CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 8 de Setembro de 2011 (1)

Processo C‑384/10

Jan Voogsgeerd

contra

Navimer SA

[pedido de decisão prejudicial do Hof van Cassatie (Bélgica)]

«Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais – Artigo 6.°, n.° 2, alínea b) – Escolha pelas partes da lei aplicável – Disposições imperativas da lei aplicável na falta de escolha – Contrato de trabalho – Trabalhador que não presta habitualmente o seu trabalho no mesmo país»






I –    Introdução

1.        No presente processo de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° do TFUE, o Hof van Cassatie belga (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») coloca ao Tribunal de Justiça um conjunto de questões relativas à interpretação da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 (a seguir «Convenção de Roma») (2). Como resulta dos considerandos do preâmbulo, a referida convenção foi celebrada com a preocupação de prosseguir, no domínio do direito internacional privado, a obra de unificação jurídica já empreendida na União, nomeadamente em matéria de competência jurisdicional e de execução de decisões, bem como com o desejo de estabelecer regras uniformes relativamente à lei aplicável às obrigações contratuais. A unificação das correspondentes normas de conflitos de leis tem por objectivo contribuir para a segurança jurídica no espaço de justiça europeu. Este é igualmente o objectivo do Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (3) (a seguir «Regulamento Roma‑I»), que substituiu a Convenção de Roma com efeitos a partir de 17 de Dezembro de 2009. Como este regulamento se aplica apenas a contratos celebrados após esta data, o contrato de trabalho objecto do litígio, que foi celebrado em 7 de Agosto de 2001, rege‑se exclusivamente pelo disposto na Convenção de Roma.

2.        O pedido de decisão prejudicial é apresentado no âmbito de um litígio entre Jan Voogsgeerd, um cidadão dos Países Baixos, e a sua antiga entidade patronal, a empresa Navimer, sediada no Grão‑Ducado do Luxemburgo, para quem trabalhou como primeiro oficial maquinista, que motivou um pedido de indemnização pelos danos resultantes de uma alegada resolução abusiva da relação contratual. A questão controvertida reside em saber que lei nacional deve ser aplicada no processo principal uma vez que, em caso de aplicabilidade da lei luxemburguesa, inicialmente acordada como lex contractus, a acção deveria ter sido interposta por Jan Voogsgeerd, sob pena de caducidade, num prazo de três meses que entretanto expirou. O autor da acção defende que este prazo de caducidade não se aplica, por contradizer as disposições imperativas da lei belga que, em seu entender, se aplicam ao seu contrato de trabalho. Para fundamentar a aplicabilidade da lei belga, Jan Voogsgeerd alega, nomeadamente, que, no âmbito de execução do seu contrato de trabalho, sempre recebeu instruções da Naviglobe, uma empresa sediada em Antuérpia que tem uma conexão estreita com a sua entidade patronal. Do facto conclui que a Naviglobe deve ser considerada um estabelecimento da sua entidade patronal, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma e que, consequentemente, se devem aplicar as normas específicas desta disposição.

3.        As questões prejudiciais visam essencialmente determinar o que se deve entender pelo conceito de «estabelecimento» na acepção da referida disposição e que requisitos devem ser preenchidos por este estabelecimento para que seja possível aplicar a norma de conflitos contida nessa disposição. Perante o paralelismo existente entre o processo C‑29/10, Koelzsch (4), no qual estava em causa a interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, e o presente processo, afigura‑se necessário analisar a relação entre as duas disposições.

II – Quadro normativo

A –    Convenção de Roma

4.        O artigo 3.° («Liberdade de escolha») da Convenção de Roma prevê:

«1.       O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa. Mediante esta escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a uma parte do contrato.

[…]»

5.         O artigo 4.° («Lei aplicável na falta de escolha») da Convenção de Roma estabelece:

«1.       Quando a lei aplicável ao contrato não tiver sido escolhida nos termos do artigo 3.°, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita. Todavia, se uma parte do contrato for separável do resto do contrato e apresentar uma conexão mais estreita com um outro país, a essa parte poderá aplicar‑se, a título excepcional, a lei desse outro país.

[…]»

6.        O artigo 6.° («Contrato individual de trabalho») da Convenção de Roma estabelece:

«1.       Sem prejuízo do disposto no artigo 3.°, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do n.° 2 do presente artigo.

2.       Não obstante o disposto no artigo 4.° e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3.°, o contrato de trabalho é regulado:

a)       Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou

b)       Se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador,

a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país.»

7.        O Primeiro Protocolo relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 (5) (a seguir «Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma») estabelece no seu artigo 1.°:

«O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente para decidir sobre a interpretação:

a)       da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980, [...]

b)       das convenções relativas à adesão à Convenção de Roma dos Estados‑Membros que se tornaram membros das Comunidades Europeias após a data da abertura da referida Convenção à assinatura;

[…]»

8.        O artigo 2.° do Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma prevê:

«Qualquer órgão jurisdicional abaixo referido pode solicitar ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente e que incida sobre a interpretação das disposições contidas nos instrumentos referidos no artigo 1.°, sempre que esse órgão jurisdicional considere que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa:

[…]

b)       Os órgãos jurisdicionais dos Estados Contratantes sempre que decidam em recurso.»

B –    Convenção de Bruxelas

9.        A Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «Convenção de Bruxelas») (6) prevê no seu artigo 5.°:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

[…]

5.       Se se tratar de um litígio relativo à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar da sua situação.»

C –    Direito nacional

10.      Em aplicação do artigo 80.° da Lei luxemburguesa, de 9 de Novembro de 1990 (7), que tem por objecto a criação de um registo público marítimo luxemburguês, a resolução abusiva do contrato de trabalho marítimo confere o direito a indemnização pelos danos, acrescida de juros; a acção judicial destinada a obter uma indemnização por esta resolução abusiva do contrato de trabalho marítimo deve ser proposta no tribunal do trabalho, sob pena de caducidade, no prazo de três meses a partir da notificação do despedimento ou da sua fundamentação.

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

11.      Jan Voogsgeerd, cidadão dos Países Baixos, celebrou em 7 de Agosto de 2001 um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a empresa Navimer, sediada no Grão‑Ducado do Luxemburgo. A lei aplicável acordada neste contrato de trabalho foi a lei luxemburguesa.

12.      Jan Voogsgeerd era pago pelo secretariado da empresa Navimer, igualmente sediada no Luxemburgo, e estava inscrito numa caixa de seguro de doença luxemburguesa.

13.      Entre Agosto de 2001 e Abril de 2002, Jan Voogsgeerd exerceu as funções de primeiro‑oficial maquinista a bordo dos navios MS Regina e Prince Henri, propriedade da empresa Navimer que, segundo indicações fornecidas, operam no Mar do Norte.

14.      Por carta de 8 de Abril de 2002, a Navimer despediu Jan Voogsgeerd que, em oposição à resolução unilateral do seu contrato de trabalho, intentou em 4 de Abril de 2003 uma acção contra o seu despedimento junto do tribunal de trabalho de Antuérpia.

15.      Em apoio da sua queixa, Jan Voogsgeerd remeteu para o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma e invocou as disposições imperativas da lei belga que, na falta de escolha da lei aplicável entre as partes, seriam aplicáveis à luz do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.

16.      Alegou que deveria ser considerado vinculado por um contrato de trabalho celebrado com a empresa belga Naviglobe e não com a empresa luxemburguesa Navimer, uma vez que, no âmbito do exercício das suas actividades, sempre tivera de se deslocar para Antuérpia para assistir ao carregamento dos navios e receber instruções da sua entidade patronal, que lhe eram transmitidas através da Naviglobe.

17.      O tribunal de trabalho de Antuérpia, ponderadas as circunstâncias da relação contratual, decidiu que a Navimer deveria ser considerada o estabelecimento que contratou Jan Voogsgeerd e que, por conseguinte, seriam aplicáveis ao contrato de trabalho as disposições imperativas da lei luxemburguesa nos termos do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.

18.      O tribunal de trabalho de Antuérpia declarou ainda improcedente a acção de indemnização intentada contra a resolução ilegal do contrato de trabalho, por ter sido apresentada fora do prazo de três meses, sob pena de caducidade, imposto para o efeito no artigo 80.° da Lei que tem por objecto a criação de um registo público marítimo luxemburguês.

19.      Jan Voogsgeerd recorreu desta sentença junto do órgão jurisdicional competente em Antuérpia. Depreende‑se do despacho de reenvio que esse órgão jurisdicional, embora tenha rejeitado o recurso, não excluiu a possível ponderação dos factos apresentados por Jan Voogsgeerd relativamente ao lugar da carga e à conexão com a Naviglobe para efeitos de recepção de instruções.

20.      No seu recurso de cassação perante o órgão jurisdicional de reenvio, Jan Voogsgeerd repete a argumentação que apresentou em sede de recurso. O órgão jurisdicional de reenvio refere que, se as informações prestadas estiverem correctas, a empresa Naviglobe, sediada em Antuérpia, poderia ser considerada o estabelecimento, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, ao qual Jan Voogsgeerd estaria vinculado por força da prestação efectiva do seu trabalho.

21.      Perante estas dúvidas de interpretação que subsistem, o Hof van Cassatie decidiu suspender o processo e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)         Para efeitos do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980, deve entender‑se por país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador o país em que esteja situado o estabelecimento da entidade patronal que emprega o trabalhador, nos termos do contrato de trabalho, ou o país em que esteja situado o estabelecimento da entidade patronal, ao qual o trabalhador esteja vinculado para efeitos da prestação efectiva do seu trabalho, ainda que não preste habitualmente o seu trabalho no mesmo país?

2)         O lugar em que o trabalhador, que não presta habitualmente o seu trabalho no mesmo país, se deve apresentar e em que recebe as instruções de natureza administrativa e as relativas à execução das suas tarefas deve ser considerado o lugar da prestação efectiva do seu trabalho na acepção da primeira questão?

3)         O estabelecimento da entidade patronal ao qual o trabalhador esteja vinculado para efeitos da prestação efectiva do seu trabalho no sentido da primeira questão deve preencher determinados requisitos formais, tais como, designadamente, ter personalidade jurídica, ou é suficiente, para tal, a existência de um estabelecimento de facto?

4)         O estabelecimento de outra sociedade, com a qual a entidade patronal tem ligações, pode constituir um estabelecimento na acepção da terceira questão, ainda que o poder de direcção da entidade patronal não tenha sido transferido para essa outra sociedade?

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

22.      O despacho de reenvio, com data de 7 de Junho de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Julho de 2010.

23.      Jan Voogsgeerd, os Governos belga e neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas dentro do prazo referido no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

24.      A pergunta dirigida ao órgão jurisdicional de reenvio pelo Tribunal de Justiça, no sentido de apurar se, tendo em conta o acórdão de 15 de Março de 2011, Koelzsch (C‑29/10), que também lhe foi comunicado, mantém o seu pedido de decisão prejudicial, foi respondida afirmativamente por este órgão jurisdicional por carta de 4 de Abril de 2011, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Abril de 2011.

25.      O Tribunal de Justiça, no exercício das suas competências de organização processual, dirigiu às partes uma pergunta relativa à aplicabilidade do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, a que responderam por escrito dentro do prazo fixado.

26.      Como nenhuma das partes requereu a abertura da fase oral do processo, foi possível preparar as conclusões deste processo após a reunião geral do Tribunal de Justiça, que teve lugar a 17 de Maio de 2011.

V –    Argumentação essencial das partes

A –    Relativamente às primeira e segunda questões

27.      O Governo neerlandês e a Comissão consideram que a expressão «país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador», na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, deve ser interpretada como referindo o país em que está situado o estabelecimento que celebrou o contrato de trabalho com o trabalhador.

28.      O Governo neerlandês considera que o artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma deve ser interpretado literalmente. Com efeito, esta disposição visa uniformizar as normas de conflitos para evitar a prática de «forum shopping» (procura do órgão jurisdicional mais vantajoso), promover a segurança jurídica e facilitar a determinação da lei aplicável. Para este fim, as normas de conflitos devem ser, em larga medida, previsíveis. Ora, o significado exacto da expressão «lugar da prestação efectiva do trabalho» não é claro, sobretudo se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país.

29.      A Comissão observa que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma deve ser considerado a principal norma de conflitos, cabendo ao órgão jurisdicional determinar primeiro se existe um centro de gravidade das actividades do trabalhador. Ao formular as suas considerações, o órgão jurisdicional deve atender, tanto quanto possível, ao lugar de prestação das actividades que melhor corresponda à situação concreta, mesmo que o trabalhador exerça as suas actividades em vários Estados‑Membros. A Comissão considera que esta regra, quando interpretada de forma extensiva, garante a maior segurança jurídica possível, por ser previsível e aquela que melhor reflecte a realidade. Por conseguinte, a Comissão sustenta que esta norma permite determinar a lei aplicável na maioria dos casos. A norma de conflitos contida no artigo 6.°, n.° 2, alínea b), só pode ser considerada subsidiariamente se não tiver sido possível determinar esse centro de gravidade das actividades do trabalhador.

30.      Segundo a Comissão, esta norma de conflitos oferece duas abordagens possíveis. Pode entender‑se que esta norma se refere ao lugar do estabelecimento a que o trabalhador está ligado por força do exercício das suas actividades (critério factual) ou ao lugar do estabelecimento que contratou o trabalhador, nos termos do contrato de trabalho (critério formal). A Comissão defende a segunda interpretação. Por um lado, o próprio teor da alínea b) aponta nesse sentido: o conceito de «contratação» prende‑se mais com a data da contratação do que com a prestação efectiva do trabalho, por oposição ao critério da alínea a), que se refere expressamente ao trabalho prestado habitualmente no âmbito da execução do contrato de trabalho. Por outro lado, afigura‑se pouco lógico, de um ponto de vista sistemático, aplicar um critério que também se baseia em factos, quando mesmo uma interpretação extensiva do critério da alínea a) não permita determinar o centro de gravidade das actividades do trabalhador.

31.      Jan Voogsgeerd e o Governo belga defendem, em contrapartida, que a expressão «país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador», constante do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma se refere ao país em que esteja situado o estabelecimento a que o trabalhador está vinculado por força da prestação efectiva do seu trabalho.

32.      Jan Voogsgeerd observa a este respeito que, numa situação como a do processo principal, a relação laboral apresenta uma conexão muito ténue com o lugar do estabelecimento da empresa que contratou o trabalhador. A aplicação da lei desse país contrariaria o critério na base da Convenção de Roma, segundo o qual deve ser aplicada a lei do país que apresente uma conexão mais estreita com a relação laboral. A celebração de um contrato com o estabelecimento de uma sociedade‑mãe, com o mero objectivo de trabalhar no estrangeiro para a sucursal desta sociedade, não deve ter efeitos sobre a determinação da lei aplicável.

33.      Na verdade, seria contrário ao objectivo do artigo 6.° da Convenção de Roma que a entidade patronal se pudesse subtrair às disposições imperativas do país com o qual o contrato de trabalho apresenta uma conexão real e estreita, fazendo simplesmente um outro estabelecimento assinar o contrato de trabalho. A aplicação da lei do país em que esteja situado o estabelecimento onde trabalha conferiria ao trabalhador a mesma protecção que aos trabalhadores que normalmente desempenham as suas tarefas neste estabelecimento, em cumprimento do seu contrato de trabalho. Por último, Jan Voogsgeerd observa que a versão inglesa do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma não deixa margem para dúvidas que a disposição não se refere à empresa com a qual o trabalhador celebrou um contrato de trabalho.

34.      O Governo belga observa que «o país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador» se refere ao país em que esteja situado o estabelecimento a que o trabalhador está vinculado por força da prestação efectiva do seu trabalho.

35.      Observa, em primeiro lugar, que interpretar esta disposição como visando o país indicado no contrato poderia ter como consequência que as disposições imperativas da lei deste país deixassem de ter qualquer relação com a prestação efectiva do trabalho. O nexo em aplicação desse critério dependeria de circunstâncias que, frequentemente, não teriam qualquer relação com o trabalho efectivo. Em segundo lugar, não se poderia interpretar como celebração de um contrato de trabalho na sede de uma sociedade sem que o trabalho fosse efectivamente prestado no país em que esteja situada a sede. Essa interpretação poderia facilmente dar origem a abusos, permitindo por exemplo que a entidade patronal transferisse a sede da sociedade para um país com fracas garantias sociais para os trabalhadores. Em terceiro lugar, a abordagem do Governo belga centra‑se na «teoria da conexão mais estreita», que obriga a aplicar a lei do país que, tendo em conta todas as circunstâncias, apresente as conexões mais estreitas. A língua do contrato, a moeda utilizada, a inscrição no registo de pessoal, a nacionalidade das partes e o lugar de exercício do poder de direcção da entidade patronal são alguns dos aspectos que podem indiciar uma conexão mais estreita.

B –    Relativamente às terceira e quarta questões prejudiciais

36.      Jan Voogsgeerd considera que um operador económico pode ser classificado como estabelecimento na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma se tiver uma representação ou um escritório com certa estabilidade, for dotado de personalidade jurídica ou satisfaça outros requisitos.

37.      Não obstante, entende que o reconhecimento dessa qualidade não exige que a referida unidade organizacional tenha poder de direcção ou que este lhe tenha sido transferido pela empresa principal. Essa unidade organizacional tanto pode ser uma sucursal sem personalidade jurídica como uma filial com personalidade jurídica.

38.      O Governo belga defende que a personalidade jurídica não é uma condição formal para a classificação como «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, e que qualquer sucursal ou agência de uma sociedade instituída em consonância com a lei do país do estabelecimento pode ser considerada um estabelecimento.

39.      É necessário, contudo, que o estabelecimento tenha recebido da sociedade‑mãe o poder de direcção em matéria de fixação das modalidades de remuneração e de condições de despedimento.

40.      A Comissão também considera que a classificação como estabelecimento requer um mínimo de estabilidade. Remete para o acórdão Somafer (8), em que o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 5.°, n.° 5, da Convenção de Bruxelas, declarando que o conceito de sucursal, de agência ou de estabelecimento se refere a um centro de negócios que se manifesta de forma durável como representação exterior de uma sociedade‑mãe. A Comissão observa que essa abordagem impede o estabelecimento de uma conexão com um país que possua um nível inferior de protecção dos trabalhadores.

VI – Apreciação jurídica

A –    Observações preliminares

41.      Os conflitos de leis entre os diversos ordenamentos jurídicos no domínio do direito do trabalho suscitam questões jurídicas complexas, em particular no caso de relações laborais com dimensão transfronteiriça. Precisamente por esta razão, colocam não raras vezes problemas consideráveis aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros chamados a determinar a lei aplicável a um contrato de trabalho. Às dificuldades quotidianas inerentes à interpretação do contrato de trabalho soma‑se a incerteza sobre a escolha do método adequado para determinar a lei aplicável. Estas dificuldades práticas dos tribunais aumentam à medida que o destacamento de trabalhadores se torna mais habitual e que cresce o número de cidadãos da União que exerce o seu direito de livre circulação, bem como o número de empresas com relações comerciais com o estrangeiro e/ou com sucursais em outros países. O destacamento, temporário ou por tempo indeterminado, de inúmeros trabalhadores tornou‑se um factor relevante nas relações económicas internacionais, não só no mercado interno europeu, mas também a nível mundial. Precisamente por este motivo, é muito importante dispor de normas de conflitos que ofereçam às partes contratuais soluções previsíveis para a multiplicidade de problemas relacionados com a relação laboral como, por exemplo, a questão de saber quais são as disposições aplicáveis em matéria de despedimento, que indemnizações são eventualmente devidas ao trabalhador, qual é o regime de férias aplicável e se uma cláusula de resolução de litígios deve ser considerada válida (9).

42.      O juiz nacional vê‑se confrontado com o mesmo problema no processo principal, na medida em que lhe cabe decidir se é aplicável a lei luxemburguesa ou a lei belga. À primeira vista, as múltiplas conexões com a lei de ambos os Estados‑Membros não permitem reconhecer uma imputação inequívoca. Para Jan Voogsgeerd, no entanto, a determinação da lei aplicável é de importância fundamental, uma vez que, em caso de aplicabilidade do direito luxemburguês, nos termos do artigo 80.° da Lei luxemburguesa, de 9 de Novembro de 1990, que tem por objecto a criação de um registo público marítimo luxemburguês, a acção de indemnização contra o despedimento abusivo deveria ter sido intentada, sob pena de caducidade, num prazo de três meses, que entretanto expirou. Neste caso, a acção teria de ser julgada inadmissível. Por conseguinte, o juiz nacional competente terá de basear a sua decisão nas disposições pertinentes da Convenção de Roma, tomando em consideração uma série de elementos de direito e de facto. A interpretação das disposições e dos conceitos pertinentes a que o Tribunal de Justiça procederá no quadro do presente processo de decisão prejudicial visa permitir ao juiz nacional chegar a uma decisão juridicamente correcta, que tenha também em conta, na medida do possível, o objectivo do artigo 6.° da Convenção de Roma, de garantir uma protecção adequada do trabalhador.

B –    Exposição da sequência da análise sistemática para determinação do direito aplicável

43.      Para situar as questões jurídicas suscitadas no contexto temático e sistemático correcto, antes de me debruçar sobre as questões prejudiciais propriamente ditas começarei por explicar brevemente a sequência que o juiz nacional é obrigado a respeitar na análise para determinação da lei aplicável. No intuito de fornecer ao juiz nacional uma solução o mais adequada possível para as questões jurídicas suscitadas, esta exposição será feita não desligada da matéria de facto do processo principal mas sim tendo em conta, na medida do possível, aspectos individuais desta.

1.      A liberdade de escolha como regra fundamental

44.      A Convenção de Roma caracteriza‑se por conceder uma importância central à autonomia das partes, consagrando como regra fundamental, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, a liberdade de escolha das partes contratuais(10). Assim, as apreciações desta convenção estão em consonância com o entendimento defendido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência, segundo o qual «os acordos contratuais que expressam a vontade consensual das partes devem prevalecer sobre qualquer outro critério que possa ser aplicado apenas em caso de silêncio do contrato sobre a matéria» (11). Quando a lei não tenha sido escolhida pelas partes, é aplicável a lei que venha a ser determinada nos termos do artigo 4.° da mesma convenção, que prevê como critério fundamental a aplicação da lei do país com o qual o contrato apresente uma conexão mais estreita.

45.      Note‑se que as condições previstas no artigo 3.°, n.° 1, da Convenção de Roma estão reunidas no processo principal, uma vez que a empresa Navimer e Jan Voogsgeerd, ao celebrarem o contrato de trabalho, fixaram expressamente a lei do Grão‑Ducado do Luxemburgo como lei aplicável. Assim, a não existirem disposições especiais da referida convenção pertinentes para o caso em apreço, poderá partir‑se do princípio da aplicabilidade do direito do trabalho luxemburguês.

2.      Disposições especiais de protecção do trabalhador

46.      No processo principal, os artigos 3.° e 4.° da Convenção de Roma poderão com efeito ser afastados por outras disposições desta convenção, em resultado de uma relação de especialidade, segundo o princípio da lex specialis derogat legi generali. A este respeito, cabe mencionar o artigo 6.° da Convenção de Roma, que regula a lei aplicável aos contratos de trabalho e às relações laborais. Este artigo constitui uma regra especial relativamente aos artigos 3.° e 4.° da referida convenção, na medida em que contém disposições derrogatórias para protecção da parte contratual mais fraca, o trabalhador (12).

47.      Por um lado, o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma impõe que a escolha pelas partes da lei aplicável não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável na falta de escolha. Por outro lado, o artigo 6.°, n.° 2, da referida convenção estabelece disposições especiais, que se aplicam quando as partes não tenham efectuado uma escolha da lei aplicável: nesse caso, aplica‑se a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, ou – se não for possível determinar o país em que o trabalho é habitualmente prestado – a lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador. Estas duas conexões fundamentais caracterizam‑se, em primeiro lugar, por serem alternativas, isto é, por se excluírem mutuamente e, em segundo lugar, por cobrirem o espectro total das situações possíveis (13). Por fim, o artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma contém, no último parágrafo, uma cláusula derrogatória (14), segundo a qual se o contrato de trabalho apresentar uma conexão mais estreita com outro país, não se aplica nenhuma das referidas disposições. Nesse caso, é aplicável a lei desse outro país. A ideia fundamental subjacente a estas normas é permitir, no interesse da protecção do trabalhador, a aplicação da lei que estiver mais próxima do contrato de trabalho.

48.      Para que a regra geral consagrada no artigo 3.° possa ser derrogada, o órgão jurisdicional nacional deve determinar, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma, que lei seria aplicável na falta de escolha pelas partes e se o trabalhador, nesse caso, poderia ficar privado da protecção que lhe é conferida pelas disposições imperativas da lei do outro país. Esta determinação compete ao juiz nacional, a quem cabe avaliar qual das leis, a lei escolhida ou a lei que seria aplicável em alternativa, confere maior protecção ao trabalhador (segundo o princípio da lei mais favorável), e se as disposições pertinentes da lei mais favorável são de natureza imperativa no respectivo ordenamento jurídico (15). Se a lei acordada não contiver normas de protecção imperativas ou se não atingir os padrões da lei pertinente nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma, serão aplicáveis as normas imperativas deste ordenamento jurídico mais favoráveis para o trabalhador. Nesse caso, a relação laboral pode ser regulada por diferentes ordenamentos jurídicos (16). Em contrapartida, se a lei escolhida pelas partes conferir ao trabalhador uma protecção igual ou superior à conferida pela lei pertinente nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma, mantém‑se aplicável a lei acordada (17).

49.      Considerando, por um lado, que certas disposições de um mesmo ordenamento jurídico podem ser mais favoráveis que outras e, por outro, que as disposições de ambos os ordenamentos jurídicos podem ser diferentes ou incompatíveis entre si, a análise do primeiro aspecto – visando saber que lei comporta as disposições mais favoráveis – não deverá redundar numa comparação global dos dois ordenamentos jurídicos, totalmente desligada do caso a decidir. Isto colocaria o juiz nacional perante problemas praticamente insolúveis, até porque determinadas disposições laborais podem ter consequências diferentes, consoante sejam aplicadas isoladamente ou em conjunto com outras (18). Essa análise deve pois debruçar‑se sobre os aspectos que dizem directamente respeito ao objecto do litígio (19).

50.      No processo principal estão em causa regras de protecção dos trabalhadores contra o despedimento e a sua execução judicial (20). Por conseguinte, o prazo de três meses previsto pela lei luxemburguesa, sob pena de caducidade, para intentar uma acção de indemnização contra o despedimento abusivo, pode ser relevante para a análise do processo principal, ao passo que a lei belga, na falta de informação em contrário do órgão jurisdicional de reenvio, não prevê qualquer limitação temporal nesta matéria. A aplicabilidade, ao processo principal, das disposições especiais de protecção do trabalhador previstas na Convenção de Roma parece‑me lógica, sobretudo à luz das explicações dadas no relatório Giuliano/Lagarde sobre a Convenção de Roma (21) relativamente ao funcionamento do seu artigo 6.°, que mencionam um exemplo semelhante de um regime mais favorável para o trabalhador: «Se as disposições aplicáveis em virtude do n.° 2 conferirem maior protecção aos trabalhadores que a lei escolhida pelas partes, mediante, por exemplo, a concessão de um prazo de aviso prévio mais longo, essas disposições prevalecem sobre as correspondentes disposições da lei escolhida e aplicar‑se‑ão em seu lugar». Considerando que, nos dois casos, se trata de prazos que têm por função proteger o trabalhador contra danos resultantes do despedimento, afigura‑se que o princípio fundamental subjacente ao exemplo pode ser transposto para a regulamentação controvertida. Se em direito belga o prazo de caducidade fosse mais longo ou nem estivesse previsto um prazo de caducidade para intentar uma acção de indemnização, estaria justificado o afastamento das normas luxemburguesas em princípio aplicáveis.

51.      Se as disposições belgas em matéria de protecção contra o despedimento forem classificadas de «imperativas» na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma, a escolha da lei luxemburguesa pode ser considerada uma «privação» da protecção do trabalhador.

3.      Relação entre as alíneas a) e b) do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma

52.      O artigo 6.° da Convenção de Roma tem por objectivo a protecção do trabalhador, por se considerar que o trabalhador é, em regra, a parte social e economicamente mais fraca. Esta protecção é assegurada através da aplicação, ao contrato, da lei do país com o qual o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita. Tal como o Tribunal de Justiça determinou no acórdão Koelzsch, essa lei é a lei do Estado onde o trabalhador exerce as suas actividades profissionais e não a do Estado da sede do empregador. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, é no primeiro Estado que o trabalhador exerce a sua actividade económica e social e que o ambiente profissional e político influencia a actividade de trabalho. Assim, o respeito das regras de protecção laboral previstas no direito desse país deve ser garantido na medida do possível (22).

53.      Para assegurar devidamente o objectivo prosseguido pelo artigo 6.° da Convenção de Roma, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Koelzsch, que o critério do país em que o trabalhador «presta habitualmente o seu trabalho», consagrado no seu n.° 2, alínea a), deve ser interpretado de forma extensiva, ao passo que o critério da sede do «estabelecimento que contratou o trabalhador», previsto no n.° 2, alínea b), do mesmo artigo, deverá aplicar‑se quando o juiz do foro não estiver em condições de determinar o país da prestação habitual do trabalho (23).

54.      Decorre da ratio legis, da estrutura do artigo 6.°, e do teor das várias disposições («se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país») que o juiz nacional, ao determinar a lei aplicável, deve começar pela alínea a) do artigo 6.°, n.° 2 antes de passar à alínea b). Cabe‑lhe determinar um centro de gravidade das actividades do trabalhador. Um eventual destacamento temporário do trabalhador para outros países (24), no âmbito das suas actividades, não impede a aplicação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma.

55.      O Tribunal de Justiça, que no processo Koelzsch foi chamado a interpretar o critério «do país da prestação habitual do trabalho» a que alude o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, declarou no n.° 44 do respectivo acórdão que a disposição é aplicável «desde que seja possível ao órgão jurisdicional do foro determinar o Estado com o qual o trabalho apresenta uma conexão significativa». Essa conexão, como refere o Tribunal de Justiça no n.° 45 do mesmo acórdão, existe relativamente ao lugar «a partir do qual o trabalhador exerce efectivamente as suas actividades e, na falta de centro de negócios, ao lugar onde este exerce a maior parte das suas actividades» (itálico meu).

4.      Critérios de determinação do centro de negócios

56.      A interpretação extensiva do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, realizada no acórdão Koelzsch, tem consequências para a apreciação jurídica do presente processo, sobretudo para a selecção da regra de conflitos correcta. Com efeito, os critérios que o Tribunal de Justiça desenvolveu no âmbito do processo Koelzsch para determinar o centro de negócios parecem ser aplicáveis no caso vertente. É o que passo a explicar com recurso a passagens pertinentes do acórdão Koelzsch e a elementos relevantes da matéria de facto do processo principal.

57.      Como o Tribunal de Justiça reconheceu a justo título nesse acórdão, não se pode entender por lugar da prestação habitual do trabalho apenas o lugar onde o trabalhador exerce efectivamente as suas actividades. Pelo contrário, o seu entendimento também como aquele lugar a partir do qual o trabalhador exerce efectivamente as suas actividades corresponde às exigências da protecção dos trabalhadores e de uma interpretação coerente, em harmonia com o disposto na Convenção de Bruxelas e no Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (25) (o designado regulamento Bruxelas‑I) (26), tal como foi realizada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Importa referir, neste contexto, que esta interpretação foi confirmada pelo facto de o legislador da União ter previsto expressamente esta situação na disposição que lhe sucedeu, o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 593/2008 (27), que permitiu clarificar a situação jurídica existente (28).

58.      Com base nesta conclusão, o Tribunal de Justiça enunciou, nos n.os 48 e 49 do acórdão Koelzsch, critérios destinados a ajudar o juiz nacional a determinar o centro de negócios do trabalhador. Considerando que o processo principal tinha por objecto determinar o local de trabalho habitual de um motorista de pesados, estes critérios referem‑se ao sector específico do transporte internacional. Esta circunstância não impede, por si só, a sua aplicabilidade ao processo principal, até porque Jan Voogsgeerd, segundo informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, terá trabalhado para uma empresa de transporte de carga marítima. Embora exercesse as funções de primeiro‑oficial maquinista e não de comandante do navio, os autos permitem concluir que, tal como aparentemente o resto da tripulação, Jan Voogsgeerd também exercia funções a bordo de navios que operavam para a empresa no Mar do Norte. Na falta de indícios em contrário, os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Koelzsch podem ser directamente aplicados na apreciação da matéria de facto do processo principal.

59.      À luz destes critérios, considerando a natureza do trabalho no sector do transporte internacional, o juiz nacional deve ter em conta todos os elementos que caracterizam a actividade do trabalhador. Deve, em especial, determinar em que Estado se situa o lugar a partir do qual o trabalhador efectua as suas missões de transporte, recebe instruções sobre as mesmas e organiza o seu trabalho, bem como o lugar em que se encontram as ferramentas de trabalho. Deve também verificar quais os locais onde o transporte é habitualmente efectuado, os locais de descarga da mercadoria, bem como o lugar aonde o trabalhador regressa após as suas missões. É decisivo, por último, o local em que o trabalhador cumpre o essencial das suas obrigações para com a entidade empregadora (29).

60.      Se o tribunal nacional aplicar estes critérios ao processo principal, poderá verificar que existem indícios suficientes para presumir que o centro das actividades de Jan Voogsgeerd, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, estava situado em Antuérpia. Depreende‑se da decisão de reenvio que Jan Voogsgeerd se devia apresentar para o embarque em Antuérpia e que recebia ordens e instruções da sociedade Naviglobe, aí estabelecida, em cumprimento do seu contrato de trabalho com a empresa Navimer. Antuérpia era, por conseguinte, o lugar onde Jan Voogsgeerd trabalhava e tinha a sua base permanente, a partir da qual embarcava nas suas viagens de serviço regulares. Considerando que é perfeitamente possível determinar a lei aplicável com base no artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da referida convenção, é duvidoso que ainda exista margem no processo principal para uma aplicação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b) (30).

61.      A circunstância de vários elementos da matéria de facto indicarem que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma deve ser considerado a norma aplicável não pode pôr em causa a própria pertinência das questões prejudiciais para a decisão do litígio. Com efeito, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais de reenvio definir o objecto das questões que entendem submeter. Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão a tomar, apreciar, no caso concreto, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, como as questões colocadas são relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (31).

62.      Recorde‑se ainda que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio o esclarecimento cabal da matéria de facto, para que os elementos de direito e de facto susceptíveis de proporcionar indícios de conexão com um determinado ordenamento jurídico possam ser determinados e transmitidos ao Tribunal de Justiça, de modo a servir de base à sua decisão. Esse processo permitirá ao Tribunal de Justiça exercer com eficácia as suas competências interpretativas, no âmbito da relação de cooperação que caracteriza o processo de decisão prejudicial, e munir o órgão jurisdicional de reenvio de uma interpretação útil do direito da União, que contribua para resolver o litígio principal. Apesar de se presumir que o órgão jurisdicional de envio cumpriu este dever, determinou o enquadramento da matéria de direito e de facto e o delineou com o devido rigor na sua decisão de reenvio, não se pode excluir que disponha de indícios que apontem para uma aplicação da regra de conexão da alínea b), e não da regra de conexão da alínea a), como se defende nas presentes conclusões.

63.      De qualquer modo, para efeitos do presente processo de decisão prejudicial, deve considerar‑se que o órgão jurisdicional de reenvio, sem incorrer em erro de direito, partiu da não aplicabilidade do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma. Por este motivo o artigo 6.°, n.° 2, alínea b) deve ser interpretado à luz das questões prejudiciais.

C –    Apreciação das questões prejudiciais

1.      Relativamente às primeira e segunda questões

64.      As primeira e segunda questões prejudiciais procuram definir o conceito de «estabelecimento da entidade patronal» visado no artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se se deve entender por estabelecimento da entidade patronal o lugar em que o trabalhador foi contratado, nos termos do contrato de trabalho, ou o lugar ao qual ele está vinculado para efeitos da prestação efectiva do seu trabalho.

65.      A favor de uma interpretação no sentido de que se deve entender por «estabelecimento da entidade patronal», na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), o lugar em que o trabalhador foi contratado, nos termos do contrato de trabalho, pode invocar‑se, desde logo, o teor da disposição. A utilização da palavra «contratação» na mesma frase diz respeito claramente à celebração do contrato de trabalho ou, no caso de uma relação laboral de facto, ao início do trabalho e não à ocupação efectiva do trabalhador (32). Este último aspecto, no entanto, pode ser relevante para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), dado que esta disposição atende ao elemento fáctico da prestação habitual de trabalho.

66.      Outros indícios sobre como deve ser interpretado o conceito de «estabelecimento da entidade patronal» visado no artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma decorrem de uma interpretação teleológica e sistemática do disposto no artigo 6.°, n.° 2, desta convenção.

67.      Como já foi referido, as disposições especiais relativas a contratos de trabalho e relações laborais individuais têm por objectivo a protecção do trabalhador. Considerando que o lugar em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho apresenta as conexões mais estreitas com o contrato de trabalho e que, como tal, uma conexão com a lei desse Estado‑Membro confere maior protecção ao trabalhador, o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, tal como o Tribunal de Justiça observou correctamente no acórdão Koelzsch, deve ser interpretado de forma extensiva. A necessidade de uma aplicação prioritária desta disposição no interesse da protecção do trabalhador aponta para que o artigo 6.°, n.° 2, alínea b) deva correlativamente ser alvo de uma interpretação restritiva.

68.      Se a aplicabilidade do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma não for considerada na decisão do caso vertente, os interesses da segurança jurídica sugerem uma interpretação formal da regra da alínea b), no sentido de que ela visa o lugar em que está situado o estabelecimento da empresa que contratou o trabalhador nos termos do contrato de trabalho. Nessa medida, o entendimento do Governo neerlandês (33) e da Comissão (34) nesse sentido merecem o meu expresso acordo. Uma conexão com o lugar da contratação tem a vantagem da previsibilidade da lei aplicável, ao invés de uma conexão com um elemento puramente factual, como o lugar da prestação habitual do trabalho. Ao passo que este último lugar pode variar frequentemente no decurso da vida profissional, o lugar da contratação mantém‑se em regra inalterado, independentemente de eventuais deslocalizações da própria empresa ou de possíveis destacamentos do trabalhador para o estrangeiro (35). De todos, o lugar de contratação é o que indica com maior clareza o local em que o trabalhador foi incorporado na estrutura da empresa pela primeira vez. Precisamente no caso das relações laborais que exigem uma mobilidade elevada do trabalhador, este critério é o que melhor serve a continuidade das relações jurídicas entre as partes contratuais (36).

69.      Não se percebe neste contexto por que razão os países signatários da Convenção de Roma quereriam abdicar da previsibilidade deste critério para o substituir por um critério menos fiável como o lugar da prestação efectiva das actividades. Esse entendimento da regra em causa, defendido por Jan Voogsgeerd nas suas observações escritas (37), ignora que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a) já indica um critério factual, que será aplicável na maior parte dos casos graças à sua interpretação extensiva. Seria ilógico, de um ponto de vista sistemático, que a alínea b) contivesse essencialmente a mesma regra, pois esta seria simplesmente supérflua. A existência de uma regra autónoma e separada sugere que esta disposição possui um conteúdo próprio, rigorosamente distinto do disposto na alínea a). No que diz respeito a esse conteúdo, não se pode supor que as partes contratantes da Convenção de Roma não conhecessem as vantagens de um critério de conexão formal, referidas supra. Deve presumir‑se, pelo contrário, que pretendiam integrar este critério na configuração normativa da Convenção de Roma. Uma interpretação sistemática do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção permite concluir, por conseguinte, que ele remete para o lugar da celebração do contrato.

70.      Tal não implica obrigatoriamente, no entanto, que o conceito de «estabelecimento» nos termos desta disposição signifique exclusivamente a sede da empresa. Uma interpretação nesse sentido ignoraria, por um lado, que as actuais relações comerciais das empresas apresentam inúmeras ramificações internacionais e, por outro, que muitas sociedades possuem sucursais e agências em vários Estados‑Membros, para beneficiar das vantagens do mercado interno. Essas sucursais e agências podem contratar pessoal em nome próprio ou da sociedade, pelo que tem de ser possível abrangê‑las no conceito de «estabelecimento», desde que sejam preenchidas determinadas condições. Esta interpretação é confirmada pela versão inglesa do artigo 6.°, n.° 2, alínea b) («the place of business through which he was engaged») da Convenção de Roma, cujo teor possibilita uma contratação em que a sucursal assume um mero papel mediador entre a sociedade e o trabalhador (38). Para não privar o disposto no artigo 6.°, n.° 2, alínea b) da Convenção de Roma da sua função como critério de aplicação fácil e para reduzir o risco de abusos, deverá exigir‑se, no entanto, que a sucursal ou agência tenha estado activamente envolvida, em nome da entidade patronal, na celebração do contrato de trabalho, por exemplo no âmbito das negociações contratuais com o trabalhador (39).

71.      Uma abordagem centrada no local da contratação não exclui totalmente o risco de abusos, sendo perfeitamente possível que uma entidade patronal se sinta inclinada a escolher como lugar de celebração do contrato de trabalho um país em que o direito de trabalho garanta apenas um baixo nível de protecção ao trabalhador (40). Neste contexto, uma conexão com o local de contratação é susceptível de se afigurar discricionária ou mesmo arbitrária, porque o local em que o trabalhador celebra o contrato também pode depender do acaso. Para prevenir este risco deveria exigir‑se em casos extremos, como condição suplementar de uma classificação como «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, que o trabalhador preste efectivamente o seu trabalho nesse lugar e que este não seja meramente o local em que foi celebrado o contrato (41).

72.      No processo principal, verifica‑se que os dados escassos fornecidos pelo despacho de reenvio e pelo articulado de Jan Voogsgeerd não permitem retirar conclusões sobre a tramitação exacta da celebração do contrato nem sobre uma eventual participação da Naviglobe no processo de contratação. Embora o contrato indique que Jan Voogsgeerd foi contratado em nome da Navimer, tal não exclui obrigatoriamente que a empresa Naviglobe possa ter participado no processo de contratação através, por exemplo, da publicação do concurso, da condução da entrevista de emprego, da fixação dos pormenores do contrato de trabalho ou da disponibilização das suas instalações para a celebração do contrato de trabalho. Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio esclarecer o contexto da contratação de Jan Voogsgeerd e o papel exacto desempenhado pela empresa Naviglobe.

73.      Se for apurado que existe uma discrepância manifesta entre o local da contratação e o local da prestação efectiva do trabalho, seria possível estabelecer uma conexão, mais estreita e mais favorável à protecção do trabalhador, do contrato de trabalho ou da relação laboral com o lugar da lei aplicável, mediante o recurso à derrogação prevista no artigo 6.°, n.° 2, último parágrafo. Com efeito, esta regra estabelece, em derrogação às disposições atrás referidas, que é aplicável a lei do país com o qual o contrato de trabalho ou a relação laboral apresente uma «conexão mais estreita». Esta regra tem por objectivo evitar que a entidade patronal deslocalize intencionalmente a sede da sua empresa para um país cujo direito de trabalho ofereça um nível de protecção baixo ao trabalhador, para poder aplicar a lei deste país. A referida regulamentação compensa certos inconvenientes do sistema rígido de conexões básicas do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma, na medida em que remete excepcionalmente para o critério do juiz nacional, para possibilitar uma solução flexível, adaptada às circunstâncias do caso concreto (42). A consideração exclusiva do local da celebração do contrato, em aplicação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b) pode revelar‑se inadequada, nomeadamente em caso de discrepância entre o estabelecimento contratante e o local de prestação das actividades, e em caso de uma duração mais longa da relação laboral e de alteração posterior das circunstâncias de facto (43).

74.      É imprescindível que o contrato de trabalho apresente uma conexão mais estreita com este outro país. A pertinência do direito deste país pode resultar do conjunto das circunstâncias (44). Os seguintes critérios podem fornecer indícios da existência de uma conexão mais estreita com determinado país: a língua do contrato, a adopção de conceitos de determinado ordenamento jurídico, a moeda utilizada, a duração do contrato de trabalho, a inscrição no registo de pessoal, a nacionalidade das partes, o local de residência habitual, o local em que a entidade patronal exerce a supervisão do pessoal, bem como o lugar de celebração do contrato (45). Cada um destes critérios pode, por si só, permitir concluir por uma conexão mais estreita com um outro país do que com o país em que o trabalhador é empregado ou em que esteja situado o estabelecimento que o contratou. Importa notar, contudo, que o artigo 6.°, n.° 2, último parágrafo da Convenção de Roma apenas contém uma derrogação, que só pode ser aplicada depois de se ter analisado a pertinência do disposto no n.° 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo (46).

75.      Conclui‑se, em suma, que se deve entender por país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, o país em que está situado o estabelecimento da entidade patronal que, nos termos do contrato de trabalho, contratou o trabalhador. Como a segunda questão prejudicial foi manifestamente colocada apenas para o caso de o Tribunal de Justiça concluir, de modo diferente, que se deve entender por esse país o país em que esteja situado o estabelecimento da entidade patronal ao qual o trabalhador esteja vinculado para efeitos da prestação efectiva do seu trabalho, não é necessário analisar esta questão prejudicial.

2.      Relativamente à terceira questão prejudicial

76.      As terceira e quarta questões dizem essencialmente respeito aos requisitos jurídicos que um «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma deve preencher para ser classificado como tal.

77.      Com a terceira questão colocada, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber especificamente se o estabelecimento da entidade patronal ao qual o trabalhador esteja vinculado para efeitos da prestação efectiva do seu trabalho na acepção da primeira questão, deve preencher determinados requisitos formais, como ter personalidade jurídica, ou se é suficiente, para tal, a existência de um estabelecimento de facto. Embora esta questão tenha sido manifestamente colocada apenas para o caso de o Tribunal de Justiça responder à primeira questão prejudicial de forma diferente da que se propõe, considero que é possível fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio indicações de interpretação úteis para o julgamento do litígio principal, uma vez que se mantêm relevantes. Estas indicações poderão ajudar o órgão jurisdicional de reenvio a avaliar se a empresa Naviglobe pode ser eventualmente classificada, em termos funcionais, como um estabelecimento da empresa Navimer, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.

78.      Para esse efeito, importa constatar, antes de mais, que o artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma não exige, em qualquer caso atendendo à sua redacção, que um estabelecimento nos termos desta disposição possua personalidade jurídica. Isto aponta para a necessidade de uma abordagem menos formal do conceito de «estabelecimento». Se considerarmos também que esta norma e a Convenção de Roma, no seu conjunto (47), têm por objectivo garantir maior segurança jurídica, no interesse das partes contratuais, relativamente à questão da lei aplicável, tudo leva a crer que esse objectivo não seria atingido se uma conexão à lei de um determinado país dependesse em última análise de o estabelecimento em causa cumprir as condições para a obtenção de personalidade jurídica, de acordo com as normas desse ordenamento jurídico. Perante as diferenças entre os sistemas jurídicos e as condições mínimas que são susceptíveis de ser exigidas na matéria, o juiz nacional, confrontado com um ordenamento jurídico estrangeiro, nem sempre poderia determinar com facilidade se estão cumpridas as condições relativas a uma determinada sucursal ou agência.

79.      Considerando que, em determinadas circunstâncias, um estabelecimento também pode funcionar como «mediador» na contratação de um trabalhador, sem ser necessário que ele contrate em nome próprio (48), a exigência de que o estabelecimento seja dotado de personalidade jurídica afigura‑se excessiva para, por um lado, cumprir o requisito da segurança jurídica e, por outro, satisfazer os requisitos de uma abordagem simples e flexível. Logo, o entendimento de «estabelecimento», na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, como sendo sempre a sede da sociedade, deve ser considerado um requisito demasiado restritivo. Creio que uma interpretação do estabelecimento como um estabelecimento de facto, por exemplo, o escritório de representação da entidade patronal, cumpriria em todo o caso os requisitos de segurança jurídica e de flexibilidade.

80.      Deve exigir‑se, em qualquer caso, que a entidade patronal exerça um controlo efectivo sobre este estabelecimento, para que as operações do estabelecimento lhe possam ser imputadas como operações próprias. Deverá presumir‑se que é este o caso, quando um estabelecimento em sentido lato, ou seja, uma sucursal sem personalidade jurídica ou uma filial dotada de personalidade jurídica, recebe instruções da direcção da sociedade dominante ou quando, como no processo principal, duas empresas têm a mesma direcção. Neste contexto, deve considerar‑se relevante a informação prestada por Jan Voogsgeerd, de que ambas as empresas têm um director comum (49). Esta identidade na composição da direcção extingue em larga medida as diferenças existentes entre as duas empresas, uma vez que tanto a formação da sua vontade como a sua actuação correspondem a uma unidade.

81.      Embora a aquisição de personalidade jurídica não seja uma condição sine qua non para a classificação como «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, deve exigir‑se como requisito essencial que o estabelecimento em causa da sociedade, tal como Jan Voogsgeerd (50) e a Comissão (51) observam, com pertinência, apresente uma certa estabilidade nesse lugar. Essa exigência destina‑se a evitar que a entidade patronal se aproveite de uma presença meramente temporária num determinado país para aplicar a lei desse país que, eventualmente, se caracteriza por um nível de protecção laboral baixo. Como tal, a presença ocasional de um agente de uma entidade patronal estrangeira nesse lugar com o objectivo de contratar trabalhadores para um posto no estrangeiro (52) deve ser considerada insuficiente. Se, em contrapartida, o mesmo agente viajar para um país em que a entidade patronal mantém uma representação permanente da sua empresa, é perfeitamente lícito assumir que esta se trata de um «estabelecimento», na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, onde o trabalhador foi contratado (53).

82.      Com base nas minhas conclusões sobre a interpretação do critério do lugar de contratação (54), e em consonância com o requisito mínimo de estabilidade, anteriormente referido, o conceito de «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, deve ser interpretado como abrangendo em primeira linha a empresa que organiza globalmente as actividades profissionais do trabalhador. Mas este conceito deve ser objecto de uma interpretação ainda mais extensiva e abranger também outras unidades organizacionais que exercem uma actividade para o empregador, por exemplo como parte da empresa ou centro de exploração da empresa, sem que tenham de cumprir os requisitos de uma empresa (55). Com efeito, importa distinguir entre o estabelecimento e a sede da entidade patronal, isto é, do titular da empresa. Simplificando, para uma classificação como estabelecimento basta que a entidade patronal exerça uma actividade empresarial a partir do mesmo e contrate trabalhadores para o efeito (56).

83.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 5, da Convenção de Bruxelas fornece indícios para uma interpretação nesse sentido quando define o conceito de sucursal, de agência ou de estabelecimento na acepção desta disposição como centro de operações que se manifesta de forma durável como representação exterior de uma sociedade‑mãe, que é provido de uma direcção e de um equipamento que lhe permitem transaccionar com terceiros de tal modo que estes, mesmo sabendo que uma eventual relação jurídica será estabelecida com a sociedade‑mãe cuja sede está situada num outro país contratante, estão dispensados de se dirigir directamente a esta e podem efectuar transacções comerciais no centro de negócios constituído por essa representação exterior (57). As ligações entre a Convenção de Bruxelas e a Convenção de Roma são múltiplas, como expus detalhadamente nas minhas conclusões no processo Koelzsch (58). Essa é uma das razões pelas quais a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as duas convenções tem procurado fornecer uma interpretação paralela de disposições de teor semelhante, na medida em que o respectivo conteúdo normativo o permite. No caso em apreço, não existe qualquer motivo para divergir deste procedimento. No interesse de uma interpretação uniforme dos conceitos do direito privado internacional, parece ser útil aplicar esta definição de «estabelecimento», desenvolvida pelo Tribunal de Justiça para o artigo 5.°, n.° 5, da Convenção de Bruxelas, ao artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.

84.      Do exposto decorre que um «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma pode perfeitamente estar numa situação de dependência jurídica perante a sociedade principal. Se o órgão jurisdicional de reenvio, em resultado da apreciação da matéria de facto no processo principal, concluir que a Naviglobe deve ser considerada uma sucursal ou uma filial da Navimer, uma eventual falta de personalidade jurídica da Naviglobe não constituirá obstáculo a uma classificação como «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.

85.      Pelo exposto, concluo que a personalidade jurídica não constitui um requisito exigível a um estabelecimento da entidade patronal, se o estabelecimento tiver sido instituído em conformidade com as disposições aplicáveis do país em que estiver situada a sede e apresentar uma certa estabilidade (59).

3.      Relativamente à quarta questão prejudicial

86.      Com a sua última questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o estabelecimento de outra sociedade, com a qual a sociedade da entidade patronal tem ligações, pode constituir um «estabelecimento» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, mesmo que o poder de direcção não tenha sido transferido para esta outra sociedade.

87.      Observe‑se antes de mais que esta disposição, tal como expus no quadro da minha apreciação sobre a primeira questão prejudicial (60), se centra no acto formal da «contratação» e não no aspecto factual da prestação do trabalho. Por conseguinte, a interpretação desta norma não pode depender de quem possui poder de direcção no caso concreto. Como o poder de direcção não é um critério decisivo para uma classificação como «estabelecimento», a questão prejudicial deve ser respondida afirmativamente.

88.      Uma análise, a título subsidiário, dos elementos jurídicos que caracterizam uma relação laboral, não conduz a um resultado diferente. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de trabalhador do artigo 45.° do TFUE, que deve ser interpretado autonomamente à luz das normas da União, «a característica essencial da relação laboral é a circunstância de uma pessoa efectuar prestações, durante um certo tempo, em favor de outra e sob a sua direcção, em contrapartida das quais recebe uma remuneração» (61). Decorre do exposto, que o vínculo do trabalhador à direcção de outra pessoa é uma característica de toda e qualquer relação laboral que exige essencialmente que a pessoa em questão esteja sob a direcção ou supervisão de outra pessoa, que lhe prescreve os trabalhos que deve executar e/ou o tempo de trabalho, e cujas instruções ou normas o trabalhador tem de cumprir (62). Esta característica serve, em primeira linha, para estabelecer uma distinção face ao trabalho independente, que é abrangido pela liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 49.° e seguintes do TFUE ou pela livre prestação de serviços na acepção do artigo 56.° e seguintes do TFUE.

89.      Embora uma interpretação realista deva pressupor que o poder exclusivo de direcção na relação laboral é exercido pela entidade patronal, esta definição não exclui que a entidade patronal transfira no todo ou em parte esse poder para terceiros. O âmbito dessa transferência do poder de direcção é do foro de acordos privados autónomos. Se estiver contratualmente previsto que o trabalhador preste trabalho para uma sociedade com a qual a sociedade da entidade patronal tem ligações, é concebível que a entidade patronal transfira para essa primeira sociedade o poder de direcção relativamente à maneira de realizar a prestação do trabalho.

90.      O facto de essa terceira entidade poder dirigir as prestações do trabalhador com o acordo da entidade patronal, mediante a transmissão de instruções e o exercício de um dever de supervisão, não altera do ponto de vista jurídico que o trabalhador cumpre os seus deveres contratuais para com a entidade patronal. Jan Voogsgeerd recebia habitualmente as suas instruções directamente da Naviglobe manifestamente no cumprimento dos seus deveres contratuais para com a Navimer. É igualmente possível, em termos jurídicos, que a entidade patronal decida manter ou reassumir o seu poder de direcção perante o trabalhador se assim o entender. Nada disto altera o facto de a eventual concessão de poder de direcção a um estabelecimento ser apenas uma das muitas possibilidades ao dispor da entidade patronal para alcançar os seus fins. Por si só, esta possibilidade não influencia o juízo sobre a qualificação desse terceiro como «estabelecimento» da entidade patronal, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.

91.      Por conseguinte, a quarta questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que o estabelecimento de outra sociedade, com a qual a sociedade da entidade patronal tem ligações, também pode constituir um estabelecimento na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, ainda que o poder de direcção da entidade patronal não tenha sido transferido para essa outra sociedade.

VII – Conclusão

92.      Perante o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Hof van Cassatie:

1.      Se o órgão jurisdicional nacional concluir, após análise do conjunto das circunstâncias do processo principal, que o trabalhador, no cumprimento do seu contrato de trabalho, presta habitualmente o seu trabalho num determinado país, deverá aplicar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980, mesmo que o trabalhador tenha sido destacado temporariamente para outro país. Nesse caso fica excluída a invocação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b).

2.      Se o órgão jurisdicional nacional concluir que não estão cumpridas as condições previstas no artigo 6.°, n.° 2, alínea a), deve interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea b) do seguinte modo:

a)      Deve entender‑se por país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, o país em que esteja situado o estabelecimento da entidade patronal que celebrou o contrato de trabalho com o trabalhador, sendo indiferente o local da prestação efectiva do trabalho.

b)      A dotação de personalidade jurídica não é um requisito obrigatório de um estabelecimento da entidade patronal nos termos desta disposição, desde que esse estabelecimento tenha sido instituído em conformidade com as disposições aplicáveis do país em que esteja situada a sede e apresente uma certa estabilidade.

c)      O estabelecimento de outra sociedade, com a qual a sociedade da entidade patronal tem ligações, pode constituir um estabelecimento na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, ainda que o poder de direcção da entidade patronal não tenha sido transferido para essa outra sociedade.


1 –      Língua original das conclusões: alemão.


      Língua do processo: neerlandês.


2 – JO 1980, L 266, p. 1.


3 – JO 2008, L 177, p. 6.


4 – Acórdão de 15 de Março de 2011, Koelzsch (C‑29/10, Colect., p. I‑0000).


5 – JO 1998, C 27, p. 47.


6 – Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, de 27 de Setembro de 1968 (JO 1972, L 299, p. 329, texto na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e – versão alterada – p. 77), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), bem como pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1).


7 – Lei de 9 de Novembro de 1990, que cria um registo marítimo, Memorial A‑N.° 58, Jornal Oficial do Grão‑Ducado do Luxemburgo, pp. 807 e segs.


8 – Acórdão de 22 de Novembro de 1978 (33/78, Colect., p. 2183).


9 – V. Déprez, J., «La loi applicable au contrat de travail dans les relations internationales», Revue de jurisprudence sociale, 4/1994, p. 237.


10 – V. Plender, R., The European Contracts Convention – The Rome Convention on the Choice of Law for Contracts, Londres 1991, p. 87, n.° 5.01, Schneider, G., «Einfluss der Rom‑I‑VO auf die Arbeitsvertragsgestaltung mit Auslandsbezug», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, 2010, p. 1380, e Ofner, H., «Neuregelung des Internationalen Vertragsrechts: Römisches Schuldvertragsübereinkommen», Recht der Wirtschaft, N.° 1/1999, p. 5, que sublinham a importância conferida à livre escolha. Segundo Lein, E., «The new Rome I/Rome II/Brussel I synergy», Yearbook of Private International Law, vol. 10, 2008, p. 179, o princípio da liberdade de escolha subjacente à livre escolha da lei aplicável representa mesmo um dos princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas na acepção do artigo 38.°, n.° 1, alínea c) do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.


11 – Acórdão de 26 de Novembro de 1985, Comissão/CODEMI (318/81, Colect., 3693, n.° 21).


12 – V. Van Eeckhoutte, W., «The Rome Convention on the law applicable to contractual obligations and labour law», Freedom of services in the European Union – Labour and Social Security Law: The Bolkestein Initiative (edição de Roger Blanpain), Haia 2006, p. 168, Wojewoda, M., «Mandatory rules in private international law: with special reference to the mandatory system under the Rome Convention on the law applicable to contractual obligations», Maastricht journal of European and comparative law, n.° 2/2000, p. 197, 201, Boskovic, O., «La protection de la partie faible dans le règlement Rome I», Recueil Dalloz, 2008, p. 2175, Pfeiffer, T./Weller, M./Nordmeier, F., Recht der elektronischen Medien – Kommentar (edição de Gerald Spindler/Fabian Schuster), 2.ª edição, Munique 2011, Roma I artigo 8.°, n.° 1, e Lein, E., op. cit. (nota 10), p. 187, que vêem aqui uma norma especial, no interesse da protecção dos trabalhadores, que restringe a liberdade de escolha da lei aplicável, válida por princípio também para o contrato de trabalho.


13 – V. Juncker, A., «Gewöhnlicher Arbeitsort im Internationalen Privatrecht», Festschrift für Andreas Heldrich zum 70. Geburtstag, Munique 2005, p. 722.


14 – V. Ofner, H., op. cit. (nota 10), p. 5, Magnus, U., «Die Rom I‑Verordnung», Praxis des internationalen Privat‑ und Verfahrensrechts, n.° 1/2010, p. 41, e Martiny, D., Internationales Vertragsrecht – Das internationale Privatrecht der Schuldverträge (edição de Christoph Reithmann/Dieter Martiny), Colónia 2010, p. 1431, que designam expressamente como «cláusula derrogatória» a disposição do artigo 6.°, n.° 2, último parágrafo.


15 – V. Schäfer, K., Application of mandatory rules in the private international law of contracts, Frankfurt am Main 2010, pp. 62 e segs., Wojewoda, M., op. cit. (nota 12), pp. 197, 201, e Boskovic, O., op. cit. (nota 12), p. 2175, que referem as dificuldades de determinar que disposições nacionais são mais favoráveis e se possuem natureza imperativa.


16 – V. Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1382.


17 – V. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1431 e segs.


18 – V. Van Eeckhoutte, W., op. cit. (nota 12), p. 173.


19 – V. Déprez, J., «La loi applicable au contrat de travail dans les relations internationales», Revue de jurisprudence sociale, 3/1999, p. 130, Pfeiffer, T./Weller, M./Nordmeier, F., op. cit. (nota 12), n.° 7, que considera que a comparação do regime mais favorável se deve centrar no objecto concreto do litígio, Schäfer, K., op. cit. (nota 15), p. 62 e segs., e Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1361, n.° 1883, segundo os quais deve aplicar‑se o princípio do regime mais favorável em caso de conflito. O teor dos ordenamentos jurídicos pertinentes deve ser comparado entre si, prevalecendo o regime mais favorável ao trabalhador. A apreciação deve processar‑se no âmbito de uma comparação dos resultados a que conduzem os ordenamentos jurídicos pertinentes aplicáveis no caso concreto. A comparação não deve estender‑se à totalidade do ordenamento jurídico, devendo orientar‑se pela questão factual objecto de decisão. Não se procede a uma comparação global exaustiva. A solução mais favorável é aquela que melhor garante, qualitativa ou quantitativamente, os direitos do trabalhador decorrentes da relação laboral e melhor o protege, por exemplo, que protege a continuação da sua relação laboral. Também se pode confrontar o valor monetário dos direitos reconhecidos nas diferentes ordens jurídicas.


20 – Segundo Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1382, e Schlachter, M., «Grenzüberschreitende Arbeitsverhältnisse», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, 2/2000, p. 61, ao apreciar as leis que prevêem as regras mais favoráveis, é possível constituir categorias comparáveis (por exemplo, direito de férias, protecção contra o despedimento e/ou protecção dos direitos adquiridos). A delimitação do objecto de litígio no presente processo (protecção contra o despedimento de trabalhadores e sua execução judicial) toma por base a abordagem destes autores.


21 – Relatório relativo à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de M. Giuliano e P. Lagarde (JO 1980, C 282, p. 1).


22 – Acórdão Koelzsch (já referido na nota 4, supra, n.° 42).


23 – Acórdão Koelzsch (já referido na nota 4, supra, n.° 43).


24 – Neste sentido, Van Eeckhoutte, W., op. cit. (nota 12), p. 169, observa que este regime tem por objectivo criar segurança jurídica e impedir manipulações em caso de destacamento temporário para o estrangeiro.


25 – JO L 12, p. 1.


26 – Ao interpretar o Regulamento n.° 44/2001 devemos, de maneira geral, partir do princípio de que existe uma continuidade com a Convenção de Bruxelas («princípio da continuidade»). A importância deste princípio na interpretação do Regulamento n.° 44/2001 resulta do seu décimo nono considerando, nos termos do qual se deve garantir a continuidade entre a Convenção de Bruxelas e o referido regulamento, estando o próprio Tribunal de Justiça obrigado a assegurar essa continuidade. Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça já tornou clara a importância de uma interpretação uniforme destes dois textos normativos [v. as minhas conclusões de 27 de Janeiro de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, acórdão de 23 de Abril de 2009, Colect., p. I‑3327)].


27 – O artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 593/2008 tem a seguinte redacção: «Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.»


28 – A tese aqui defendida, de que o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 593/2008 se limitou a clarificar a situação jurídica existente, coincide com a de alguns autores, segundo os quais este novo instrumento jurídico não se destinou a introduzir novas regras mas a converter a Convenção existente num regulamento. As alterações visaram modernizar algumas disposições da Convenção e conferir‑lhes uma redacção mais clara e precisa, promovendo assim a segurança jurídica, sem introduzir elementos novos que alterassem de forma significativa a situação jurídica existente (v. Ferrari, F., «From Rome to Rome via Brussels: remarks on the law applicable to contractual obligations absent of a choice by the parties», Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationales Privatrecht, N.° 4/2009, pp. 751 e segs.). V., a propósito, especificamente, do critério do lugar de trabalho habitual, Magnus, U., «Die Rom I‑Verordnung», Praxis des internationalen Privat‑ und Verfahrensrechts, N.° 1/2010, pp. 27, 41, que interpreta a alteração como sendo uma mera clarificação. O novo aditamento «ou [...] a partir do qual» visa estabelecer que é suficiente quando o trabalhador tem um centro de actividades a partir do qual o trabalho é organizado, do qual o trabalhador parte e ao qual ele volta e onde, eventualmente, também exerce partes da sua actividade.


29 – Acórdão Koelzsch (já referido na nota 4, supra, n.os 48 a 50).


30 – V., no quadro do respectivo âmbito de aplicação das disposições das alíneas a) e b) da Convenção de Roma face à explicitação introduzida pelo Regulamento (CE) n.° 593/2008, Boskovic, O., op. cit. (nota 12), p. 2175, que refere a explicitação jurídica já citada do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 593/2008 («a partir do qual») e assinala que esta explicitação contribuirá para regular a situação do pessoal de navegação afecto a uma base específica. O autor considera que esta explicitação restringe ainda mais o âmbito de aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 593/2008 [a disposição que substitui o artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma]. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1434, n.° 4848, observa que esta explicitação alarga a conexão ao local de trabalho e afasta o carácter decisivo do critério do estabelecimento contratante. Ambos os autores concordam que o âmbito de aplicação do critério do lugar da prestação habitual das actividades foi alargado e que o âmbito de aplicação do critério do lugar de contratação foi restringido.


31 – V. acórdãos de 5 de Maio de 2011, MSD Sharp (C‑316/09, Colect., p. I‑0000, n.° 21), de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert (C‑376/05 e C‑377/05, Colect., p. I‑11383, n.° 26), de 22 de Maio de 2003, Korhonen e o. (C‑18/01, Colect., p. I‑5321, n.° 19), de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley (C‑373/00, Colect., p. I‑1931, n.° 21), de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.° 18) e de 13 de Março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 38).


32 – V. Plender, R., op. cit. (nota 10), n.° 8.21, e Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1369, n.° 1891. V., a este respeito, Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1382, para quem é aplicável o ordenamento jurídico do país em que se encontra o estabelecimento contratante, independentemente do facto de o trabalhador cumprir os seus deveres contratuais igualmente no local do estabelecimento. Segundo Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1439, n.° 4859, não é obrigatório que o trabalhador labore no lugar do estabelecimento.


33 – V. n.° 14 do articulado do Governo neerlandês.


34 – V. n.° 20 do articulado da Comissão.


35 – V. Plender, R., op. cit. (nota 10), p. 144, n.° 8.21. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1440, n.° 4861, também observa que uma mudança posterior do estabelecimento contratante não altera o estatuto do contrato de trabalho.


36 – V. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1438, n.° 4857.


37 – V. n.° 5 do articulado de Jan Voogsgeerd.


38 – As outras versões linguísticas não se opõem a essa interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma, porque mantêm abertas as duas opções, a contratação do trabalhador pelo estabelecimento em nome próprio ou em nome da empresa principal. Ver as versões alemã («Niederlassung […], die den Arbeitnehmer eingestellt hat»), francesa («établissement qui a embauché le travailleur»), espanhola («establecimiento que haya contratado al trabajador»), neerlandesa («vestiging […] die de werknemer in dienst heeft genomen»), italiana («sede che ha proceduto ad assumere il lavoratore») e portuguesa («estabelecimento que contratou o trabalhador»).


39 – V. Plender, R., op. cit. (nota 10), p. 145, n.° 8.22. O autor defende que o lugar do estabelecimento que contratou o trabalhador deve ser entendido não só como o local utilizado como sede de uma empresa de fachada, mas também como o local em que esteja situado o estabelecimento que participou activamente na contratação do trabalhador, por exemplo, através de negociações contratuais com o trabalhador.


40 – V. Juncker, A., op. cit. (nota 13), p. 731, que chama a atenção para uma prática generalizada na contratação de marinheiros. Segundo o autor, os marinheiros são frequentemente contratados pelas denominadas «hire agencies» ou «crewing companies», situadas em países com salários baixos e normas de trabalho que oferecem pouca protecção. O «estabelecimento contratante» não é a companhia do navio mas, por exemplo, uma agência de recrutamento no Estado‑ilha de Antigua.


41 – V., neste sentido, Van Eeckhoutte, W., op. cit. (nota 12), p. 171. O autor considera obrigatório que exista efectivamente um estabelecimento no local da empresa e que o trabalhador tenha sido efectivamente contratado por uma filial dessa empresa, não sendo suficiente que o estabelecimento celebre apenas o contrato de trabalho. Para Schlachter, M., op. cit. (nota 20), p. 60, o local de contratação deve ser entendido como o local de celebração do contrato. O risco de se declarar aplicável um ordenamento jurídico com o menor nível de protecção possível, mediante a criação de uma sucursal apenas dedicada ao recrutamento de trabalhadores, poderia ser evitado fixando requisitos rigorosos quanto ao conceito de «estabelecimento». Segundo o autor, só poderão ser considerados estabelecimentos as estruturas que contribuam directamente para o objecto da empresa, no mínimo mediante a direcção e organização dos trabalhadores contratados e não sejam meros escritórios de recrutamento.


42 – V. Déprez, J., op. cit. (nota 19), p. 119. Juncker, A., op. cit. (nota 13), p. 720, considera a disposição do artigo 6.º, n.° 2, último parágrafo uma cláusula derrogatória que flexibiliza o sistema rígido de conexões básicas. Corneloup, S., «La loi applicable aux obligations contractuelles – Transformation de la Convention de Rome en règlement communautaire “Rome I”», La Semaine Juridique.Édition Générale, N.° 44/2008, pp. 26 e segs., n.° 11, indica as vantagens e desvantagens de regras de conexão rígidas. Por um lado, a concessão de uma ampla margem de manobra ao juiz nem sempre se traduz por soluções previsíveis. Por outro lado, uma norma demasiado rígida nem sempre se traduz pela aplicação da lei que apresenta conexões mais estreitas com o contrato de trabalho.


43 – V. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1369, n.° 1891.


44 – Ibidem, p. 1371, n.° 1893 e Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1383.


45 – V. Van Eeckhoutte, W., op. cit. (nota 12), pp. 171 e segs.


46 – V. Juncker, A., op. cit. (nota 13), p. 720. Segundo o autor, está logicamente excluído um recurso directo a esta cláusula antes de verificar as duas conexões fundamentais do artigo 6.°, n.° 2, alíneas a) e b).


47 – V. n.° 1 das presentes conclusões.


48 – V. n.° 70 das presentes conclusões.


49 – V. ponto I do articulado de Jan Voogsgeerd.


50 – V. ponto IV. 3. do articulado de Jan Voogsgeerd.


51 – V. n.° 28 do articulado da Comissão.


52 – V. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1439, n.° 4859. Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1382, centra‑se na estabilidade do estabelecimento.


53 – V., a este propósito, Lagarde, P., «Le nouveau droit international privé des contrats après l’entrée en vigueur de la Convention de Rome du 19 juin 1980», Revue critique de droit international privé, 1991, pp. 318 e segs., que utiliza as duas situações para explicar as características de um estabelecimento na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma.


54 – V. n.° 70 das presentes conclusões.


55 – Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1382, designa o estabelecimento como sendo uma unidade organizacional da empresa, instituída com uma certa continuidade para o desenvolvimento de actividades comerciais, sem ter de cumprir os requisitos de uma empresa.


56 – V. Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1369, n.° 1891.


57 – Acórdão referido na nota 8, n.° 12.


58 – V. as minhas conclusões de 16 de Dezembro de 2010, Koelzsch (acórdão já referido na nota 4, supra, n.os 44 e segs.). V. igualmente Lein, E., op. cit. (nota 10), p. 178. O autor observa, com pertinência, que os regulamentos Roma‑I, Roma‑II e Bruxelas‑II se caracterizaram pelo desejo de instituir um regime de direito internacional privado uniforme e pela prossecução de múltiplos objectivos comuns como, por exemplo, melhorar a previsibilidade do direito, aumentar a segurança jurídica no espaço de justiça europeu e promover a transparência. Ainda de acordo com o autor, esses regulamentos formam um sistema normativo uniforme e autónomo, que permite gerar sinergias.


59 – V. a este propósito Martiny, D., op. cit. (nota 14), p. 1369, n.° 1891, e Schneider, G., op. cit. (nota 10), p. 1382.


60 – V. n.° 75 das presentes conclusões.


61 – V. acórdãos de 3 de Julho de 1986 Lawrie‑Blum (66/85, Colect., p. 2121, n.os 16 e 17), de 26 de Fevereiro de 1992, Bernini (C‑3/90, Colect., p. I‑1071, n.° 14), de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala (C‑85/96, Colect., p. I‑2691), de 8 de Junho de 1999, Meeusen (C‑337/97, Colect., p. I‑3289, n.° 13), de 23 de Março de 2004, Collins (C‑138/02, Colect., p. I‑2703, n.° 26), de 7 de Setembro de 2004, Trojani (C‑456/02, Colect., p. I‑7573, n.° 15), de 17 de Março de 2005, Kranemann (C‑109/04, Colect., p. I‑2421, n.° 12) e de 30 de Março de 2006, Mattern (C‑10/05, Colect., p. I‑3545, n.° 18).


62 – V. acórdão Lawrie‑Blum (referido supra na nota 61, n.° 18).