Processo C‑79/10

Systeme Helmholz GmbH

contra

Hauptzollamt Nürnberg

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)

«Directiva 2003/96/CE – Tributação dos produtos energéticos e da electricidade – Artigo 14.°, n.° 1, alínea b) – Isenção dos produtos energéticos utilizados como carburante ou combustível para a navegação aérea – Utilização de uma aeronave para fins não comerciais – Alcance»

Sumário do acórdão

1.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Tributação dos produtos energéticos e da electricidade – Isenção dos produtos energéticos utilizados como carburante ou combustível para a navegação aérea com excepção da aviação de recreio privada – Alcance

[Directiva 2003/96 do Conselho, artigo 14.°, n.° 1,alínea b)]

2.        Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Tributação dos produtos energéticos e da electricidade – Isenção dos carburantes utilizados no domínio do fabrico, projecto, ensaio e manutenção de aeronaves – Alcance

[Directiva 2003/96 do Conselho, artigo 15.°, n.° 1, alínea j)]

1.        O artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade, deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto sobre carburante utilizado para a navegação aérea prevista por esta disposição não pode beneficiar uma empresa, que, a fim de desenvolver os seus negócios, utiliza um avião de sua propriedade para assegurar as deslocações dos membros do seu pessoal para visitar clientes ou participar em feiras comerciais, na medida em que essas deslocações não servem directamente para a prestação de serviços aéreos a título oneroso por esta empresa.

(cf. n.° 33, disp. 1)

2.        O artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade, deve ser interpretado no sentido de que os carburantes utilizados para efectuar voos de ida e volta a uma oficina de manutenção aeronáutica não são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição.

(cf. n.° 39, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

1 de Dezembro de 2011 (*)

«Directiva 2003/96/CE – Tributação dos produtos energéticos e da electricidade – Artigo 14.°, n.° 1, alínea b) – Isenção dos produtos energéticos utilizados como carburante ou combustível para a navegação aérea – Utilização de uma aeronave para fins não comerciais – Alcance»

No processo C‑79/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 1 de Dezembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Fevereiro de 2010, no processo

Systeme Helmholz GmbH

contra

Hauptzollamt Nürnberg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, A. Prechal (relatora), L. Bay Larsen, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: K. Sztranc‑Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Maio de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Systeme Helmholz GmbH, por G. Real, Wirtschaftsprüfer/Steuerberater,

–        em representação do Hauptzollamt Nürnberg, por S. Junker, Regierungsdirektor, e D. Jakobs, Prozessbevollmächtigter,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues, B. Cabonat e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo cipriota, por E. Symeonidou, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 11.°, n.° 3, 14.°, n.° 1, alínea b), e 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade (JO L 283, p. 51).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Systeme Helmholz GmbH (a seguir «Systeme Helmholz») ao Hauptzollamt Nürnberg (autoridade aduaneira de Nuremberga, a seguir «Hauptzollamt») a propósito da recusa deste último de reembolsar à Systeme Helmholz o imposto sobre os óleos minerais que recaiu sobre o carburante destinado a um avião desta sociedade, com o fundamento de que esta última não é uma empresa de transporte aéreo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O vigésimo terceiro considerando da Directiva 2003/96 tem a seguinte redacção.

«As obrigações internacionais vigentes e a salvaguarda da posição concorrencial das empresas comunitárias aconselha a que sejam mantidas as isenções aplicáveis aos produtos energéticos fornecidos para fins de navegação aérea e marítima, com exclusão dos destinados a actividades privadas de lazer, devendo porém ser facultada aos Estados‑Membros a possibilidade de limitar essas isenções.»

4        O artigo 11.°, n.° 3, desta directiva prevê:

«Em caso de utilização mista, a carga tributária será proporcional a cada tipo de utilização; todavia, nos casos em que uma das utilizações, quer a profissional, quer a não profissional, seja insignificante, essa utilização pode ser considerada nula.»

5        O artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da referida directiva dispõe:

«Para além das disposições gerais previstas na Directiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correcta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:

[…]

b)      Produtos energéticos fornecidos para utilização como carburantes para a navegação aérea, com excepção da aviação de recreio privada.

Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘aviação de recreio privada’ a utilização de uma aeronave pelo seu proprietário ou por uma pessoa singular ou colectiva que a possa utilizar mediante aluguer ou a outro título, para fins não comerciais e, em especial, para fins que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas.

Os Estados‑Membros podem limitar o âmbito desta isenção aos fornecimentos de carburreactores (jet fuel) (código NC 2710 19 21).»

6        Nos termos do artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros podem aplicar, sob controlo fiscal, isenções totais ou parciais ou reduções do nível de tributação aos seguintes produtos:

[…]

j)      Carburantes utilizados no domínio do fabrico, projecto, ensaio e manutenção de aeronaves e navios.»

 Direito nacional

7        Na Alemanha, as disposições nacionais relativas à isenção fiscal dos óleos minerais figuram na Lei relativa ao imposto sobre os óleos minerais (Mineralölsteuergesetz), de 21 de Dezembro de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 2185), na sua versão aplicável em 2004, ano do litígio (a seguir «MinöStG»), e no Regulamento de aplicação da lei relativa ao imposto sobre os óleos minerais (Mineralölsteuer‑Durchführungsverordnung), de 15 de Setembro de 1993 (BGBl. 1993 I, p. 1602), na versão aplicável em 2004.

8        O § 4 da MinöStG dispunha, nomeadamente:

«Isenções fiscais, definições

(1)      Sem prejuízo do disposto no § 12, o consumo de óleos minerais pode ser isento de imposto se estes forem utilizados:

[…]

3.      como carburantes na navegação aérea

a) pelas companhias aéreas que asseguram o transporte comercial de pessoas e de bens ou a prestação de serviços a título oneroso,

b) em aeronaves das autoridades públicas e das forças armadas, em missões oficiais, e dos serviços de socorro aéreo, em missões de socorro.

Constituem carburantes utilizados na navegação aérea, na acepção desta lei, o querosene para aeronaves da subposição 2710 0026, com índice de octanas teórico igual ou superior a 100, carburreactores, tipo gasolina (óleos leves), da subposição 2710 0037 e carburreactores (óleos médios e pesados), da subposição 2710 0051, todas da Nomenclatura Combinada, desde que utilizados em aeronaves;

[…]»

9        O § 12 da MinöStG tem a seguinte redacção:

«Autorização

Quem pretenda

1.      utilizar ou vender (distribuir) a terceiros, para fins abrangidos por benefícios fiscais, ou,

2.      enquanto utilizador ou distribuidor,

a)      introduzir em território situado fora da área sujeita à regulamentação comunitária do imposto especial sobre o consumo (Estado terceiro) ou

b)      introduzir noutro Estado‑Membro da Comunidade Europeia, para fins comerciais ou no âmbito da venda por correspondência,

óleos minerais que se encontrem abrangidos por benefícios fiscais, nos termos do § 3, n.os 1 a 3, 5 e 7, do § 4 ou do § 32, n.os 1 e 2, necessita de autorização

[…]»

10      O § 50, n.° 1, do Regulamento de aplicação da lei relativa ao imposto sobre os óleos minerais, na sua versão aplicável em 2004, dispunha:

«Reembolso ou restituição do imposto sobre os carburantes para a navegação aérea:

(1)      O imposto que recai sobre os carburantes para a navegação aérea, que tenham sido adquiridos no território fiscal com pagamento do imposto e que tenham sido utilizados em voos isentos, é reembolsado ou restituído, a requerimento, às companhias aéreas e às demais entidades nos termos do § 4, n.° 1, ponto 3, da lei […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      A Systeme Helmholz explora uma empresa de desenvolvimento e distribuição de componentes electrónicos e de programas informáticos. É também proprietária de um avião que o seu gerente utiliza tanto para fins privados como para efectuar voos para visitar outras sociedades e para se deslocar a feiras comerciais, bem como para efectuar voos de manutenção e de formação. A sociedade não dispõe de licença de exploração nos termos da lei alemã da navegação aérea (Luftverkehrsgesetz), licença essa obrigatória para as empresas de transporte aéreo na Alemanha.

12      A Systeme Helmholz mantinha um registo mensal da utilização do avião no qual a data, o trajecto, a duração e o objecto do voo eram consignados. Solicitou, em 16 de Dezembro de 2005, o reembolso do imposto sobre os óleos minerais relativo a uma quantidade total de 2 358 litros de combustível de avião, correspondendo a um montante de 1 700,12 euros, por voos para fins profissionais efectuados em 2004 na Alemanha, entre os quais figuravam também voos de ida e volta a uma oficina de manutenção aeronáutica, bem como voos de formação.

13      Por decisão de 9 de Fevereiro de 2006, o Hauptzollamt indeferiu este pedido de reembolso, com o fundamento de que a Systeme Helmholz não era uma empresa de transporte aéreo.

14      Tendo o Hauptzollamt, por decisão de 12 de Abril de 2006, julgado improcedente a reclamação apresentada pela Systeme Helmholz na sequência desse indeferimento de reembolso, a sociedade recorreu para o Finanzgericht München. Esse órgão jurisdicional considerou que, relativamente aos voos efectuados com fins profissionais – com excepção dos voos de manutenção e de formação –, a Systeme Helmholz tinha direito ao reembolso do imposto sobre os óleos minerais, com base no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, da Directiva 2003/96. Segundo o Finanzgericht München, não é possível deduzir desta disposição que a isenção se limita às empresas de transporte aéreo. A utilização de um avião no quadro do transporte por conta da empresa, com o objectivo de desenvolver os seus negócios, tem um objectivo comercial, razão pela qual estavam reunidos os requisitos previstos pelo direito comunitário para beneficiar de uma isenção.

15      Em contrapartida, o Finanzgericht München considerou que os voos relacionados com a manutenção e a verificação das capacidades de funcionamento do aparelho, bem como a formação, não podiam obter o benefício fiscal previsto pela Directiva 2003/96. Segundo esse órgão jurisdicional, na realidade, o artigo 15.°, n.° 1, alínea j), desta directiva prevê unicamente a possibilidade de reembolso para os carburantes consumidos por ocasião da manutenção do aparelho. Além disso, os voos de manutenção e de formação não são voos com fins comerciais, pois são efectuados tanto por motivos privados como por motivos profissionais, não apresentando uma ligação directa com as actividades da empresa. Recusa igualmente que se possa recorrer ao mecanismo da repartição proporcional, uma vez que o artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96 não prevê tal possibilidade.

16      Tanto a Systeme Helmholz como o Hauptzollamt interpuseram recurso de «Revision» dessa decisão para o Bundesfinanzhof, a primeira com o fundamento de que a decisão lhe recusa a isenção para os voos de manutenção e de formação, e o segundo na medida em que esta decisão isentou a Systeme Helmholz do imposto sobre o carburante consumido no contexto de voos efectuados pela referida sociedade por conta própria.

17      Nestas circunstâncias, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 14.°, n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, da Directiva 2003/96[…] deve ser interpretado no sentido de que a exclusão da aviação de recreio privada do âmbito da isenção implica que só deva ser aplicada isenção a produtos energéticos fornecidos para utilização como carburantes para a navegação aérea a companhias aéreas ou a isenção abrange todos os carburantes utilizados na navegação aérea, desde que o uso da aeronave sirva objectivos relacionados com o exercício de uma actividade profissional?

2)      O artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96[…] deve ser interpretado no sentido de que também se aplica ao carburante necessário para que uma aeronave realize os voos de ida e volta até uma oficina aeronáutica ou a possibilidade de concessão do benefício só se aplica a empresas cujo negócio principal consista no fabrico, projecto, ensaio ou manutenção de aeronaves?

3)      O artigo 11.°, n.° 3, da Directiva 2003/96[…] deve ser interpretado no sentido de que, em relação aos voos de manutenção e de formação, realizados por uma aeronave utilizada tanto a título privado como a título profissional, se deve aplicar, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96[…], no que respeita ao carburante consumido naqueles voos?

4)      Caso se responda negativamente à terceira questão: pode concluir‑se, a partir da inaplicabilidade do artigo 11.°, n.° 3, da Directiva 2003/96[…] no âmbito do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96[…], que, em caso de utilização mista de uma aeronave, que, portanto, é utilizada tanto a título privado como a título profissional, não deve ser concedida isenção a voos de manutenção e de formação?

5)      Caso se responda afirmativamente à terceira questão ou caso resulte igual consequência jurídica de outra norma contida na Directiva 2003/96[…], quais são os critérios e qual é o período de referência que devem ser tidos em consideração na determinação da parte proporcional a cada tipo de utilização, na acepção do artigo 11.°, n.° 3, da Directiva 2003/96[…], no caso de voos de manutenção e de formação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a isenção fiscal prevista pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96 é aplicável a uma empresa como a que está em causa no processo principal, cujo objecto social não inclui o sector da navegação aérea e que, para desenvolver os seus negócios, utiliza um avião de sua propriedade para assegurar as deslocações dos membros do seu pessoal para visitar clientes ou participar em feiras comerciais.

19      Para responder a esta questão, importa salientar que as disposições relacionadas com as isenções, previstas pela Directiva 2003/96, devem ser objecto de uma interpretação autónoma, com base na sua letra e nos objectivos prosseguidos pela referida directiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de Abril de 2004, Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft, C‑389/02, Colect., p. I‑3537, n.° 19; de 1 de Março de 2007, Jean de Nul, C‑391/05, Colect., p. I‑1793, n.° 22; e de 11 de Novembro de 2011, Sea Fighter, C‑505/10, Colect., p. I‑0000, n.° 14).

20      No que respeita, em primeiro lugar, aos termos do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96, o seu primeiro parágrafo prevê uma isenção fiscal para «produtos energéticos fornecidos para utilização como carburantes para a navegação aérea, com excepção da aviação de recreio privada». O seu segundo parágrafo define, em seguida, o conceito de «aviação de recreio privada», de forma negativa, como sendo «a utilização de uma aeronave […] para fins não comerciais e, em especial, para fins que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas».

21      Ora, decorre da expressão «que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso» que a navegação aérea abrangida pelo âmbito de aplicação desta isenção visa as utilizações de carburante em que a aeronave serve directamente para a prestação de serviços aéreos a título oneroso. Assim, o conceito de «navegação» exige que a prestação de serviços a título oneroso seja inerente às deslocações da aeronave (v., neste sentido, acórdão Sea Fighter, já referido, n.° 18).

22      Esta interpretação do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96 é, de resto, corroborada pelos trabalhos preparatórios. Com efeito, na sua proposta de directiva, que conduziu à adopção da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), a Comissão Europeia tinha como objectivo, com a introdução de uma isenção do imposto sobre o carburante utilizado para a navegação aérea, «alargar à totalidade da aviação comercial a isenção actualmente aplicada ao carburante utilizado para voos comerciais internacionais» [COM(90) 434 final]. Segundo a Comissão, «[essa isenção devia permitir] tratar da mesma forma o transporte aéreo entre dois pontos da Comunidade, o que [colocava] a tónica na descompartimentação do mercado interno. O carburante utilizado na aviação privada [devia] ser sujeito ao imposto, como [era já] geralmente o caso». A Comissão distinguiu, portanto, para efeitos da isenção fiscal do carburante utilizado para a navegação aérea, a aviação comercial da aviação privada.

23      Em segundo lugar, decorre da finalidade da Directiva 2003/96, segundo a qual os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos, que a mesma não visa instaurar isenções de carácter geral (v., neste sentido, acórdão Sea Fighter, já referido, n.° 21).

24      Por outro lado, decorre do vigésimo terceiro considerando da Directiva 2003/96 que o artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da mesma tem como fundamento o respeito pelas obrigações internacionais e pela salvaguarda da posição concorrencial das empresas comunitárias.

25      No que toca às obrigações internacionais, como observa a Comissão, esta referência respeita principalmente às isenções fiscais sobre os produtos energéticos destinados à aviação civil, da qual beneficiam as companhias aéreas, com base na Convenção sobre Aviação Civil Internacional, assinada em Chicago, em 7 de Dezembro de 1944 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 15, p. 296), e nos acordos bilaterais internacionais de serviços aéreos concluídos entre a União Europeia e/ou os seus Estados‑Membros e Estados terceiros e entre os próprios Estados‑Membros.

26      Relativamente à salvaguarda da posição concorrencial das empresas comunitárias, como observam o Governo cipriota e a Comissão, a posição concorrencial a que o vigésimo terceiro considerando da Directiva 2003/96 faz alusão diz principalmente respeito à posição relativa das companhias aéreas da Comunidade e de países terceiros. Com efeito, a instituição de um imposto sobre o carburante utilizado para os voos intracomunitários ou internacionais efectuados pelas empresas aéreas europeias reduziria de forma significativa a posição concorrencial dessas empresas relativamente às empresas de transporte aéreo de Estados terceiros.

27      Resulta destas considerações que as operações de navegação aérea efectuadas por uma empresa como a Systeme Helmholz, que consistem em transportar o seu pessoal para visitar clientes ou participar em feiras comerciais, mediante a utilização de um avião de que é proprietária, não podem ser equiparadas à utilização de uma aeronave para fins comerciais, na acepção e para a aplicação do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96, não sendo, portanto, abrangidas pela isenção fiscal para o carburante utilizado para a navegação aérea prevista por esta disposição, na medida em que se trata de operações de navegação aérea que não servem directamente para a prestação de um serviço aéreo a título oneroso.

28      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de existir uma certa divergência entre as diferentes versões linguísticas do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, desta directiva relativamente às operações de navegação aérea excluídas do benefício da isenção fiscal prevista por esta disposição. Enquanto numerosas versões linguísticas utilizam termos que parecem direccionados exclusivamente para actividades de lazer, como é o caso das versões francesa e inglesa, que fazem referência ao conceito de «aviação de turismo privado» («aviation de tourisme privée», «private pleasure‑flying»), a versão alemã da dita directiva utiliza, pelo menos no texto da própria disposição, o conceito de «aviação privada não comercial» («private nichtgewerbliche Luftfahrt») que parece remeter para actividades não comerciais no seu conjunto.

29      No entanto, estes conceitos divergentes são expressamente definidos no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 2003/96 como a «utilização de uma aeronave [...] para fins não comerciais e, em especial, para fins que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas». Ora, é com base nesta definição que há que interpretar o alcance da isenção fiscal prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96.

30      Por último, a conclusão que figura no n.° 27 do presente acórdão não pode ser posta em causa pelos acórdãos, já referidos, Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft e Jan De Nul. Com efeito, nesses processos, o carburante para o qual era solicitada uma isenção fiscal alimentava navios que serviam directamente para a prestação de serviços a título oneroso. Assim, no n.° 28 do acórdão Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft, já referido, o Tribunal declarou, no que respeita às operações da Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft eG, que consistiam em organizar funerais em alto mar, para os quais utilizava três navios preparados para o efeito, que «não [era] contestado que [essas operações] constituem prestações de serviço a título oneroso». Por outro lado, no n.° 40 do acórdão Jan De Nul, já referido, o Tribunal especificou que as manobras efectuadas por uma draga portadora durante as operações de sucção e descarga de materiais, isto é, as deslocações inerentes à execução das actividades de dragagem, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do conceito de «navegação», na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea c), primeiro parágrafo, da Directiva 92/81.

31      É neste contexto que se deve compreender o n.° 23 do acórdão Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft, já referido, no qual o Tribunal declarou que «toda a operação de navegação para fins comerciais entra no âmbito de aplicação da isenção do imposto», assim como o n.° 25 do referido acórdão, no qual o Tribunal precisou que a Directiva 92/81 não comporta qualquer distinção quanto ao objecto da navegação visada e que as distorções da concorrência que as disposições da referida directiva visam evitar podem ocorrer seja qual for o tipo de navegação comercial que está em causa. Assim, o objecto do trajecto efectuado é irrelevante para a aplicação da isenção fiscal quando a navegação comporte uma prestação de serviços a título oneroso (acórdão Sea Fighter, já referido, n.° 17).

32      Em contrapartida, no processo principal, as deslocações profissionais dos membros do pessoal da Systeme Helmholz, no avião pertencente a esta sociedade, para visitar clientes e participar em feiras comerciais, com o fim de desenvolver os seus negócios, isto é, o desenvolvimento e a distribuição de componentes electrónicos ou de programas informáticos, não servem directamente para a prestação de serviços aéreos a título oneroso por esta empresa.

33      Há, portanto, que responder à primeira questão que o artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto sobre o carburante utilizado para a navegação aérea prevista por esta disposição não pode beneficiar uma empresa, como a que está em causa no processo principal, que, a fim de desenvolver os seus negócios, utiliza um avião de sua propriedade para assegurar as deslocações dos membros do seu pessoal para visitar clientes ou participar em feiras comerciais, na medida em que essas deslocações não servem directamente para a prestação de serviços aéreos a título oneroso por esta empresa.

 Quanto à segunda questão

34      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a isenção fiscal prevista no artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96 se aplica exclusivamente aos carburantes utilizados por empresas que se dedicam ao fabrico, ao desenvolvimento, à realização de testes e à manutenção de aeronaves ou se essa isenção abrange igualmente os carburantes utilizados por um avião para efectuar os voos de ida e volta para uma oficina de manutenção aeronáutica.

35      O artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96 dispõe que os Estados‑Membros podem aplicar, sob controlo fiscal, isenções totais ou parciais ou reduções do nível de tributação aos carburantes utilizados no domínio do fabrico, projecto, ensaio e manutenção de aeronaves e navios.

36      No que respeita, em primeiro lugar, à redacção desta disposição, resulta da sua formulação, nomeadamente da utilização dos termos «bei der» na versão alemã, «field» na versão inglesa e «domaine» na versão francesa, que o benefício da isenção fiscal prevista pelo artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96 é reservado a utilizações de carburante por empresas que se dedicam precisamente às actividades ali mencionadas.

37      No que toca, em segundo lugar, à economia geral da Directiva 2003/96, embora a isenção obrigatória do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), desta directiva tenha por objectivo encorajar fiscalmente as utilizações de carburante para a navegação aérea com fins comerciais, o artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da dita directiva prevê, em contrapartida, uma isenção facultativa que visa encorajar especificamente um certo número de actividades comerciais às quais se dedicam os construtores de aviões e as oficinas de manutenção aeronáutica, que implicam, nomeadamente, o consumo de carburante no solo, sendo certo que nenhuma dessas actividades faz parte do domínio de actividades habitual das empresas que operam no sector da navegação aérea.

38      Daqui se conclui que o artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da referida directiva não visa os carburantes consumidos por uma aeronave para efectuar os voos de ida e volta a uma oficina de manutenção aeronáutica.

39      Por conseguinte, há que responder à segunda questão prejudicial que o artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que os carburantes utilizados para efectuar voos de ida e volta a uma oficina de manutenção aeronáutica não são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição.

 Quanto à terceira a quinta questões

40      Com a terceira a quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se, no caso de uma utilização mista de uma aeronave, para fins privados e profissionais, há que conceder uma isenção proporcional à utilização profissional para o carburante utilizado para efectuar voos de manutenção ou de formação e, na afirmativa, em que critérios e períodos de referência há que se basear para determinar a proporção respectiva de utilização.

41      Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder a estas questões prejudiciais.

 Quanto às despesas

42      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade, deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto sobre carburante utilizado para a navegação aérea prevista por esta disposição não pode beneficiar uma empresa, como a que está em causa no processo principal, que, a fim de desenvolver os seus negócios, utiliza um avião de sua propriedade para assegurar as deslocações dos membros do seu pessoal para visitar clientes ou participar em feiras comerciais, na medida em que essas deslocações não servem directamente para a prestação de serviços aéreos a título oneroso por esta empresa.

2)      O artigo 15.°, n.° 1, alínea j), da Directiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que os carburantes utilizados para efectuar voos de ida e volta a uma oficina de manutenção aeronáutica não são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.