Processo C‑31/10
Minerva Kulturreisen GmbH
contra
Finanzamt Freital
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)
«Sexta Directiva IVA – Artigo 26.° – Regime especial das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos – Âmbito de aplicação – Venda de bilhetes de ópera, sem prestações adicionais»
Sumário do acórdão
Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Regime especial das agências de viagens
(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 26.°)
O artigo 26.° da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica à venda isolada de bilhetes de ópera por uma agência de viagens, sem fornecimento de uma prestação de viagem.
Com efeito, esta disposição institui uma excepção ao regime geral relativamente à base tributável no que respeita a determinadas operações das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos e, enquanto excepção ao regime normal da Sexta Directiva, este artigo só pode ser aplicado na medida necessária para alcançar o seu objectivo.
A aplicação desse regime especial a uma actividade em que a agência de viagens se limita à venda de bilhetes para espectáculos, sem fornecer prestações de viagem, acarretaria uma distorção da concorrência, atendendo a que uma mesma actividade seria tributada de forma diferente consoante o operador económico que vende os referidos bilhetes seja uma agência de viagens ou não.
(cf. n.os 16, 24‑25 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
9 de Dezembro de 2010 (*)
«Sexta Directiva IVA – Artigo 26.° – Regime especial das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos – Âmbito de aplicação – Venda de bilhetes de ópera sem prestações adicionais»
No processo C‑31/10,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 10 de Dezembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de Janeiro de 2010, no processo
Minerva Kulturreisen GmbH
contra
Finanzamt Freital,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator), M. Ilešič, E. Levits e M. Safjan, juízes,
advogado‑geral: P. Mengozzi,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Minerva Kulturreisen GmbH, por P. Fröhler, A. Kellner e B. Juschten,
– em representação do Finanzamt Freital, por V. Rummer,
– em representação do Governo alemão, por J. Möller e C. Blaschke, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo helénico, por K. Georgiadis, C. Poulakos e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por D. Triantafyllou, na qualidade de agente,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 26.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Minerva Kulturreisen GmbH (a seguir «Minerva») ao Finanzamt Freital (a seguir «Finanzamt»), relativamente à aplicação do regime especial das agências de viagens previsto no artigo 26.° da Sexta Directiva à venda isolada de bilhetes de ópera por uma agência de viagens sem prestação de serviços adicionais.
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
3 O artigo 26.°, n.os 1 e 2, sob a epígrafe «Regime especial das agências de viagens», da Sexta Directiva, aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, dispõe:
«1. Os Estados‑Membros aplicarão o imposto sobre o valor acrescentado às operações das agências de viagens, nos termos do presente artigo, quando as agências actuarem em nome próprio perante o cliente e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e serviços de outros sujeitos passivos. O presente artigo não se aplica às agências de viagens que actuem unicamente na qualidade de intermediário[,] às quais é aplicável o disposto em A), 3, c), do artigo 11.° Para efeitos do disposto no presente artigo, são igualmente considerad[o]s agências de viagens os organizadores de circuitos turísticos.
2. As operações efectuadas por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao viajante. Esta prestação de serviços será tributada no Estado‑Membro em que a agência de viagens tem a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual é efectuada a prestação de serviços. Considera‑se matéria colectável e preço líquido de imposto desta prestação de serviços, na acepção do n.° 3, alínea b), do artigo 22.°, a margem da agência de viagens, isto é, a diferença entre o montante total líquido de imposto sobre o valor acrescentado pago pelo viajante e o custo efectivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas [e] às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que tais operações se efectuem em benefício directo do viajante.»
Legislação nacional
4 O § 25 da Lei alemã do imposto sobre o volume de negócios de 1993 (Umsatzsteuergesetz 1993, BGBl. 1993 I, p. 565, a seguir «UStG») prevê:
«1. As disposições seguintes são aplicáveis às prestações de viagem de um empresário, que não se destinam à empresa do destinatário da prestação, na medida em que o empresário, ao prestar esses serviços, actue em nome próprio relativamente ao destinatário da prestação e utilize, para a realização da viagem, prestações intermediárias. A prestação do empresário é considerada uma outra prestação. […] As prestações intermediárias de viagem são fornecimentos e outros serviços prestados por terceiros, que aproveitam directamente ao viajante.
2. […]
3. O valor da outra prestação é calculado com base na diferença entre o montante que o destinatário da prestação paga para obter a prestação e o montante que o empresário paga pelas prestações intermediárias de viagem. O imposto sobre o volume de negócios não integra a base de tributação. […]
[…]»
Litígio no processo principal e questão prejudicial
5 A Minerva explora uma agência de viagens. Nomeadamente comprou, entre 1993 e 1998, bilhetes para espectáculos de ópera da Sächsische Staatsoper de Dresden (Semperoper) e revendeu‑os em nome próprio e por sua conta a clientes finais e a agências de viagens, quer associados a serviços prestados por ela própria, a saber, serviços como alojamento, visitas guiadas à cidade, serviços de vaivém ou restauração, quer sem esses serviços.
6 A Minerva entendeu que os rendimentos provenientes da venda isolada dos referidos bilhetes para espectáculos estavam igualmente sujeitos à tributação sobre a margem, nos termos do § 25 da UStG. A dita actividade da Minerva foi tributada sem aplicação desse regime fiscal.
7 O Finanzamt indeferiu a reclamação da Minerva contra os avisos de liquidação de 28 de Setembro de 2000 relativos aos anos de 1993 a 1997 e contra o aviso de liquidação de 27 de Março de 2001 relativo ao ano de 1998, com o fundamento de que, quando compra e revende bilhetes para espectáculos, a Minerva não presta um serviço de «realização de uma viagem», pelo que a sua actividade não se distingue da dos profissionais da venda de bilhetes para espectáculos.
8 Por decisão de 11 de Fevereiro de 2008, o Sächsisches Finanzgericht perfilhou a posição do Finanzamt e, por isso, negou provimento ao recurso interposto pela Minerva da decisão de indeferimento proferida por este.
9 A Minerva interpôs no órgão jurisdicional de reenvio recurso de «Revision» daquela decisão. A única questão que ainda se coloca nesse órgão jurisdicional é a de saber se a venda de bilhetes a compradores finais sem prestação de serviços adicionais está sujeita à tributação sobre a margem, nos termos do § 25 da UStG.
10 Para fundamentar o recurso de «Revision», a Minerva alega que a venda de bilhetes para espectáculos por uma agência de viagens deve ser considerada uma «prestação intermediária de viagem» na acepção do § 25 da UStG, pois a venda dos referidos bilhetes constitui, segundo a Minerva, uma prestação que faz parte do seu catálogo de diversas possibilidades de viagens e de prestações de viagem.
11 Em face do acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1992, Van Ginkel (C‑163/91, Colect., p. I‑5723), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se uma agência de viagens que actuou em nome próprio pode ser sujeita à tributação da margem na acepção do artigo 26.° da Sexta Directiva no que respeita aos lucros que realizou com a venda de bilhetes para espectáculos ou se, para poder beneficiar desse regime fiscal, é necessário que a prestação isolada consista no fornecimento de uma das prestações fundamentais dos operadores económicos a que essa disposição se refere.
12 Foi nestas circunstâncias que o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O ‘regime especial das agências de viagens’, previsto no artigo 26.° da [Sexta Directiva], é igualmente aplicável à venda isolada de bilhetes de ópera por uma agência de viagens sem a prestação de serviços adicionais?»
Quanto à questão prejudicial
13 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se qualquer prestação fornecida por uma agência de viagens está abrangida pelo regime especial previsto no artigo 26.° da Sexta Directiva ou se uma prestação fornecida por um agência de viagens só fica abrangida pelo referido regime se incluir uma prestação de viagem.
14 Em primeiro lugar, o artigo 26.°, n.° 1, da Sexta Directiva especifica que o regime especial previsto nessa disposição se aplica às operações das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos quando estes actuem em nome próprio face ao viajante e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e prestações de serviços de outros sujeitos passivos.
15 Consequentemente, resulta da própria letra dessa disposição que uma prestação de uma agência de viagens, para beneficiar do regime especial nela definido, deve ter por objecto a realização de uma viagem.
16 Em segundo lugar, há que recordar que o artigo 26.° da Sexta Directiva institui uma excepção ao regime geral relativamente à base tributável no que respeita a determinadas operações das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos e que, enquanto excepção ao regime normal da Sexta Directiva, este artigo só pode ser aplicado na medida necessária para alcançar o seu objectivo (acórdãos de 22 de Outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C‑308/96 e C‑94/97, Colect., p. I‑6229, n.os 5 e 34, e de 19 de Junho de 2003, First Choice Holidays, C‑149/01, Colect., p. I‑6289, n.os 21 e 22).
17 Em terceiro lugar, o objectivo do regime especial instituído pelo artigo 26.° da Sexta Directiva consiste em adaptar as regras aplicáveis à natureza específica da actividade das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos (acórdãos, já referidos, Madgett e Baldwin, n.° 18, e First Choice Holidays, n.° 23).
18 A este respeito, resulta da jurisprudência que esta actividade se caracteriza pelo facto de, a maior parte das vezes, ser composta por prestações múltiplas, nomeadamente em matéria de transporte e de alojamento, que se realizam tanto no interior como no exterior do território do Estado em que a empresa tem a sua sede ou um estabelecimento estável. A aplicação das regras de direito comum respeitantes ao lugar de tributação, à base tributável e à dedução do imposto a montante conduziria, em razão da multiplicidade e da localização das prestações fornecidas, a dificuldades práticas para estas empresas que seriam susceptíveis de entravar o exercício da sua actividade (v. acórdãos, já referidos, Madgett e Baldwin, n.° 18, e First Choice Holidays, n.° 24).
19 Por outro lado, há que observar que, ao contrário do que o Governo helénico afirma, não se poderia inferir do acórdão Van Ginkel, já referido, que qualquer prestação isolada fornecida por uma agência de viagens ou por um organizador de circuitos turísticos está abrangida pelo regime especial previsto no artigo 26.° da Sexta Directiva.
20 Com efeito, no n.° 23 do acórdão Van Ginkel, já referido, o Tribunal decidiu que a exclusão, do âmbito de aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva, das prestações fornecidas por uma agência de viagens com o fundamento de as mesmas apenas incluírem o alojamento e não o transporte do viajante conduziria a um regime fiscal complexo, no qual as regras aplicáveis em matéria de IVA dependeriam dos elementos constitutivos das prestações fornecidas a cada viajante, e que tal regime fiscal violaria os objectivos da referida directiva.
21 Resulta, pois, desse acórdão que o Tribunal decidiu, não que qualquer prestação fornecida por uma agência de viagens sem nexo com uma viagem está abrangida pelo regime especial do artigo 26.° da Directiva, mas que o fornecimento de alojamento por uma agência de viagens está abrangido pelo âmbito de aplicação da referida disposição, ainda essa prestação apenas inclua o alojamento e não o transporte.
22 Resulta igualmente do n.° 24 do acórdão Van Ginkel, já referido, que uma prestação, quando não é acompanhada de prestações de viagem, designadamente em matéria de transporte e de alojamento, não entra no âmbito de aplicação do artigo 26.° da Sexta Directiva.
23 Resulta das considerações precedentes que a venda de bilhetes de ópera por uma agência de viagens sem fornecimento de uma prestação de viagem não está abrangida pelo regime especial previsto no artigo 26.° da Sexta Directiva.
24 Há que observar, aliás, que a aplicação desse regime especial a uma actividade como a em causa no processo principal, em que a agência de viagens se limita à venda de bilhetes para espectáculos sem fornecer prestações de viagem, acarretaria uma distorção da concorrência, atendendo a que uma mesma actividade seria tributada de forma diferente consoante o operador económico que vende os referidos bilhetes seja uma agência de viagens ou não.
25 Consequentemente, há que responder à questão submetida que o artigo 26.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se aplica à venda isolada de bilhetes de ópera por uma agência de viagens sem fornecimento de uma prestação de viagem.
Quanto às despesas
26 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:
O artigo 26.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica à venda isolada de bilhetes de ópera por uma agência de viagens sem fornecimento de uma prestação de viagem.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.