CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 6 de setembro de 2012 ( 1 )

Processo C-557/10

Comissão Europeia

contra

República Portuguesa

«Ação por incumprimento — Diretiva 91/440/CEE — Desenvolvimento de caminhos de ferro comunitários — Artigo 5.o, n.o 3 — Independência de gestão — Decisões relativas ao pessoal, aos ativos e às aquisições próprias — Artigo 7.o, n.o 3 — Concessão do financiamento ao gestor da infraestrutura — Diretiva 2001/14/CE — Repartição das capacidades de infraestrutura ferroviária — Tarificação da infraestrutura ferroviária — Artigo 6.o, n.o 1 — Equilíbrio das contas do gestor da infraestrutura»

I — Introdução

1.

Através da presente ação por incumprimento, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.°, n.o 3, e 7.°, n.o 3, da Diretiva 91/440/CEE ( 2 ), conforme alterada pela Diretiva 2001/12/CE ( 3 ) (a seguir «Diretiva 91/440»), e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14/CE ( 4 ), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE ( 5 ) (a seguir «Diretiva 2001/14»), relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança. A República Portuguesa pede que a ação seja declarada improcedente.

2.

O presente processo inscreve-se numa série de ações por incumprimento ( 6 ), intentadas pela Comissão em 2010 e 2011, relativas à aplicação das Diretivas 91/440 e 2001/14 pelos Estados-Membros, em especial no que diz respeito ao acesso equitativo e não discriminatório das empresas ferroviárias à infraestrutura, isto é, à rede ferroviária. Estas ações são inéditas porque oferecem ao Tribunal de Justiça a primeira possibilidade de se exprimir sobre a liberalização dos caminhos de ferro na União Europeia e, nomeadamente, interpretar o que se convencionou chamar de «primeiro pacote ferroviário».

II — Quadro jurídico

A — Direito da União

3.

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/440 prevê:

«No âmbito das linhas de orientação de política geral adotadas pelo Estado e tendo em conta os planos ou contratos nacionais, eventualmente plurianuais, incluindo os planos de investimento e de financiamento, as empresas de transporte ferroviário podem, nomeadamente:

[…]

tomar decisões relativamente ao pessoal, aos ativos e às aquisições próprias;

[…]»

4.

O artigo 7.o, n.o 3, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros podem, além disso, conceder ao gestor da infraestrutura, na observância dos artigos 73.o, 87.o e 88.o do Tratado, um financiamento suficiente em relação às funções, à dimensão e às necessidades financeiras, designadamente para cobrir investimentos novos.»

5.

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14:

«Os Estados-Membros devem definir as condições necessárias, incluindo, se for caso disso, pagamentos adiantados, para assegurar que, em condições normais de atividade e ao longo de um período de tempo razoável, as contas do gestor da infraestrutura apresentem pelo menos um equilíbrio entre as receitas provenientes das taxas de utilização da infraestrutura, os excedentes provenientes de outras atividades comerciais e o financiamento estatal, por um lado, e as despesas da infraestrutura, por outro.

Sem prejuízo do eventual objetivo, a longo prazo, de cobertura pelo utilizador dos custos de infraestrutura de todos os modos de transporte com base numa concorrência intermodal equitativa e não discriminatória, sempre que o transporte ferroviário esteja em condições de concorrer com outros modos, no quadro da tarificação prevista nos artigos 7.° e 8.°, os Estados-Membros podem exigir ao gestor da infraestrutura que equilibre as suas contas sem beneficiar de financiamento estatal.»

B — Direito português

6.

O Decreto-Lei n.o 137-A/2009, de 12 de junho de 2009 ( 7 ), aprovou o regime jurídico aplicável à empresa pública CP — Comboios de Portugal, EPE (a seguir «CP»), e os seus Estatutos. Este decreto-lei rege a natureza jurídica e o objeto social da CP e fixa, no seu Anexo I, os estatutos que regem a referida empresa.

7.

O artigo 2.o do referido decreto-lei tem a seguinte redação:

«Natureza jurídica

A [CP] é uma entidade pública empresarial com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, estando sujeita a tutela e superintendência dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo sector dos transportes.»

8.

O artigo 1.o dos Estatutos da CP, sob a epígrafe «Denominação e sede», dispõe:

«1.   A [CP] é uma entidade pública empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com capacidade jurídica que abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu objeto.»

9.

O objeto da CP está definido no artigo 2.o dos Estatutos. Nos termos desta disposição:

«1.   A [CP] tem por objeto principal a prestação de serviços de transporte ferroviário de passageiros e de mercadorias em linhas férreas, troços de linha e ramais que integram ou venham a integrar a rede ferroviária nacional.

[…]

3.   A [CP] pode ainda, acessoriamente, exercer as seguintes atividades:

[…]

4.   No exercício do objeto definido no número anterior, a [CP] pode:

a)

Constituir sociedades ou adquirir partes de capital, nos termos da lei;

[…]»

10.

Por força do artigo 9.o dos referidos Estatutos, a CP detém as competências seguintes:

«1.   Compete ao conselho de administração exercer os mais amplos poderes de gestão e representação da empresa, nos termos da lei e dos Estatutos.

2.   Compete, em especial, ao conselho de administração:

[…]

l)

Deliberar sobre a constituição de sociedades e sobre a aquisição ou alienação de partes de capital, nos termos da lei;

[…]»

11.

O artigo 21.o faz parte do capítulo IV, intitulado «Tutela». Este artigo prevê, sob a epígrafe «Orientações de gestão», o seguinte:

«1.   Cabe ao Governo definir, nos termos da lei, os objetivos gerais a prosseguir pela [CP], de modo a assegurar a sua harmonização com as políticas globais e setoriais definidas na lei.

2.   O Governo acompanha a evolução da situação da empresa, por forma a assegurar os níveis adequados da satisfação das necessidades da coletividade, a salvaguardar o seu equilíbrio económico-financeiro, de modo a garantir a prossecução de adequadas políticas de modernização do transporte ferroviário.»

12.

O Decreto-Lei n.o 300/2007, de 23 de agosto de 2007 ( 8 ), alterou o regime que regula o setor concorrencial do Estado e as empresas públicas em Portugal. Prevê, nomeadamente:

«Artigo 10.o

1.   Os direitos do Estado como acionista são exercidos através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, sob a direção do Ministro das Finanças, que pode delegar, em conformidade com as orientações previstas no artigo seguinte e mediante a prévia coordenação, por despacho conjunto, com os ministros responsáveis pelo setor.

[…]

3.   Os direitos referidos nos números anteriores podem ser exercidos indiretamente, através de sociedades de capitais exclusivamente públicos.»

13.

O artigo 37.o do mesmo decreto-lei respeita à constituição de sociedades e à aquisição ou cessão de partes de capital. Este artigo está redigido da seguinte forma:

«1.   […] a participação do Estado ou de outras entidades públicas estaduais, bem como das empresas públicas, na constituição de sociedades e na aquisição ou alienação de partes de capital está sujeita a autorização do Ministro das Finanças e do ministro responsável pelo setor […].

[…]»

14.

O Decreto-Lei n.o 270/2003, de 28 de outubro de 2003 ( 9 ), define as condições da prestação dos serviços de transporte ferroviário por caminho de ferro e de gestão da infraestrutura ferroviária. Este decreto-lei rege, em especial, o equilíbrio das contas do gestor da infraestrutura em conformidade com as disposições do seu artigo 63.o Segundo este artigo:

«1.   As contas do gestor da infraestrutura devem apresentar um equilíbrio entre:

a)

Os proveitos provenientes das tarifas pela utilização da infraestrutura, os excedentes provenientes de outras atividades comerciais e o financiamento estatal, se necessário por via de pagamentos adiantados; e

b)

Os custos do serviço público de gestão, manutenção e conservação da infraestrutura.

2.   Sem prejuízo do eventual objetivo a longo prazo, de cobertura tendencial, pelo utilizador, dos custos de infraestrutura, em todos os modos de transporte com base numa concorrência intermodal equitativa e não discriminatória, sempre que o transporte ferroviário esteja em condições de concorrer com outros modos de transporte, nomeadamente quando exista um nível equivalente de internalização dos custos ambientais nos outros modos de transporte, no quadro da tarifação prevista no presente capítulo, o gestor da infraestrutura deve atingir o equilíbrio referido no n.o 1 sem beneficiar de financiamento estatal.

3.   Para aferição do equilíbrio referido no n.o 1 e como forma de determinar a necessidade de compensações por parte do Estado ao serviço público de gestão da infraestrutura deve ser adotado um método de imputação que demonstre, de forma transparente, que são apenas considerados os custos com a atividade de gestão, manutenção, conservação e disponibilização da infraestrutura.

[…]

7.   Para efeitos da alínea b) do n.o 1 do presente artigo, não são considerados como custos do serviço público de gestão da infraestrutura os custos financeiros e extraordinários.

8.   Os custos extraordinários decorrentes de calamidade natural deverão ser compensados pelo Estado.»

15.

Por último, o Decreto-Lei n.o 104/97, de 29 de abril de 1997 ( 10 ), cria a Rede Ferroviária Nacional — REFER, EP (a seguir «REFER»). Os Estatutos da REFER estão publicados no anexo I do referido decreto-lei. O artigo 12.o determina, segundo a sua epígrafe, a finalidade e âmbito de aplicação dos referidos Estatutos, nos seguintes termos:

«[…]

2.   O Governo acompanhará a evolução futura da situação da empresa, por forma a salvaguardar o seu equilíbrio económico-financeiro, bem como o serviço das dívidas constituídas para a construção, instalação e renovação da infraestrutura ferroviária, em termos que não importem prejuízo para a prossecução de adequadas políticas de modernização ferroviária.»

III — Procedimento pré-contencioso e processo no Tribunal de Justiça

16.

Na sua carta de notificação para cumprir de 26 de janeiro de 2008, a Comissão chamou a atenção das autoridades portuguesas para as dúvidas que tinha a propósito da compatibilidade com o direito da União da legislação nacional de transposição do primeiro pacote ferroviário. As autoridades portuguesas responderam à carta de notificação para cumprir, apresentando informações e argumentos relativos à observância das Diretivas 91/440 e 2001/14 pela legislação portuguesa.

17.

Por carta de 9 de outubro de 2009, a Comissão enviou às autoridades portuguesas um parecer fundamentado, no qual considerava que, no que respeita à transposição do primeiro pacote ferroviário, a República Portuguesa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 5.°, n.o 3, e 7.°, n.o 3, da Diretiva 91/440 e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

18.

Por ofício de 14 de dezembro de 2009, as autoridades portuguesas responderam ao parecer fundamentado, prestando diversos esclarecimentos. Por carta de 24 de junho de 2010, as autoridades portuguesas informaram a Comissão da publicação de uma legislação nacional que tomava em consideração as críticas formuladas no parecer fundamentado da Comissão, relativas à compatibilidade do regime português de melhoria de desempenho com o direito comunitário, em especial com o artigo 11.o da Diretiva 2001/14.

19.

Não tendo ficado satisfeita com a resposta das autoridades portuguesas, a Comissão decidiu intentar a presente ação, entrada no Tribunal de Justiça em 29 de novembro de 2010.

IV — Análise da ação por incumprimento

A — Quanto ao pedido de suspensão da execução

20.

O Governo português apresentou, a título principal, argumentos destinados a contestar o incumprimento alegado e pediu, a título subsidiário, ao Tribunal de Justiça que suspendesse a instância até 31 de dezembro de 2011, data em que deveriam entrar em vigor as medidas legislativas e contratuais que, em seu entender, reforçariam a independência da gestão da empresa ferroviária em relação ao Estado e alterariam o regime de tarificação da infraestrutura ferroviária.

21.

A este respeito, recorde-se que, segundo jurisprudência assente, o incumprimento deve ser apreciado em função da situação do Estado-Membro, tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado ( 11 ). Os argumentos apresentados pelo Governo português devem, assim, ser examinados em relação ao momento do termo do prazo fixado no parecer fundamentado e os argumentos relativos ao desenvolvimento posterior da legislação nacional devem ser afastados.

B — Quanto à primeira acusação, relativa à violação do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/440

1. Argumentação das partes

22.

A Comissão alega que a legislação portuguesa que sujeita a CP à tutela e à superintendência dos membros do Governo é contrária ao artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/440.

23.

A Comissão baseia-se em especial no facto de que, por força da legislação nacional, o Estado português subordina à aprovação do Governo as decisões individuais de aquisição ou alienação de participações no capital de sociedades pela CP.

24.

A exigência de uma autorização prévia do Governo para que as empresas de transporte ferroviário pratiquem certo tipo de atos impede de considerar que essas empresas sejam independentes ou gozem de um estatuto de autonomia em relação ao Estado. Por conseguinte, não podem gerir livremente as suas atividades internas, como exigido pelo direito da União.

25.

Com efeito, do referido artigo resulta claramente que as decisões individuais de alienação ou de aquisição de ativos não podem ser influenciadas pelo Estado. É certo que o mesmo artigo declara que tais decisões devem ser tomadas no âmbito das linhas de orientação de política geral adotadas pelo Estado, mas as linhas de orientação podem apenas definir os critérios a ter em conta nas decisões.

26.

A Comissão considera igualmente que a intervenção do Governo na gestão da CP transcende o mero exercício dos direitos de acionista, pelo facto de o Estado-acionista intervir através do controlo exercido pelos Ministros das Finanças e dos Transportes, com base num conjunto separado de regras aplicáveis à totalidade do setor público.

27.

O Governo português contesta as conclusões da Comissão, sustentando que a exigência de autorização ministerial para a aquisição ou alienação de partes de capital se aplica a todo o tipo de empresas públicas. Essa exigência está ligada ao papel do Estado enquanto detentor de capital. O Governo português acrescenta que a deliberação de compra ou venda de participações sociais se desenvolve no seio das instâncias próprias da empresa, de modo que a autonomia de gestão da empresa ferroviária é garantida em conformidade com as exigências do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/440.

2. Exame da primeira acusação

28.

Observo desde já que as Diretivas 91/440 e 2001/14, que fazem parte do primeiro pacote ferroviário, não impõem a privatização dos caminhos de ferro. Pelo contrário, o artigo 3.o da Diretiva 91/440 define a «empresa de transporte ferroviário» como «qualquer empresa de estatuto privado ou público». Consequentemente, o operador histórico do setor ferroviário pode continuar a ser público. No entanto, a secção II da Diretiva 91/440, intitulada «Independência de gestão», prevê, no artigo 4.o, n.o 1, que «as empresas de transporte ferroviário sejam dotadas de um estatuto autónomo […], por força do qual disponham, nomeadamente, de um património, um orçamento e uma contabilidade separados dos do Estado».

29.

Observo igualmente que, por força de uma proposta de lei ainda não adotada no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República Portuguesa suprimiu a condição da autorização prévia. No entanto, tendo em conta a data que deve ser considerada para fins de apreciação do incumprimento alegado, a referida alteração legislativa é irrelevante para a apreciação a fazer.

30.

Em substância, a Comissão censura à República Portuguesa o seu sistema que faz depender de uma autorização prévia do Ministro dos Transportes a aquisição ou alienação de ações pelo operador histórico, tendo este conservado um estatuto exclusivamente público, como resulta do artigo 37.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 300/2007. Ora, sendo necessária uma autorização prévia do Governo para que as empresas de transporte ferroviário pratiquem certo tipo de atos, não se pode considerar que essas empresas sejam independentes ou gozem de um estatuto de autonomia em relação ao Estado e de liberdade de ação para gerir as suas atividades internas.

31.

A este propósito, a disposição pertinente é o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/440, segundo o qual as empresas de transporte ferroviário podem tomar decisões relativas ao pessoal, aos ativos e às aquisições próprias. A Comissão considera que resulta claramente da referida disposição que o Estado não deve exercer influência nas decisões individuais de alienação ou aquisição de ativos. Partilho desta opinião.

32.

Esta interpretação é, por outro lado, corroborada pelo teor do terceiro considerando da Diretiva 91/440, bem como pelo teor do oitavo considerando da Diretiva 2001/12 que altera a Diretiva 91/440. Estes considerandos consagram, designadamente, a necessidade de garantir às empresas de transporte ferroviário um estatuto independente do Estado e a liberdade de gerir as suas próprias atividades.

33.

Embora seja certo que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/440 permite aos Estados-Membros estabelecer as linhas de orientação de política geral, também é verdade que, tendo em conta o objetivo da independência de gestão, o Estado não deve influenciar as decisões individuais de alienação ou de aquisição de ativos.

34.

Acrescento que, ao subordinar qualquer decisão individual de aquisição ou alienação de participações no capital de sociedades à aprovação do Governo, a legislação portuguesa sujeitou a empresa pública de transporte ferroviário ao controlo externo de natureza política, que não corresponde de modo nenhum às modalidades e aos meios de ação e de controlo de que dispõem os acionistas de uma sociedade de ações normal. Consequentemente, o Estado português conservou um papel essencial nos procedimentos decisórios internos das empresas de transporte ferroviário que não é compatível com a liberdade reconhecida à empresa de transporte ferroviário de tomar decisões relativas aos ativos ( 12 ).

35.

Procede, por conseguinte, a primeira acusação da Comissão.

C — Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 91/440 e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14

1. Argumentação das partes

36.

A Comissão recorda que, por força do artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 91/440 e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, os Estados-Membros devem definir as condições necessárias para assegurar que as contas do gestor da infraestrutura apresentem equilíbrio. Ora, a Comissão considera que, em Portugal, as receitas provenientes das taxas de utilização da infraestrutura, o financiamento estatal e os rendimentos de outras atividades comerciais são insuficientes para equilibrar as contas do gestor da infraestrutura, a REFER.

37.

A Comissão afirma que, apesar das disposições legais do direito português que estabelecem a obrigação de o Estado português acompanhar a evolução da empresa gestora da infraestrutura com vista a salvaguardar o seu equilíbrio económico-financeiro bem como a obrigação de acompanhar a evolução da situação financeira do gestor da infraestrutura, a situação de desequilíbrio financeiro do gestor da infraestrutura não evoluiu de forma positiva.

38.

O Governo português confirma que assumiu o compromisso de estabelecer por via de contratualização plurianual, com o gestor da infraestrutura REFER, níveis de serviço público em matéria de gestão da infraestrutura e a correspondente compensação financeira. Pretende-se, deste modo, atingir o equilíbrio das contas da empresa, que assume determinados níveis de qualidade operacional e técnica, enquanto o poder público se compromete a atribuir montantes compatíveis com o volume de investimento necessário e a natureza do serviço público.

39.

O Governo português salienta que está previsto contratualizar com a CP e a REFER os serviços públicos, tendo em conta, em primeiro lugar, a definição clara das obrigações de serviço público, em segundo lugar, a necessidade de racionalizar/reduzir os custos operacionais e, em terceiro lugar, a necessária convergência, gradual e progressiva, do serviço público em causa e da respetiva compensação financeira.

40.

Por último, o Governo português sustenta que lançou um procedimento que levará a tomar medidas legislativas no sentido de, por um lado, reforçar a independência da gestão da empresa de transporte ferroviário em relação ao Estado e, por outro, promover o equilíbrio de contas do gestor da infraestrutura através da adoção das medidas necessárias, designadamente alterando o regime de tarificação da infraestrutura ferroviária e fixando contratualmente com a REFER os direitos e obrigações no que diz respeito à construção, à manutenção e ao financiamento da infraestrutura.

2. Exame da segunda acusação

41.

Resulta claramente das explicações fornecidas pelo Governo português, relativas à segunda acusação, sem que este o tivesse contestado, que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República Portuguesa não tinha tomado as medidas necessárias a fim de dar cumprimento às obrigações referidas no artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 91/440 e no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, que impõem aos Estados-Membros a obrigação de definir as condições adequadas para garantir que as contas do gestor da infraestrutura apresentem equilíbrio. Por esta razão, considero que o Tribunal de Justiça pode declarar o incumprimento, sem necessidade de uma análise mais profunda.

42.

Daqui se conclui que a segunda acusação da Comissão deve ser acolhida.

V — Quanto às despesas

43.

Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

44.

Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa nas despesas, deverá tal pedido ser acolhido caso a ação por incumprimento seja declarada integralmente procedente.

VI — Conclusão

45.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:

1)

A República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força

da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários, conforme alterada pela Diretiva 2001/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, no que diz respeito ao artigo 5.o, n.o 3, da referida diretiva, ao fazer depender de aprovação do Governo qualquer decisão individual de aquisição ou alienação de participações no capital da sociedade pela empresa pública de transporte ferroviário CP — Comboios de Portugal, EPE, e

da Diretiva 91/440, no que diz respeito ao artigo 7.o, n.o 3, e da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, no que diz respeito ao artigo 6.o, n.o 1, ao não tomar as medidas necessárias para dar cumprimento à obrigação de definir as condições adequadas para garantir que as contas do gestor da infraestrutura apresentem equilíbrio.

2)

A República Portuguesa é condenada nas despesas.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO L 237, p. 25).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001 (JO L 75, p. 1).

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (JO L 75, p. 29). O título da Diretiva 2001/14 foi alterado pelo artigo 30.o da Diretiva 2004/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa à segurança dos caminhos de ferro da Comunidade (JO L 164, p. 44). Passou a designar-se «Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária».

( 5 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO L 315, p. 44).

( 6 ) Trata-se dos processos pendentes no Tribunal de Justiça, Comissão/Hungria (C-473/10); Comissão/Espanha (C-483/10); Comissão/Polónia (C-512/10); Comissão/Grécia (C-528/10); Comissão/República Checa (C-545/10); Comissão/Áustria (C-555/10); Comissão/Alemanha (C-556/10); Comissão/França (C-625/10); Comissão/Eslovénia (C-627/10); Comissão/Itália (C-369/11); e Comissão/Luxemburgo (C-412/11).

( 7 ) Diário da República, 1.a série, n.o 112, suplemento, de 12 de junho de 2009.

( 8 ) Diário da República, 1.a série, n.o 162, de 23 de agosto de 2007.

( 9 ) Diário da República, I série-A, n.o 250, de 28 de outubro de 2003.

( 10 ) Diário da República, I série-A, n.o 99, de 29 de abril de 1997. Alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.o 141/2008, de 22 de julho de 2008 (Diário da República, 1.a série, n.o 140, de 22 de julho de 2008).

( 11 ) V., nomeadamente, acórdãos de 4 de julho de 2002, Comissão/Grécia (C-173/01, Colet., p. I-6129, n.o 7), e de 13 de março de 2003, Comissão/Espanha (C-333/01, Colet., p. I-2623, n.o 8).

( 12 ) V., por analogia, acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal (C-171/08, Colet., p. I-6817, em especial n.os 60 e segs.).