CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
JULIANE KOKOTT
apresentadas em 14 de Abril de 2011 (1)
Processo C‑119/10
Frisdranken Industrie Winters BV
contra
Red Bull GmbH
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]
«Directiva 89/104/CEE – Direito das marcas – Direito de o titular de uma marca registada se opor ao uso da marca por si não autorizado – Uso de um sinal – Conceito – Enchimento de latas de bebidas a pedido de terceiro – Produtos para exportação – Risco de confusão – Público relevante»
I – Introdução
1. Aquele que no âmbito da vida comercial usar indevidamente uma marca ou um sinal similar ao de um terceiro viola os direitos do titular dessa marca. No entanto, cabe dizer o mesmo de uma empresa que, a pedido de um terceiro, enche latas com bebidas, que ostentam os sinais em causa? E quais são as consequências se os produtos forem destinados à exportação directamente do território no qual a marca goza de protecção? São estas as questões que se levantam neste processo.
II – Quadro jurídico
2. O diploma a ter em conta é a Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (2) (a seguir «directiva das marcas»).
3. Os direitos conferidos pela marca estão previstos no artigo 5.° da directiva das marcas:
«1. A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:
a) De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;
b) De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista um risco de confusão, no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca.
2. […]
3. Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:
a) Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;
b) Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;
c) Importar ou exportar produtos com esse sinal;
d) Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.
4. […]»
4. Além disso, é de referir a Directiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (3).
5. O artigo 1.° da Directiva 2004/48 descreve o seu objecto:
«A presente directiva estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. Para efeitos da presente directiva, a expressão ‘direitos de propriedade intelectual’ engloba os direitos da propriedade industrial.».
6. O artigo 11.°, terceiro período, da directiva regula os direitos susceptíveis de serem invocados contra os intermediários:
«Os Estados‑Membros devem garantir igualmente que os titulares dos direitos possam requerer uma medida inibitória contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade intelectual, sem prejuízo do n.° 3 do artigo 8.° da Directiva 2001/29/CE» [(4)].
III – Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial
7. A Red Bull GmbH (a seguir «Red Bull») produz e comercializa uma bebida energética sob a marca mundialmente conhecida «RED BULL». A Red Bull procedeu a registos internacionais desta marca, os quais são válidos para, entre outros, os países Benelux.
8. A Frisdranken Industrie Winters BV (a seguir «Winters») é uma empresa que se dedica sobretudo ao denominado «enchimento» de latas com bebidas produzidas pela mesma ou por terceiros.
9. A Smart Drinks Ltd (a seguir «Smart Drinks»), uma pessoa colectiva de direito das Ilhas Virgens Britânicas, estabelecida nesse território, é uma concorrente da Red Bull.
10. A Winters encheu latas de refrigerantes para a Smart Drinks. Para o efeito, a Smart Drinks entregou à Winters latas vazias com as respectivas tampas, ostentando diferentes sinais, decorações e textos. As latas entregues à Winters ostentavam, nomeadamente, os sinais BULLFIGHTER, PITTBULL, RED HORN, mais tarde alterados para LONG HORN e LIVE WIRE. A Smart Drinks entregou também à Winters o extracto do refrigerante. Em seguida, a Winters encheu as latas, de acordo com as indicações/receitas da Smart Drinks, com uma determinada quantidade do extracto, completou‑o com água e, sendo esse o caso, anidrido carbónico, e fechou as latas. Depois disso, a Winters colocou novamente as latas cheias ao dispor da Smart Drinks, que as exportou em seguida para países fora do Benelux.
11. No que diz respeito ao presente processo, a Winters limitou‑se a realizar o acima referido processo de enchimento para a Smart Drinks. Não fazia parte da actividade da Winters a comercialização e/ou a entrega dos produtos à Smart Drinks ou a terceiros.
12. A Red Bull requereu em 2 de Agosto de 2006 uma providência cautelar contra a Winters pedindo que fosse ordenada à Winters a cessação de todo e qualquer uso de sinais que correspondessem ao conjunto de marcas da Red Bull enunciadas na petição inicial. Para o efeito alegou que, ao encher as latas a que foram apostos os sinais acima referidos, a Winters violava os direitos de marca em causa da RED BULL.
13. As duas instâncias anteriores concluíram que a Winters violou a marca da Red Bull. Para apreciar a semelhança entre os sinais usados e a marca em causa haveria que partir, de forma abstracta, de um consumidor médio no Benelux.
14. O Hoge Raad, para o qual a Winters interpôs recurso, submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:
1. a) O simples «enchimento» de embalagens que ostentam um sinal […] deve ser considerado como uso desse sinal na vida comercial, na acepção do artigo 5.° da directiva das marcas, mesmo que esse enchimento seja feito no âmbito de uma prestação de serviços a favor e a pedido de um terceiro, para distinguir os produtos deste terceiro?
b) Para a resposta à questão 1. a) é relevante o facto de se tratar da violação referida no artigo 5.°, n.° 1, proémio e alínea a) ou alínea b)?
2. Em caso de resposta afirmativa à questão 1. a), o uso do sinal também pode ser proibido no Benelux, com fundamento no artigo 5.° da directiva das marcas, se os produtos que ostentam o sinal se destinarem exclusivamente à exportação para países fora
(a) do território Benelux, ou
(b) da União Europeia
e, nestes territórios, não puderem ser observados pelo público, excepto na empresa onde o enchimento foi efectuado?
3. Em caso de resposta afirmativa à questão 2. a) ou 2. b), que critério deve ser aplicado na resposta à questão de saber se existe violação da marca: deverá, nesse caso, ser aplicado o critério da percepção do consumidor (médio, normalmente informado, razoavelmente atento e avisado) do Benelux ou da União Europeia – que, tendo em conta as presentes circunstâncias, só poderá ser determinado de forma fictícia ou abstracta – ou deverá ser aplicado um critério diferente, como por exemplo a percepção do consumidor no país para onde os produtos são exportados?
15. A Frisdranken Industrie Winters BV, a Red Bull GmbH e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e orais. Participou ainda na audiência de 10 de Março de 2011 a Republica da Polónia.
IV – Apreciação jurídica
16. O processo em apreciação levanta fundamentalmente três questões, sendo elas, em primeiro lugar, se um prestador de serviços viola o direito de marca ao encher com uma bebida, a pedido de outrem, latas que ostentam sinais similares a uma marca [questão I a)], em segundo lugar, se o direito de marca também é violado quando estes produtos se destinam à exportação a partir do território no qual a marca goza de protecção (questão II), e, em terceiro lugar, quais os critérios a aplicar para apreciar o risco de confusão no caso de produtos para exportação (questão III).
A – Relativamente à questão 1. a)
17. Com a questão 1. a) o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o simples enchimento de latas de bebidas que ostentam um sinal pode ser entendido como um uso desse sinal na vida comercial na acepção do artigo 5.° da directiva das marcas, mesmo que este enchimento constitua a prestação de um serviço para e a pedido de um terceiro, que tem por objecto os seus produtos.
18. Em conformidade com o disposto no artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva das marcas, a marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo, por força do qual este fica habilitado, em certas condições, a proibir que quaisquer terceiros, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial de um sinal idêntico ou semelhante à sua marca (5).
19. Os comportamentos enumerados no artigo 5.°, n.° 3, da directiva das marcas, entre os quais sobretudo a aposição do sinal nos produtos ou na respectiva embalagem (alínea a), constituem também usos para produtos ou serviços (6).
20. O enchimento de latas que ostentam os referidos sinais equivale à aposição destes sinais em bebidas, porque as bebidas são necessariamente associadas ao sinal aposto na embalagem (7). Por conseguinte, poderia daqui deduzir‑se que a Winters usa estes sinais na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva das marcas.
21. O Tribunal de Justiça entendeu contudo que o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva das marcas, deve (em principio) ser interpretado no sentido de que visa o uso de um sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos comercializados ou serviços fornecidos por um terceiro (8).
22. O Tribunal de Justiça remeteu a este respeito também para a sistemática do artigo 5.° da directiva das marcas: O uso de um sinal para produtos ou serviços na acepção dos n.os 1 e 2 deste artigo é um uso com o fim de distinguir os produtos ou serviços em causa, ao passo que o n.° 5 deste artigo se refere ao «uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços» (9).
23. A ideia desta jurisprudência é, antes de mais, a de que o uso de um sinal deve ter como fim a distinção de produtos e de serviços. É o que sucede no processo em análise, visto que os sinais em causa têm como finalidade distinguir as diferentes bebidas da Smart Drinks de outras bebidas.
24. Contudo, o Tribunal de Justiça salientou recentemente que o uso por um terceiro de um sinal idêntico ou semelhante à marca do titular implica, no mínimo, que aquele faça uma utilização do sinal no âmbito da sua própria comunicação comercial (10). Aponta neste sentido também a relação entre o artigo 5.° e 6.° na sistemática da directiva das marcas, à qual o Tribunal de Justiça também já se referiu no passado. Visto que os termos «produtos» e «serviços», empregues no artigo 6.°, n.°1, alíneas b) e c), da directiva das marcas, visam necessariamente os que são comercializados ou prestados pelo terceiro, deve também o uso de sinais na acepção do artigo 5.° respeitar, em regra geral, aos produtos e serviços do terceiro que os usa (11).
25. Não se verifica desta forma uma violação do direito da marca por parte da Winters. A Winters não usa os sinais no âmbito da sua própria comunicação comercial. Em particular, a empresa não comercializa as latas de bebidas que ostentam os sinais em causa, prestando apenas, no caso em análise, um serviço: o enchimento das latas.
26. Esta prestação de serviços é completamente independente dos sinais ou da marca RED BULL em causa. Distingue‑se assim dos casos do uso para produtos ou serviços de terceiros, que o Tribunal de Justiça enquadrou no artigo 5.°, n.° 1, da directiva das marcas. Estes visavam prestações de serviços orientadas para certos produtos de marca (12) ou que por meio da publicidade comparativa se distinguiam de outros serviços de marca (13). As marcas eram usadas no âmbito da comunicação comercial.
27. O Tribunal de Justiça entendeu ainda que o uso também pode dizer respeito a produtos ou serviços de outra pessoa por conta da qual o terceiro actua (14). No referido caso, tratava‑se de um comissário que comercializava por conta do proprietário os produtos que ostentavam o sinal (15).
28. No entanto, o enchimento de latas de bebidas que ostentam um sinal não pode ser equiparado à comercialização de produtos por conta de outrem. O comissário usa o referido sinal perante o consumidor. Usa‑o no âmbito da sua própria comunicação comercial, pelo que o consumidor pode, em particular, estabelecer uma ligação entre o comissário e a marca (16). Em contrapartida, uma empresa de enchimento, que apenas usa os referidos sinais na relação com o seu cliente, não pode ser associada à marca.
29. Não se trata por isso de uma excepção reconhecida ao princípio de que os sinais apenas podem ser usados no âmbito da própria comunicação comercial.
30. O presente processo pode no entanto ser aproveitado para desenvolver mais uma excepção para as empresas de enchimento.
31. Aponta sobretudo neste sentido o facto de existir no caso em análise uma suspeita de violação do direito de marca, por causa do prestígio da marca Red Bull. É tanto mais assim quanto a própria Winters indicou que procede ao enchimento para a RED BULL, estando assim forçosamente familiarizada com a marca.
32. Elementos a tal ponto subjectivos não podem no entanto ser determinantes, uma vez que a violação do direito de marca não depende de qualquer culpa – mesmo que a indemnização a que pode dar lugar, de acordo com a lei alemã, exija o dolo ou a negligência (17).
33. Por outro lado, tal derrogação exporia os prestadores de serviços como a Winters a riscos excessivos. Não seriam afectadas apenas as empresas que procedem ao enchimento com bebidas, mas todas as empresas, que por conta de um terceiro, embalam produtos ou elaboram embalagens (18). Estas empresas não conseguem na prática assegurar que os sinais escolhidos por parte de um cliente não violam marcas de terceiros.
34. Marcas simples, que não gozam de prestígio na acepção do artigo 5.°, n.° 2, da directiva das marcas, existem com efeito em enormíssima quantidade (19). Os prestadores de serviços não conseguem na prática, em cada encomenda, exercer uma vigilância. Isto aplica‑se sobretudo às marcas figurativas que, até à data, ainda não são susceptíveis de uma pesquisa completamente automatizada. Mais difícil seria, nos casos previstos no artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da directiva das marcas, aqui aplicável, verificar também se existem suficientes marcas simples a tal ponto similares que pudessem ser violadas.
35. Estas dificuldades em evitar violações do direito das marcas não atingem a dimensão das que defrontaria um serviço de referenciamento na Internet que permita aos seus clientes o uso de marcas e sinais similares a marcas para fins publicitários (20). Mesmo assim, as situações são análogas do ponto de vista da sua natureza. Fica por isso neste caso excluída – à semelhança do caso do serviço na Internet – uma violação do direito da marca pelo prestador de serviços.
36. É certo que a Comissão teme que a exclusão de uma violação do direito de marca pela pessoa que procede ao enchimento por conta de terceiro possa abrir a porta a abusos, visto que uma empresa que tivesse a intenção de violar um direito de marca poderia encarregar terceiros da prática de tais actos.
37. É todavia possível contrariar este receio de abuso por meio do artigo 11.°, terceiro período, da Directiva 2004/48. Esta norma permite a obtenção de medidas inibitórias contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de propriedade intelectual.
38. Embora uma medida inibitória desse tipo pressuponha uma violação de direitos de marca, é no entanto suficiente que o uso dos sinais apostos nas latas possa ser imputado ao cliente do intermediário. Sem prejuízo da segunda questão, afigura‑se que tal sucede no presente caso, porque foi o cliente Smart Drinks quem escolheu os sinais em causa e estes são usados para identificar os seus produtos (21).
39. Embora o artigo 11.°, terceiro período, da Directiva 2004/48 não preveja a concessão de uma indemnização, ao contrário da sanção pela violação de um direito de marca cometida por um intermediário, esta pode no entanto ser reclamada ao abrigo das normas internas sobre a participação ilícita do intermediário na violação do direito de marca praticada por quem solicitou o serviço – sobretudo sob a forma da cumplicidade. No entanto a negligência simples não basta, em regra geral, para justificar tal participação (22).
40. À primeira questão, alínea a), deve assim responder‑se que o simples «enchimento» de embalagens que ostentam um sinal não deve ser considerado como uso desse sinal na vida comercial na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da directiva das marcas, quando o enchimento constituir apenas uma prestação de serviços a favor e a pedido de um terceiro.
B – Relativamente à questão 1, b)
41. Com esta questão, o Hoge Raad pretende saber, se existe alguma diferença consoante se trate de uma violação na acepção do artigo 5.°, n.°1, alínea a), ou da alínea b) da directiva das marcas.
42. É duvidoso que esta questão seja realmente relevante para a decisão da causa, porque a Red Bull, segundo decorre do pedido de decisão prejudicial e das suas próprias declarações no processo principal, invoca a marca RED BULL e não foi usado nenhum sinal idêntico a esta marca. Fica assim excluída a possibilidade de aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva das marcas.
43. Caso o Tribunal de Justiça entenda, mesmo assim, responder a esta questão, compartilho da opinião das partes de que não difere a resposta à questão 1. a), se se estiver perante uma violação na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), ou alínea b), da directiva das marcas.
C – Quanto à questão 2
44. O Hoge Raad coloca a segunda questão apenas para o caso de a empresa de enchimento violar ela própria o direito de marca da Red Bull, partindo, possivelmente, da ideia de que quaisquer pedidos formulados contra a empresa de enchimento pressupõem essa violação. Esta ideia é, no entanto, incorrecta, porque o titular da marca pode, ao abrigo do artigo 11.°, terceiro período, da Directiva 2004/48, impedir a continuação do enchimento assim como – em certas circunstâncias – pedir uma indemnização por participação na violação do direito de marca, se quem solicitou o serviço à empresa de enchimento – neste caso a Smart Drinks – violar o direito de marca na acepção do artigo 5.° da directiva das marcas. É por isso necessário, apesar da resposta sugerida para a questão 1. a), responder também à questão 2 para facultar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil (23).
45. Cabe analisar se o uso de um sinal também pode ser proibido no espaço do Benelux nos termos do artigo 5.° da directiva das marcas quando os produtos nos quais foi aposto o sinal se destinem exclusivamente a exportação para países fora do território do Benelux ou da União Europeia e dentro desse território – a não ser na empresa que procede ao enchimento dos produtos – o público deles se não possa aperceber.
1. Relativamente aos requisitos de uma violação do direito de marca
46. Aponta no sentido de uma violação do direito de marca o facto de o artigo 5.°, n.° 3, da directiva das marcas proibir expressamente a aposição do sinal nos produtos ou na respectiva embalagem [alínea a)] e a exportação de produtos com aquele sinal [(alínea c)]. Já foi também referido que os actos enumerados no artigo 5.°, n.° 3, constituem usos para produtos ou serviços (24).
47. No entanto, o artigo 5.°, n.° 3, da directiva das marcas apenas se aplica se estiverem preenchidos os pressupostos do artigo 5.°, n.os 1 ou 2.
48. No presente caso, há que analisar o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da directiva das marcas. Este artigo dispõe que o titular de uma marca registada fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.
49. Se o órgão jurisdicional de reenvio verificar que, devido à semelhança dos sinais usados, existe um risco de confusão com a marca Red Bull, estão reunidos, à primeira vista, os referidos pressupostos. A exportação dos produtos nada muda, porque estes se destinam à comercialização, devendo os sinais ser usados na vida comercial.
50. Também não deixaria de haver uma eventual afectação das funções da marca (25), porque o risco de confusão implica forçosamente o risco de afectação da função de origem (26).
2. Relativamente às mercadorias em trânsito
51. Os casos de mercadorias em trânsito, nos quais o Tribunal de Justiça excluiu uma violação do direito de marca, levantam no entanto dúvidas sobre se estão reunidos os elementos constitutivos da violação desse direito (27).
52. Estes casos poderiam ser entendidos no sentido de o Tribunal de Justiça permitir tanto a importação como a exportação dos ditos produtos, apesar do artigo 5.°, n.° 3, alínea c), da directiva das marcas.
53. Mas isto seria, no entanto, uma interpretação errada.
54. Nos casos mais recentes de mercadorias em trânsito, o Tribunal de Justiça sublinhou a existência do respectivo controlo aduaneiro dos produtos (28). Tratava‑se do regime de trânsito externo, no qual tudo se passa como se, antes da introdução das mercadorias em livre prática que apenas deve ter lugar no país de destino, as mesmas nunca tivessem acedido ao território comunitário (29).
55. Enquanto se mantiver o controlo aduaneiro, os produtos não podem ser comercializados dentro da União, sob pena de violação do direito de marca (30). Em contrapartida, quando estes produtos forem objecto de um acto praticado por um terceiro enquanto se encontrem submetidos ao regime do trânsito externo e que implique necessariamente a sua comercialização no Estado‑Membro de trânsito (31), o titular da marca pode proibir o trânsito.
56. Em contrapartida, os produtos fabricados na área territorial de protecção da marca não estão, em regra geral, sujeitos a qualquer controlo aduaneiro. Encontram‑se neste território em livre prática, mesmo existindo a intenção de os exportar directamente. Existe, por isso, o risco de os produtos serem comercializados dentro do território para o qual a marca foi registada, ou porque o titular muda de intenções ou porque um terceiro se apodera dos produtos.
57. Este risco de violação do direito de marca justifica, na acepção do artigo 5.° da directiva das marcas, que se proíba o uso da marca no território para o qual a marca foi registada se os produtos nos quais foram apostos os sinais se destinarem exclusivamente a exportação para países fora deste território e se dentro desse mesmo território – a não ser na empresa que procedeu ao enchimento – o público os não puder ver.
D – Relativamente à questão 3
58. A questão 3 refere‑se ao critério a aplicar para apreciar se existe uma violação do direito de marca.
59. Quando um terceiro usa um sinal semelhante a uma marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais essa marca está registada, o titular da marca apenas pode opor‑se ao uso do mencionado sinal quando exista um risco de confusão. Constitui risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou os serviços em causa provêm da mesma empresa ou de empresas ligadas economicamente (32).
60. A questão 3 visa assim determinar o público relevante no presente caso: deverá ser aplicado o critério da percepção do consumidor médio, normalmente informado, razoavelmente atento e avisado no território para o qual a marca foi registada, ou deverá ser aplicado um critério diferente, como por exemplo o da percepção do consumidor do país para onde os produtos são exportados?
61. A resposta resulta das considerações formuladas a respeito da questão 2 e sobretudo do âmbito territorialmente limitado da protecção da marca. Visto que a violação do direito de marca por produtos destinados a exportação se baseia no risco de comercialização dentro da área de protecção da marca (33), deve ser aplicado o critério da percepção do consumidor médio, normalmente informado, razoavelmente atento e avisado dentro deste território.
V – Conclusão
62. Proponho, assim, que sejam dadas as seguintes respostas às questões prejudiciais:
1. O simples «enchimento» de embalagens que ostentam um sinal não deve ser considerado como uso desse sinal na vida comercial na acepção do art. 5.°, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho de 21 de Dezembro de 1988 que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, quando o enchimento constituir apenas uma prestação de serviços a favor e a pedido de um terceiro.
2. O art. 5, n.° 1, alínea b ), da Directiva 89/104/CEE permite que se proíba, no território para o qual a marca se encontra registada, o uso de um sinal susceptível de ser confundido com a marca se os produtos que ostentam o sinal se destinarem exclusivamente a exportação para países fora do território e dentro desse mesmo território – a não ser na empresa que procedeu ao enchimento – o público os não puder ver.
3. O risco de confusão deve ser apreciado tendo em conta a percepção de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado dentro do território para o qual a marca foi registada.
1 – Língua original: alemão.
2 – JO L 40, de 11.2.1989, p. 1, alterada em último lugar pelo anexo XVII do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO L 1, de 3.1.1994, p. 482), revogada e substituída pela Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (Versão codificada) (JO L 299, p. 25).
3 – JO L 157, p. 45.
4 – Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).
5 – Acórdão de 12 de Junho de 2008, O2 Holding & O2 (Reino Unido) (C‑533/06, Colect., p. I‑4231, n.° 32).
6 – Acórdãos de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club (C‑206/01, Colect., p. I‑10273, n.° 41); de 25 de Janeiro de 2007, Adam Opel (C‑48/05, Colect., p. I‑1017, n.° 20); de 23 de Março de 2010, Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 61).
7 – V. minhas conclusões de 7 de Abril de 2011 no processo Viking Gas (C‑46/10, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 18).
8 – Acórdãos Adam Opel (já referido na nota 6, n.° 28) e O2 Holdings & O2 (Reino Unido) (já referido na nota 5, n.° 34). V. também acórdãos de 11 de Setembro de 2007, Céline (C‑17/06, Colect., p. I‑7041, n.os 22 e segs.) e Google France e Google (já referido na nota 6, n.° 60).
9 – Acórdãos de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, (C‑63/97, Colect., p. I‑925, n.° 38), e Céline (já referido na nota 8, n.° 20).
10 – Acórdão Google France e Google (já referido na nota 6, n.° 56).
11 – Acórdão Adam Opel (já referido na nota 6, n.° 29).
12 – No Acórdão BMW, já referido na nota 9, tratava‑se da reparação de viaturas desta marca.
13 – O Acórdão O2 Holdings & O2 (Reino Unido), já referido na nota 5, respeitava à publicidade comparativa para serviços telefónicos.
14 – Acórdão Google France e Google (já referido na nota 6, n.° 60) e despacho de 19 de Fevereiro de 2009, UDV North America (C‑62/08, Colect., p. I‑1279, n.os 43 a 51).
15 – Despacho UDV North America (citado na nota 14).
16 – Despacho UDV North America (citado na nota 14, n.os 47 a 49).
17 – V. § 14, n.° 6, da Lei alemã sobre as marcas.
18 – No Tribunal de Justiça encontram‑se actualmente ainda pendentes os processos Orifarm e o. (C‑400/09, JO C 312, p. 23) e Paranova Danmark e Paranova Pack (C‑207/10, JO C 179, p. 23), onde se coloca a questão similar de saber se deve ser indicada na embalagem dos medicamentos importados paralelamente a empresa embaladora e/ou o cliente da reembalagem.
19 – Em 28 de Fevereiro de 2011 estavam registados só no Instituto de Harmonização do Mercado Interno mais de 700 000 marcas comunitárias (http://oami.europa.eu/ows/rw/resource/documents/OHIM/statistics/ssc009‑statistics_of_community_trade_marks_2011.pdf, visitada em 16 de Março de 2011).
20 – V. acórdão Google France e Google (já referido na nota 6, n.os 56 e segs.).
21 – V., neste sentido, acórdão Google France e Google (já referido na nota 6, n.os 51 e segs.).
22 – V., em direito alemão, § 830 Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão) e §§ 26 e 27 Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão) e, no que se refere em especial à violação do direito de marca, Hacker, F., «§ 14 – Ausschließliches Recht – Rechtsfolgen der Markenverletzung», in Ströbele/Hacker, Markengesetz‑Kommentar, 9.a Edição, Carl‑Heymanns‑Verlag, Colónia 2009, p. 794, n.° 272.
23 – Relativamente à necessidade de interpretação do pedido de decisão prejudicial com vista a facultar uma resposta útil, v. sobretudo acórdãos de 12 de Julho de 1979, Union Laitière Normande (244/78, Recueil, p. 2663, n.° 5); de 12 de Dezembro de 1990, SARPP (C‑241/89, Colect., p. I‑4695, n.° 8), e de 29 de Janeiro de 2008, Promusicae (C‑275/06, Colect., p. I‑271, n.° 42).
24 – V. supra n.° 19.
25 – V., em relação a este requisito adicional da violação do direito de marca, acórdãos Arsenal Football Club (já referido na nota 6, n.° 51); de 18 de Junho de 2009, L’Oréal e o. (C‑487/07, Colect., p. I‑5185, n.° 60); de 23 de Março de 2010, Google France e Google (já referido na nota 6, n.° 76), e de 8 de Julho de 2010, Portakabin e Portakabin (C‑558/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29).
26 – V. acórdãos L’Oréal e o. (já referido na nota 25, n.° 59), Portakabin e Portakabin (já referido na nota 25, n.os 50 e segs.) e as conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro de 22 de Setembro de 2009, Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 100).
27 – Acórdãos de 23 de Outubro de 2003, Rioglass e Transremar (C‑115/02, Colect., p. I‑12705); de 18 de Outubro de 2005, Class International (C‑405/03, Colect., p. I‑8735), e de 9 de Novembro de 2006, Montex Holdings (C‑281/05, Colect., p. I‑10881).
28 – Acórdãos Class International (já referido na nota 27, n.os 37 e segs.), e Montex Holdings (já referido na nota 27, n.os 16 e segs.).
29 – Acórdão Montex Holdings (já referido na nota 27, n.° 18).
30 – V. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs de 26 de Maio de 2005 no processo Class International (C‑405/03, Colect., p. I‑8735, n.° 36).
31 – Acórdão Montex Holdings (já referido na nota 27, n.° 23).
32 – Acórdão Portakabin e Portakabin (já referido na nota 25, n.os 50 e segs., e jurisprudência aí mencionada).
33 – V. acima, sobretudo notas 56 e segs.