CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 12 de Maio de 2011 (1)

Processo C‑177/10

Francisco Javier Rosado Santana

contra

Consejería de Justicia y Administración Pública de la Junta de Andalucía

[pedido de decisão prejudicial apresentado Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo N.° 12 de Sevilla (Espanha)]

«Política social – Trabalho a prazo – Funcionalismo público – Princípio da não discriminação – Pessoal temporário»





1.        Com este pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça é mais uma vez chamado a interpretar o acordo‑quadro sobre os contratos de trabalho a termo celebrado em 18 de Março de 1999 entre a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), a União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa (UNICE) e o Centro Europeu das Empresas Públicas (CEEP) (a seguir «acordo‑quadro»), constante do anexo da Directiva 1999/70 (a seguir «directiva») (2).

2.        A questão que especificamente se coloca no presente caso tem que ver com a compatibilidade de uma norma que rege o processo de promoção na função pública com o artigo 4.° do acordo‑quadro. A norma em questão determina que os candidatos, para poderem ser promovidos ao abrigo desse procedimento, têm de necessariamente ter trabalhado na função pública como funcionários de carreira (isto é, como funcionários efectivos) durante um certo lapso de tempo. Consequentemente, os funcionários públicos cuja experiência anterior tenha sido adquirida ao abrigo de contratos a prazo não são elegíveis.

 Quadro legal

 Regulamentação da União Europeia

3.        O segundo parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro dispõe:

«As partes signatárias deste acordo‑quadro [CES, UNICE e CEEP] reconhecem que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores. Reconhecem ainda que os contratos de trabalho a termo respondem, em certas circunstâncias, às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores.»

4.        O artigo 1.° do acordo‑quadro dispõe:

«O objectivo do presente acordo‑quadro […] consiste em:

a)      melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

[…]»

5.        O artigo 3.° do acordo‑quadro enuncia:

«1.      Para efeitos do presente acordo, entende‑se por ‘trabalhador contratado a termo’ o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído directamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objectivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

2.      Para efeitos do presente acordo, entende‑se por ‘trabalhador permanente em situação comparável’ um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa, realize um trabalho ou uma actividade idêntica ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências. […]»

6.        O artigo 4.° do referido acordo‑quadro, sob a epígrafe «Princípio da não discriminação», especifica:

«1.      No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferente.

[…]

4.      O período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho, deverá ser o mesmo para os trabalhadores contratados sem termo e para os trabalhadores contratados a termo, salvo quando razões objectivas justifiquem que sejam considerados diferentes períodos de qualificação.»

7.        O artigo 8.°, n.° 5, do acordo‑quadro enuncia:

«A prevenção, assim como a resolução dos litígios e queixas que decorram da aplicação do presente acordo, deverá efectuar‑se em: conformidade com a legislação, convenções colectivas e práticas nacionais.»

 Legislação nacional

8.        O pedido de decisão prejudicial refere que, para além da directiva e do acordo‑quadro, F. Rosado Santana invoca a) o artigo 14.° da Constituição espanhola, que consagra o princípio da igualdade de tratamento, e b) o artigo 1.° da Lei 70/1978, de 26 de Dezembro de 1978, relativa ao reconhecimento de serviços anteriores na administração pública (a seguir «Lei 70/1978»), que estabelece:

«1.      É assegurada aos funcionários de carreira da Administração do Estado, local, institucional, da Justiça, da Jurisdição do trabalho e da Segurança Social, a contagem da totalidade do tempo de serviço prestado nos referidos órgãos, anteriormente à constituição dos respectivos quadros, mapas ou lugares ou ao seu ingresso neles, bem como o período de estágio dos funcionários aprovados em exames de acesso à administração pública.

2.      Considera‑se serviço efectivo todo o serviço prestado em qualquer das áreas da administração pública discriminadas no parágrafo anterior, tanto na qualidade de trabalhador temporário (eventual ou interino) como ao abrigo de contratos administrativos ou laborais, quer estes tenham sido ou não devidamente formalizados.»

9.        O pedido de decisão prejudicial refere ainda que é a aplicabilidade da Lei 70/1978 que a Junta de Andalucía (a seguir «Junta») discute no processo principal, com fundamento no facto de que a jurisprudência estabelece que essa legislação não se aplica aos processos de selecção de funcionários públicos fundados no mérito.

10.      Nas suas observações escritas, o Governo espanhol também alega a inaplicabilidade da Lei 70/1978. Refere‑se à 22.a disposição adicional da Lei 30/1984, de 2 de Agosto de 1984, relativa à reforma da administração pública. Essa disposição define determinados critérios de elegibilidade no que toca à promoção da categoria D para a C no quadro da carreira na função pública espanhola. Entre estes critérios inclui‑se uma antiguidade de dez anos na categoria D como funcionário efectivo. De acordo com a Junta, a disposição em questão encontra a sua expressão concreta, na legislação da Comunidade Autónoma da Andaluzia, no Decreto 2/2002 de 9 de Janeiro de 2002, cujo artigo 32.°, n.° 2, tem um teor semelhante.

11.      O Governo espanhol também refere a Lei 7/2007, de 12 de Abril de 2007, que aprova o estatuto de base dos funcionários públicos. O artigo 10.° dessa lei aplica‑se aos funcionários contratados a prazo e inclui disposições sobre a respectiva nomeação, natureza das funções e termo destas (3).

12.      O pedido de decisão prejudicial evoca, em seguida, a jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol, que terá declarado que as diferenças de remuneração entre funcionários contratados a prazo e efectivos que desempenham as mesmas funções podem não ser contrárias ao princípio da igualdade de tratamento, como definido no artigo 14.° da Constituição espanhola. Assim, é possível que tratamentos jurídicos diferentes sejam constitucionais.

13.      Por ultimo, o pedido de decisão prejudicial sublinha que grande parte dos órgãos jurisdicionais espanhóis (mas não todos) considera que nos casos em que os avisos de recrutamento definem, entre outras, as regras da elegibilidade, essas regras constituem a «lei» do processo. Se um candidato não contestar essas regras dentro do prazo fixado, deixará de poder invocar a sua ilegalidade para contestar o resultado desse concurso.

14.      Segundo as observações escritas do Governo espanhol, resulta dessa jurisprudência que existem apenas duas possibilidades de um candidato contestar um processo de recrutamento no quadro de um concurso para a função pública. Se um candidato pretender contestar as condições aplicáveis ao processo de selecção de recrutamento em questão, deverá impugnar directamente essas condições. Em contrapartida, se desejar contestar a forma como esse processo foi conduzido, deverá impugnar a forma como decorreu. Porém, ser‑lhe‑á impossível impugnar indirectamente as condições aplicáveis ao processo de selecção por meio da impugnação directa da forma como decorreu. Nos termos da Lei 29/1998, de 13 de Julho de 1998, relativa ao contencioso administrativo, em circunstâncias como as do processo principal, um recurso que tenha por objecto as condições que regem o processo de selecção deve ser interposto no prazo de dois meses contados da data de publicação do aviso de concurso. Assim, no presente caso, o recurso deveria ter sido interposto até 17 de Março de 2008.

 Matéria de facto, tramitação e questões colocadas

15.      F. Rosado Santana, o recorrente no processo principal, foi contratado pela primeira vez pela Junta em 19 de Maio de 1989 ao abrigo de um contrato a prazo. A relação de trabalho decorrente desse contrato terminou em 27 de Maio de 2005. Em 28 de Maio de 2005, tornou‑se funcionário público efectivo ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

16.      O pedido de decisão prejudicial refere que, por despacho de 17 de Dezembro de 2007 da Consejería de Justicia e Administración Pública da Junta, foi anunciada a organização de provas de selecção, nos termos do sistema de promoção interno, para subida de funcionários ao Cuerpo General de Administrativos do referido órgão da administração pública (a seguir «aviso de concurso»). O artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do aviso de concurso indicava que os candidatos deviam «[p]ossuir ou estar em condições de obter o título de Bachiller Superior (diploma do ensino complementar secundário) […] ou, em alternativa, 10 anos de antiguidade como funcionário efectivo em Quadros pertencentes ao Grupo D, ou de 5 anos e aprovação no curso específico a que se refere a decisão de 4 de Julho de 2002 do Instituto Andaluz de Administración Pública, que abre um concurso interno de habilitação para acesso de quadros do grupo D da Administración General de la Junta de Andalucía à promoção interna aos quadros do grupo C […]»

17.      Passarei a designar o critério de elegibilidade relativo aos dez anos de antiguidade como funcionário efectivo em Quadros pertencentes ao Grupo D pela expressão «critério em causa».

18.      Embora o pedido de decisão prejudicial não inclua a integralidade dos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do aviso de concurso, as observações escritas da Junta fazem‑no. De acordo com essas observações, o referido artigo está redigido nos seguintes termos:

«[…] os períodos de serviço […] cumpridos como funcionário efectivo noutras áreas da administração pública […] serão tomados em consideração para efeitos da contagem da antiguidade […]. Contudo, não serão considerados períodos anteriores cumpridos como temporário ou interino em outras áreas da administração pública ou outros períodos de serviço semelhantes.»

19.      O aviso de concurso foi publicado no Boletín Oficial (Jornal Oficial) da Junta de 16 de Janeiro de 2008.

20.      Apesar de o pedido de decisão prejudicial não ser inteiramente claro a este respeito, parece que F. Rosado Santana cumpriria o critério em causa, devido às funções que desempenhava junto da recorrida desde 19 de Maio de 1989, não fosse o facto de o aviso de concurso exigir que essas funções fossem desempenhadas na qualidade de funcionário efectivo. Os outros critérios de elegibilidade não são pertinentes para o presente caso.

21.      Contudo, F. Rosado Santana requereu autorização para prestar as provas em causa, o que lhe foi deferido. Participou no concurso, que se processou em duas fases. Foi seleccionado e o seu nome foi, portanto, incluído na lista dos candidatos aprovados, publicada em 12 de Novembro de 2008.

22.      Em 2 de Fevereiro de 2009, foi publicado um aviso de vaga. F. Rosado Santana candidatou‑se a um lugar e apresentou a documentação exigida. Porém, em 25 de Março de 2009 a Secretaría General para la Administración Pública da Junta tomou uma decisão em que anulou a sua classificação como candidato aprovado (a seguir «decisão controvertida»). A razão apresentada para justificar a anulação foi a de que F. Rosado Santana não cumpria nenhum dos critérios de elegibilidade especificados no n.° 16 supra. Em especial, não cumpria o critério em causa porque o período em que serviu como funcionário temporário não podia ser considerado para efeitos do preenchimento desse critério.

23.      Em 8 de Junho de 2009, F. Rosado Santana interpôs recurso para o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo N.° 12 de Sevilla no qual impugnou a decisão controvertida. Em especial, contesta a validade do critério em causa por, incorrectamente, estabelecer a obrigatoriedade de as funções em causa terem sido desempenhadas por um funcionário efectivo.

24.      O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça, para decisão a título prejudicial, as seguintes questões:

«1.      Deve a […] directiva ser interpretada no sentido de que, no caso de o Tribunal Constitucional de um Estado‑Membro da União ter decidido que a criação de direitos diferenciados para os funcionários interinos e de carreira desse Estado pode não ser contrária à sua Constituição, isso implica necessariamente uma exclusão da aplicabilidade da referida norma comunitária no âmbito da respectiva Função Pública?

2.      Deve a […] directiva ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional faça uma interpretação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação de forma a excluir genericamente do seu âmbito a equiparação entre funcionários interinos e de carreira?

3.      Deve o [artigo 4.° do acordo‑quadro] ser interpretado no sentido de que se opõe a que os serviços prestados no âmbito de um contrato de trabalho a termo não sejam tomados em consideração para efeitos de antiguidade quando a pessoa em causa adquira o estatuto de permanente, concretamente no que respeita à retribuição, classificação ou progressão na carreira?

4.      Impõe o referido [artigo 4.° do acordo‑quadro] uma interpretação da lei nacional que, no cálculo do tempo de serviço dos funcionários públicos, não exclua o serviço prestado ao abrigo de um vínculo temporário?

5.      Deve o referido [artigo 4.° do acordo‑quadro] ser interpretado no sentido de que, não obstante o regulamento de um concurso público ter sido publicado e não ter sido impugnado pelo interessado, o juiz nacional é obrigado a fiscalizar a respectiva conformidade com a regulamentação comunitária, não aplicando esse regulamento ou a legislação nacional em que se fundamente em tudo o que vá contra o disposto naquele artigo?»

25.      O Governo espanhol, a Junta e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Não foi requerida nem se realizou qualquer audiência.

 Admissibilidade

26.      Nas suas observações escritas, a Junta apresentou duas objecções de carácter geral no que toca à admissibilidade.

27.      Na primeira, argumenta que o pedido de decisão prejudicial não cumpre os requisitos exigidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em especial o órgão jurisdicional nacional não especificou o quadro legal nacional aplicável às questões apresentadas nem as razões que o levaram a seleccionar uma determinada disposição da regulamentação da União Europeia. Também não demonstrou o nexo existente entre essa disposição e as normas nacionais ou a situação factual que constitui o contexto do litígio. Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível.

28.      Não concordo com esta posição.

29.      Segundo jurisprudência constante, o processo previsto no artigo 267.° TFUE baseia‑se numa separação nítida de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. Com efeito, é apenas ao órgão jurisdicional nacional que compete apreciar, à luz das especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir julgamento, como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (4).

30.      A leitura cuidadosa do pedido de decisão prejudicial revela que o órgão jurisdicional nacional indica a legislação nacional invocada por F. Rosado Santana no processo que lhe foi submetido. Assim, necessariamente, esse órgão jurisdicional tem de considerar essas disposições pertinentes para efeitos das questões apresentadas. Em seguida, fornece detalhes sobre a jurisprudência nacional que o levou a ter dúvidas quanto à correcta aplicação da directiva pelos órgãos jurisdicionais nacionais à luz dessa jurisprudência. De qualquer modo, é claro que, num processo prejudicial, é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete determinar as disposições nacionais aplicáveis no processo principal (5).

31.      No que respeita às razões que levaram o órgão jurisdicional nacional a referir o acordo‑quadro e a directiva e ao nexo existente entre essas disposições e o processo principal, o pedido de decisão prejudicial revela clara e indubitavelmente porque é que as disposições da directiva são pertinentes para a situação factual aí descrita.

32.      Assim sendo, a primeira objecção deve, em minha opinião, ser rejeitada.

33.      Na segunda objecção, a Junta argumenta, se bem entendo, que as questões prejudiciais submetidas são inadmissíveis porquanto o artigo 4.° do acordo‑quadro não é aplicável nas circunstâncias a que essas questões se referem. O litígio no processo principal não diz respeito a «condições de emprego» para efeitos do artigo 4.° do acordo‑quadro, mas antes a um critério de participação no concurso em que F. Rosado Santana entrou.

34.      Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este tribunal, quando lhe seja submetida uma questão de interpretação do direito da União Europeia que não esteja manifestamente desligada da realidade ou do objecto do litígio, tem de responder a essa questão (6).

35.      Debruçar‑me‑ei sobre a questão do significado da expressão «condições de emprego» nos n.os 51 e segs., infra. Porém, considero a segunda objecção que a Junta apresentou a propósito da admissibilidade manifestamente mal concebida. É indubitável que a aplicabilidade do artigo 4.° do acordo‑quadro, incluindo a interpretação que deve ser dada à expressão «condições de emprego», importa para efeito das questões suscitadas no processo principal.

36.      Assim, as objecções da Junta no que respeita à admissibilidade devem ser rejeitadas.

 Quanto ao mérito

37.      O órgão jurisdicional nacional coloca cinco questões no seu pedido de decisão prejudicial. A primeira é relativa à interacção entre a legislação nacional e a regulamentação da União Europeia. A segunda, a terceira e a quarta são relativas, cada uma, à aplicabilidade e à interpretação da directiva e, em especial, do artigo 4.° do acordo‑quadro. A quinta suscita questões no que respeita às vias de recurso utilizáveis ao abrigo da legislação nacional quando seja violado o direito da União Europeia.

38.      Como a pertinência da primeira e da quinta questões depende da resposta que o Tribunal de Justiça vier a dar relativamente à aplicabilidade e à interpretação da directiva, debruçar‑me‑ei, primeiro, sobre a segunda, a terceira e a quarta questões. Em seguida, examinarei a primeira, antes de abordar a quinta.

 Quanto à segunda, terceira e quarta questões

39.      Através destas questões, que devem ser tratadas conjuntamente, o órgão jurisdicional nacional pede, no essencial, ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a aplicabilidade e a interpretação da directiva e, em especial, do artigo 4.° do acordo‑quadro, nas circunstâncias do processo principal.

40.      Em especial, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se um aviso de concurso, como o em apreço no processo principal, que faz depender a elegibilidade para uma promoção na função pública do cumprimento de um período de serviço como funcionário efectivo e exclui os períodos cumpridos como temporário, viola o artigo 4.° do acordo‑quadro.

 Aplicabilidade da directiva no processo principal

–       Funcionários públicos

41.      Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o facto de a relação de trabalho de F. Rosado Santana ser com um organismo do sector público em nada afecta a aplicação da directiva e do acordo‑quadro no presente caso. Resulta da letra de ambos, bem como do contexto em que se inscrevem, que as disposições que contêm se podem aplicar aos contratos a prazo e aos contratos celebrados com a administração pública e com organismos do sector público (7). Do mesmo modo, o facto de um lugar poder ser classificado de «estatutário» nos termos da legislação nacional é irrelevante para efeitos da aplicação desses diplomas (8).

42.      Contrariamente ao argumento aduzido pela Junta a propósito da segunda questão, conclui‑se que os funcionários temporários e os efectivos devem ser considerados «comparáveis» para efeitos do artigo 4.° do acordo‑quadro.

–       Aplicabilidade da directiva e do acordo‑quadro a uma pessoa que tenha deixado de ser trabalhador a prazo

43.      O Governo espanhol alega nas suas observações escritas que a directiva e o acordo‑quadro não se podem aplicar a uma pessoa, como F. Rosado Santana, que apresenta a sua reclamação como funcionário público efectivo, ou seja, como membro do pessoal permanente. Em apoio desta argumentação, refere os n.os 28 e 30 do acórdão Del Cerro Alonso (9), em que o Tribunal de Justiça declarou que a directiva e o acordo‑quadro se aplicam «a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no quadro de uma relação laboral a termo que os liga à sua entidade patronal», observando em seguida que, dado que «o processo principal versa[va] sobre a comparação entre um membro do pessoal estatutário temporário e um membro do pessoal estatutário permanente», a demandante no processo principal «[era] abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva […] e pelo do acordo‑quadro». Como a comparação que F. Rosado Santana pretende estabelecer no presente caso é entre ele próprio, enquanto funcionário efectivo, e outros funcionários efectivos, é obvio que a directiva e o acordo‑quadro não se lhe aplicam.

44.      A Comissão propõe uma abordagem semelhante.

45.      Esta linha de pensamento parece‑me decorrer de uma interpretação incorrecta da jurisprudência e seguir uma perspectiva interpretativa da directiva e do acordo‑quadro que não tem qualquer relação com o objectivo que prosseguem.

46.      A fim de interpretar a directiva e o acordo‑quadro correctamente é necessário olhar para o contexto em que foram aprovados. Assim, o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão Impact (10) que o «acordo‑quadro, em particular o seu artigo 4.°, prossegue […] um fim que participa dos objectivos fundamentais inscritos no artigo [115.°], primeiro parágrafo, [TFUE] […] e nos n.os 7 e 10, primeiro parágrafo, da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, para a qual remete [o artigo 115.° TFUE], e que estão associados à melhoria das condições de vida e de trabalho bem como à existência de uma protecção social adequada dos trabalhadores, neste caso, dos trabalhadores contratados a termo. […] Tendo em conta estes objectivos, o artigo 4.° do acordo‑quadro deve ser entendido no sentido de que exprime um princípio de direito social [da União Europeia] que não pode ser interpretado de modo restritivo» (11).

47.      O que é reclamado no processo principal é o direito de os períodos cumpridos como trabalhador temporário serem contabilizados para efeitos da elegibilidade para uma promoção como os de um trabalhador efectivo numa relação laboral com o mesmo empregador.

48.      Pode uma interpretação tão ampla do artigo 4.° justificar‑se?

49.      Em meu entender, esta interpretação não é uma mera interpretação possível, mas sim a única que cumpre a exigência de a disposição ser interpretada de forma não restritiva. O facto de F. Rosado Santana ser actualmente funcionário efectivo da Junta não afecta de modo algum o argumento aduzido em seu nome. Em contrapartida, o que é de primordial importância é a questão de saber se a não contabilização dos períodos cumpridos como temporário para efeitos da sua elegibilidade para uma promoção devido apenas à duração determinada da sua relação de trabalho constitui uma discriminação para efeitos do artigo 4.°

50.      Uma perspectiva mais restritiva contrariaria todos os objectivos do artigo 4.° do acordo‑quadro. Tornaria possível uma das formas de discriminação que a aprovação da directiva e do acordo‑quadro precisamente pretendem evitar.

–       «Condições de emprego»

51.      Para que o artigo 4.° do acordo‑quadro se aplique, a condição em causa tem de ser uma «condição de emprego».

52.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça esclarece com clareza que essa expressão deve ser objecto de uma interpretação ampla (12).

53.      No presente processo, o facto de F. Rosado Santana ser elegível para uma promoção é um incidente na sua relação de trabalho como funcionário efectivo. Por outras palavras, desde que cumpra os requisitos (válidos) impostos pela Junta, enquanto sua entidade patronal, nessa perspectiva, tem o direito de ser considerado para efeitos de uma promoção, com todas as vantagens que daí decorrem, conjuntamente com os seus colegas e outros candidatos em situação semelhante.

54.      Pode este direito ser considerado uma condição de emprego para efeitos do artigo 4.° do acordo‑quadro?

55.      Em meu entender, a resposta é claramente «sim». A relação de trabalho caracteriza‑se pela existência de um direito, de um lado, e da obrigação correspondente, do outro. Não existe, a este respeito, qualquer diferença relativamente às normas que regulam o pagamento de uma remuneração por serviços prestados (13).

 «Razões objectivas»

56.      O artigo 4.° do acordo‑quadro permite expressamente que trabalhadores contratados a termo sejam tratados diferentemente dos trabalhadores permanentes numa situação comparável quando essa diferença de tratamento se justificar por razões objectivas.

57.      O conceito de «razões objectivas» não se encontra definido na directiva nem no acordo‑quadro. Contudo tem sido interpretado na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

58.      No acórdão Del Cerro Alonso (14), o Tribunal considerou que esse conceito deve ser entendido da mesma forma que o conceito de «razões objectivas» constante do artigo 5.° do acordo‑quadro, sobre o qual a jurisprudência já se havia debruçado (15). Na sua jurisprudência relativa ao artigo 5.° do acordo‑quadro, o Tribunal de Justiça considerou que a «noção de ‘razões objectivas’ deve ser interpretada no sentido de que visa circunstâncias precisas e concretas que caracterizam uma actividade determinada e, portanto, susceptíveis de justificar, nesse contexto específico, a utilização de sucessivos contratos a termo. Essas circunstâncias podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para a realização das quais esses contratos foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, eventualmente, da prossecução de um objectivo legítimo de política social de um Estado‑Membro» (16). E continua afirmando que «o recurso a contratos de trabalho a termo tendo por único fundamento uma disposição geral desse tipo, sem relação com o conteúdo concreto da actividade em causa, não permite estabelecer critérios objectivos e transparentes para o efeito de verificar se a renovação desses contratos responde efectivamente a uma verdadeira necessidade e é apta e necessária para atingir o objectivo prosseguido» (17).

59.      Aplicando este raciocínio ao artigo 4.° do acordo‑quadro, o Tribunal de Justiça concluiu no acórdão Del Cerro Alonso que a «[noção de razões objectivas] deve ser entendida como não permitindo justificar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores contratados por tempo indeterminado pelo facto de esta última estar prevista numa norma nacional geral e abstracta, como uma lei ou uma convenção colectiva. Pelo contrário, a referida noção exige que a desigualdade de tratamento em causa seja justificada pela existência de elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, no contexto específico no qual esta se insere e com base em critérios objectivos e transparentes, a fim de verificar se esta desigualdade responde a uma real necessidade e é apta e necessária para atingir o objectivo prosseguido» (18).

60.      Posteriormente, no acórdão Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres (19), o Tribunal de Justiça, novamente chamado a interpretar o artigo 4.° do acordo‑quadro, declarou que «[os elementos precisos e concretos em questão] podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para a realização das quais esses contratos a termo foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, eventualmente, da prossecução de um objectivo legítimo de política social de um Estado‑Membro […].Em contrapartida, o recurso à mera natureza temporária do trabalho do pessoal da administração pública não corresponde a estas exigências e, consequentemente, não é susceptível de constituir uma razão objectiva na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro. Com efeito, uma diferença de tratamento no que se refere às condições de trabalho entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores com contrato de duração indeterminada não pode ser justificada por um critério que, de forma geral e abstracta, se refere à própria duração do tempo de trabalho. Reconhecer que a mera natureza temporária de uma relação laboral basta para justificar essa diferença esvaziaria de conteúdo os objectivos da Directiva […] e do acordo‑quadro […]. Em vez de melhorar as condições do trabalho a termo e de promover a igualdade de tratamento prosseguidas tanto pela Directiva […] como pelo acordo‑quadro, o recurso a esse critério equivaleria a perpetuar a manutenção de uma situação desfavorável aos trabalhadores contratados a termo» (20).

61.      Contrariamente ao que o Governo espanhol defende nas suas observações escritas, conclui‑se que o facto de a relação de trabalho decorrente de um contrato a prazo ser sempre, por definição, temporária não pode constituir uma «razão objectiva» para efeitos do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro, capaz de justificar uma diferença de tratamento. Além disso, também se chega à conclusão de que, ao excluir os períodos de serviço cumpridos como trabalhador por tempo determinado, como aconteceu com o aviso de concurso no caso de F. Rosado Santana, o referido aviso não cumpriu os requisitos do artigo 4.°, n.° 1, no que respeita ao conceito de «razões objectivas».

62.      Isto não significa que nunca possam existir circunstâncias em que o conceito de «razões objectivas» seja susceptível de se aplicar a uma diferença de tratamento entre funcionários temporários e efectivos. O Governo espanhol dedica uma parte relativamente grande das suas observações escritas a descrever as diferenças fundamentais, que considera inerentes, entre funcionários temporários e efectivos. Entre estas incluem‑se, segundo o Governo espanhol, as diferenças decorrentes da forma como as diferentes categorias de funcionários públicos são recrutados, as qualificações e a natureza das funções a desempenhar.

63.      Na medida em que estas diferenças apenas reflectem a natureza temporária da relação de trabalho que vincula o funcionário temporário, esses argumentos não conseguem, para efeitos do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro, justificar uma diferença de tratamento. Porém, na medida em que essas diferenças logram reflectir requisitos objectivos do processo de promoção em casos determinados, essas diferenças são capazes de encontrar justificação.

64.      Concretizando este aspecto, é absolutamente possível conceber situações em que o lugar a prover implica uma experiência específica que só um funcionário efectivo possui. É o que pode acontecer, por exemplo, quando essa experiência anterior só possa ser adquirida em lugares que apenas podem ser preenchidos por funcionários efectivos. Embora o segundo parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro recorde que os contratos de trabalho sem termo são a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores, nem a directiva nem o acordo‑quadro impõem uma obrigação geral de, quando possível, se prever a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo certo (21).

65.      O saber se num determinado caso existem razões objectivas para efeitos do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro é uma questão de facto que depende das circunstâncias específicas do processo de promoção em causa. A questão deve ser abordada de forma casuística, tendo em atenção todos os factores que poderão ser pertinentes, especialmente a natureza da experiência necessária para o provimento do lugar.

66.      No processo principal, todavia, é claro que, ao determinar simplesmente que os períodos de serviço cumpridos enquanto temporário não seriam considerados, o processo de selecção nunca poderia beneficiar da isenção em causa. É evidente que essas razões podem ter existido, contudo, se existiram, não foram reveladas com a transparência que se impõe se é nelas que a isenção deve assentar.

67.      O conjunto das considerações que acabo de expor leva‑me à conclusão de que o aviso de concurso violava o artigo 4.° do acordo‑quadro.

68.      Assim, considero que a resposta à segunda, terceira e quarta questões deve ser que o artigo 4.° do acordo‑quadro é violado sempre que um aviso de concurso, como o em apreço no processo principal, torna a elegibilidade para uma promoção na função pública dependente do cumprimento de um período de serviço como funcionário efectivo e expressamente exclui a contabilização de períodos cumpridos como funcionário temporário, sem explanar as razões objectivas que estiveram na base dessa exclusão.

 Primeira questão

69.      No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional indica que o Tribunal Constitucional espanhol declarou que poderia não ser contrário às disposições sobre a igualdade de tratamento constantes do artigo 14.° da Constituição espanhola que funcionários interinos e de carreira sejam tratados de forma diferente mesmo desempenhando as mesmas funções.

70.      Tal como eu entendo a questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional, este pretende fundamentalmente saber se a adopção de uma definição de igualdade de tratamento por um dos tribunais supremos desse Estado‑Membro deve primar sobre uma definição diferente do mesmo conceito segundo o direito da União Europeia, num domínio em que o órgão jurisdicional nacional tem de aplicar este último direito. Caso o órgão jurisdicional nacional tenha de utilizar a definição do Tribunal Constitucional, a solução será (ou poderá ser) a de se considerar que a directiva e o acordo‑quadro não se aplicam à função pública desse Estado‑Membro.

71.      Se a questão é a de saber se a directiva e o acordo‑quadro se aplicam aos funcionários públicos, essa questão já foi respondida nos n.os 41 e segs., supra.

72.      Se a questão for a de saber se o órgão jurisdicional nacional pode ser obrigado a aplicar uma definição de igualdade de tratamento que difere, e confere menos direitos, da dada pelo direito da União Europeia, a resposta tem de ser, claramente, «não».

73.      É o que resulta de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça.

74.      Os órgãos jurisdicionais nacionais, quando são chamados a aplicar a legislação nacional no contexto de uma directiva da União Europeia, devem, dentro do possível, interpretar essa legislação tendo em atenção a letra e os objectivos da directiva em causa e – como o acordo‑quadro faz parte integrante da directiva (22) – do acordo‑quadro. Com efeito, a exigência de uma interpretação do direito nacional conforme ao direito da União Europeia é inerente ao sistema do TFUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União Europeia quando decidem dos litígios que lhe são submetidos (23). O princípio segundo o qual o direito nacional deve ser interpretado em conformidade com o direito da União Europeia exige que os tribunais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração a globalidade do direito interno, para garantir a plena eficácia da directiva e do acordo‑quadro e alcançar uma solução conforme com o objectivo prosseguido (24).

75.      Conclui‑se que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a utilizar a interpretação da directiva e do acordo‑quadro dada pelo Tribunal de Justiça, mesmo que o Tribunal Constitucional do Estado‑Membro em causa haja declarado que diferenças de tratamento entre funcionários temporários e efectivos não contrariam (ou podem não contrariar) a Constituição desse Estado‑Membro.

76.      Atento o que precede, considero que a resposta à primeira questão deve ser a de que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a utilizar a interpretação da directiva e do acordo‑quadro dada pelo Tribunal de Justiça, mesmo que o Tribunal Constitucional espanhol haja declarado que diferenças de tratamento entre funcionários temporários e efectivos não contrariam (ou podem não contrariar) a Constituição desse Estado‑Membro.

 Quinta questão

77.      Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, essencialmente, se o direito da União Europeia, nomeadamente o artigo 4.° do acordo‑quadro, o obriga a apreciar as normas substantivas do processo de concurso sem atender a impedimentos de natureza processual, como é o facto de o recurso não ter sido atempadamente interposto.

78.      No recurso que interpôs no processo principal, F. Rosado Santana baseia‑se no argumento de que, como o critério em causa obriga a uma experiência de dez anos como funcionário público efectivo, o aviso de concurso viola o direito da União Europeia e, portanto, também os seu direitos. Já referi que compartilho desta opinião. Porém, resulta claramente do pedido de decisão prejudicial que o prazo de dois meses previsto no aviso de concurso já havia expirado quando F. Rosado Santana interpôs o seu recurso.

79.      Pode um prazo de caducidade deste tipo ser invocado quando o fundamento do recurso é a violação de direitos reconhecidos pelo direito da União Europeia?

80.      De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de regulamentação da União Europeia na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro definir as modalidades processuais dos meios judiciais destinados a garantir o respeito dos direitos que, para os particulares, decorrem do direito da União Europeia (25).

81.      Todavia, os Estados‑Membros têm a responsabilidade de assegurar, em todas as circunstâncias, a protecção efectiva desses direitos (26). As normas processuais que regem esses recursos não podem ser menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) nem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (27).

82.      O respeito do princípio da equivalência pressupõe que a norma em litígio se aplique indiferentemente às acções baseadas em violação do direito da União e às baseadas em violação do direito nacional com um objecto e uma causa semelhantes (28). Embora nenhum elemento do pedido de decisão prejudicial seja revelador de que esse princípio foi violado no processo principal, é ao órgão jurisdicional nacional que cabe verificar a situação (29).

83.      No que respeita ao princípio da efectividade, é jurisprudência constante que a fixação de prazos de recurso razoáveis, sob pena de caducidade, respeita, em princípio, o requisito da efectividade na medida em que constitui uma aplicação do princípio fundamental da segurança jurídica. O Tribunal de Justiça também já declarou que cabe aos Estados‑Membros fixar esses prazos em função, designadamente, da importância que as decisões a tomar têm para os interessados, da complexidade dos procedimentos e da legislação a aplicar, do número de pessoas que podem ser afectadas e dos restantes interesses públicos ou privados que devam ser tomados em consideração (30).

84.      Será que o prazo de dois meses estabelecido na legislação nacional torna o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União excessivamente difícil?

85.      É certo que o prazo em causa é curto.

86.      Porém, tendo em atenção os interesses que devem ser ponderados num processo de selecção como o em apreço, não o considero, em si mesmo, tão curto que viole os referidos princípios. Como o Governo espanhol sublinha nas suas observações escritas, os interesses dos outros candidates no concurso e da própria Junta, enquanto organismo responsável pelo bom andamento do processo, são importantes. A impugnação do processo de selecção pode ter efeitos perturbadores e causar prejuízos. Sublinhe‑se que, no processo Bulicke (31), o Tribunal de Justiça aprovou expressamente um prazo de caducidade semelhante aplicável a acções fundadas em discriminação no quadro das relações laborais.

87.      Poder‑se‑á afirmar que o momento em que o prazo de dois meses começou a correr (ou seja, a partir da data da publicação do aviso de concurso no Jornal Oficial da Andaluzia) contraria o princípio da efectividade? Será que esse princípio exige que esse prazo começasse a correr em momento posterior, por exemplo, no dia em que F. Rosado Santana foi informado de que não era elegível para a promoção?

88.      Penso que não.

89.      Parece‑me que os interesses das partes, como um todo, podem ser melhor servidos pela exigência de que a impugnação seja apresentada rapidamente e, de qualquer modo, antes de se iniciar o concurso. Impondo esta regra, os responsáveis pela organização do concurso estarão em condições de examinar qualquer impugnação e (se necessário) atrasar o resto do concurso e tomar quaisquer medidas que lhes pareçam necessárias para apreciar a referida impugnação. Os participantes no concurso concorrerão assim sabendo que, uma vez iniciado o referido concurso, não sofrerá dilações nem será invalidado devido à necessidade de se proceder à apreciação de uma qualquer impugnação.

90.      Assim, considero que o critério da efectividade se encontra cumprido no processo principal.

91.      Embora tenha chegado a esta conclusão, tenho consciência de que deixa em aberto a possibilidade de F. Rosado Santana ter sido mal, e talvez erradamente, tratado devido à série de acontecimentos que rodearam a sua participação no concurso. Notificá‑lo de que tinha sido aprovado nesse concurso e, em seguida, informá‑lo de que não era elegível para se candidatar a um lugar é, para o dizer da melhor forma possível, simplesmente infeliz.

92.      A sequência de acontecimentos não se infere claramente do pedido de decisão prejudicial. Se a Junta, quer expressa quer tacitamente, deu indicações a F. Rosado Santana de que a sua candidatura cumpria os requisitos do aviso de concurso, qualquer indicação posterior em sentido contrário representaria, aparentemente, um lapso administrativo da Junta e/ou uma alteração relativamente à posição inicialmente adoptada. Pode ser que existam princípios de direito administrativo espanhol susceptíveis de ser evocados, nessas circunstâncias, para impedir uma administração de desdizer as suas indicações iniciais (nas quais F. Rosado Santana manifestamente confiou ao apresentar‑se a concurso e ao levá‑lo a cabo). Porém, é ao órgão jurisdicional nacional que compete apreciar esta questão.

93.      Conclui‑se assim, em meu entender, que esse lapso não representa uma violação do princípio da efectividade ou dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União Europeia. Por conseguinte, o seu impacto deveria ser apreciado pelo órgão jurisdicional nacional ao abrigo das disposições nacionais pertinentes, o que é da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional.

94.      Por conseguinte, considero que a resposta à quinta questão deve ser que o órgão jurisdicional nacional não é obrigado a apreciar as normas substantivas do processo de concurso caso existam impedimentos de natureza processual válidos. Para que cumpram as exigências do direito da União Europeia, esses impedimentos devem respeitar os princípios da equivalência e da efectividade. Um prazo de dois meses contado da data da publicação de um aviso de concurso, do tipo do que está em causa no processo principal, não contraria o princípio da efectividade.

 Conclusão

95.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais submetidas pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo N.° 12 de Sevilla:

1)      O artigo 4.° do acordo‑quadro sobre os contratos de trabalho a termo celebrado em 18 de Março de 1999, constante do anexo da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, é violado sempre que um aviso de concurso, como o em apreço no processo principal, torna a elegibilidade para uma promoção na função pública dependente do cumprimento de um período de serviço como funcionário efectivo e expressamente exclui a contabilização de períodos cumpridos como funcionário temporário, sem explanar as razões objectivas que estiveram na base dessa exclusão.

2)      O órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a utilizar a interpretação da directiva e do acordo‑quadro dada pelo Tribunal de Justiça, mesmo que o Tribunal Constitucional espanhol haja declarado que diferenças de tratamento entre funcionários temporários e efectivos não contrariam (ou podem não contrariar) a Constituição desse Estado‑Membro.

3)      O órgão jurisdicional nacional não é obrigado a apreciar as normas substantivas do processo de concurso caso existam impedimentos de natureza processual válidos. Para que cumpram as exigências do direito da União Europeia, esses impedimentos devem respeitar os princípios da equivalência e da efectividade. Um prazo de dois meses contado da data da publicação de um aviso de concurso, do tipo do que está em causa no processo principal, não contraria o princípio da efectividade.


1 – Língua original: inglês.


2 – Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43, e corrigenda JO L 244, p. 64).


3 – Os elementos que o Governo espanhol forneceu nas suas observações não permitem determinar se essa lei também inclui disposições reguladoras dos efeitos da alteração de estatuto entre funcionários contratados a prazo e efectivos.


4 – V., entre outros, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, Colect., p. I‑5305, n.° 18), e de 18 de Novembro de 2010, Kleist (C‑356/09, Colect., p. I-0000, n.° 44).


5 – V., a este respeito, despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008, Vassilakis e o. (C‑364/07, Colect., p. I‑90, n.° 77).


6 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 1993, Enderby (C‑127/92, Colect., p. I‑5535, n.° 12).


7 – V., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o. (C‑212/04, Colect., p. I‑6057, n.os 54 a 57); de 13 de Setembro de 2007, Del Cerro Alonso (C‑307/05, Colect., p. I‑7109, n.° 25); e de 22 de Dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres (C‑444/09 e C‑456/09, Colect., p. I-0000, n.° 38).


8 – V., a este respeito, acórdão Del Cerro Alonso, já referido na nota 7 (n.° 29).


9 – Referido na nota 7, supra.


10 – Acórdão de 15 de Abril de 2008, Impact (C‑268/06, p. I‑2483).


11 – N.os 112 e 114. V., igualmente, acórdão Del Cerro Alonso, já referido na nota 7 (n.° 38).


12 – V., a este respeito, acórdãos Del Cerro Alonso, já referido na nota 7 (n.os 31 e segs.), e Impact, já referido na nota 10 (n.° 115).


13 – É óbvio que as condições relativas ao «ordenado», na acepção de remuneração por serviços prestados, integra o conceito de «condições de trabalho» constante do artigo 4.° do acordo-quadro (v. acórdãos Del Cerro Alonso, já referido na nota 7, n.° 41, e Impact, já referido na nota 10, n.° 126).


14 – Referido na nota 7, supra.


15 – N.° 56.


16 – V. acórdãos Del Cerro Alonso, já referido na nota 7 (n.° 53), e Adeneler e o., já referido na nota 7 (n.os 69 e 70).


17 – V. acórdãos Del Cerro Alonso, já referido na nota 7 (n.° 55), e Adeneler e o., já referido na nota 7 (n.° 74).


18–      N.os 57 e 58.


19 – Referido na nota 7, supra.


20 – N.os 55 a 57.


21 – V., a este respeito, acórdão Adeneler e o., já referido na nota 7 (n.° 91), e Angelidaki e o. (C‑378/07 a C‑380/07, Colect., p. I‑3071, n.° 183).


22 – V., neste sentido, as conclusões que a advogada‑geral J. Kokott apresentou no processo Impact, já referido na nota 10 (n.° 87).


23 – V., nomeadamente, acórdão Impact, já referido na nota 10, n.os 98 e 99 e jurisprudência aí indicada.


24 – V., neste sentido, acórdão Impact, já referido na nota 10 (n.° 101), e jurisprudência aí indicada.


25 – V., nomeadamente, acórdãos Impact, já referido na nota 10 (n.° 44), e jurisprudência aí indicada, e Angelidaki e o., já referido na nota 21 (n.° 173).


26 – V., nomeadamente, acórdão Impact, já referido na nota 10 (n.° 45), e jurisprudência aí indicada.


27 – V., nomeadamente, acórdãos Impact, já referido na nota 10 (n.° 46), e jurisprudência aí indicada.


28 – V. acórdão Bulicke (C‑246/09, Colect., p. I-0000, n.° 26 e jurisprudência aí indicada).


29 – V., neste sentido, Bulicke, já referido na nota 28 (n.° 28), e jurisprudência aí indicada.


30 – V., neste sentido, Bulicke, já referido na nota 28 (n.° 36).


31 – Referido na nota 28, supra.