ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

3 de maio de 2012 ( *1 )

«Política social — Diretiva 2003/88/CE — Condições de trabalho — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Compensação financeira por motivo de doença — Funcionários (bombeiros)»

No processo C‑337/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Frankfurt am Main (Alemanha), por decisão de 25 de junho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2010, no processo

Georg Neidel

contra

Stadt Frankfurt am Main,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: M. Safjan, presidente de secção, E. Levits (relator) e A. Borg Barthet, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação de G. Neidel, por K. Schmidt‑Strunk, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, na qualidade de agente,

em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e M. van Beek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.° da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO L 299, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Neidel ao seu antigo empregador, a Stadt Frankfurt am Main (cidade de Francoforte do Meno), a propósito do direito do interessado a uma compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas no momento em que passou à situação de aposentado.

Quadro jurídico

Regulamentação da União

3

O artigo 1.° da Diretiva 2003/88, intitulado «Objeto e âmbito de aplicação», prevê:

«1.   A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.   A presente diretiva aplica‑se:

a)

Aos períodos mínimos de descanso [...] anuais [...];

[...]

3.   A presente diretiva é aplicável a todos os setores de atividade, privados e públicos, na aceção do artigo 2.° da Diretiva 89/391/CEE [do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO L 183, p. 1)], sem prejuízo do disposto nos artigos 14.°, 17.°, 18.° e 19.° da presente diretiva.

[...]»

4

O artigo 7.° da Diretiva 2003/88, sob a epígrafe «Férias anuais», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.   O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

5

O artigo 15.° desta diretiva, sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», dispõe:

«A presente diretiva não impede os Estados‑Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.»

6

O artigo 17.° da Diretiva 2003/88 prevê que os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações a certas disposições desta diretiva. Contudo, nenhuma derrogação é admitida no que respeita ao artigo 7.° da referida diretiva.

Regulamentação nacional

7

A Lei dos Funcionários do Land de Hesse (Hessisches Beamtengesetz) prevê, no seu § 106, que os funcionários têm direito a férias anuais remuneradas.

8

O § 50, n.o 1, desta lei dispõe:

«Os funcionários passam à situação de aposentados no final do mês em que completarem 65 anos (limite de idade).» Para os funcionários que pertençam a corporações profissionais de bombeiros, o limite de idade é fixado em 60 anos, em vez de 65 anos.

9

Por força do § 21, n.o 4, da Lei do Estatuto dos Funcionários nos Länder (Beamtenstatusgesetz), a qualidade de funcionário cessa com a passagem à situação de aposentação.

10

O Regulamento sobre as Férias Anuais do Land de Hesse (Hessische Urlaubsverordnung, a seguir «HUrlVO») precisa o início e o fim do ano de referência assim como a constituição e a extinção do direito a férias anuais.

11

O § 8, n.o 1, do HUrlVO prevê:

«[...] Quando o interessado perde a sua qualidade de funcionário, por ter atingido a idade legal da aposentação, o seu direito a férias corresponde a seis duodécimos do direito anual, caso a perda dessa qualidade se verifique na primeira metade do ano de referência, e à totalidade do direito anual, caso essa perda se verifique durante a segunda metade do ano.»

12

O n.o 2 do § 9 do HUrlVO, com a epígrafe «Gozo parcial e reporte de férias», tem a seguinte redação:

«As férias devem, em princípio, ser gozadas no ano do seu vencimento. O direito a férias caduca quando estas não tenham sido gozadas pelo funcionário no prazo de nove meses após o final do ano a que respeitam.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

G. Neidel, nascido em 2 de agosto de 1949, começou a trabalhar nos serviços da Stadt Frankfurt am Main em 1970. Aí desempenhou as funções de bombeiro e, posteriormente, de bombeiro principal. Beneficiava do estatuto de funcionário.

14

Desde 12 de junho de 2007 que G. Neidel se encontra em situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença. No final do mês de agosto de 2009, tendo completado 60 anos, aposentou‑se, e recebe, desde então, uma pensão mensal cujo montante ascende a 2463,24 euros.

15

Tendo em conta o facto de que a duração normal do trabalho semanal dos funcionários bombeiros ao serviço da Stadt Frankfurt am Main não corresponde aos cinco dias úteis semanais, G. Neidel tinha direito a 26 dias de férias por ano, de 2007 a 2009. Além disso, tinha direito a uma compensação calculada em horas por cada feriado que, no ano civil em causa, coincidisse habitualmente com um dia útil.

16

Atendendo a este regime, as partes no processo principal consideram que G. Neidel tinha direito, no total, a 31 dias de férias em 2007, a 35 dias em 2008 e a 34 dias em 2009. O recorrente gozou apenas 14 destes dias de férias, referentes ao ano de 2007. Tinha, portanto, direito a 86 dias de férias não gozadas, o que corresponde a um montante bruto de 16821,60 euros.

17

O pedido de G. Neidel no sentido de lhe ser paga uma compensação financeira desse montante pelas férias não gozadas foi indeferido por uma decisão da Stadt Frankfurt am Main, uma vez que o direito da função pública alemã não prevê uma compensação em dinheiro pelas férias não gozadas. Segundo a Stadt Frankfurt am Main, o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 não é aplicável aos funcionários públicos. Além disso, alega que a passagem à situação de aposentação não se enquadra no conceito de «cessação da relação de trabalho» na aceção da referida disposição.

18

O Verwaltungsgericht Frankfurt am Main, no qual G. Neidel interpôs recurso da referida decisão, tendo dúvidas sobre a exatidão da interpretação do artigo 7.° da Diretiva 2003/88 dada pela Stadt Frankfurt am Main, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 7.° da Diretiva 2003/88[...] também se aplica às relações de emprego público?

2)

O artigo 7.°, n.o 1, da Diretiva 2003/88[…] também abrange os direitos a férias ou períodos de descanso anuais, no caso de o direito nacional conceder esses direitos por um período superior a quatro semanas?

3)

O artigo 7.°, n.o 1, da Diretiva 2003/88[…] abrange igualmente os direitos a dias de licença adicionais que, nos termos do direito nacional, acrescem às férias anuais, com base na repartição irregular do tempo de trabalho, para compensar os dias feriados?

4)

Um funcionário público aposentado pode pedir uma compensação financeira por períodos de descanso e férias anuais não gozadas, invocando diretamente o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88[…], quando não tenha trabalhado por motivo de doença e, portanto, não tenha podido gozar as suas férias sob a forma de um direito a ausentar‑se do serviço?

5)

A extinção antecipada do direito a férias estabelecida pelo direito nacional pode ser oponível, pelo menos parcialmente, a esse direito a compensação financeira?

6)

O direito a uma compensação financeira fundado no artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88[…] abrange apenas o período mínimo de quatro semanas de férias garantido pelo seu artigo 7.°, n.o 1, ou o direito a uma compensação financeira abrange também o direito a férias adicionais previsto pelo direito nacional? Este direito a férias adicionais abrange também aqueles em que o direito de se ausentar do serviço resulta unicamente de uma repartição especial do tempo de trabalho?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

19

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 se aplica a um funcionário que exerça a atividade de bombeiro em condições normais.

20

A este respeito, há que recordar, antes de mais, que, nos termos do artigo 1.°, n.o 3, da Diretiva 2003/88, em conjugação com o artigo 2.° da Diretiva 89/391, para o qual remete, as referidas diretivas são aplicáveis a todos os setores de atividade, privados e públicos, a fim de promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho e de regular determinados aspetos da organização do seu tempo de trabalho.

21

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o âmbito de aplicação da Diretiva 89/391 deve ser concebido de forma ampla, de modo que as exceções a esse âmbito de aplicação, previstas no artigo 2.°, n.o 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva, devem ser de interpretação estrita (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2000, Simap, C-303/98, Colet., p. I-7963, n.os 34 e 35, e de 12 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C‑132/04, n.o 22). Com efeito, as referidas exceções foram adotadas com o único propósito de garantir o bom funcionamento dos serviços indispensáveis à proteção da segurança, da saúde e da ordem públicas, em circunstâncias de gravidade e de amplitude excecionais (acórdão de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C-397/01 a C-403/01, Colet., p. I-8835, n.o 55, e despacho de 7 de abril de 2011, May, C-519/09, Colet., p. I-2761, n.o 19).

22

Uma vez que nenhuma destas circunstâncias é pertinente no que se refere à situação de um funcionário como o demandante no processo principal, a atividade deste é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88 (v., neste sentido, despacho de 14 de julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg, C-52/04, Colet., p. I-7111, n.os 57 a 59).

23

Em seguida, impõe‑se recordar que, segundo jurisprudência assente, o conceito de «trabalhador», na aceção do artigo 45.° TFUE, tem um significado autónomo, não podendo ser de interpretação estrita. Deve ser considerado «trabalhador» qualquer pessoa que exerça atividades reais e efetivas, com exclusão de atividades de tal modo reduzidas que sejam puramente marginais e acessórias. A característica da relação laboral é, segundo essa jurisprudência, o facto de uma pessoa realizar durante certo tempo, em benefício de outra e sob a direção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., designadamente, acórdãos de 3 de julho de 1986, Lawrie‑Blum, 66/85, Colet., p. 2121, n.os 16 e 17; de 23 de março de 2004, Collins, C-138/02, Colet., p. I-2703, n.o 26; e de 7 de setembro de 2004, Trojani, C-456/02, Colet., p. I-7573, n.o 15).

24

A este respeito, deve observar‑se que a decisão de reenvio não contém nenhuma indicação que possa suscitar dúvidas quanto ao facto de a relação de trabalho entre G. Neidel e o seu empregador, a Stadt Frankfurt am Main, apresentar as características de uma relação laboral, enunciadas no n.o 23 do presente acórdão.

25

Por último, importa precisar que o Tribunal de Justiça declarou que, na falta de qualquer distinção na cláusula de exceção que figura no artigo 45.°, n.o 4, TFUE, relativa aos empregos na Administração Pública, é irrelevante saber se um trabalhador foi contratado na qualidade de operário, de empregado ou de funcionário, ou ainda se o seu vínculo profissional é regulado pelo direito público ou pelo direito privado. Com efeito, estas qualificações jurídicas variam consoante as legislações nacionais e não podem, portanto, fornecer um critério de interpretação adequado às exigências do direito da União (v. acórdão de 12 de fevereiro de 1974, Sotgiu, 152/73, Colet., p. 91, n.o 5).

26

Face às considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a um funcionário que exerce a atividade de bombeiro em condições normais.

Quanto à quarta questão

27

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que, na altura da passagem à situação de aposentado, um funcionário tem direito a uma compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas, quando não tenha trabalhado por motivo de doença.

28

A este respeito, importa lembrar que, como resulta da própria redação do artigo 7.°, n.o 1, da Diretiva 2003/88, disposição que a diretiva não permite derrogar, qualquer trabalhador tem direito a férias anuais remuneradas de, pelo menos, quatro semanas. Este direito a férias anuais remuneradas, que, segundo uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, deve ser considerado um princípio do direito social da União com particular importância, é portanto conferido a cada trabalhador (v. acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C-350/06 e C-520/06, Colet., p. I-179, n.o 54). Este conceito de «trabalhador» aplica‑se, tal como foi precisado na resposta dada à primeira questão, a um funcionário como o demandante no processo principal.

29

No momento da cessação da relação de trabalho, deixa de ser possível o gozo efetivo das férias anuais remuneradas. A fim de evitar que, devido a essa impossibilidade, seja excluído o gozo desse direito pelo trabalhador, mesmo que sob a forma pecuniária, o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 prevê que o trabalhador tem direito a uma compensação financeira (acórdão Schultz‑Hoff e o., já referido, n.o 56).

30

Deste modo, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais, no momento da cessação da relação de trabalho, nenhuma compensação financeira é paga por férias anuais remuneradas não gozadas a um trabalhador que tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas (acórdão Schultz‑Hoff e o., n.o 62).

31

No presente processo, a passagem de um funcionário à situação de aposentação põe termo à sua relação de trabalho, prevendo o direito nacional, além disso, como foi precisado no n.o 9 do presente acórdão, a perda da qualidade de funcionário no que a ele diz respeito.

32

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que um funcionário tem direito, no momento da sua passagem à situação de aposentado, a uma compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas, quando não tenha trabalhado por motivo de doença.

Quanto à segunda, terceira e sexta questões

33

Através destas questões, que devem ser analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional que concedem ao funcionário direito a férias remuneradas adicionais, que acrescem ao direito a férias anuais remuneradas de, no mínimo, quatro semanas, sem que esteja previsto o pagamento de uma compensação financeira quando o funcionário que passa à situação de aposentado não pôde beneficiar destes direitos adicionais por não ter podido trabalhar por motivo de doença.

34

A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2003/88 não se opõe a disposições do direito nacional que preveem um direito a férias anuais remuneradas, com duração superior a quatro semanas, conferido nas condições de obtenção e de concessão fixadas pelo referido direito nacional (acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, n.o 47).

35

Com efeito, decorre expressamente da redação dos artigos 1.°, n.os 1 e 2, alínea a), 7.°, n.o 1, e 15.° da Diretiva 2003/88 que o objeto desta se limita a estabelecer disposições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho que não afetam a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem disposições do direito nacional mais favoráveis à proteção dos trabalhadores (acórdão Dominguez, já referido, n.o 48).

36

Deste modo, como é permitido aos Estados‑Membros preverem, segundo a causa da ausência do trabalhador de baixa por doença, férias anuais remuneradas de duração superior ou igual ao período mínimo de quatro semanas garantido pela Diretiva 2003/88 (acórdão Dominguez, já referido, n.o 50), compete‑lhes, por um lado, decidir se concedem aos funcionários direitos a férias adicionais que acrescem ao direito a férias anuais remuneradas de, no mínimo, quatro semanas, prevendo ou não um direito do funcionário que passa à situação de aposentado a uma compensação financeira se este não pôde beneficiar destes direitos adicionais por não ter trabalhado por motivo de doença, e, por outro, fixar as condições dessa concessão.

37

Daqui decorre que há que responder à segunda, terceira e sexta questões que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições do direito nacional que concedem ao funcionário direito a férias remuneradas adicionais, que acrescem ao direito a férias anuais remuneradas de, no mínimo, quatro semanas, sem que esteja previsto o pagamento de uma compensação financeira quando o funcionário que passa à situação de aposentado não pôde beneficiar destes direitos adicionais por não ter podido trabalhar por motivo de doença.

Quanto à quinta questão

38

Na quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 se opõe a uma disposição do direito nacional que, através de um período de reporte de nove meses, findo o qual se extingue o direito a férias anuais remuneradas, limita o direito de um funcionário que passa à situação de aposentado cumular as compensações financeiras por férias anuais remuneradas não gozadas em razão de incapacidade para o trabalho.

39

A este respeito, observe‑se desde já que, no seu acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS (C-214/10, Colet., p. I-11757, n.o 35), o Tribunal de Justiça considerou que, no que diz respeito ao período de reporte para lá do qual o direito a férias anuais remuneradas se pode extinguir em caso de cumulação de direitos a férias anuais remuneradas, há que apreciar, tendo em conta o artigo 7.° da Diretiva 2003/88, se o referido período pode razoavelmente ser qualificado de período para lá do qual as férias anuais remuneradas perdem, na sua qualidade de tempo de descanso, o seu efeito positivo para o trabalhador.

40

Neste contexto, o Tribunal de Justiça recordou que o direito a férias anuais remuneradas não só se reveste de particular importância, enquanto princípio do direito social da União, como está expressamente consagrado no artigo 31.°, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, à qual o artigo 6.°, n.o 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados (acórdão KHS, já referido, n.o 37).

41

Daqui resulta que, a fim de respeitar esse direito, cujo objetivo é a proteção do trabalhador, qualquer período de reporte deve ter em conta as circunstâncias específicas nas quais se encontra o trabalhador incapacitado para o trabalho durante vários períodos de referência consecutivos. Assim, o referido período deve, designadamente, garantir ao trabalhador a possibilidade de dispor, caso o necessite, de períodos de descanso suscetíveis de ser escalonados, planificados e que estejam disponíveis a mais longo prazo, e ultrapassar substancialmente a duração do período de referência em relação ao qual tenha sido concedido (acórdão KHS, já referido, n.o 38).

42

Ora, no processo principal, o período de reporte fixado no artigo 9.°, n.o 2, da HUrlVO é de nove meses, ou seja, de duração inferior à do período de referência a que diz respeito.

43

Atentas as considerações que precedem, há que responder à quinta questão que o artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição do direito nacional que, através de um período de reporte de nove meses, findo o qual se extingue o direito a férias anuais remuneradas, limita o direito de um funcionário que passa à situação de aposentado cumular as compensações financeiras por férias anuais remuneradas não gozadas em razão de incapacidade para o trabalho.

Quanto às despesas

44

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.° da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a um funcionário que exerce a atividade de bombeiro em condições normais.

 

2)

O artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que um funcionário tem direito, no momento da sua passagem à situação de aposentado, a uma compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas, quando não tenha trabalhado por motivo de doença.

 

3)

O artigo 7.° da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições do direito nacional que concedem ao funcionário direito a férias remuneradas adicionais, que acrescem ao direito a férias anuais remuneradas de, no mínimo, quatro semanas, sem que esteja previsto o pagamento de uma compensação financeira quando o funcionário que passa à situação de aposentado não pôde beneficiar destes direitos adicionais por não ter podido trabalhar por motivo de doença.

 

4)

O artigo 7.°, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição do direito nacional que, através de um período de reporte de nove meses, findo o qual se extingue o direito a férias anuais remuneradas, limita o direito de um funcionário que passa à situação de aposentado cumular as compensações financeiras por férias anuais remuneradas não gozadas em razão de incapacidade para o trabalho.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.