ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

26 de abril de 2012 ( *1 )

«Diretiva 93/13/CEE — Artigo 3.o, n.os 1 e 3 — Artigos 6.° e 7.° — Contratos celebrados com os consumidores — Cláusulas abusivas — Alteração unilateral dos termos do contrato pelo profissional — Ação inibitória intentada no interesse público, em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional — Constatação do caráter abusivo da cláusula — Efeitos jurídicos»

No processo C-472/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Pest Megyei Bíróság (Hungria), por decisão de 25 de agosto de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de setembro de 2010, no processo

Nemzeti Fogyasztóvédelmi Hatóság

contra

Invitel Távközlési Zrt,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Safjan (relator), A. Borg Barthet, J.-J. Kasel e M. Berger, juízes,

advogado-geral: V. Trstenjak,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo húngaro, por Z. Fehér, K. Szíjjártó e Z. Tóth, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por F. Díez Moreno, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Rozet e K. Talabér-Ritz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 6 de dezembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.°, n.os 1 e 3, e 6.°, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir «diretiva»), assim como dos n.os 1, alínea j), e 2, alínea d), do anexo desta diretiva.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de uma ação de interesse público intentada pelo Nemzeti Fogyasztóvédelmi Hatóság (organismo nacional de defesa dos consumidores, a seguir «NFH») contra a Invitel Távközlési Zrt (a seguir «Invitel»), por esta ter utilizado cláusulas alegadamente abusivas nos seus contratos celebrados com os consumidores.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O vigésimo considerando da diretiva enuncia:

«Considerando que os contratos devem ser redigidos em termos claros e compreensíveis, que o consumidor deve efetivamente ter a oportunidade de tomar conhecimento de todas as cláusulas [...]».

4

Nos termos do artigo 1.o da diretiva:

«[...]

2.   As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas [...]»

5

O artigo 3.o desta diretiva prevê:

«1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

[...]

3.   O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

6

Nos termos do artigo 4.o da mesma diretiva:

«1.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.   A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

7

O artigo 5.o da diretiva dispõe:

«No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. [...]»

8

O artigo 6.o da diretiva enuncia:

«1.   Os Estados-Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

[…]»

9

O artigo 7.o da referida diretiva está redigido da seguinte forma:

«1.   Os Estados-Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2.   Os meios a que se refere o n.o 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

3.   Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no n.o 2 podem ser interpostos, individualmente ou em conjunto, contra vários profissionais do mesmo setor económico ou respetivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas contratuais gerais ou de cláusulas semelhantes.»

10

Nos termos do artigo 8.o da diretiva:

«Os Estados-Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

11

O anexo da diretiva enumera as cláusulas referidas no artigo 3.o, n.o 3, desta:

«1.   Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[...]

j)

Autorizar o profissional a alterar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no mesmo;

[...]

l)

Prever que o preço dos bens seja determinado na data da entrega ou conferir ao vendedor de bens ou ao fornecedor de serviços o direito de aumentar os respetivos preços, sem que em ambos os casos o consumidor disponha, por seu lado, de um direito que lhe permita romper o contrato se o preço final for excessivamente elevado em relação ao preço previsto à data da celebração do contrato;

[...]

2.   Alcance das alíneas g), j) e l)

[...]

b)

[...]

A alínea j) […] não prejudica as cláusulas segundo as quais o profissional se reserva o direito de alterar unilateralmente as condições de um contrato de duração indeterminada desde que seja atribuída ao profissional a obrigação de informar desse facto o consumidor com um pré-aviso razoável e que este tenha a liberdade de rescindir o contrato.

[...]

d)

A alínea l) não prejudica as cláusulas de indexação de preços, desde que as mesmas sejam lícitas e o processo de variação do preço nelas esteja explicitamente descrito.»

Direito nacional

12

O artigo 209.o do Código Civil prevê:

«1.   As cláusulas contratuais gerais e as cláusulas de um contrato celebrado com o consumidor que não tenham sido negociadas individualmente são abusivas se, violando a exigência de boa-fé e equidade, estipularem unilateral e infundadamente os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, em prejuízo da parte contratante que não tiver estipulado as cláusulas.

[...]»

13

Nos termos do artigo 209.o/A do Código Civil:

«1.   As cláusulas abusivas que integrem o contrato como cláusulas contratuais gerais podem ser impugnadas pela parte lesada.

2.   São nulas as cláusulas abusivas que integrem contratos celebrados com os consumidores como condições gerais da contratação, bem como as que o profissional tenha estabelecido de modo unilateral, predeterminado e sem prévia negociação individual. A nulidade só pode ser invocada no interesse do consumidor.»

14

O artigo 209.o/B do Código Civil dispõe:

«1.   A declaração de nulidade, nos termos do artigo 209.o/A, n.o 2, do Código Civil, das cláusulas abusivas que integrem contratos celebrados com os consumidores como condições gerais da contratação também pode ser solicitada ao órgão jurisdicional por um organismo determinado mediante norma especial. A declaração de nulidade da cláusula abusiva pelo órgão jurisdicional surte efeitos relativamente a todas as pessoas que tenham celebrado um contrato com um profissional que utiliza a referida cláusula.

2.   O organismo determinado mediante norma especial também pode pedir a declaração de nulidade de qualquer condição geral da contratação que tenha sido redigida a fim de celebrar contratos com os consumidores e que tenha sido difundida publicamente, embora ainda não tenha sido utilizada.

3.   Se o órgão jurisdicional declara, no processo indicado no n.o 2, que a condição geral da contratação controvertida é abusiva, declara-a nula para o caso de vir a ser utilizada (de futuro), com efeitos relativamente a qualquer pessoa que celebre um contrato com um profissional que tenha difundido publicamente a cláusula. Quem utilize a cláusula contratual abusiva deve satisfazer os pedidos que os consumidores formulem com base na decisão. Do mesmo modo, a decisão judicial deve proibir quem difundiu publicamente a condição geral da contratação abusiva de a utilizar.

[...]»

15

O artigo 39.o da Lei CLV de 1997, de defesa do consumidor estabelece que:

«1.   Contra as pessoas cuja atividade ilegal afete um grande número de consumidores ou ocasione um prejuízo relevante, a autoridade de protecção dos consumidores, a entidade social que represente os interesses dos consumidores ou o Ministério Público podem iniciar um processo em defesa dos referidos consumidores ou para efeitos da reparação do prejuízo relevante. Tal processo também pode ser iniciado caso não seja possível identificar pessoalmente os consumidores que tenham sofrido o prejuízo.

[...]»

16

Nos termos do artigo 132.o da Lei C de 2003, sobre comunicações eletrónicas:

«1.   As regras relativas à celebração do contrato de assinante são aplicáveis à alteração de cada contrato de assinante. As condições gerais de contratação podem permitir que a alteração de cada contrato de assinante seja feita em conformidade com as disposições do n.o 2.

2.   O prestador de serviços apenas pode alterar unilateralmente o contrato de assinante nos seguintes casos:

a)

se verificadas as condições previstas para cada contrato de assinante ou nas condições gerais de contratação, desde que a alteração não implique nenhuma alteração substancial das condições do contrato, salvo disposição em contrário da legislação ou das regras relativas às comunicações eletrónicas;

b)

se uma alteração da legislação ou uma decisão das autoridades o justificar;

ou

c)

se uma modificação substancial das circunstâncias o justificar.

3.   Constitui uma alteração substancial uma modificação relativa às condições que são necessárias para poder beneficiar do serviço ou relativa aos indicadores correspondentes a um objetivo de qualidade.

4.   Se o prestador do serviço for autorizado a alterar unilateralmente as condições gerais de contratação em casos determinados por estas, é obrigado a informar os assinantes, nas condições previstas pela presente lei, respeitando um pré-aviso de pelo menos trinta dias antes de a referida alteração surtir efeitos; é também obrigado a informar os assinantes das condições aplicáveis à faculdade de resolução que daí decorre. Em tal caso, o assinante beneficia do direito de resolver o contrato, com efeitos imediatos, nos oito dias seguintes ao envio da notificação da alteração.

5.   Quando a alteração inclui regras desfavoráveis ao assinante, este último beneficia do direito de resolver o contrato, sem sofrer consequências jurídicas, nos quinze dias seguintes à referida notificação. No entanto, o assinante não pode resolver o contrato se tiver assumido a obrigação de utilizar o serviço durante um período de tempo determinado e se celebrou o contrato tendo em conta as vantagens daí decorrentes e a alteração não incide sobre as vantagens obtidas. Quando a alteração incide sobre vantagens obtidas e o assinante resolve o contrato, o prestador de serviços não pode reclamar ao assinante o montante da vantagem relativa ao período posterior à resolução do contrato.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

O NFH contesta, no âmbito de uma ação de interesse público, a prática da Invitel que consiste em exigir que, nos contratos de duração determinada, designados «contratos de fidelidade», e posteriormente à celebração destes contratos, o consumidor assuma custos que não foram inicialmente acordados pelas partes.

18

Como resulta dos autos, a Invitel, na sua qualidade de empresa de telecomunicações que presta serviços de rede fixa, introduziu nas condições gerais dos contratos (a seguir «CG»), em vigor desde 1 de janeiro de 2008, uma cláusula que previa «custos de transferência», ou seja, custos aplicados no caso de as faturas serem pagas por vale postal. Em conformidade com a referida cláusula, «se o assinante pagar o montante da fatura por vale postal, o prestador do serviço tem o direito de faturar os custos adicionais inerentes à mesma (tais como os custos de transferência)». Além disso, nenhuma disposição das CG estabelece o método de cálculo destes custos de transferência.

19

O NFH recebeu uma série de queixas dos consumidores e, com base nelas, considerou que a cláusula que figura nas CG e referida no número anterior era abusiva na aceção do artigo 209.o do Código Civil. Como a Invitel recusou alterar esta cláusula, o NFH intentou uma ação no Pest Megyei Bíróság, a fim de obter a declaração de nulidade da cláusula impugnada enquanto cláusula abusiva assim como o reembolso automático e com efeitos retroativos dos assinantes, respeitante aos montantes indevidamente recebidos e faturados como «custos de transferência». Todavia, este órgão jurisdicional considerou que a resolução do litígio dependia da interpretação de disposições do direito da União.

20

Nestas condições, o Pest Megyei Bíróság decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o artigo 6.o, n.o 1, da diretiva […] ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual abusiva não é vinculativa para nenhum consumidor se uma entidade designada legalmente e legitimada para o efeito solicitar, em nome dos consumidores e através de uma ação de interesse público (popularis actio), que seja declarada a nulidade da referida cláusula abusiva que integra um contrato celebrado com os consumidores?

No caso de ser intentada uma ação de interesse público, nas situações em que seja proferida uma condenação que beneficie os consumidores que não sejam parte no processo ou em que seja proibida a aplicação de uma condição geral da contratação abusiva, pode o artigo 6.o, n.o 1, da diretiva […] ser interpretado no sentido de que a referida cláusula abusiva que figura em contratos celebrados com os consumidores não é vinculativa para nenhum dos consumidores afetados, nem mesmo para o futuro, pelo que o órgão jurisdicional deve aplicar oficiosamente as correspondentes consequências jurídicas?

2)

Pode o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva […], conjugado com os pontos 1, alínea j), e 2, alínea d), do anexo aplicável segundo o artigo 3.o, n.o 3, da mesma diretiva, ser interpretado no sentido de que, no caso de o profissional prever uma alteração unilateral dos termos do contrato sem descrever expressamente o processo de variação do preço nem especificar razões válidas no contrato, a referida cláusula contratual é abusiva ipso iure

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

21

Com a sua segunda questão, que deve ser apreciada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, à luz dos n.os 1, alínea j), e 2, alínea d), do anexo da diretiva, o artigo 3.o, n.os 1 e 3, desta deve ser interpretado no sentido de que, quando, numa cláusula que figura nas CG dos contratos celebrados com os consumidores, um profissional prevê uma alteração unilateral dos custos associados ao serviço a fornecer, sem, no entanto, descrever com clareza o modo de fixação dos referidos custos nem especificar um motivo válido para essa alteração, a referida cláusula é abusiva.

22

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar o conceito de «cláusula abusiva», referido no artigo 3.o, n.o 1, da diretiva e no anexo desta, assim como os critérios que o órgão jurisdicional nacional pode ou deve aplicar na apreciação de uma cláusula contratual à luz das disposições da diretiva, sendo certo que compete ao referido órgão jurisdicional pronunciar-se, tendo em conta os referidos critérios, sobre a qualificação concreta de uma cláusula contratual particular em função das circunstâncias concretas do caso em apreço (acórdão de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing, C-137/08, Colet., p. I-10847, n.o 44). Daqui resulta que, na sua resposta, o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que este último deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula em causa.

23

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da diretiva, a apreciação do caráter abusivo das cláusulas não incide sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação do preço à remuneração, por um lado, e aos bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível. No entanto, esta exclusão não pode ser aplicada a uma cláusula relativa a um mecanismo de alteração dos custos dos serviços a fornecer ao consumidor.

24

Em relação a uma cláusula contratual que prevê uma alteração do custo total do serviço a fornecer ao consumidor, deve observar-se que, ao abrigo dos n.os 1, alíneas j) e l), e 2, alíneas b) e d), do anexo da diretiva, deve nomeadamente ser apresentado o motivo ou o processo de variação do referido custo, dispondo o consumidor do direito de resolver o contrato.

25

O referido anexo, para o qual remete o artigo 3.o, n.o 3, da diretiva, apenas contém uma lista indicativa e não exaustiva das cláusulas que podem ser declaradas abusivas (v. acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C-243/08, Colet., p. I-4713, n.os 37 e 38; acórdão VB Pénzügyi Lízing, já referido, n.o 42; e despacho de 16 de novembro de 2010, Pohotovosť, C-76/10, Colet., p. I-11557, n.os 56 e 58).

26

Apesar de o conteúdo do anexo em causa não ser suscetível de determinar automaticamente e por si só o caráter abusivo de uma cláusula controvertida, constitui, todavia, um elemento essencial com base no qual o órgão jurisdicional competente pode apreciar o caráter abusivo dessa cláusula. No caso em apreço, a leitura das disposições do anexo da diretiva, referidas no n.o 24 do presente acórdão, permite concluir que, para efeitos da apreciação do caráter abusivo de uma cláusula como a que está em causa no processo principal, é nomeadamente pertinente a questão de saber se os motivos ou o processo de variação dos custos associados ao serviço a fornecer eram especificados e se os consumidores dispunham do direito de resolver o contrato.

27

Além disso, por um lado, como resulta do vigésimo considerando da referida diretiva, o consumidor deve efetivamente ter a oportunidade de conhecer todas as cláusulas que figuram nas CG e as consequências das referidas cláusulas. Por outro lado, a obrigação de formular as cláusulas de forma clara e compreensível está enunciada no artigo 5.o da diretiva.

28

Por conseguinte, no contexto da apreciação do caráter «abusivo» na aceção do artigo 3.o da diretiva, assume uma importância essencial o facto de o consumidor poder prever, com base em critérios claros e compreensíveis, as alterações das CG, feitas por um profissional, respeitantes aos custos associados ao serviço a fornecer.

29

Quando certos aspetos do processo de variação dos custos associados ao serviço a fornecer são especificados pelas disposições legislativas ou regulamentares imperativas, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da diretiva, ou quando as referidas disposições preveem que o consumidor tem o direito de resolver o contrato, é essencial que o profissional informe o referido consumidor das ditas disposições.

30

Compete ao órgão jurisdicional nacional que se pronuncia sobre o processo relativo à ação inibitória, iniciado no interesse público, em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional, apreciar, nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 3, da diretiva, o caráter abusivo de uma cláusula como a que está em causa no processo principal. No âmbito desta apreciação, o referido órgão jurisdicional deve verificar, nomeadamente, se, à luz de todas as cláusulas que figuram nas CG dos contratos celebrados com os consumidores, de que faz parte a cláusula controvertida, bem como da legislação nacional que prevê os direitos e as obrigações que podem acrescer aos previstos pelas CG em causa, os motivos ou o processo de variação dos custos associados ao serviço a fornecer estão especificados de forma clara e compreensível e, caso seja necessário, se os consumidores dispõem do direito de resolver o contrato.

31

Tendo em conta as considerações precedentes, deve responder-se à segunda questão que compete ao órgão jurisdicional nacional que se pronuncia sobre o processo relativo à ação inibitória, iniciado no interesse público, em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional, apreciar, nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 3, da diretiva, o caráter abusivo de uma cláusula que figura nas CG dos contratos celebrados com os consumidores, através da qual um profissional prevê uma alteração unilateral dos custos associados ao serviço a fornecer, mas não descreve com clareza o modo de fixação dos referidos custos nem especifica um motivo válido para essa alteração. No âmbito desta apreciação, o referido órgão jurisdicional deve verificar, nomeadamente, se, à luz de todas as cláusulas que figuram nas CG dos contratos celebrados com os consumidores, de que faz parte a cláusula controvertida, bem como da legislação nacional que prevê os direitos e as obrigações que podem acrescer aos previstos pelas CG em causa, os motivos ou o processo de variação dos custos associados ao serviço a fornecer estão especificados de forma clara e compreensível e, caso seja necessário, se os consumidores dispõem do direito de resolver o contrato.

Quanto à primeira questão

32

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, por um lado, se o artigo 6.o, n.o 1, da diretiva, conjugado com o seu artigo 7.o, n.os 1 e 2, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a declaração de nulidade de uma cláusula abusiva que faz parte das CG dos contratos celebrados com os consumidores, no âmbito de uma ação inibitória, referida no artigo 7.o da dita diretiva, intentada contra um profissional, no interesse público e em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional, produza, em conformidade com a referida legislação, efeitos para todos os consumidores que tenham celebrado um contrato ao qual se aplicam as mesmas CG, incluindo para aqueles que não eram partes no processo relativo à ação inibitória, e, por outro lado, se os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados, também no futuro, a retirar oficiosamente daí todas as consequências previstas pelo direito nacional.

33

Para responder à primeira parte desta questão, importa, a título preliminar, recordar que o sistema de proteção instituído pela diretiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas (acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C-453/10, n.o 27 e jurisprudência citada).

34

Quanto às ações que envolvem um consumidor individual, o Tribunal de Justiça decidiu que, atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.o, n.o 1, da diretiva obriga os Estados-Membros a prever que as cláusulas abusivas, «nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, […] não vinculem o consumidor». Como resulta da jurisprudência, trata-se de uma disposição imperativa que tende a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigações dos contratantes por um equilíbrio real, suscetível de restabelecer a igualdade entre estes últimos (acórdão Pereničová e Perenič, já referido, n.o 28 e jurisprudência citada).

35

No que respeita às ações inibitórias intentadas no interesse público, como a que está em causa no processo principal, importa sublinhar que, apesar de a diretiva não pretender harmonizar as sanções aplicáveis caso seja reconhecido o caráter abusivo de uma cláusula no âmbito das referidas ações, o artigo 7.o, n.o 1, da diretiva obriga, todavia, os Estados-Membros a assegurar que existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.

36

Como resulta do n.o 2 dessa disposição, os meios acima referidos incluem a possibilidade de as pessoas ou as organizações que tenham um interesse legítimo em proteger os consumidores recorrerem aos tribunais para que estes determinem se as cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo e, se for necessário, obterem a sua proibição (v. acórdão de 24 de janeiro de 2002, Comissão/Itália, C-372/99, Colet., p. I-819, n.o 14).

37

A este respeito, importa acrescentar que a natureza preventiva e o objetivo dissuasor das ações inibitórias, bem como a sua independência em relação a qualquer conflito individual concreto, implicam que tais ações possam ser intentadas mesmo quando as cláusulas cuja proibição é pedida não tenham sido utilizadas em contratos determinados (v. acórdão Comissão/Itália, já referido, n.o 15).

38

A prossecução efetiva do referido objetivo exige que, como afirmou em substância a advogada-geral no n.o 51 das suas conclusões, as cláusulas das CG dos contratos celebrados com os consumidores declaradas abusivas no âmbito de uma ação inibitória intentada contra o respetivo profissional, como a que está em causa no processo principal, não vinculem os consumidores que são partes no processo relativo à ação inibitória nem aqueles que celebraram com esse profissional um contrato ao qual se aplicam as mesmas CG.

39

No processo principal, a legislação nacional prevê que a declaração de nulidade, por parte de um órgão jurisdicional, de uma cláusula abusiva que figura nas CG de contratos celebrados com os consumidores, se aplica a todos os consumidores que tenham celebrado um contrato com um profissional que utiliza essa cláusula. Como resulta dos elementos dos autos no processo principal, o litígio tem por objeto a utilização, pelo profissional em causa, das condições gerais que contêm a cláusula impugnada nos contratos celebrados com vários consumidores. A este respeito, deve declarar-se que, como afirmou a advogada-geral nos n.os 57 a 61 das suas conclusões, uma legislação nacional como a referida no presente número cumpre as exigências do artigo 6.o, n.o 1, conjugado com o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da diretiva.

40

Com efeito, a aplicação de uma sanção de nulidade de uma cláusula abusiva a todos os consumidores que celebraram um contrato de consumo a que se aplicam as mesmas CG garante que estes consumidores não estão vinculados pela referida cláusula, sem excluir, no entanto, outros tipos de sanções adequadas e eficazes previstas pelas legislações nacionais.

41

No que respeita à segunda parte da primeira questão, relativa às consequências que, no âmbito de uma ação inibitória, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a retirar da constatação do caráter abusivo de uma cláusula que faz parte das CG dos contratos celebrados com os consumidores, importa começar por recordar que a possibilidade de o órgão jurisdicional nacional apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual constitui um meio adequado para atingir o objetivo visado no seu artigo 7.o (v. acórdão de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro, C-168/05, Colet., p. I-10421, n.o 27 e jurisprudência citada). A natureza e a importância do interesse público em que assenta a proteção que a diretiva garante aos consumidores justificam, além disso, que o órgão jurisdicional nacional tenha de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual (v. acórdão Mostaza Claro, já referido, n.o 38).

42

Os órgãos jurisdicionais nacionais que constatem o caráter abusivo de uma cláusula das CG são obrigados, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da diretiva, a retirar todas as consequências que daí decorram segundo o direito nacional, para que a referida cláusula não vincule os consumidores (v. acórdão Pereničová e Perenič, já referido, n.o 30 e jurisprudência citada).

43

Daqui resulta que, quando o caráter abusivo de uma cláusula que faz parte das CG dos contratos celebrados com os consumidores tiver sido reconhecido no âmbito de uma ação inibitória como a que está em causa no processo principal, os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados, também no futuro, a retirar oficiosamente daí todas as consequências previstas pelo direito nacional, para que a referida cláusula não vincule os consumidores que tenham celebrado um contrato ao qual se aplicam as mesmas CG.

44

Face a estas considerações, importa responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da diretiva, conjugado com o seu artigo 7.o, n.os 1 e 2, deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que a declaração de nulidade de uma cláusula abusiva que faz parte das CG dos contratos celebrados com os consumidores, no âmbito de uma ação inibitória, referida no artigo 7.o da dita diretiva, intentada contra um profissional, no interesse público e em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional, produza, em conformidade com a referida legislação, efeitos para todos os consumidores que tenham celebrado com o profissional em causa um contrato ao qual se aplicam as mesmas CG, incluindo para os consumidores que não eram partes no processo relativo à ação inibitória;

quando o caráter abusivo de uma cláusula das CG tiver sido reconhecido no âmbito de tal processo, os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados, também no futuro, a retirar oficiosamente daí todas as consequências previstas pelo direito nacional, para que a referida cláusula não vincule os consumidores que tenham celebrado com o profissional em causa um contrato ao qual se aplicam as mesmas CG.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio que se pronuncia sobre o processo relativo à ação inibitória, iniciado no interesse público, em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional, apreciar, nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, o caráter abusivo de uma cláusula que figura nas condições gerais dos contratos celebrados com os consumidores, através da qual um profissional prevê uma alteração unilateral dos custos associados ao serviço a fornecer, mas não descreve com clareza o modo de fixação dos referidos custos nem especifica um motivo válido para essa alteração. No âmbito desta apreciação, o referido órgão jurisdicional deve verificar, nomeadamente, se, à luz de todas as cláusulas que figuram nas condições gerais dos contratos celebrados com os consumidores, de que faz parte a cláusula controvertida, bem como da legislação nacional que prevê os direitos e as obrigações que podem acrescer aos previstos pelas condições gerais em causa, os motivos ou o processo de variação dos custos associados ao serviço a fornecer estão especificados de forma clara e compreensível e, caso seja necessário, se os consumidores dispõem do direito de resolver o contrato.

 

2)

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, conjugado com o seu artigo 7.o, n.os 1 e 2, deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que a declaração de nulidade de uma cláusula abusiva que faz parte das condições gerais dos contratos celebrados com os consumidores, no âmbito de uma ação inibitória, referida no artigo 7.o da dita diretiva, intentada contra um profissional, no interesse público e em nome dos consumidores, por um organismo designado pela legislação nacional, produza, em conformidade com a referida legislação, efeitos para todos os consumidores que tenham celebrado com o profissional em causa um contrato ao qual se aplicam as mesmas condições gerais, incluindo para os consumidores que não eram partes no processo relativo à ação inibitória;

quando o caráter abusivo de uma cláusula das condições gerais dos contratos tiver sido reconhecido no âmbito de tal processo, os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados, também no futuro, a retirar oficiosamente daí todas as consequências previstas pelo direito nacional, para que a referida cláusula não vincule os consumidores que tenham celebrado com o profissional em causa um contrato ao qual se aplicam as mesmas condições gerais.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.