmbito das instituições mas, a fortiori, nos concursos de acesso — que não constituem uma simples questão interna das instituições —, bem como as modalidades processuais por meio das quais essas limitações podem ser impostas. Segundo esse Estado-Membro, o exercício de um poder discricionário assente apenas na importância — sem que o nível ou os critérios sejam conhecidos — de pretensas práticas de facto não é aceitável.

48

A Comissão sublinha que a República Italiana não contesta a existência de uma necessidade objetiva das instituições suscetível de justificar a limitação da escolha da segunda língua do concurso a três línguas oficiais determinadas. Por outro lado, recorda que essas necessidades são reconhecidas pela jurisprudência (acórdão de 5 de abril de 2005, Hendrickx/Conselho, T-376/03, ColetFP, pp. I-A-83 e II-379). Por último, sustenta que a constatação do Tribunal Geral, que figura no n.o 95 do acórdão recorrido, segundo a qual «todos os candidatos nos concursos em causa que possuíssem as competências linguísticas exigidas pelos anúncios de concurso controvertidos puderam, nas mesmas condições, aceder aos processos de recrutamento e neles participar», é uma constatação de facto que não cabe ao Tribunal de Justiça fiscalizar no âmbito de um recurso.

Quinto fundamento

49

O quinto fundamento é relativo à violação do artigo 6.o, n.o 3, UE, na parte em que este artigo define o princípio da proteção da confiança legítima como um direito fundamental que resulta das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros.

50

Visa os n.os 110 a 115 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral rejeitou o fundamento relativo à violação deste princípio. O Tribunal Geral declarou, nomeadamente, no n.o 110 desse acórdão, que «ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas que lhe tenham sido dadas pela administração» e, no n.o 112 do referido acórdão, «que uma simples prática […] não equivale a informações precisas, incondicionais e concordantes» na aceção da jurisprudência.

51

A República Italiana sustenta que, ao negar a existência de uma confiança legítima com o fundamento de não ter sido dada nenhuma garantia, sem ter em conta o alcance da prática seguida há várias décadas cuja existência foi constatada pelo próprio Tribunal Geral, este último violou o princípio da confiança legítima. A mudança de orientação, sem aviso prévio e sem justificação, a favor do trilinguismo pode ter discriminado aqueles que pretendiam de forma razoável aceder às carreiras europeias com base em competências linguísticas diferentes e até então perfeitamente admitidas.

52

A Comissão considera que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito a este respeito.

Sexto fundamento

53

O sexto fundamento é relativo à violação do artigo 253.o CE, respeitante ao dever de fundamentação dos atos.

54

Visa os n.os 125 e 126 do acórdão recorrido. No n.o 125 desse acórdão, o Tribunal Geral recordou «que a função essencial do anúncio de concurso consiste em informar os interessados de forma tão exata quanto possível sobre a natureza das condições exigidas para ocupar o lugar em causa, a fim de lhes dar a possibilidade de apreciar, por um lado, se é oportuno candidatarem-se e, por outro, que documentos justificativos são importantes para o trabalho do júri e devem, por conseguinte, ser anexados aos atos da candidatura». No n.o 126 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que«não incumbia à administração justificar, nos anúncios de concurso controvertidos, a escolha das três línguas a utilizar enquanto segunda língua para participar nos concursos e nas provas, na medida em que era facto assente que [essa escolha] responde às suas exigências internas».

55

A República Italiana sustenta que o Tribunal Geral confundiu a função dos anúncios de concurso e a respetiva fundamentação. Os anúncios punham em prática possibilidades de restrições linguísticas concedidas pelo Estatuto dos Funcionários e deviam, assim, ter indicado a relação funcional precisa entre a natureza das missões a desempenhar ou as necessidades do serviço e as restrições linguísticas efetuadas no processo de seleção. O silêncio total sobre a existência e a natureza das pretensas «necessidades internas» não permite a fiscalização da escolha da Comissão pelo juiz e pelos destinatários do ato. A República Italiana considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a fundamentação relativa às correspondentes necessidades do serviço podia decorrer da presença, no anúncio, de disposições restritivas.

56

A Comissão recorda que a necessidade de fundamentação depende da natureza e da finalidade do ato em questão. No presente caso, não se tratava de atos vinculativos, mas de atos informativos, a saber, convites para participar em concursos. Considera que o Tribunal Geral teve assim razão quando concluiu, no n.o 126 do acórdão recorrido, que não era exigida nenhuma fundamentação relativa à escolha das três línguas a utilizar.

Sétimo fundamento

57

O sétimo fundamento é relativo à violação das regras materiais específicas à natureza e à finalidade dos anúncios de concurso e, em especial, dos artigos 1.°-D, n.os 1 e 6, 28.°, alínea f), e 27.°, segundo parágrafo, do Estatuto dos Funcionários.

58

Visa os n.os 128 a 135 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral considerou nomeadamente que o EPSO não tinha cometido um desvio de poder na medida em que não tinha utilizado o regime linguístico dos concursos para fins diferentes dos das suas atribuições. A República Italiana contesta o n.o 133 desse acórdão, em que o Tribunal Geral salientou que «o júri está vinculado pelo anúncio de concurso e, em especial, pelas condições de admissão neste fixadas», e o n.o 134 do referido acórdão, em que o Tribunal Geral conclui que «o EPSO não pode ser acusado de ter definido, nos anúncios de concurso controvertidos, exigências linguísticas suscetíveis, enquanto condições de admissão, de excluir certos candidatos potenciais e, em especial, de ter recorrido a modalidades de publicação suscetíveis de, na prática, impedir a participação nos concursos em causa das pessoas interessadas por não satisfazerem essas exigências linguísticas».

59

Segundo a República Italiana, as exigências linguísticas são distintas das exigências profissionais. As exigências linguísticas devem ser fiscalizadas pelo júri durante o processo de seleção e não antes, pelo organismo que publicou o anúncio de concurso. As restrições linguísticas preliminares, ou seja, as previstas no anúncio de concurso, só são admissíveis se estiverem relacionadas com necessidades comprovadas do serviço. Ora, no presente caso, a Comissão não especificou nos anúncios de concurso controvertidos a menor exigência linguística suscetível de justificar limitações, embora tenha alegado, como resulta do n.o 134 do acórdão recorrido, que as referidas limitações «imped[iam], na prática, a participação nos concursos em causa das pessoas interessadas» na medida em que não preenchem as exigências linguísticas restritivas impostas pelos anúncios. Esse Estado-Membro conclui que, ao declarar que não cabia ao júri avaliar as competências linguísticas dos candidatos, porque o órgão que tinha adotado o anúncio podia, a título preventivo, efetuar uma seleção preliminar das pessoas interessadas a partir de uma base puramente linguística, o Tribunal Geral violou as disposições acima mencionadas e o princípio que lhes está subjacente, segundo o qual os anúncios de concurso devem destinar-se a verificar, da forma mais ampla possível, a existência das competências linguísticas necessárias para ocupar lugares nas instituições.

60

A Comissão sublinha que a República Italiana repete a argumentação já desenvolvida nos outros fundamentos e remete, ela própria, para as suas respostas a esses fundamentos. Recorda novamente que a República Italiana não pôs em causa a realidade da situação factual nas instituições no que respeita à utilização de certas línguas para facilitar a comunicação interna.

Apreciação do Tribunal

61

Há que examinar em conjunto, por um lado, os três primeiros fundamentos, relativos à publicação dos anúncios de concurso controvertidos, e, por outro, os quatro últimos fundamentos, relativos à designação das línguas alemã, inglesa e francesa como segunda língua, como língua de comunicação com o EPSO e como língua das provas dos concursos.

Quanto aos três primeiros fundamentos, relativos à publicação dos anúncios de concurso

62

Segundo o artigo 1.o do anexo III do Estatuto dos Funcionários, um anúncio do concurso é estabelecido pela autoridade investida do poder de nomeação da instituição que organiza o concurso, após consulta da Comissão Paritária, e deve especificar um certo número de informações relativas ao concurso. Desde a entrada em vigor da Decisão 2002/620, os poderes de seleção atribuídos neste anexo, nomeadamente às autoridades investidas do poder de nomeação das instituições signatárias da referida decisão, são exercidos pelo EPSO.

63

Foi invocado no âmbito do presente recurso que duas disposições impõem a publicação dos anúncios de concurso controvertidos em todas as línguas oficiais, a saber, o artigo 4.o do Regulamento n.o 1 e o artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, lido em conjugação com o artigo 5.o do Regulamento n.o 1. Há assim que examinar as obrigações previstas em cada uma destas disposições.

64

O artigo 4.o do Regulamento n.o 1 prevê que os regulamentos e os outros textos de caráter geral são redigidos nas línguas oficiais. A este respeito, a Comissão alega, em primeiro lugar, que o Regulamento n.o 1 não é aplicável aos anúncios de concurso, porque estes dizem respeito a pessoas equiparadas a funcionários, em seguida, e de qualquer modo, que a instituição tem a faculdade de determinar a língua de publicação do anúncio em conformidade com o disposto no artigo 6.o deste regulamento e, por último, que os anúncios de concurso não são textos de caráter geral.

65

No n.o 52 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Geral, o Regulamento n.o 1 não é aplicável às relações entre as instituições e os seus funcionários e agentes, na medida em que fixa unicamente o regime linguístico aplicável entre as instituições e um Estado-Membro ou uma pessoa sujeita à jurisdição de um dos Estados-Membros.

66

Segundo o Tribunal Geral, esta inaplicabilidade justifica-se, por um lado, pelo facto de os funcionários e os outros agentes, bem como os candidatos aos concursos, estarem sujeitos unicamente à jurisdição das Comunidades no que respeita à aplicação das disposições do Estatuto dos Funcionários e, por outro lado, pelo artigo 6.o do Regulamento n.o 1.

67

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o artigo 1.o do Regulamento n.o 1 enuncia expressamente quais as línguas de trabalho das instituições e o artigo 6.o deste regulamento prevê que as instituições podem determinar as modalidades de aplicação do regime linguístico nos seus regulamentos internos. No entanto, há que constatar que as instituições abrangidas pelos anúncios de concurso controvertidos não determinaram, com fundamento no artigo 6.o do Regulamento n.o 1, as modalidades de aplicação do regime linguístico nos seus regulamentos internos. Como salientou a advogada-geral no n.o 29 das suas conclusões a propósito desta questão, os anúncios não podem ser considerados um regulamento interno.

68

Na falta de disposições regulamentares especiais aplicáveis aos funcionários e aos agentes, e de disposições a este respeito nos regulamentos internos das instituições abrangidas pelos anúncios de concurso controvertidos, nenhum texto permite concluir que as relações entre essas instituições e os seus funcionários e agentes estão totalmente excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1.

69

Sucede o mesmo a fortiori no que respeita às relações entre instituições e candidatos a um concurso externo que, em princípio, não são funcionários nem agentes.

70

No que respeita, em seguida, à questão de saber se anúncios de concursos gerais como os anúncios de concurso controvertidos são abrangidos pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 1 ou pelo artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, basta constatar que esta última disposição prevê especificamente que, para os concursos gerais, deve ser publicado um anúncio de concurso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

71

Assim, sem que seja necessário pronunciar-se sobre a questão de saber se um anúncio de concurso é um texto de caráter geral na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 1, basta salientar que, em conformidade com o disposto no artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, lido em conjugação com o artigo 5.o do Regulamento n.o 1, que prevê que o Jornal Oficial da União Europeia é publicado em todas línguas oficiais, os anúncios de concurso controvertidos deviam ter sido integralmente publicados em todas as línguas oficiais.

72

Na medida em que estas disposições não preveem exceções, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 85 do acórdão recorrido, que a publicação posterior das alterações de 20 de junho e 13 de julho de 2007, que continham apenas informações sucintas, sanou a não publicação integral no referido Jornal dos anúncios de concurso em todas as línguas oficiais.

73

De todo o modo, embora essas alterações contivessem um certo número de informações relativas ao concurso, partindo do pressuposto de que os cidadãos da União Europeia leem o Jornal Oficial da União Europeia na sua língua materna e que essa língua é uma das línguas oficiais da União, um candidato potencial cuja língua materna não era uma das línguas da publicação integral dos anúncios de concurso controvertidos tinha de procurar obter esse Jornal numa dessas línguas e de ler o anúncio nessa língua, antes de decidir se queria candidatar-se a um dos concursos.

74

Tal candidato estava numa situação de desvantagem em relação a um candidato cuja língua materna era uma das três línguas nas quais os anúncios de concurso controvertidos foram integralmente publicados, tanto no que respeita à correta compreensão desses anúncios como no que respeita ao prazo para preparar e apresentar uma candidatura a esses concursos.

75

Essa desvantagem é a consequência da diferença de tratamento em razão da língua, proibida pelo artigo 21.o da Carta e pelo artigo 1.o-D, n.o 1, do Estatuto dos Funcionários, ocasionada por essas publicações. Este artigo 1.o-D prevê, no seu n.o 6, que, no respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação deve ser justificada em fundamentos objetivos e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal.

76

A Comissão explicou, na audiência, que a nova prática de publicação limitada dos anúncios de concurso se tornou necessária devido ao volume de trabalho resultante das adesões dos novos Estados à União Europeia durante os anos de 2004 e 2007, nomeadamente devido ao aumento súbito do número de línguas oficiais, não dispondo o EPSO de capacidade de tradução suficiente. Foi alegado no entanto, na audiência, que esta prática de publicação não parecia estar ligada às adesões porque continuava a existir, que os textos dos anúncios de concurso tinham um caráter repetitivo, facto que, por conseguinte, não devia constituir um volume de trabalho incomportável, e que havia que efetuar uma ponderação entre os problemas materiais de capacidade de tradução e o direito de todos os cidadãos da União tomarem conhecimento dos anúncios de concurso nas mesmas condições.

77

Daqui resulta que a prática de publicação limitada não respeita o princípio da proporcionalidade e constitui assim uma discriminação em razão da língua, proibida pelo artigo 1.o-D do Estatuto dos Funcionários.

78

Resulta de todos estes elementos que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao declarar que nem o artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, lido em conjugação com o artigo 5.o do Regulamento n.o 1, nem o artigo 1.o-D do mesmo Estatuto foram violados no âmbito da publicação dos anúncios de concurso controvertidos.

Quanto aos quatro últimos fundamentos, relativos às línguas impostas como segundas línguas, para as comunicações com o EPSO e para as provas dos concursos

79

A República Italiana, embora admitindo que um multilinguismo integral poderia prejudicar a eficácia do trabalho nas instituições, critica a inexistência de regras claras, objetivas e previsíveis sobre a escolha da segunda língua dos concursos, o que não permite que um candidato se prepare para as provas. Por outro lado, sustenta que a obrigação de se apresentar a concurso numa segunda língua constitui na realidade uma forma desadequada de pré-seleção, porque, em seu entender, um candidato deve primeiro ser selecionado em função das suas competências profissionais e, em seguida, em função dos seus conhecimentos linguísticos.

80

Na audiência, a Comissão afirmou que as três línguas escolhidas são as mais utilizadas, e há muito tempo, nas instituições e que resulta de um estudo do EPSO que, entre o ano de 2003 e o ano de 2005, ou seja, numa época em que os candidatos podiam escolher a sua segunda língua, mais de 90% dos candidatos aos concursos escolheram as línguas alemã, inglesa ou francesa como segunda língua. Por outro lado, a Comissão alega que a indicação das línguas do concurso no anúncio permite que os candidatos se preparem para as provas.

81

A este respeito, como foi recordado no n.o 67 do presente acórdão, o artigo 1.o do Regulamento n.o 1 designa 23 línguas não apenas como línguas oficiais mas também como línguas de trabalho das instituições da União.

82

Por outro lado, o artigo 1.o-D, n.o 1, do Estatuto dos Funcionários prevê que na aplicação deste Estatuto é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, da língua. De acordo com o n.o 6, primeiro período, deste artigo, qualquer limitação dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal.

83

Além disso, o artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários prevê que não pode ser nomeado funcionário quem não provar que possui um conhecimento aprofundado de uma das línguas da União e um conhecimento satisfatório de outra língua da União. Embora esta disposição precise que é exigido o conhecimento satisfatório de outra língua «na medida necessária às funções» que o candidato for chamado a exercer, não indica que critérios devem ser tomados em consideração para limitar a escolha desta língua de entre as 23 línguas oficiais.

84

Na verdade, de acordo com o artigo 1.o, n.o 1, alínea f), do anexo III do Estatuto dos Funcionários, o anúncio de concurso pode especificar eventualmente os conhecimentos linguísticos requeridos pela natureza específica dos lugares a prover. No entanto, não decorre desta disposição uma autorização geral para derrogar as exigências do artigo 1.o do Regulamento n.o 1.

85

As disposições acima referidas não preveem assim critérios explícitos que permitam limitar a escolha da segunda língua às três línguas impostas pelos anúncios de concurso controvertidos ou a outras línguas oficiais.

86

Há que acrescentar que as instituições abrangidas pelos anúncios de concurso controvertidos não estão sujeitas a um regime linguístico específico (v., no que respeita ao regime linguístico do IHMI, acórdão de 9 de setembro de 2003, Kik/IHMI, C-361/01 P, Colet., p. I-8283, n.os 81 a 97).

87

No entanto, há que verificar se a exigência do conhecimento de uma das três línguas em causa pode, como alega a Comissão, ser justificada pelo interesse do serviço.

88

A este respeito, resulta de todas as disposições acima referidas que o interesse do serviço pode constituir um objetivo legítimo que pode ser tomado em consideração. Concretamente, como foi indicado no n.o 82 do presente acórdão, o artigo 1.o-D do Estatuto dos Funcionários autoriza limitações aos princípios da não discriminação e da proporcionalidade. No entanto, esse interesse do serviço deve ser objetivamente justificado e o nível de conhecimento linguístico exigido deve ser proporcional às reais necessidades do serviço (v., neste sentido, acórdãos de 19 de junho de 1975, Küster/Parlamento, 79/74, Recueil, p. 725, n.os 16 e 20, Colet., p. 261, e de 29 de outubro de 1975, Küster/Parlamento, 22/75, Recueil, p. 1267, n.os 13 e 17, Colet., p. 441).

89

No n.o 126 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que «é facto assente» que a escolha das três línguas a utilizar como segunda língua para participar nos concursos e nas provas respeita as exigências internas da administração. No entanto, o Tribunal Geral não apenas não fundamentou a sua afirmação como considerou que essa fundamentação não era exigida à administração.

90

Importa sublinhar a este respeito que regras que limitem a escolha da segunda língua devem prever critérios claros, objetivos e previsíveis para que os candidatos possam saber, com antecedência suficiente, quais as exigências linguísticas requeridas para se poderem preparar para os concursos nas melhores condições.

91

Ora, como foi recordado no n.o 67 do presente acórdão, as instituições abrangidas pelos concursos nunca adotaram regras internas em conformidade com o artigo 6.o do Regulamento n.o 1. Por outro lado, a Comissão também não invocou a existência de outros atos, como comunicações que estabeleçam os critérios para uma limitação da escolha de uma língua como segunda língua para participar nos concursos. Por último, os anúncios de concurso controvertidos não contêm nenhuma fundamentação que justifique a escolha das três línguas em causa.

92

Contrariamente ao que a Comissão alega, o acórdão Hendrickx/Conselho, já referido, não conforta o argumento segundo o qual o interesse do serviço pode justificar a exigência do conhecimento das línguas alemã, inglesa ou francesa que figura nos anúncios de concurso controvertidos. Com efeito, enquanto estes anúncios de concursos gerais se dirigiam a cidadãos da União que, na sua grande maioria, não estavam familiarizados com as instituições, o dito acórdão Hendrickx/Conselho referia-se a um anúncio de concurso interno ao qual se podiam candidatar funcionários e agentes que exercessem funções no Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia e que tivessem pelo menos cinco anos de antiguidade ao serviço das Comunidades. Por outro lado, as funções a exercer estavam descritas de forma precisa, o que permitia aos funcionários e agentes do Secretariado-Geral compreender a justificação das línguas impostas para as provas e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização da escolha dessas línguas.

93

Na medida em que um objetivo legítimo de interesse geral possa ser invocado e a sua realidade demonstrada, importa recordar que uma diferença de tratamento em razão da língua deve, além disso, respeitar o princípio da proporcionalidade, ou seja, deve ser apta a realizar o objetivo visado e não deve exceder o que é necessário para o alcançar (v., neste sentido, acórdão de 6 de dezembro de 2005, ABNA e o., C-453/03, C-11/04, C-12/04 e C-194/04, Colet., p. I-10423, n.o 68).

94

Em conformidade com o disposto no artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, o recrutamento dos funcionários deve ter em vista assegurar à instituição o serviço de funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, de rendimento e de integridade. Dado que este objetivo pode ser mais bem preservado quando os candidatos são autorizados a efetuar as provas de seleção na sua língua materna ou na segunda língua que consideram que dominam melhor, cabe às instituições efetuar uma ponderação entre o objetivo legítimo que justifica a limitação do número de línguas dos concursos e o objetivo de identificar os candidatos que têm as mais elevadas qualidades de competência.

95

A Comissão alegou, na audiência, que os candidatos tinham a possibilidade de se preparar depois da publicação do anúncio de concurso. No entanto, há que referir que o prazo decorrido entre a publicação de cada anúncio de concurso controvertido e a data das provas escritas não permite necessariamente a um candidato adquirir os conhecimentos linguísticos suficientes para demonstrar as suas competências profissionais. No que respeita à possibilidade de aprender uma dessas três línguas com a perspetiva de futuros concursos, pressupõe que as línguas impostas pelo EPSO sejam determináveis com muita antecedência. Ora, a inexistência de regras como as referidas no n.o 91 do presente acórdão não garante de modo nenhum a permanência da escolha das línguas de concurso e não permite nenhuma previsibilidade nesta matéria.

96

Por outro lado, os conhecimentos linguísticos dos funcionários são um elemento essencial das suas carreiras e as autoridades investidas do poder de nomeação dispõem de diferentes meios para controlar esses conhecimentos e os esforços desenvolvidos pelos funcionários para pôr esses conhecimentos em prática e para eventualmente adquirir novos conhecimentos. Isto resulta nomeadamente do artigo 34.o, n.o 3, do Estatuto dos Funcionários, relativo ao estágio, e do artigo 45.o, n.o 1, do referido Estatuto, relativo aos critérios de promoção. A importância dos conhecimentos linguísticos foi aliás reforçada pela reforma de 1 de maio de 2004, introduzida pelo Regulamento n.o 723/2004, porquanto, em conformidade com o disposto no artigo 45.o, n.o 2, do Estatuto, os funcionários passaram a ter de demonstrar a sua capacidade de trabalhar numa terceira língua entre as referidas no artigo 314.o CE.

97

A este respeito, cabe assim às instituições efetuar uma ponderação entre o objetivo legítimo que justifica a limitação do número de línguas dos concursos e as possibilidades de aprendizagem pelos funcionários recrutados, nas instituições, das línguas necessárias ao interesse do serviço.

98

Resulta das considerações desenvolvidas nos n.os 81 a 97 do presente acórdão que os elementos apresentados pela Comissão ao Tribunal Geral não permitiam uma fiscalização jurisdicional que tivesse por objetivo verificar se o interesse do serviço constituía um objetivo legítimo suscetível de justificar uma derrogação à regra enunciada no artigo 1.o do Regulamento n.o 1. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

99

Não há que pronunciar-se sobre os outros fundamentos e alegações invocados a respeito das segundas línguas impostas para os concursos.

100

Resulta de todos estes elementos, mais concretamente dos n.os 78 e 98 do presente acórdão, que há que anular o acórdão recorrido.

Quanto aos recursos em primeira instância

101

Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este último pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

102

No presente caso, pelos motivos acima desenvolvidos e, mais concretamente,

devido à violação do artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, lido em conjugação com o artigo 5.o do Regulamento n.o 1, e

devido à violação do princípio da não discriminação em razão da língua, referido no artigo 1.o-D do Estatuto dos Funcionários,

há que anular os anúncios de concurso controvertidos.

103

Como proposto pela advogada-geral nos n.os 115 e 116 das suas conclusões e a fim de preservar a confiança legítima dos candidatos selecionados, não há que pôr em causa os resultados desses concursos.

Quanto às despesas

104

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

105

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

106

A República Italiana pediu a condenação da Comissão nas despesas relativas ao processo em primeira instância e ao processo de recurso. Tendo esta última sido vencida, há que condená-la a suportar as despesas da República Italiana e a suportar as suas próprias despesas nas duas instâncias.

107

O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, igualmente aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, prevê que os Estados-Membros e as instituições que intervenham no litígio suportam as suas próprias despesas. Em conformidade com esta disposição, há que decidir que a República Helénica e a República da Lituânia suportam as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de setembro de 2010, Itália/Comissão (T-166/07 e T-285/07).

 

2)

São anulados os anúncios dos concursos gerais EPSO/AD/94/07, para a constituição de uma reserva de recrutamento de administradores (AD 5) no domínio da informação, da comunicação e dos média, EPSO/AST/37/07, para a constituição de uma reserva de recrutamento de assistentes (AST 3) no domínio da comunicação e da informação, e EPSO/AD/95/07, para a constituição de uma reserva de recrutamento de administradores (AD 5) no domínio da informação (biblioteca/documentação).

 

3)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as despesas da República Italiana assim como as suas próprias despesas nas duas instâncias.

 

4)

A República Helénica e a República da Lituânia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.