Processo C-148/10

DHL International NV, anteriormente Express Line NV

contra

Belgisch Instituut voor Postdiensten en Telecommunicatie

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo hof van beroep te Brussel)

«Serviços postais – Procedimentos externos de tratamento das reclamações dos utilizadores – Directiva 97/67/CE – Artigo 19.° – Âmbito de aplicação – Carácter complementar das vias de recurso abertas pelo direito nacional ou da União – Margem de manobra dos Estados‑Membros – Limites – Artigo 49.° TFUE – Liberdade de estabelecimento»

Sumário do acórdão

1.        Livre prestação de serviços – Serviços postais – Directiva 97/67 – Obrigação de os prestadores de serviços postais integrados no serviço universal instituírem procedimentos externos de tratamento das reclamações dos utilizadores

(Directiva 97/67 do Parlamento Europeu e do Conselho, conforme alterada pelas Directivas 2002/39 e 2008/6, artigo 19.º)

2.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação nacional que impõe aos prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal a obrigação de instituírem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores

(Artigo 49.º TFUE)

1.        A Directiva 97/67, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, na sua versão inicial e nas suas versões alteradas pelas Directivas 2002/39 e 2008/6, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

Com efeito, a Directiva 97/67 não procede a uma harmonização completa dos procedimentos de tratamento das reclamações que prevê. Na sua versão inicial e nas suas versões alteradas, concebe os referidos procedimentos como um quadro mínimo que complementa as vias de recurso abertas pelo direito nacional ou da União. Por conseguinte, os Estados‑Membros têm uma margem de manobra para definir os procedimentos precisos e escolher o regime que melhor se adapta à respectiva situação, respeitando os limites e as orientações impostas por esta directiva e visando alargar os procedimentos de tratamento das reclamações a todos os prestadores dos serviços postais

(cf. n.os 35, 40, 47, 52 e disp. 1)

2.        O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

Com efeito, uma regulamentação desse tipo não comporta nenhuma restrição à liberdade de estabelecimento. Antes de mais, é aplicada, sem distinção quanto à nacionalidade, a todos os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal. Em seguida, os operadores não podem alegar que um Estado‑Membro não possui estruturas de protecção jurídica dos interesses dos seus clientes que ofereçam formas de resolução extrajudicial dos litígios. Por último, quase todos os Estados‑Membros têm igualmente alargado os sistemas externos de tratamento das reclamações aos prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal.

(cf. n.os 61, 62, 64 e disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

13 de Outubro de 2011 (*)

«Serviços postais – Procedimentos externos de tratamento das reclamações dos utilizadores – Directiva 97/67/CE – Artigo 19.° – Âmbito de aplicação – Carácter complementar das vias de recurso abertas pelo direito nacional ou da União – Margem de manobra dos Estados‑Membros – Limites – Artigo 49.° TFUE – Liberdade de estabelecimento»

No processo C‑148/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo hof van beroep te Brussel (Bélgica), por decisão de 23 de Março de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Março de 2010, no processo

DHL International NV, anteriormente Express Line NV,

contra

Belgisch Instituut voor Postdiensten en Telecommunicatie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský, R. Silva de Lapuerta (relatora), E. Juhász e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Março de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da DHL International NV, anteriormente Express Line NV, por F. Vandendriessche e J. Roets, advocaten,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, na qualidade de agente, assistida por F. Petillion, avocat, e J. Jansen, advocaat,

–        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e P. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de Maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), nomeadamente o artigo 19.° desta directiva, conforme alterada pela Directiva 2002/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Junho de 2002 (JO L 176, p. 21), e desta mesma directiva, conforme alterada pela Directiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Fevereiro de 2008 (JO L 52, p. 3), bem como do artigo 49.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DHL International NV, anteriormente Express Line NV (a seguir «Express Line»), ao Belgisch Instituut voor Postdiensten en Telecommunicatie (Instituto belga dos serviços postais e das telecomunicações, a seguir «IBPT»), a propósito do pagamento da taxa para o serviço de provedoria do sector postal ao qual a Express Line estaria obrigada.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O décimo e trigésimo quinto considerandos da Directiva 97/67 dispõem:

«(10) Considerando que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, deve ser estabelecido um quadro de princípios gerais a nível comunitário, cabendo a escolha de procedimentos precisos aos Estados‑Membros, que poderão escolher o regime que melhor se adapte à respectiva situação;

[…]

(35)      Considerando que a necessidade de melhoria da qualidade de serviço exige a resolução rápida e eficaz de litígios; que, como complemento das vias de recurso abertas pelo direito nacional ou comunitário, se deve estabelecer um processo de tratamento de reclamações que seja transparente, simples e pouco dispendioso e que permita fazer intervir todas as partes interessadas».

4        O artigo 2.°, n.os 1, 14 e 17, da Directiva 97/67 enuncia:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

1)      serviços postais, os serviços que consistem na recolha, triagem, transporte e distribuição dos envios postais;

[…]

14)      autorizações, permissões em que se definem os direitos e as obrigações específicos do sector postal e se permite às empresas a prestação de serviços postais e, eventualmente, o estabelecimento e/ou exploração das suas redes para a prestação desses serviços, sob a forma de ‘autorização geral’ ou ‘licença individual’, a seguir definidas:

‑      ‘autorização geral’, uma autorização que, independentemente de ser regida por uma ‘licença por categoria’ ou pela legislação geral e de essas normas exigirem ou não procedimentos de registo ou declaração, não impõe ao prestador de serviços postais em causa a obtenção de uma decisão expressa da autoridade reguladora nacional antes de exercer os direitos decorrentes dessa autorização,

‑      ‘licença individual’, uma autorização concedida por uma autoridade reguladora nacional que confere direitos específicos a um prestador de serviços postais, ou que submete as actividades desse prestador a obrigações específicas, complementando eventualmente a autorização geral, caso o prestador de serviços postais não esteja autorizado a exercer os direitos em causa antes de lhe ter sido comunicada a decisão da autoridade reguladora nacional.

[…]

17)      utilizador, qualquer pessoa singular ou colectiva beneficiária de uma prestação de serviço universal enquanto remetente ou destinatária.»

5        Segundo os artigos 3.° e 4.° da Directiva 97/67, os Estados‑Membros designam um ou mais prestadores do serviço universal, serviço esse que envolve uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território, a preços acessíveis a todos os utilizadores. No que respeita aos prestadores não designados, os Estados‑Membros podem introduzir, em conformidade com o artigo 9.° da Directiva 97/67, quer autorizações gerais, para os serviços postais não integrados no serviço universal, quer procedimentos de autorização, incluindo licenças individuais, para os serviços postais integrados no serviço universal.

6        Além disso, os Estados‑Membros podiam, em geral, reservar, até 31 de Dezembro de 2010, na medida necessária à manutenção do serviço universal, os serviços postais a um ou mais prestadores do serviço universal, em conformidade com o artigo 7.° da Directiva 97/67.

7        Nos termos do artigo 19.° da Directiva 97/67:

«Os Estados‑Membros devem assegurar o estabelecimento de processos transparentes, simples e pouco dispendiosos para o tratamento das reclamações dos utilizadores, nomeadamente em caso de extravio, furto ou roubo, deterioração ou não observância das normas de qualidade de serviço.

Os Estados‑Membros devem adoptar medidas para garantir que esses processos permitam resolver os litígios equitativa e prontamente, estabelecendo, sempre que preciso, um sistema de reembolso e/ou compensação.

Sem prejuízo de outras possibilidades de recurso previstas nas legislações nacional e comunitária, os Estados‑Membros devem assegurar a possibilidade de os utilizadores, agindo individualmente ou, caso o direito nacional o permita, em conjunto com as organizações representativas dos interesses dos utilizadores e/ou dos consumidores, apresentarem à autoridade nacional competente os casos em que as reclamações dos utilizadores ao prestador do serviço universal não tenham sido satisfatoriamente resolvidas.

Em conformidade com o artigo 16.°, os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores do serviço universal publiquem, juntamente com o relatório anual sobre o controlo do desempenho, as informações relativas ao número de reclamações e ao modo como foram tratadas.»

8        O vigésimo oitavo considerando da Directiva 2002/39 enuncia:

«Poderá ser conveniente que as autoridades reguladoras nacionais associem a introdução de licenças à exigência de que os utilizadores dos serviços prestados pelos titulares das licenças usufruam de processos transparentes, simples e pouco dispendiosos para o tratamento das reclamações, quer estas digam respeito aos serviços do prestador ou prestadores do serviço universal, quer aos serviços dos operadores autorizados, incluindo os detentores de licenças individuais. Convirá ainda que esses processos estejam à disposição dos utilizadores de todos os serviços postais, independentemente de constituírem, ou não, serviços universais. Tais processos deverão incluir mecanismos que permitam apurar a responsabilidade em caso de extravio ou deterioração dos envios postais.»

9        O artigo 19.° da Directiva 97/67, conforme alterada pela Directiva 2002/39, dispõe:

«Os Estados‑Membros devem assegurar o estabelecimento de processos transparentes, simples e pouco dispendiosos para o tratamento das reclamações dos utilizadores, nomeadamente em caso de extravio, furto ou roubo, deterioração ou não observância das normas de qualidade do serviço (incluindo procedimentos que permitam apurar a responsabilidade nos casos em que esteja envolvido mais de um operador).

Os Estados‑Membros podem prever que este princípio se aplique igualmente aos beneficiários dos serviços que estejam:

–        fora do âmbito do serviço universal definido no artigo 3.°, e

–        dentro do âmbito do serviço universal definido no artigo 3.°, mas que não sejam fornecidos pelo prestador do serviço universal.

Os Estados‑Membros devem adoptar medidas para garantir que os procedimentos referidos no primeiro parágrafo permitam resolver os litígios equitativa e prontamente, estabelecendo, sempre que preciso, um sistema de reembolso e/ou compensação.

Sem prejuízo de outras possibilidades de recurso previstas nas legislações nacional e comunitária, os Estados‑Membros devem assegurar a possibilidade de os utilizadores, agindo individualmente ou, caso o direito nacional o permita, em conjunto com as organizações representativas dos interesses dos utilizadores e/ou dos consumidores, apresentarem à autoridade nacional competente os casos em que as reclamações dos utilizadores ao prestador do serviço universal não tenham sido satisfatoriamente resolvidas.

Em conformidade com o artigo 16.°, os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores do serviço universal publiquem, juntamente com o relatório anual sobre o controlo do desempenho, as informações relativas ao número de reclamações e ao modo como foram tratadas.»

10      O quadragésimo segundo considerando da Directiva 2008/6 enuncia:

«(42) Em consonância com as regras vigentes noutros sectores de serviços e a fim de reforçar a defesa do consumidor, é conveniente alargar a aplicação de princípios mínimos relativos aos procedimentos de reclamação para além dos prestadores do serviço universal. A fim de aumentar a eficácia dos procedimentos de tratamento de reclamações, importa incentivar o recurso a procedimentos de resolução extrajudiciais, tal como estabelecido na Recomendação 98/257/CE da Comissão, de 30 de Março de 1998, relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo [JO L 115, p. 31], e na Recomendação 2001/310/CE da Comissão, de 4 de Abril de 2001, relativa aos princípios aplicáveis aos organismos extrajudiciais envolvidos na resolução consensual de litígios do consumidor [JO L 109, p. 56]. Os interesses dos consumidores seriam também favorecidos pelo reforço da interoperabilidade entre os operadores, resultante do acesso a determinados elementos de infra‑estruturas e serviços, e pelo requisito de cooperação entre as autoridades reguladoras nacionais e os organismos de defesa do consumidor.

A fim de proteger os interesses dos utilizadores em caso de furto ou roubo, perda ou deterioração de envios postais, os Estados‑Membros deverão criar, sempre que tal se justifique, um sistema de reembolso e/ou compensação.»

11      O artigo 2.°, n.° 17, da Directiva 97/67, conforme alterada pela Directiva 2008/6, enuncia:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

17)      utilizador, qualquer pessoa singular ou colectiva beneficiária de uma prestação de serviço postal enquanto remetente ou destinatária.»

12      O artigo 19.° da Directiva 97/67, conforme alterada pela Directiva 2008/6, enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que todos os prestadores de serviços postais proporcionem procedimentos transparentes, simples e económicos para o tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços, designadamente em caso de extravio, furto ou roubo, deterioração ou não cumprimento das normas de qualidade do serviço (incluindo procedimentos que permitam apurar a responsabilidade nos casos em que estejam envolvidos vários operadores), sem prejuízo das disposições nacionais e internacionais aplicáveis aos regimes de indemnização.

Os Estados‑Membros devem tomar medidas para garantir que os procedimentos referidos no primeiro parágrafo permitam resolver os litígios equitativa e prontamente, prevendo, sempre que se justifique, um sistema de reembolso e/ou compensação.

Os Estados‑Membros devem também incentivar o desenvolvimento de regimes extrajudiciais independentes para a resolução de litígios entre os prestadores de serviços postais e os utilizadores.

2.      Sem prejuízo de outras possibilidades de recurso ou compensação previstas na legislação nacional e comunitária, os Estados‑Membros devem criar condições para que os utilizadores, agindo individualmente ou, caso o direito nacional o permita, em conjunto com as organizações representativas dos interesses dos utilizadores e/ou dos consumidores, possam levar à apreciação da autoridade nacional competente os casos em que as reclamações dos utilizadores às empresas prestadoras de serviços no âmbito do serviço universal não tenham sido satisfatoriamente resolvidas.

Em conformidade com o artigo 16.°, os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores do serviço universal e, sempre que adequado, as empresas prestadoras de serviços no âmbito do serviço universal publiquem, juntamente com o relatório anual sobre o controlo do desempenho, informações sobre o número de reclamações e o modo como foram tratadas.»

 Direito nacional

13      A Lei de 21 de Março de 1991, relativa à reforma de certas empresas públicas (Belgisch Staatsblad, de 27 de Março de 1991, p. 6155), conforme alterada pelo Decreto Real de 9 de Junho de 1999 (Belgisch Staatsblad, de 18 de Agosto de 1999, p. 30697), transpôs, entre outras normas, a Directiva 97/67 para o ordenamento jurídico belga.

14      Esta lei designa um prestador do serviço universal e reserva, para esse prestador, determinados serviços postais. A prestação de um serviço postal não reservado que integra o serviço universal depende da concessão de uma licença individual. Além disso, a prestação de um serviço postal não integrado no serviço universal depende, entre outras condições, da apresentação de uma declaração no IBPT.

15      A referida lei, conforme alterada pela Lei de 21 de Dezembro de 2006, que contém diversas disposições tendo em vista a criação de um serviço de provedoria para o sector postal e que altera a Lei de 13 de Junho de 2005 relativa às comunicações electrónicas (Belgisch Staatsblad, de 23 de Janeiro de 2007, p. 2965, a seguir «Lei de 1991»), dispõe no seu artigo 43.° ter:

«§ 1. É criado, junto do [IBPT], um serviço de provedoria para o sector postal competente para os assuntos relativos aos utilizadores das empresas seguintes:

1°      [prestador do serviço universal];

2°      empresas prestadoras de serviços postais […] que estão sujeitas à obrigação de licença […];

3°      empresas prestadoras de serviços postais […] que estão sujeitas à obrigação de declaração […].

Os assuntos relativos aos utilizadores são assuntos que dizem respeito aos interesses dos próprios utilizadores que os próprios serviços postais não oferecem.

[…]

§ 3. O serviço de provedoria para o sector postal está incumbido das seguintes missões:

1°      examinar todas as reclamações dos utilizadores relacionadas com:

a)      as actividades [do prestador do serviço universal] […]

b)      as actividades postais das empresas a que se refere o § 1, 2° e 3°, do presente artigo.

2°      Para efeitos da aplicação deste capítulo, entende‑se por actividades postais:

[…]

3°      proceder como intermediário para facilitar uma resolução amigável dos litígios entre as empresas a que se refere o § 1 do presente artigo e os utilizadores;

4°      emitir recomendações endereçadas às empresas a que se refere o § 1 do presente artigo quando não seja possível alcançar uma resolução amigável, devendo ser enviada cópia da recomendação ao queixoso;

5°      informar tão completamente quanto possível os utilizadores que, por escrito ou oralmente, recorrem a esse serviço sobre os respectivos direitos e interesses;

6°      emitir, a pedido do Ministro que tutela o sector postal ou do Ministro que tutela a protecção dos consumidores ou do [IBPT] e das telecomunicações ou do comité consultivo para os serviços postais, pareceres no âmbito das suas missões;

7°      colaborar com:

a)      outras comissões sectoriais independentes de litígios ou provedores independentes[…];

b)      provedores estrangeiros ou instâncias com função equivalente, que actuem enquanto instância de recurso para o tratamento das queixas que são da competência do serviço de provedoria para o sector postal.

Se for necessário, os protocolos de colaboração podem ser celebrados pelo Ministro que tutela a protecção do consumo.

§ 4.      As reclamações dos utilizadores finais só são admissíveis depois de ter sido apresentada uma reclamação segundo o procedimento interno da empresa em questão. As reclamações dos utilizadores finais são inadmissíveis quando anónimas ou quando não tenham sido apresentadas por escrito no serviço de provedoria para o sector postal.

[…]

§ 5.      O serviço de provedoria para o sector postal pode, no âmbito de uma reclamação que lhe seja apresentada, tomar conhecimento, no local, dos livros, da correspondência, das actas e, em termos gerais, de todos os documentos e de todos os escritos da empresa ou das empresas em causa directamente relacionados com o objecto da reclamação, exceptuando os elementos abrangidos pelo segredo de correspondência. Pode requerer dos organismos da administração e do pessoal das empresas em questão quaisquer explicações ou informações e proceder a quaisquer verificações que sejam necessárias para a sua apreciação.

A informação assim obtida é tratada confidencialmente quando a divulgação possa, em termos gerais, prejudicar a empresa.

Nos limites das suas atribuições, o serviço de provedoria não recebe instruções de nenhuma autoridade.

A apreciação de uma reclamação termina quando seja objecto de um recurso jurisdicional.

§ 6.      A empresa em questão dispõe de um prazo de vinte dias úteis para fundamentar a sua decisão caso não siga a recomendação referida no § 3, 4.°, do presente artigo. A decisão fundamentada é enviada ao queixoso e ao serviço de provedoria.

Após expiração do prazo acima referido, o serviço de provedoria notifica a empresa em questão. Esta dispõe de um novo prazo de vinte dias úteis para fundamentar a sua decisão caso não siga a recomendação referida no § 3, 4°, do presente artigo. A decisão fundamentada é enviada ao queixoso e ao serviço de provedoria.

O desrespeito do prazo referido obriga a empresa em questão a aplicar o parecer quanto à compensação específica e pessoal ao queixoso em questão.

§ 7.      Quando a reclamação de um utilizador seja declarada admissível pelo serviço de provedoria para o sector postal, o operador deverá suspender o processo de cobrança por um período máximo de 4 meses contados da apresentação da reclamação no serviço de provedoria ou até que o serviço de provedoria para o sector postal emita uma recomendação ou até se chegar a uma resolução amigável do litígio.»

16      O artigo 45.° ter da Lei de 1991 regula o financiamento do serviço de provedoria para o sector postal, estabelecendo uma «taxa de provedoria» anual a pagar ao IBPT pelas empresas referidas no artigo 43.° ter, n.° 1, desta lei, cujo volume de negócios é superior a 500 000 euros.

17      O montante da taxa devida é determinado anualmente pelo IBPT de acordo com uma fórmula que, no essencial, tem em conta, por um lado, o volume de negócios que a empresa em causa obteve no ano anterior com as actividades que integram o âmbito da competência do serviço de provedoria e, por outro, o número de reclamações contra essa empresa tratadas no ano anterior pelo serviço de provedoria. As taxas não pagas findo o prazo fixado dão lugar, de pleno direito, ao pagamento de juros legais agravados em 2%.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      A Express Line faz parte do grupo de empresas DHL, cuja sede social se situa em Bona (Alemanha). A actividade da Express Line consiste, nomeadamente, na oferta de serviços de correio expresso, ou seja, segundo afirma, no transporte individualizado de documentos, pacotes, paletes ou contentores por via aérea ou rodoviária.

19      No início de 2006, o IBPT intimou a Express Line e outras empresas de correio especial e de correio expresso a pedirem uma licença individual ou a procederem a uma declaração, nos termos das disposições pertinentes da Lei de 1991, em relação ao fornecimento de serviços que o IBPT considerava serviços postais não reservados integrados no serviço universal, ou serviços postais não integrados no serviço universal.

20      Em 23 de Novembro de 2006, a Express Line efectuou, em conformidade com a Lei de 1991, para certos serviços que oferecia, uma declaração relativa à prestação de serviços postais não integrados no serviço universal. No entanto, a sua declaração foi feita sob reserva expressa de não aceitação da qualificação dos seus serviços de correio expresso de «serviços postais».

21      Por carta de 11 de Julho de 2007, o IBPT informou a Express Line de que esta estava abrangida pelo serviço de provedoria e de que estava sujeita à taxa de provedoria e solicitou‑lhe informações para efeitos do cálculo do montante da sua contribuição.

22      Por carta registada, a Express Line manteve a sua posição, contestando o facto de estar sujeita ao serviço de provedoria do sector postal e, consequentemente, obrigada ao pagamento da taxa que serve para financiar esse serviço. Sustenta que os seus serviços de correio expresso não são serviços postais, mas serviços de transporte e logística de valor acrescentado destinados às empresas.

23      Em 13 de Novembro de 2008, o IBPT concluiu que a Express Line tinha cometido uma infracção à Lei de 1991 e intimou‑a a comunicar‑lhe as informações necessárias para o cálculo do montante da taxa de provedoria de que é devedora, sob pena de lhe ser aplicada uma coima. A Express Line recorreu dessa intimação para o órgão jurisdicional de reenvio.

24      Foi neste contexto que o hof van beroep te Brussel (Tribunal de Recurso de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As disposições da Directiva 97/67[…], na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2002/39[…], e, entre outros, o seu artigo 19.°, também tendo em conta as alterações introduzidas pela Directiva 2008/6[…], que deverão ser transpostas para o direito nacional até 31 de Dezembro de 2010, devem ser entendidas e interpretadas no sentido de que não é permitido aos Estados‑Membros impor aos prestadores de serviços postais não universais a obrigatoriedade de um regime de reclamação externo porque:

a)      no que diz respeito aos procedimentos de reclamação aplicáveis com vista à protecção dos utilizadores de serviços postais, a directiva procede a uma harmonização completa; ou porque,

b)      no âmbito da Directiva 2002/39[…], esta obrigação só foi imposta ao prestador do serviço universal e, desde a Directiva 2008/6[…], a todos os prestadores de serviço universal e, de acordo com o artigo 19.°, n.° 1, [terceiro] parágrafo, da Directiva [97/67, conforme alterada pela Directiva] 2008/6[…], os Estados‑Membros devem apenas incentivar e não impor o desenvolvimento de regimes independentes para a resolução de litígios entre os prestadores de serviços postais não universais e os utilizadores finais?

2)      Se a resposta [dada] à primeira questão for a de que a directiva postal, em si mesma, não se opõe a que os Estados‑Membros imponham aos prestadores de serviços postais não universais a obrigatoriedade de um regime de reclamação externo, conforme previsto no artigo 19.°, n.° 2, primeiro parágrafo, [da Directiva 97/67, conforme alterada pela Directiva 2008/6], para os prestadores de serviços postais universais, devem os princípios da livre prestação de serviços [artigos 49.° CE e seguintes, actuais artigos 56.° TFUE e seguintes] ser interpretados no sentido de que são compatíveis com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia as restrições à livre prestação de serviços introduzidas por um Estado‑Membro com base em razões imperiosas de interesse geral relativas à protecção dos consumidores, que consistem na sujeição dos prestadores de serviços postais não universais à obrigatoriedade de um regime de reclamação externo, conforme previsto no artigo 19.°, n.° 2, primeiro parágrafo, [da Directiva 97/67, conforme alterada pela Directiva 2008/6], para os prestadores de serviços postais universais, mesmo que a aplicação do regime de reclamação em questão não distinga consoante se trate de reclamações de consumidores ou de outros utilizadores finais, e os utilizadores destes serviços (in casu serviços expressos e de correio especial) sejam, na sua grande maioria, utilizadores profissionais?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

25      No entender da Express Line, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio deveria ter colocado ao Tribunal de Justiça uma questão suplementar que expressamente se recusou a colocar, ou seja, se o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que considera que os serviços postais incluem não apenas os serviços que consistem cumulativamente na recolha, triagem, transporte e distribuição dos envios postais mas também os serviços que consistem numa ou em várias dessas operações.

26      Por outro lado, a recorrente no processo principal considera que, por ter desistido dos fundamentos relativos ao direito da União no litígio no processo principal, o reenvio prejudicial ficou desprovido de objecto.

27      A este propósito, recorde‑se que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, conforme está prevista no artigo 267.° TFUE, cabe unicamente ao juiz nacional, que é chamado a conhecer do litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a proferir, apreciar, à luz das particularidades do caso que lhe foi submetido, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 7 de Janeiro de 2003, BIAO, C‑306/99, Colect., p. I‑1, n.° 88; de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, Colect., p. I‑11987, n.° 16; e de 2 de Abril de 2009, Pedro IV Servicios, C‑260/07, Colect., p. I‑2437, n.° 28).

28      A faculdade de determinar as questões a submeter ao Tribunal de Justiça está assim reservada ao juiz nacional e as partes não lhes podem alterar o conteúdo. Por outro lado, uma alteração da substância das questões prejudiciais ou uma resposta às questões complementares mencionadas pelos recorrentes no processo principal nas suas observações seria incompatível com o papel reservado ao Tribunal de Justiça pelo artigo 267.° TFUE e com a obrigação do Tribunal de Justiça de assegurar aos governos dos Estados‑Membros e às partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo em conta que, por força dessa disposição, só as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (v. acórdão de 15 de Outubro de 2009, Hochtief e Linde‑Kca‑Dresden, C‑138/08, Colect., p. I‑9889, n.os 21, 22 e jurisprudência aí referida).

29      Além disso, apesar de o Tribunal de Justiça não se poder pronunciar quando o processo perante o juiz de reenvio tiver terminado (acórdão de 16 de Julho de 1992, Lourenço Dias, C‑343/90, Colect., p. I‑4673, n.° 18), o artigo 267.° TFUE também não permite ao Tribunal de Justiça apreciar o interesse actual da questão colocada, no âmbito do processo perante o juiz nacional, mesmo na presença de alterações do direito interno que afectam o caso em apreço (acórdão de 14 de Dezembro de 1971, Politi, 43/71, Recueil, p. 1039, n.° 3, Colect., p. 419).

30      No presente caso, por um lado, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não admitiu a necessidade nem a pertinência de uma questão relativa ao carácter cumulativo ou alternativo das operações referidas no conceito de «serviços postais», na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 97/67, o Tribunal de Justiça não pode efectuar uma análise a esse respeito.

31      Por outro lado, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não retirou formalmente o seu pedido de decisão prejudicial, não obstante o pedido da recorrente no processo principal nesse sentido, e que o processo principal não foi encerrado, deve concluir‑se que a resposta do Tribunal de Justiça às questões colocadas por esse órgão jurisdicional continua a ser necessária para que este possa proferir a sua decisão.

 Quanto à primeira questão

32      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 97/67, tendo em conta as alterações introduzidas pelas Directivas 2002/39 e 2008/6, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

33      A título preliminar, há que assinalar que a Directiva 97/67, tanto na sua versão inicial como na que resulta das alterações introduzidas pelas Directivas 2002/39 e 2008/6, prevê, no seu artigo 19.°, dois tipos de procedimento de tratamento das reclamações dos utilizadores dos serviços postais, a saber, um procedimento interno junto do prestador dos serviços e um procedimento externo junto da autoridade nacional competente.

34      O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à possibilidade de se consagrar a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem o procedimento externo de tratamento das reclamações, dado que, segundo esse órgão jurisdicional, a Directiva 97/67 procede a uma harmonização completa no que diz respeito aos procedimentos de tratamento das reclamações e só impôs essa obrigação ao prestador do serviço universal a seguir às alterações introduzidas pela Directiva 2002/39 e a todos os outros prestadores de serviços postais integrados no serviço universal a seguir às alterações introduzidas pela Directiva 2008/6.

35      A este respeito, deve assinalar‑se, em primeiro lugar, que, contrariamente ao que considera o órgão jurisdicional de reenvio, a Directiva 97/67 não procede a uma harmonização completa dos procedimentos de tratamento das reclamações que prevê.

36      Com efeito, por um lado, conforme resulta do décimo considerando da Directiva 97/67, esta apresenta‑se como um quadro de princípios gerais adoptado ao nível da União, cabendo a escolha de procedimentos precisos aos Estados‑Membros (acórdão de 11 de Março de 2004, Asempre e Asociación Nacional de Empresas de Externalización y Gestión de Envíos y Pequeña Paquetería, C‑240/02, Colect., p. I‑2461, n.° 30), os quais poderão escolher o regime que melhor se adapte à respectiva situação.

37      Por outro lado, essa falta de harmonização completa é ainda mais evidente no que diz respeito aos procedimentos de tratamento das reclamações previstos pela Directiva 97/67.

38      Assim, resulta do trigésimo quinto considerando e do artigo 19.° da Directiva 97/67, tanto na versão inicial como nas versões ulteriores, que os procedimentos de tratamento das reclamações, que devem ser transparentes, simples e económicos, por um lado, visam a melhoria da qualidade do serviço prevendo a resolução rápida, equitativa e eficaz dos eventuais litígios e, por outro, complementam as vias de recurso abertas pelo direito nacional ou da União.

39      Em segundo lugar, as outras dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativas à conformidade da Lei de 1991 com a Directiva 97/67 são de excluir porque também não correspondem ao conteúdo das disposições pertinentes desta directiva, tanto na versão inicial como nas suas versões alteradas, quanto aos procedimentos de tratamento das reclamações.

40      Com efeito, a Directiva 97/67 manteve sempre o carácter complementar dos referidos procedimentos em relação às vias de recurso abertas pelo direito nacional e, por conseguinte, a margem de manobra dos Estados‑Membros a este respeito. Apesar de as alterações introduzidas nesta directiva terem progressivamente restringido essa margem de manobra, deve assinalar‑se que os limites e as orientações assim impostos visam alargar os procedimentos de tratamento das reclamações a todos os prestadores dos serviços postais.

41      Desse modo, antes de mais, nos termos dos artigos 2.°, n.° 17, e 19.°, primeiro e terceiro parágrafos, da Directiva 97/67, os Estados‑Membros devem assegurar o estabelecimento dos procedimentos internos e externos de tratamento das reclamações, pelo prestador do serviço universal, relativos apenas às prestações do referido serviço. A obrigação que recaía sobre os Estados‑Membros limitava‑se, pois, a essas prestações e ao referido prestador, dispondo, todavia, os referidos Estados de uma margem de manobra que lhes permitia abrir outras vias de recurso.

42      Em seguida, a Directiva 2002/39 aditou um novo parágrafo ao referido artigo 19.°, segundo o qual os Estados‑Membros podiam prever que o «princípio» que consiste em assegurar que o estabelecimento dos procedimentos de tratamento das reclamações seria igualmente aplicado aos beneficiários de serviços que não integram o serviço universal ou que, estando integrados nesse serviço, não eram fornecidos pelo prestador do serviço universal.

43      No essencial, uma vez que os termos do terceiro parágrafo do artigo 19.°, na sua versão inicial, não foram alterados, a obrigação e a margem de manobra dos Estados‑Membros, evocadas no n.° 41 do presente acórdão, permaneceram as mesmas nessas duas versões da Directiva 97/67. Todavia, como resulta do vigésimo oitavo considerando da Directiva 2002/39, as alterações incorporadas no artigo 19.° da Directiva 97/67 tinham por objectivo incentivar os Estados‑Membros a alargarem os procedimentos internos de tratamento das reclamações aos utilizadores do conjunto dos serviços postais, quer se trate ou não de serviços universais e que o prestador dos referidos serviços seja o prestador do serviço universal ou o titular de uma autorização.

44      Por último, a Directiva 2008/6 alterou, nomeadamente, o artigo 2.°, n.° 17, da Directiva 97/67 e o artigo 19.°, primeiro parágrafo, desta directiva, conforme alterada pela Directiva 2002/39, prevendo o estabelecimento, para todos os prestadores de serviços postais, de procedimentos internos de tratamento das reclamações dos utilizadores, passando estes a ser definidos como qualquer pessoa singular ou colectiva beneficiária de uma prestação de serviço postal.

45      O artigo 19.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Directiva 97/67, conforme alterada pela Directiva 2008/6, que é uma disposição nova, prevê que os Estados‑Membros devem incentivar igualmente a instauração de sistemas independentes de resolução amigável dos litígios entre os prestadores de serviços postais e os utilizadores. O n.° 2, primeiro parágrafo, do referido artigo contém igualmente uma obrigação nova pois alarga o procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores às empresas que fornecem serviços postais integrados no serviço universal.

46      Conforme resulta do quadragésimo segundo considerando da Directiva 2008/6, essas alterações visam alargar a aplicação dos princípios mínimos relativos ao tratamento das reclamações para além dos prestadores do serviço universal.

47      Daqui decorre que a Directiva 97/67, na sua versão inicial e nas suas versões alteradas, concebe os procedimentos de tratamento de reclamações que prevê como um quadro mínimo que complementa as vias de recurso abertas pelo direito nacional ou da União, e que, por conseguinte, os Estados‑Membros têm uma margem de manobra para definir os procedimentos precisos e escolher o regime que melhor se adapta à respectiva situação, respeitando os limites e as orientações impostas por esta directiva.

48      Tais limites e orientações consistem, antes de mais, na obrigação de assegurar a instauração dos procedimentos internos e externos de tratamento das reclamações por um ou mais prestadores do serviço universal, obrigação já prevista na versão inicial da Directiva 97/67.

49      Em seguida, a Directiva 97/67 impôs a obrigação de garantir a instauração dos procedimentos internos, por todos os prestadores dos serviços postais, e externos, pelas empresas que fornecem os serviços postais integrados no serviço universal, obrigação introduzida pela Directiva 2008/6, completando a orientação já estabelecida na Directiva 2002/39.

50      Por último, resulta da Directiva 97/67 a obrigação de incentivar a instauração de sistemas independentes de resolução amigável dos litígios entre os prestadores de serviços postais e os utilizadores, obrigação introduzida pela Directiva 2008/6.

51      Assim, uma regulamentação nacional, como a Lei de 1991, que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços, não só não se opõe à Directiva 97/67, tanto na versão inicial como nas versões alteradas, como responde, por outro lado, à obrigação prevista nesta última, desde que foi alterada pela Directiva 2008/6, de incentivar a instauração de sistemas independentes de resolução amigável dos litígios entre os prestadores de serviços postais e os utilizadores.

52      Por conseguinte, há que responder à primeira questão submetida que a Directiva 97/67, na sua versão inicial e nas suas versões conforme alteradas pelas Directivas 2002/39 e 2008/6, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

 Quanto à segunda questão

53      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

54      A título preliminar, deve salientar‑se que, apesar de a Express Line ser uma sociedade de direito belga, integra, no entanto, o grupo de empresas DHL, cuja sede social se situa na Alemanha. Além disso, não decorre da decisão de reenvio ou dos antecedentes do litígio no processo principal que este possa ter origem numa prestação de serviços particular entre dois ou mais Estados‑Membros.

55      Nestas condições, a liberdade que está em causa no processo principal não é a livre prestação de serviços, mas a liberdade de estabelecimento. Por conseguinte, a segunda questão submetida deve ser entendida no sentido de que pretende apurar se o artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que, como a Lei de 1991, consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

56      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a obrigação de se sujeitar a esse procedimento constituiria uma restrição à liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal originários de Estados‑Membros diferentes do Reino da Bélgica e que neste se pretendem estabelecer. Ora, apesar de a referida restrição poder ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral de protecção dos consumidores, o artigo 49.° TFUE não permite a consagração da obrigatoriedade do referido procedimento em relação a litígios que digam respeito a serviços postais como o correio expresso, em que a grande maioria dos utilizadores são profissionais.

57      A este propósito, cumpre observar que, como se recordou no n.° 35 do presente acórdão, a Directiva 97/67 não procede a uma harmonização completa relativamente aos procedimentos de tratamento das reclamações dos utilizadores dos serviços postais e que, por conseguinte, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de manobra a esse respeito, dentro dos limites que decorrem do direito da União.

58      Em relação à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro, deve recordar‑se que, em conformidade com jurisprudência constante, tal liberdade comporta o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, bem como o direito à constituição e à gestão de empresas nas condições definidas pela legislação do Estado‑Membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais (v. acórdão de 1 de Outubro de 2009, Gaz de France – Berliner Investissement, C‑247/08, Colect., p. I‑9225, n.° 54 e jurisprudência aí referida).

59      No que diz respeito às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sede social, a administração central ou o estabelecimento principal no interior da União Europeia, essa liberdade compreende, em conformidade com o artigo 54.° TFUE, o direito de exercerem a sua actividade no Estado‑Membro em questão por intermédio de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v., designadamente, acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Saint‑Gobain ZN, C‑307/97, Colect., p. I‑6161, n.° 35; de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, Colect., p. I‑7995, n.° 41; e de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C‑524/04, Colect., p. I‑2107, n.° 36).

60      O Tribunal de Justiça recordou em diversas ocasiões que o artigo 49.° TFUE se opõe a qualquer medida nacional que, mesmo que seja aplicável sem distinção quanto à nacionalidade, é susceptível de perturbar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado e que tais efeitos restritivos se podem produzir quando, em razão de uma regulamentação nacional, uma sociedade pode ser dissuadida de criar entidades subordinadas, como um estabelecimento estável, noutros Estados‑Membros e de exercer a sua actividade por intermédio destas entidades (acórdão de 11 de Março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, Colect., p. I‑2055, n.os 43, 44 e jurisprudência aí referida).

61      No caso em apreço, a medida em causa não comporta nenhuma restrição à liberdade de estabelecimento.

62      Com efeito, antes de mais, essa medida é aplicada, sem distinção quanto à nacionalidade, a todos os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal estabelecido na Bélgica. Em seguida, como observou o advogado‑geral no n.° 77 das suas conclusões, os operadores não podem alegar que um Estado‑Membro não possui estruturas de protecção jurídica dos interesses dos seus clientes que ofereçam formas de resolução extrajudicial dos litígios. Por último, quase todos os Estados‑Membros têm igualmente alargado os sistemas externos de tratamento das reclamações aos prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal.

63      Nestas condições, não se pode validamente sustentar que o simples facto de consagrar a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços é susceptível de perturbar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado.

64      Por conseguinte, há que responder à segunda questão submetida que o artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      A Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, na sua versão inicial e nas suas versões conforme alteradas pelas Directivas 2002/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Junho de 2002, e 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Fevereiro de 2008, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

2)      O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que consagra a obrigatoriedade de os prestadores de serviços postais não integrados no serviço universal utilizarem um procedimento externo de tratamento das reclamações dos utilizadores desses serviços.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.