CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
PEDRO CRUZ VILLALÓN
apresentadas em 14 de Julho de 2011 (1)
Processo C‑454/10
Oliver Jestel
contra
Hauptzollamt Aachen
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]
«União aduaneira – Código Aduaneiro Comunitário – Regulamento (CEE) n.° 2913/92 – Constituição da dívida aduaneira – Introdução irregular de mercadorias no território aduaneiro da União – Artigo 202.° – Conceito de devedor – Proprietário de uma loja eBay que participa na celebração de contratos de venda relativos a mercadorias originárias de um Estado terceiro – Introdução de mercadorias no território aduaneiro da União por via postal sem cumprimento das formalidades aduaneiras – Participação na introdução irregular de mercadorias no território da União»
1. O presente pedido de decisão prejudicial suscita questões de interpretação de uma disposição do Código Aduaneiro da União Europeia (2) que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de interpretar (3) e que define os devedores da dívida aduaneira constituída pela introdução irregular de mercadorias no território aduaneiro da União. No entanto, o processo principal apresenta uma configuração inédita e a sua resolução pode de ter repercussões significativas. A sua especificidade reside no facto de a participação na introdução irregular em causa ter sido realizada através da Internet e de a irregularidade em litígio ter ocorrido no âmbito do tráfego postal. A solução do litígio no processo principal pode, por esses dois motivos, afectar um número potencialmente significativo de pessoas, devido ao desenvolvimento sem precedentes das trocas por correspondência realizadas através da Internet (4) e do efeito multiplicador da Internet (5).
I – Quadro jurídico
2. O artigo 202.° do Código Aduaneiro dispõe:
«1. É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:
a) A introdução irregular no território aduaneiro da Comunidade de uma mercadoria sujeita a direitos de importação
[…]
Na acepção do presente artigo, entende‑se por introdução irregular qualquer introdução com violação das disposições dos artigos 38.° a 41.° e do segundo travessão do artigo 177.°
2. A dívida aduaneira considera‑se constituída no momento da introdução irregular.
3. Os devedores são:
– a pessoa que introduziu irregularmente a mercadoria,
– as pessoas que tenham participado nessa introdução, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular,
– bem como as que tenham adquirido ou detido a mercadoria em causa, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento, no momento em que adquiriram ou receberam a mercadoria, de que se tratava de uma mercadoria introduzida irregularmente.» (6)
II – Litígio no processo principal
3. Resulta da decisão de reenvio, bem como das observações escritas apresentadas em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, que, entre os meses de Abril de 2004 e de Maio de 2006, O. Jestel, recorrente no processo principal, procedeu ao leilão de numerosas mercadorias originárias da China na plataforma de Internet de leilões eBay, através da qual explorava duas lojas sob o seu nome (7).
4. O recorrente no processo principal intervinha como intermediário para a celebração de contratos de venda das mercadorias, mediante remuneração pelos seus serviços, designadamente de carácter linguístico, prestados dessa forma através das suas lojas eBay. Era o fornecedor chinês que garantia o fornecimento das mercadorias, que fixava os seus preços e que se encarregava da sua expedição para a União, sendo as mesmas entregues aos compradores estabelecidos na Alemanha directamente por via postal.
5. Desta forma, as mercadorias foram fornecidas sem terem sido apresentadas à alfândega e, por conseguinte, sem terem sido pagos os direitos à importação, devido, aparentemente, às indicações erradas fornecidas pelo fornecedor chinês sobre o conteúdo e o valor das remessas enviadas.
6. Tendo considerado que o recorrente no processo principal tinha participado na introdução irregular de mercadorias no território aduaneiro da União, na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro, o Hauptzollamt Aachen enviou‑lhe um aviso de liquidação de cerca de 10 000 euros a título de direitos aduaneiros e 21 000 euros a título do imposto sobre o valor acrescentado na importação.
7. O recorrente no processo principal apresentou uma reclamação do aviso de liquidação, na qual alegava que a celebração dos contratos de venda no eBay e a transmissão dos nomes e endereços dos compradores ao fornecedor chinês não podiam constituir uma participação na introdução irregular de mercadorias na acepção do artigo 202.°, n.°3, segundo travessão, do Código Aduaneiro, uma vez que constituíam operações muito anteriores ao envio das mercadorias e só tinham uma relação com a transacção causal.
8. Tendo a reclamação do recorrente no processo principal sido indeferida e tendo sido negado provimento ao recurso interposto dessa reclamação para o Finanzgericht (Alemanha), o recorrente interpôs recurso para o Bundesfinanzhof.
III – Questões prejudiciais
9. Interrogando‑se sobre a questão de saber se a participação do recorrente no processo principal na celebração dos contratos de venda das mercadorias através das suas lojas em linha no eBay podia bastar para lhe conferir a qualidade de devedor da dívida aduaneira na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro, o Bundesfinanzhof decidiu colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudicais:
«1) É devedor aduaneiro, enquanto ‘participante’ na introdução ilegal de mercadorias no território aduaneiro da União Europeia, nos termos do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, quem, sem intervir directamente na introdução, mediar a celebração dos contratos de compra e venda das referidas mercadorias e, ao fazê‑lo, tiver a consciência de que o vendedor poderá eventualmente fornecer as mercadorias, ou parte delas, subtraindo‑as ao pagamento de direitos [à importação]?
2) Para esse efeito é suficiente que a pessoa em causa preveja aquela circunstância como possível, ou apenas poderá considerar‑se devedor aduaneiro se tiver como certo que tal acontecerá?»
10. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que ainda não foi resolvida de forma definitiva a questão de saber se o recorrente no processo principal tinha pressuposto que as importações se realizariam com cumprimento das formalidades aduaneiras, se tinha dúvidas a esse respeito ou se tinha contado desde o início com o facto de que as mesmas se realizariam sem o cumprimento das referidas formalidades.
11. O Governo checo e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.
12. Não tendo nenhum dos interessados que apresentaram observações escritas formulado um pedido nesse sentido nos prazos previstos no artigo 104.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar a audiência.
IV – Análise
A – Questões colocadas
13. Através das suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os factos que lhe foram submetidos no litígio no processo principal estão abrangidos pelas disposições do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro.
14. Há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio deu por adquirido que as mercadorias em litígio foram introduzidas irregularmente no território aduaneiro da União, na acepção do artigo 202.°, n.° 1, do Código Aduaneiro. A pergunta que se coloca consiste em saber se as circunstâncias em que o recorrente no processo principal participou nas operações que conduziram à introdução irregular em litígio podem permitir considerá‑lo, com base no artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro, devedor da dívida aduaneira constituída pela referida introdução.
15. O órgão jurisdicional de reenvio indica expressamente que considera duvidoso que se possa considerar que uma pessoa que, sem contribuir directamente parra a introdução irregular de uma mercadoria, serve de intermediário para a celebração de um contrato de venda da referida mercadoria tenha participado nessa introdução na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro.
16. Além disso, interroga‑se sobre se uma pessoa na situação de O. Jestel pode ser qualificada como devedor na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro, quando «te[ve] a consciência» («in Betracht ziehen») de que as mercadorias ou uma parte delas podem ter sido fornecidas com fraude dos direitos de importação. Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, mais precisamente, se basta que a referida pessoa tenha podido considerar essa eventualidade como «possível» («für denkbar halten») ou se, pelo contrário, é necessário que a referida pessoa «t[ivesse] como certo» («fest rechnen») que essa eventualidade se produziria.
B – Estrutura do artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro: segundo travessão
17. O artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro define três categorias de pessoas passíveis de serem declaradas devedores da dívida aduaneira constituída pela introdução irregular de uma mercadoria no território da União. Em primeiro lugar, os autores da introdução irregular, em segundo lugar, as pessoas que tenham participado na introdução irregular, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular e, em terceiro lugar, as pessoas que tenham adquirido ou detido a mercadoria em causa introduzida irregularmente, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento de que essa introdução era irregular.
18. Como o Tribunal de Justiça já declarou, resulta da própria redacção do artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro que o legislador da União pretendeu fixar de forma completa as condições de determinação das pessoas devedoras da dívida aduaneira (8) e definir em termos amplos as pessoas susceptíveis de serem consideradas devedoras de uma dívida aduaneira (9), em caso de introdução irregular de mercadorias no território aduaneiro da União.
19. É pacífico que o recorrente no processo principal não foi a pessoa que introduziu materialmente (10) as mercadorias em litígio no território aduaneiro da União e que não pode consequentemente ser considerado devedor da dívida aduaneira com base no artigo 202.°, n.° 3, primeiro travessão do Código Aduaneiro (11).
20. É igualmente pacífico que o recorrente no processo principal não adquiriu nem deteve as mercadorias em litígio e que também não pode ser considerado devedor da dívida aduaneira com base no artigo 202.°, n.° 3, terceiro travessão, do Código Aduaneiro.
21. Por conseguinte, é com razão que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a aplicabilidade do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro aos factos em causa no processo principal.
C – Quem é devedor na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro?
22. A qualificação de «devedor» na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro está sujeita a condições que assentam em elementos de apreciação, em princípio, objectiva, a saber, a participação na introdução das mercadorias em litígio, e subjectiva, ou seja, o conhecimento da irregularidade dessa introdução irregular. Como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de salientar em termos perfeitamente sintéticos, o devedor, pessoa singular ou colectiva, deve ter participado conscientemente (12) nas operações de introdução irregular das mercadorias no território aduaneiro da União, sendo especificado que os elementos de apreciação subjectiva são de molde a excluir, em determinados casos, essa qualificação (13).
23. Há que recordar, antes de examinar em detalhe as condições de aplicação do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro, que o órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio de que as mercadorias foram introduzidas irregularmente no território da União, e, consequentemente, que o foram em violação das formalidades previstas nos artigos 38.° a 41.° do Código Aduaneiro. No entanto, não fornece mais informações a esse respeito, apesar de essa introdução ter ocorrido no âmbito do tráfego postal. Ora, o tráfego postal constitui objecto de disposições específicas, algumas das quais fazem parte do direito internacional, que podem ter influência na solução do litígio no processo principal. Por conseguinte, há que proceder a uma apresentação rápida das principais disposições aplicáveis ao tráfego postal, antes do exame das duas condições de aplicação do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro.
1. Observações preliminares sobre a especificidade do tráfego postal
24. De acordo como artigo 38.° n.° 1, alínea a), do Código Aduaneiro, as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União devem ser conduzidas, no mais curto prazo, pela pessoa que procedeu a essa introdução, à estância aduaneira designada pelas autoridades aduaneiras ou a qualquer outro local designado ou autorizado por essas autoridades. No entanto, o artigo 38.°, n.° 4, do Código Aduaneiro prevê uma excepção a essa regra para o tráfego postal, desde que a fiscalização aduaneira e as possibilidades de controlo aduaneiro não fiquem comprometidas (14).
25. O Tribunal de Justiça nunca foi chamado a interpretar essa disposição do Código Aduaneiro nem, de forma mais abrangente, a apreciar as regras aduaneiras aplicáveis ao tráfego postal.
26. São os artigos 237.° e 238.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (15), que compõem a Secção 4, intitulada «Tráfego postal», do Título VII que agrupa as disposições aplicáveis ao procedimento normal da declaração aduaneira, que estabelecem as principais regras específicas aplicáveis, no direito da União (16), ao tráfego postal (17).
27. O Regulamento (CEE) n.° 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (18) previa, além disso, franquias de direitos de importação relativamente às remessas de valor insignificantes, ou seja que não excedessem 22 euros(19), bem como às remessas de particular para particular, mais precisamente de um particular de um país terceiro para um outro particular que se encontrasse no território aduaneiro da União, desde que se tratasse de importações sem carácter comercial (20).
28. No entanto, não é feita nenhuma referência a essas franquias específicas nem mesmo ao Regulamento n.° 918/83 na decisão de reenvio. O Governo checo deduz, de resto, das circunstâncias factuais apresentadas na decisão de reenvio que as mercadorias em litígio deviam ter sido mencionadas pelo remetente das encomendas, ou seja, o fornecedor, na documentação anexa às mesmas, a saber, os formulários CN21 ou CN22, como mercadorias de valor insignificante admitidas com franquia de direitos de importação nos termos do artigo 27.° do Regulamento n.° 918/83. Pode igualmente deduzir‑se da decisão de reenvio que as importações em litígio não podem, de qualquer forma, atendendo à sua frequência, beneficiar das franquias a título de trocas entre particulares.
29. Não obstante, compete ao órgão jurisdicional de reenvio realizar as apreciações de facto que lhe permitam retirar eventuais conclusões a esse respeito.
30. O que é importante reter é que as remessas postais são objecto de regras específicas fixadas, no essencial, não pelos actos de direito derivado da União acima referidos, mas pela Constituição da União Postal Universal, aprovada em 10 de Julho de 1964 no âmbito da Organização das Nações Unidas (21) e pela Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros (22), assinada em Quioto em 18 de Maio de 1973 (23), e em especial o seu anexo F.4, relativo às formalidades aduaneiras aplicáveis ao tráfego postal, aprovado pela Decisão 94/798/CE do Conselho, de 8 de Dezembro de 1994 (24), conforme aplicadas nas diferentes ordens jurídicas nacionais (25).
31. Resulta, em especial, das disposições da Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiro, e designadamente do seu anexo F.4 relativo às formalidades aduaneiras aplicáveis ao tráfego postal, que o cumprimento das formalidades no âmbito das remessas postais internacionais recai principalmente sobre o remetente, que deve fornecer os documentos exigidos, a saber, o formulário de declaração aduaneira (inicialmente os formulários C 2/CP 3 no anexo F.4 e actualmente a declaração aduaneira CN 22 ou CN 23 no Código Aduaneiro), as facturas comerciais ou pro forma necessárias e todos os outros documento exigido caso a caso (por exemplo, certificado de origem, certificado fitossanitário, autorização de exportação).
2. Participação na introdução das mercadorias no território aduaneiro da União
32. Como o órgão jurisdicional de reenvio observou, o conceito de «participação» referido no artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro não é definido pelo referido código. Além disso, este não remete para o direito dos Estados‑Membros para efeitos de determinar o sentido e o alcance dessas disposições. Assim, trata‑se de um conceito autónomo do direito da União que compete ao Tribunal de Justiça definir. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente encontrar, em toda a União, uma interpretação uniforme e autónoma que deve ser procurada tendo em conta o contexto e o objectivo prosseguido pela disposição em causa (26).
33. Há que salientar, antes de mais, que as disposições do artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro não têm por objecto determinar o «responsável» pela introdução irregular de mercadorias no território da União, mas, de forma mais ampla, definir os devedores da dívida constituída por essa introdução irregular, no interessa mais geral da protecção dos interesses financeiros da União.
34. O artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro deve, com efeito, ser lido em primeiro lugar à luz dos números precedentes, em especial do seu n.° 1, alínea a), que define a introdução irregular por referência aos artigos 38.° a 41.° do Código Aduaneiro, designadamente. A introdução de mercadorias no território da União é, nos termos do artigo 202.°, n.° 1, última frase, do Código Aduaneiro, considerada irregular se não tiver sido apresentada à alfândega em conformidade com as disposições dos artigos 38.° a 41.° do referido Código Aduaneiro.
35. Assim, esta disposição confirma o papel central desempenhado pela declaração aduaneira, e por extensão, pelo declarante, no Código Aduaneiro. Como o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de declarar, a qualidade de devedor da dívida aduaneira está exclusivamente ligada à formalidade da declaração aduaneira e resulta dos efeitos jurídicos ligados à formalidade da declaração (27). O devedor da dívida aduaneira é normalmente o declarante ou, se for esse o caso, a pessoa por conta de quem a declaração é feita (28) ou ainda a pessoa sobre a qual recai a obrigação de declaração (29). O próprio objectivo do artigo 202.° do Código Aduaneiro consiste, nessa perspectiva, em estender (30) o conceito de devedor da dívida aduaneira às pessoas que violaram as disposições da regulamentação aduaneira da União relativas à declaração aduaneira, confirmando assim pela negativa o papel central desta declaração (31).
36. Dito isto, há que observar que os três travessões do artigo 202.°, n.° 3 do Código Aduaneiro estabelecem uma ordem que traduz uma certa graduação na «implicação» da pessoa reconhecida como devedora devido à sua participação na introdução irregular de mercadorias. Assim, o primeiro travessão designa, de certa forma como devedor principal ou de primeiro grau, a pessoa que procedeu à introdução irregular, ou seja, aquela que devia normalmente ter realizado as operações de desalfandegamento e cumprido as obrigações do declarante. O segundo e o terceiro travessões referem as pessoas que, ainda que não sendo «responsáveis» pelas operações de desalfandegamento por força das disposições do Código Aduaneiro, estão, contudo, implicadas, quer antes quer imediatamente após a introdução irregular.
37. O artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro permite, desta forma, definir várias categorias de devedores e, se for esse o caso, de co‑devedores solidários (32), da dívida aduaneira constituída pela introdução irregular de mercadorias, determinados em função da sua implicação na operação em litígio. Deve insistir‑se, a este respeito, no facto de que o Código Aduaneiro não estabelece nenhuma precedência de uma categoria de devedores relativamente a outra, podendo a administração aduaneira dirigir‑se indiferentemente ao devedor que considere mais adequado para permitir a realização do objectivo prosseguido por essa disposição, a saber, o pagamento dos direitos aduaneiros evitados devido ao incumprimento das formalidades aduaneiras.
38. A condição objectiva colocada pelo artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro é concebida neste contexto em termos muito gerais, manifestamente destinados a apreender todos os tipos de situações. O que se exige não é uma «participação» efectiva numa «introdução irregular» de mercadorias no território aduaneiro, e portanto uma implicação mais ou menos directa na irregularidade cometida, mas apenas uma «participação» na introdução enquanto tal das mercadorias, ou seja, uma implicação no conjunto das operações que contribuíram para a presença física das mercadorias no território aduaneiro da União.
39. Como o advogado‑geral A. Tizzano salientou nas suas conclusões no processo que deu lugar ao acórdão Spedition Ulustrans (33), já referido, «[t]al requisito […] existe sempre que uma pessoa tenha dado um contributo material ou moral para a introdução das mercadorias na Comunidade». Salienta‑se assim que o âmbito potencialmente (34) coberto por essa disposição é particularmente amplo e que pode compreender tanto a contribuição directa para a introdução física das mercadorias no território aduaneiro da União, ou seja, uma cumplicidade activa na passagem fraudulenta das fronteiras externas da União (35), como uma contribuição indirecta, como a participação no financiamento das operações de importação que conduzem à introdução irregular ou ainda, como no processo principal, a simples intermediação na celebração do contrato de venda da mercadoria posteriormente introduzida de forma irregular no território aduaneiro da União.
40. É certo que, como resulta da decisão de reenvio, a introdução das mercadorias no território aduaneiro da União ocorreu no âmbito do tráfego postal e o recorrente no processo principal não era o remetente nem o destinatário das remessas postais constitutivas dessa introdução. No entanto, essas circunstâncias não me permitem concluir que o recorrente no processo principal não «participou» na introdução em litígio, uma vez que o fundamento da dívida aduaneira nascida de mercadorias não declaradas na alfândega ou declaradas na alfândega sob uma denominação errada (36) é o artigo 202.° do Código Aduaneiro.
41. A especificidade do tráfego postal deve, em contrapartida, certamente ser tido em consideração no âmbito do exame da condição subjectiva exigida pelo segundo e pelo terceiro travessões do artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro, que examinarei seguidamente e que tem precisamente por função relativizar os rigores da condição objectiva aplicada a pessoas a quem não se impõem normalmente as obrigações que recaem sobre o declarante.
42. Por conseguinte, pode concluir‑se que uma pessoa que serviu de intermediário para a celebração de contratos de venda relativos a mercadorias introduzidas no território da União «participou» nessa introdução, na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro.
3. «Tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular»
43. A pessoa que «participou» na introdução de mercadorias no território da União, no sentido que acabou de ser exposto, só pode, contudo, ser qualificada como devedora da dívida aduaneira na condição de que seja demonstrado que tinha ou, alternativamente, que devia ter tido razoavelmente conhecimento do carácter irregular dessa introdução, em conformidade com o artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que ainda não fez essa apreciação.
44. Como o Tribunal de Justiça salientou por várias vezes, no âmbito do processo referido no artigo 267.° TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, toda e qualquer apreciação dos factos da causa é da competência do tribunal nacional (37). Assim, não compete ao próprio Tribunal de Justiça apreciar se a condição subjectiva estava preenchida no presente caso, ou seja, se o recorrente no processo principal tinha ou «devia ter razoavelmente conhecimento» de que a introdução das mercadorias em litígio era irregular. Todavia, a fim de dar a esse órgão uma resposta útil, o Tribunal de Justiça pode, no espírito de cooperação com o órgão jurisdicional nacional, fornecer‑lhe todas as indicações que julgar necessárias (38). Por conseguinte, incumbe‑lhe fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que lhe permitem realizar essa apreciação e informá‑lo simultaneamente sobre o método a seguir e os critérios a utilizar.
45. A dificuldade principal suscitada pelo segundo travessão do artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro, tal como, de resto, pelo terceiro travessão, consiste incontestavelmente em determinar o que deve entender‑se por «‘devendo ter razoavelmente conhecimento (39) de que se tratava de uma mercadoria introduzida irregularmente» (40).
46. Através da segunda das suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio propõe‑nos uma alternativa, ou seja, duas respostas possíveis. Por um lado, poderia considerar‑se que uma pessoa que tenha participado na introdução irregular em causa é devedora da dívida aduaneira quando estava em condições de prever ou de imaginar que essa irregularidade podia produzir‑se. Por outro lado, poderia considerar‑se que essa pessoa só é devedora se tivesse praticamente a certeza de que isso sucederia.
47. Não estou de forma alguma convencido de que o legislador da União tenha pretendido permitir que uma pessoa que «participou» na introdução de mercadorias no território da União, na acepção bastante ampla de «participação» que propus fosse acolhida mais acima, possa ser qualificada como «devedor da dívida aduaneira» na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro quando não estava em condições de excluir que essa irregularidade poderia produzir‑se, ou seja, e para reproduzir a formulação do órgão jurisdicional de reenvio, que a «prev[isse] […] como possível» («denkbar»). No entanto, também não estou certo de que a qualificação como «devedor da dívida aduaneira» na acepção dessa disposição exija o nível de segurança sugerido pela ideia de que a pessoa em causa deva ter como certo (fest rechnen) que essa irregularidade se produzirá.
48. Por conseguinte, estou inclinado a considerar que há que afastar a alternativa proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio e tentar extrair uma interpretação autónoma da expressão utilizada pelas disposições do artigo 202.°, n.° 3, segundo e terceiro travessões, do Código Aduaneiro (41).
49. O advérbio «razoavelmente» faz referência à condição de um agente económico normalmente avisado (42) e designa o que qualquer um, em circunstâncias normais, deveria ter sabido. Em definitivo, aquilo que a condição subjectiva requer é uma avaliação in concreto das informações de que a pessoa em causa dispunha ou podia dispor em circunstâncias normais, destinada a medir a probabilidade de a mesma ter violado as regras aduaneiras com conhecimento de causa.
50. Por conseguinte, a condição subjectiva prevista no artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro impõe à administração aduaneira que demonstre, sob controlo dos órgãos jurisdicionais competentes, que a pessoa que participou na introdução irregular das mercadorias em litígio dispunha, devia dispor ou podia dispor de informações que lhe permitiam identificar essa irregularidade, prevê‑la e, impedir, nesse caso, que a mesma se produzisse.
51. No âmbito dessa avaliação, as autoridades e os órgãos jurisdicionais competentes podem ter em consideração elementos das mais diversas naturezas. A título indicativo e não exaustivo, podem referir‑se a condição da pessoa em causa (simples particular, profissional ou semi‑profissional), bem como a qualidade em que interveio na operação em litígio, a natureza das actividades consideradas como uma «participação» na introdução irregular em litígio, bem como a fase da operação de importação em que essas actividades ocorreram (financiamento das operações de importação, organização das modalidades de transporte das mercadorias, celebração dos contratos de venda), as obrigações contratuais que se impõem a essa pessoa ou ainda, mais simplesmente, as informações que se presume que conheça ou que estejam disponíveis ou sejam facilmente acessíveis.
52. Incumbe às autoridades a aos órgãos jurisdicionais competentes avaliar, ponderando‑os, os diversos elementos pertinentes à sua disposição susceptíveis de demonstrar que a pessoa em causa agiu com probabilidade suficiente com conhecimento de causa. Embora lhes deva ser reconhecida uma certa margem de apreciação a esse respeito, incumbe‑lhes, contudo, realizar essa avaliação no respeito das regras que regulam a produção da prova em situações comparáveis, em conformidade com os princípios da equivalência e da efectividade (43).
53. Dito isto, seja‑me permitido, com o único fim dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil às suas questões e a título conclusivo, que ilustre mais concretamente os elementos susceptíveis de serem tidos em consideração no contexto da situação em causa no processo principal.
54. Como resulta das precisões fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a participação do recorrente no processo principal na introdução irregular das mercadorias em litígio ocorreu através das suas lojas eBay.
55. A este respeito, a Comissão observa que o recorrente no processo principal, por um lado, não pode negar que se dedicava desta forma, através das suas lojas eBay, com uma certa regularidade e com um fim lucrativo, a uma actividade de comercialização de mercadorias pela Internet, organizando e facilitando a celebração de contratos de venda relativos a entregas de mercadorias da China para a União, e, por outro lado, não podia ignorar que entregas dessa natureza levavam à constituição da obrigação de pagar direitos à importação. Sobre este ponto, a Comissão faz referência à ficha de informação sobre a encomenda de mercadorias por Internet (comércio electrónico) elaborada pela administração aduaneira alemã. Daqui a Comissão deduz que se podia esperar que o recorrente no processo principal informasse o fornecedor ou os seus clientes da existência dessas disposições em vigor e insistisse no seu cumprimento, se tinha dúvidas sobre a regularidade da introdução das mercadorias em litígio no território da União.
56. Desta forma, a Comissão alude a dois aspectos, a saber, por um lado, à natureza das actividades do recorrente no processo principal, e, no presente caso, o carácter quase profissional, na sua duração e volume, da sua actividade na Internet, e, por outro, à publicidade das informações pertinentes sobre as regras aduaneiras aplicáveis a essas actividades, que requerem as seguintes observações.
57. O primeiro elemento – é importante salientar – diz respeito não tanto ao «estatuto» do recorrente no processo principal quanto à natureza das suas actividades ou às modalidades segundo as quais o mesmo exerce as referidas actividades. Não se trata de determinar se o recorrente no processo principal deve ser considerado um profissional, um semi‑profissional ou um simples amador, porque essa distinção não tem qualquer suporte no Código Aduaneiro. Se é certo que o exercício por uma pessoa singular de uma actividade a título profissional implica a presunção de que conhece o conjunto das regras aplicáveis à referida actividade (44), o exercício por uma pessoa singular de uma actividade como amador não pode, inversamente e por si só, eximi‑lo da obrigação de cumprir as regras aduaneiras aplicáveis nem exonerá‑la de toda e qualquer responsabilidade pela sua eventual violação.
58. Pelo contrário, a continuidade da actividade em causa, tal como o volume das mercadorias em causa, o número e a frequência das remessas postais enviadas, bem como a circunstância de estas terem sido feitas por um único e mesmo fornecedor ou um número muito reduzido de fornecedores, são seguramente elementos a tomar em consideração no âmbito dessa avaliação. De igual modo, a circunstância de a pessoa em causa ter alterado as modalidades de exercício da sua actividade precisamente para evitar ter de cumprir as formalidades aduaneiras é, nessa perspectiva, susceptível de revestir uma importância decisiva.
59. O segundo elemento, a saber, a publicidade de informações pertinentes, constitui certamente o elemento principal a ter em consideração para avaliar se se pode razoavelmente considerar que uma pessoa violou as regras aduaneiras com conhecimento de causa. A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pode seguramente ter em conta as informações destinadas ao grande público, facilmente identificáveis e acessíveis, como a ficha de informação sobre a encomenda de mercadorias por Internet evocada pela Comissão. Também se pode basear, com mais segurança, nas informações de que o recorrente no processo principal tinha de ter conhecimento, contratualmente, a saber, as condições de utilização (45) e as regras específicas do eBay.
60. Em especial, fazem parte dessa categoria de informações «obrigatórias» as «regras para os vendedores» (46), que todos os membros do eBay devem ler e compreender e que visam designadamente assegurar a aplicação das «leis e regulamentações locais». Assim, os vendedores são contratualmente obrigados a conhecer e a cumprir as directrizes para a colocação à venda a nível internacional (47), que precisam a necessidade de os vendedores e os compradores respeitarem as diferentes regras aplicáveis. Entre as informações postas desta forma em linha pelo eBay sob a secção «Obter ajuda» do sítio, encontra‑se em especial, nas rubricas intituladas «Pagamento e entregas», «Embalar e enviar um artigo», «Envios internacionais», um documento intitulado «Documentos e formalidades aduaneiras» (48) que expõe resumidamente as obrigações aduaneiras que incumbem aos vendedores.
61. Todavia, como indiquei acima, é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete determinar se, tendo em conta a natureza das actividades do recorrente no processo principal, as informações que tinha a obrigação de conhecer e o contexto factual e jurídico em que as referidas actividades foram desenvolvidas, designadamente o facto de a introdução das mercadorias em litígio ter ocorrido no âmbito do tráfego postal, o referido recorrente pode ser qualificado como «devedor da dívida aduaneira constituída pela introdução irregular de mercadorias no território aduaneiro da União», na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Código Aduaneiro.
V – Conclusão
62. Consequentemente, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesfinanzhof nos seguintes termos:
«O artigo 202.°, n.° 3, segundo travessão, do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000, deve ser interpretado no sentido de que uma dívida aduaneira decorrente da participação na introdução irregular de uma mercadoria no território aduaneiro da União Europeia se constitui e é imputável a uma pessoa que, sem contribuir directamente para a referida introdução, participou na mesma na qualidade de intermediário para a celebração dos contratos de venda relativos às referidas mercadorias, quando esteja demonstrado que, atendendo às informações de que dispunha ou podia dispor em circunstâncias normais, agiu com probabilidade suficiente com conhecimento de causa.
Incumbe, para esse efeito, às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais avaliar e ponderar os elementos pertinentes à sua disposição, no respeito das regras que regulam a produção da prova em situações comparáveis, em conformidade com os princípios da equivalência e da efectividade».
1 – Língua original: francês.
2 – Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1),conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000 (JO L 311, p. 17, a seguir «Código Aduaneiro»).
3– V., em especial, acórdãos de 4 de Março de 2004, Viluckas e Jonusas (C‑238/02 e C‑246/02, Colect., p. I‑2141); de 23 de Setembro de 2004, Spedition Ulustrans (C‑414/02, Colect., p. I8633), e de 3 de Março de 2005, Papismedov e o. (C‑195/03, Colect., p. I‑1667).
4 – Como observou, por exemplo, o Comité Económico e Social Europeu no seu Parecer sobre a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) [COM(2005) 608 final] (JO 2006 C 309, de 16 de Dezembro de 2006, p. 22), «o volume de compras de produtos por Internet ou por correspondência em países terceiros aumenta de forma exponencial».
5 – Este processo pode, de forma mais ampla, ter um impacto no desenvolvimento de técnicas comerciais como o «drop shipment», que permite vender um produto adquirido a um fornecedor que se encarrega, ele próprio, das operações de fornecimento e assim de se livrar dos problemas de gestão de stocks, de logística, de serviços pós‑venda, entre outros.
6 – O Código Aduaneiro foi alterado, durante o período em que ocorreram os factos em causa no processo principal, a saber, entre Abril de 2004 e Maio de 2006, designadamente pelo Regulamento (CE) n.° 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Abril de 2005, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2913/92 (JO L 117, p. 13). No entanto, as alterações introduzidas no Código Aduaneiro por esse regulamento, designadamente as relativas ao seu artigo 40.°, não têm incidência directa na solução do litígio no processo principal.
7 – Pode precisar‑se de imediato que, embora a recorrente no processo principal exercesse as suas actividades através da Internet, a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1) não é aplicável. Com efeito, apesar de a actividade de intermediário eBay entrar no âmbito dessa directiva, não é isso que se passa, de acordo com o artigo 2.°, alínea h), da referida directiva, com a «entrega de mercadorias cujo contrato tenha sido celebrado por via electrónica», como o Tribunal de Justiça declarou; v. acórdão de 2 de Dezembro de 2010, Ker‑Optika (C‑108/09, Colect., p. I‑0000, n.os 29 e 30).
8 – Acórdãos, já referidos, Spedition Ulustrans (n.° 39), bem como Papismedov e o (n.° 38). V., igualmente, acórdão de 15 de Setembro de 2005, United Antwerp Maritime Agencies e Seaport Terminals (C‑140/04, Colect., p. I‑8245, n.° 30).
9 – Acórdão Papismedov e o., já referido ( n.° 38).
10 – Isso seria, por exemplo, o caso de um condutor de um camião que não se apresentasse com as mercadorias que transporta no primeiro posto aduaneiro encontrado na estrada na sua entrada no território da União, como no processo que deu lugar ao acórdão Viluckas e Jonusas, já referido.
11 – Acórdãos, já referidos, Viluckas e Jonusas (n.° 29), bem como Spedition Ulustrans.
12 – Acórdãos Papismedov e o., já referido (n.° 40).
13 – Acórdãos, já referidos, Spedition Ulustrans (n.os 27 e 28), bem como Papismedov e o. (n.° 40).
14 – V. igualmente, artigo 45.° do Código Aduaneiro.
15 – JO L 253, p. 1. O Regulamento (CEE) n.° 4151/88 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade (JO L 367, p. 1), revogado pelo Código Aduaneiro, já previa disposições específicas para o tráfego postal (v., em especial, quinto considerando, bem como artigos 3.°, n.° 4, e 10.° desse regulamento).
16 – No entanto, há aqui que recordar que, de acordo com o artigo 8.° da Decisão 2000/597/CE, Euratom, do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 253, p. 42), aplicável à época dos factos do processo principal, os recursos próprios das Comunidades Europeias referidos no artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e b), da referida decisão, entre os quais os direitos aduaneiros, «serão cobrados pelos Estados‑Membros nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais que, se necessário, serão adaptadas às exigências da regulamentação comunitária».
17 – O artigo 237.°, n.° 1, A, do Regulamento n.° 2454/93 precisa, assim, que os objectos de correspondência postal e, designadamente, as encomendas postais, «consideram‑se» como declarados à alfândega para introdução em livre prática, seja [hipótese da alínea a)] no momento da respectiva introdução no território aduaneiro, na condição de serem dispensados da obrigação de serem conduzidas à alfândega nos termos das disposições adoptadas em aplicação do n.° 4 do artigo 38.° do Código Aduaneiro, seja, se não for esse o caso, [hipótese da alínea b)] no momento da sua apresentação à alfândega, na condição de serem acompanhados das declarações CN22 e/ou CN23. Inicialmente, eram as declarações C1 e/ou C2/CP3. A disposição foi alterada pelo artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento (CE) n.° 1602/2000 da Comissão, de 24 de Julho de 2000, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2454/93 (JO L 188, p. 1), para ter em conta o facto de os formulários elaborados pela União postal universal para a declaração dos envios por carta ou por encomenda terem sido substituídos (v., a este respeito, nono considerando do referido regulamento).
18 – JO L 105, p 1, e Rectificação JO 1986, L 271, p. 31. Esse regulamento foi alterado pelo Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia – Protocolo n.° 3 relativo às zonas de soberania do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em Chipre (JO 2003 L 236, p. 940). Em seguida, esse regulamento foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 1186/2009 do Conselho, de 16 de Novembro de 2009, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 324, p. 23).
19 – V. artigos 27.° e 28.° desse regulamento. Essa isenção dizia respeito às mercadorias expedidas directamente de um país terceiro a um destinatário que se encontrasse no território da União, com excepção dos produtos alcoólicos, dos perfumes e águas de toucador e do tabaco e dos produtos de tabaco.
20 – V. artigos 29.° a 31 do referido regulamento.
21 – Esta constituição, à qual todos os Estados‑Membros da União aderiram, estabelece o quadro jurídico geral que regula as actividades postais internacionais.
22 – Decisão 75/119/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1975, relativa à conclusão da Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros e à aceitação do seu anexo relativo aos entrepostos aduaneiros (JO L 100, p. 1; EE 02 F2 p. 233).
23 – Através da Decisão 2003/231/CE do Conselho, de 17 de Março de 2003, relativa à adesão da Comunidade Europeia ao Protocolo de alteração da Convenção Internacional para a simplificação e a harmonização dos regimes aduaneiros (Convenção de Quioto) (JO L 86, p. 21), a União aderiu ao Protocolo de alteração da Convenção Internacional para a simplificação e a harmonização dos regimes aduaneiros, aprovado pelo Conselho de Cooperação Aduaneira em 26 de Junho de 1999. V., igualmente, Decisão 2004/485/CE de 26 de Abril de 2004, que altera a Decisão 2003/231/CE relativa à adesão da Comunidade Europeia ao protocolo de alteração da convenção internacional para a simplificação e harmonização dos regimes aduaneiros (Convenção de Quioto) (JO L 162, p. 113). A adesão cobre o texto do referido protocolo de alteração, incluindo os apêndices I e II, com exclusão do apêndice III.
24 – Decisão que aceita, em nome da Comunidade, os anexos E.7 e F.4 da Convenção internacional para a simplificação e harmonização dos regimes aduaneiros (JO L 331, p. 11). Há que indicar que esse anexo foi, contudo, aprovado com uma reserva de carácter geral e reservas relativas às normas 19 e 26 e às práticas recomendadas 23, 24 e 25.
25 – V., a este respeito, as minhas observações na nota n.° 16.
26 – V., em especial, acórdãos de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, (327/82, Recueil., p. 107, n.° 11); de 19 de Setembro de 2000, Linster (C‑287/98, Colect., p. I‑6917, n.° 43), e de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley (C‑373/00, Colect., p. I‑1931, n.° 35).
27 – Acórdão de 14 de Novembro de 2002, Ilumitrónica (C‑251/00, Colect., p. I‑10433, n.os 32, 33 e 65).
28 – Por exemplo, a entidade patronal da pessoa que procedeu à introdução irregular em litígio na execução de tarefas que lhe são confiadas por aquela (v. acórdão Spedition Ulustrans, já referido).
29 – Acórdão Viluckas e Jonusas, já referido (n.os 23 e 24).
30 – V., designadamente, acórdão de 2 de Abril de 2009, Elshani (C‑459/07, Colect., p. I‑2759, n.os 26 a 28).
31 – À semelhança dos artigos 203.° a 205.°, 210.°, 211.° e 220.° do Código Aduaneiro, que referem todos situações que se caracterizam por uma violação, pelo operador em causa, da regulamentação aduaneira da União (v. acórdão de 31 de Março de 2011, Aurubis Balgaria, C‑546/09, Colect., p. I‑0000, n.os 32 a 34).
32 – Como foi o caso no processo que deu lugar ao acórdão Spedition Ulustrans, já referido.
33 – N.° 40 das referidas conclusões.
34 – Ou seja, desde que a segunda condição, subjectiva, esteja preenchia.
35 – Como é o caso da responsabilidade partilhada pelo condutor do camião dentro do qual as mercadorias passaram as fronteiras externas da União sem cumprimento das formalidades aduaneiras e do seu empregador, como no processo que deu lugar ao acórdão Spedition Ulustrans, já referido.
36 – Acórdão Papismedov e o., já referido (n.° 36).
37 – V., designadamente, acórdãos de 16 de Março de 1978, Oehlschläger (104/77, Colect., p. 293, Recueil, p. 791, n.° 4); de 15 de Novembro de 1979, Denkavit Futtermittel (36/79, Colect., p. 3439, n.o 12) e de 10 de Fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, Colect., p. I‑0000, n.° 41).
38 – V., designadamente, acórdãos de 1 de Julho de 2008, MOTOE (C‑49/07, Colect., p. I‑4863, n.° 30); de 4 de Junho de 2009, Mickelsson e Roos (C‑142/05, Colect., p. I‑4273, n.° 41); de 15 de Abril de 2010, Sandström (C‑433/05, Colect., p. I‑0000, n.° 35), bem como de 22 de Dezembro de 2010, Lecson Elektromobile (C‑12/10, Colect., p. I‑0000, n.° 15).
39 – Em inglês, «reasonably have been aware», em alemão, «vernünftigerweise hätten wissen müssen» e, em espanhol, «debiendo saber razonablemente».
40 – Deve observar‑se que o Código Aduaneiro contém outras disposições que utilizam formulações próximas ou idênticas O artigo 8.°, n.° 1, primeiro travessão, diz respeito à anulação de uma decisão favorável adoptada com base em elementos inexactos ou incompletos. O artigo 201.°, n.° 3, segundo parágrafo, diz respeito às declarações aduaneiras que têm por base elementos falsos. O artigo 203.°, n.° 3, segundo e terceiro travessões, diz respeito à subtracção de mercadorias à fiscalização aduaneira. O artigo 205.°, n.° 3, diz respeito ao consumo de uma mercadoria sujeita a direitos de importação numa zona franca ou num entreposto franco. O artigo 210.°, n.° 3, segundo travessão, diz respeito à saída sem declaração aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de exportação do território aduaneiro da União. O próprio Tribunal de Justiça utilizou formulações idênticas nos seus próprios acórdãos (acórdão de 17 de Março de 2011, Comissão/Portugal, C‑23/10). A utilização de formulações semelhantes também é muito frequente nos actos que impõem sanções a Estados terceiros ou a certas pessoas ou entidades («smart sanctions»), não podendo uma pessoa singular ou colectiva ser tida por responsável pela violação de uma proibição se não tinha «motivos razoáveis para suspeitar» que a sua acção teria essa consequência [v., por exemplo, artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento (UE) n.° 442/2011 do Conselho, de 9 de Maio de 2011, que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Síria (JO L 121, p. 1)].
41 – V., a este respeito, as minha observações no n.° 32 das presentes conclusões.
42 – O conceito de agente económico normalmente avisado leva‑nos a recordar o conceito de consumidor médio, ou de internauta, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, à luz do qual se avalia, entre outros, o carácter distintivo de uma marca (acórdãos de 18 de Junho de 2002, Philips (C‑299/99, Colect., p. I‑5475, e de 15 de Setembro de 2005, BioID/IHMI (C‑37/03 P, Colect., p. I‑7975)]. O «consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido» também é utilizado em contextos diferentes do do direito das marcas (v. acórdão de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky (C‑210/96, Colect., p. I‑4657). V. também, em matéria de protecção dos consumidores, acórdão de 4 de Outubro de 2007, Schutzverband der Spirituosen‑Industrie, (C‑457/05, Colect., p. I‑8075), bem como, em matéria de publicidade enganosa, acórdão de 8 de Abril de 2003, Pippig Augenoptik (C‑44/01, Colect., p. I‑3095).
43– V., a este respeito, em especial, acórdãos de 10 de Abril de 2003, Steffensen (C‑276/01, Colect., p. I‑3735, n.° 80); de 7 de Setembro de 2006, Laboratoires Boiron (C‑526/04, Colect., p. I‑7529); de 24 de Abril de 2008, Arcor (C‑55/06, Colect., p. I‑2931, n.° 192), e de 28 de Janeiro de 2010, Direct Parcel Distribution Belgium (C‑264/08, Colect., p. I‑0000, n.os 32 a 36 e 42 a 47).
44 – Em contrapartida, evidentemente, o carácter profissional da actividade desenvolvida pode ser tido em consideração na apreciação das informações à disposição da pessoa em causa.
45 – http://pages.ebay.fr/help/policies/user‑agreement.html.
46 – http://pages.ebay.fr/help/policies/seller‑rules‑overview.html.
47 – http://pages.ebay.fr/help/policies/seller‑international.html.
48 – http://pages.ebay.fr/help/pay/customs.html.