CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 1 de Março de 2011 (1)

Processo C‑69/10

Brahim Samba Diouf

contra

Ministro do Trabalho, Emprego e Imigração

(pedido de decisão prejudicial apresentado Tribunal administratif do Grão-Ducado do Luxemburgo)

«Pedido do estatuto de refugiado por um nacional de um Estado terceiro – Recusa do pedido, mediante um procedimento nacional acelerado, por não se verificarem os motivos que justificam a concessão de protecção internacional – Inexistência de recurso autónomo da decisão de submeter o pedido a um procedimento com tramitação acelerada – Direito a uma fiscalização jurisdicional efectiva»






Índice


I –   Quadro jurídico

A –   Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»)

B –   Direito da União

C –   Direito nacional

II – Factos

III – Questões colocadas

IV – O processo no Tribunal de Justiça

V –   Alegações

VI – Apreciação

A –   Consideração prévia

B –   A validade da Directiva 2005/85/CE: o confronto entre o artigo 39.° da Directiva e o artigo 47.° CDFUE

C –   A interpretação do âmbito do artigo 39.° da directiva em confronto com o artigo 20.°,n.° 5, da Lei luxemburguesa de 5 de Maio de 2006

VII – Conclusão

1.        A entrada em vigor da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia com estatuto de direito originário incrementou a necessidade de prosseguir com o processo de adaptação das categorias e princípios do direito da União às exigências derivadas da interiorização dos direitos fundamentais como elemento determinante da validade do direito comunitário.

2.        O caso em análise constitui uma boa oportunidade para tentar uma articulação integrada das diferentes expressões de direito positivo que, no âmbito da União e dos Estados‑Membros (mas também no de determinados instrumentos internacionais), contribuem para a definição de um direito fundamental, neste caso o direito à protecção jurisdicional efectiva. Normas que, para além da diversidade formal dos seus enunciados, só podem considerar‑se, quanto ao seu conteúdo, como o resultado final de um processo no qual se sucedem diferentes fases de concretização confiadas, nos seus diferentes níveis, a instâncias normativas relativamente autónomas. Por conseguinte, teremos que nos mover num domínio em que se torna especialmente sensível o carácter integrador do direito da União e, com ele, a necessidade de tentar, com uma real intenção de ordenamento e sistematização, a melhor articulação possível da diversidade de normas que legitimamente contribuem para a regulação de um mesmo sector da realidade (2).

I –    Quadro jurídico

A –    Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»)

3.        Artigo 6.°, n.° 1:

«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. [...]»

4.        Artigo 13.°:

«Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso efectivo perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.»

B –    Direito da União

5.        Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem o direito de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. [...]»

6.        O décimo primeiro e vigésimo sétimo considerandos da Directiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de Dezembro de 2005, estão assim redigidos (3):

«(11) É do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de asilo que a decisão sobre os pedidos de asilo seja proferida o mais rapidamente possível. A organização da tramitação dos pedidos de asilo deverá ser deixada à discricionariedade dos Estados‑Membros, para que estes possam, de acordo com as necessidades nacionais, considerar prioritário ou acelerar a tramitação de qualquer pedido, tendo em conta as normas previstas na presente directiva.

[...]

(27) Um dos princípios fundamentais de direito comunitário implica que as decisões relativas a um pedido de asilo e à retirada do estatuto de refugiado sejam passíveis de recurso efectivo perante um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° do Tratado. A eficácia do recurso, também no que respeita à apreciação dos factos pertinentes, depende do sistema administrativo e judicial de cada Estado‑Membro no seu todo.»

7.        Artigo 23.° da Directiva 2005/85/CE dispõe que:

«1. Os Estados‑Membros tratam os pedidos de asilo mediante um procedimento de apreciação conforme com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II.

2. Os Estados‑Membros asseguram a conclusão desse procedimento o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação.

Os Estados‑Membros asseguram que, nos casos em que não seja possível proferir uma decisão no prazo de seis meses, o requerente em causa seja:

a) Informado do atraso; ou

b) Receba, a seu pedido, informações sobre o prazo no qual é de prever que seja proferida uma decisão sobre o seu pedido. Essa informação não obriga o Estado‑Membro a proferir uma decisão nesse prazo.

3. Os Estados‑Membros podem conceder prioridade ou acelerar uma apreciação em conformidade com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II, inclusivamente nos casos em que o pedido seja susceptível de estar bem fundamentado ou em que o requerente tenha necessidades especiais.

4. Os Estados‑Membros podem estabelecer que um procedimento de apreciação, nos termos dos princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II, seja considerado prioritário ou acelerado se:

[...]

b) O requerente não preencher claramente as condições para ser considerado refugiado ou para lhe ser concedido o estatuto de refugiado num Estado‑Membro em conformidade com a Directiva 2004/83/CE; ou

c) O pedido de asilo for considerado infundado:

i) porque o requerente provém de um país de origem seguro, na acepção dos artigos 29.°, 30.° e 31.°, ou

ii) porque o país que não é um Estado‑Membro é considerado país terceiro seguro para o requerente, sem prejuízo do n.° 1 do artigo 28.°; ou

d) O requerente tiver induzido em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade e/ou nacionalidade susceptíveis de terem um impacto negativo na decisão; ou

[...]

8.        Artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE:

«1. Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes de asilo tenham direito a interpor recurso efectivo perante um órgão jurisdicional:

a) Da decisão proferida sobre o seu pedido de asilo, incluindo a decisão:

i) que determina inadmissibilidade do pedido, nos termos do n.° 2 do artigo 25.°,

ii) proferida na fronteira ou nas zonas de trânsito de um Estado‑Membro, conforme descrito no n.° 1 do artigo 35.°,

iii) de não proceder à apreciação, em aplicação do artigo 36.°;

b) Da recusa de reabertura da apreciação de um pedido após o termo dessa apreciação em aplicação dos artigos 19.° e 20.°;

c) Da decisão de não prosseguir a apreciação do pedido subsequente, de acordo com os artigos 32.° e 34.°;

d) Da decisão de recusa de entrada, no âmbito dos procedimentos previstos no n.° 2 do artigo 35.°;

e) Da decisão de retirar o estatuto de refugiado, de acordo com o artigo 38.°

[...]»

C –    Direito nacional

9.        A Lei luxemburguesa de 5 de Maio de 2006, relativa ao direito de asilo e a formas complementares de protecção (4), dispõe no seu artigo 19.°:

«1) O ministro apreciará o mérito do pedido de protecção internacional mediante decisão fundamentada que será comunicada por escrito ao requerente. Em caso de decisão negativa, as informações relativas ao direito de recurso são expressamente mencionadas na decisão. [...] Uma decisão negativa do ministro equivale a uma ordem de abandonar o país de acordo com o disposto na Lei de 28 de Março de 1972, conforme alterada [...].

[...]

3) Da decisão de indeferimento de um pedido de protecção cabe recurso de plena jurisdição para o Tribunal administratif. Da ordem de abandonar o país cabe recurso de anulação para o Tribunal administratif. Os dois recursos devem constar de uma única petição de recurso, sob pena de inadmissibilidade do recurso em separado. O recurso deve ser interposto no prazo de um mês a contar da notificação. O prazo para interposição de recurso e o recurso interposto dentro do prazo têm efeito suspensivo. [...]

4) Das decisões do Tribunal administratif cabe recurso para a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) como órgão jurisdicional de anulação. O recurso deve ser interposto no prazo de um mês a contar da notificação [...] O prazo para a interposição de recurso e o recurso interposto dentro do prazo têm efeito suspensivo [...].»

10.      Por seu lado, o artigo 20.° da lei prevê:

«1) O ministro pode pronunciar‑se, quanto ao mérito, sobre o pedido de protecção internacional no âmbito do procedimento com tramitação acelerada nos casos seguintes:

[...]

b) se for manifesto que o requerente não preenche os requisitos exigidos para poder requerer o estatuto conferido pela protecção internacional;

[...]

d) se o requerente tiver induzido em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos a respeito da sua identidade ou nacionalidade susceptíveis de terem um impacto negativo na decisão;

[...]

2) O ministro deve proferir a decisão no prazo máximo de dois meses a contar do dia em que se verifica que o requerente está abrangido por um dos casos previstos no anterior n.° 1. O ministro pronuncia‑se mediante decisão fundamentada que é comunicada por escrito ao requerente. Em caso de decisão negativa, as informações relativas ao direito de recurso são expressamente mencionadas na decisão. Uma decisão negativa do ministro equivale a uma ordem de abandonar o país, em conformidade com o disposto na Lei de 28 de Março de 1972, conforme alterada [...].

[...]

4) Das decisões de indeferimento de um pedido de protecção internacional tomadas no âmbito de um procedimento com tramitação acelerada cabe recurso de plena jurisdição para o Tribunal administratif. Da ordem de abandonar o país cabe recurso de anulação para o Tribunal administratif. Os dois recursos devem constar de uma única petição, sob pena de inadmissibilidade do recurso em separado. O recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias a contar da notificação. O Tribunal administratif decide no prazo de dois meses a contar da apresentação da petição. [...] O prazo para interposição de recurso e o recurso interposto dentro do prazo têm efeito suspensivo. Das decisões do Tribunal administratif não cabe recurso.

5) Da decisão do ministro que se pronuncia, quanto ao mérito, sobre o pedido de protecção internacional ao abrigo de um procedimento de tramitação acelerada não cabe recurso.»

II – Factos

11.      Em 19 de Agosto de 2009, Samba Diouf, de nacionalidade mauritana, apresentou ao serviço competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Imigração do Grão‑Ducado do Luxemburgo, um pedido de protecção internacional ao abrigo da Lei de 5 de Maio de 2006, relativa ao direito de asilo e a formas complementares de protecção, conforme alterada (a seguir «Lei de 2006»). Alegava ter deixado a Mauritânia para fugir a uma situação de escravatura e por desejar estabelecer‑se na Europa para viver em melhores condições e constituir família, temendo que o seu antigo empregador, a quem furtou 3 000 euros para poder chegar à Europa, o mande procurar para o matar.

12.      Por decisão de 18 de Novembro de 2009, o Ministro do Trabalho, do Emprego e da Imigração indeferiu o pedido do Sr. Samba Diouf em execução do artigo 20.°, alíneas b) e d), da Lei de 2006, um vez que, por um lado, apresentou um passaporte falsificado, com ele induzindo as autoridades em erro, e, por outro, os motivos invocados eram de ordem económica e não correspondiam aos critérios que justificam uma protecção internacional.

13.      A decisão de 18 de Novembro foi proferida através de um procedimento de tramitação acelerada e constituía uma ordem para abandonar o país.

14.      Samba Diouf interpôs recurso da referida decisão para o Tribunal administratif do Luxemburgo, pedindo 1) a anulação da decisão de apreciar o seu pedido através de um procedimento com tramitação acelerada, 2) a reforma ou anulação da decisão que recusou a protecção internacional, e 3) a anulação da ordem para abandonar o país.

15.      O Tribunal administratif considera que o artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006 suscita dúvidas acerca da interpretação do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, respeitante ao direito a um recurso efectivo, na medida em que aquele não admite recurso da decisão de tramitar o pedido de protecção internacional através de um procedimento com tramitação acelerada.

16.      O Tribunal administratif salienta que a decisão de seguir o procedimento com tramitação acelerada tem consequências relevantes para o interessado, pois, por um lado, implica a redução para quinze dias do prazo ordinário de um mês previsto para o recurso perante a jurisdição contencioso‑administrativa e, por outro, reduz a uma única a dupla instância habitual nessa jurisdição.

17.      Excluindo que a Lei de 2006 permita sequer entender que a decisão sobre a apreciação através do procedimento com tramitação acelerada possa ser objecto de uma impugnação indirecta aquando do recurso eventualmente interposto da decisão de mérito, por implicar, na sua opinião, um afastamento da vontade do legislador, o Tribunal administratif coloca as seguintes questões prejudiciais:

III – Questões colocadas

18.      «Deve o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a instituída pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo através do artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006, relativa ao direito de asilo e a formas complementares de protecção, conforme alterada, em aplicação da qual um requerente de asilo não dispõe de recurso jurisdicional contra a decisão da autoridade administrativa de apreciar o mérito do pedido de protecção internacional no quadro de um procedimento com tramitação acelerada?

Em caso de resposta negativa, deve o princípio geral de direito a um recurso jurisdicional efectivo consagrado pelo direito comunitário, inspirado pelos artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a instituída pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo através do artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006, relativa ao direito de asilo e a formas complementares de protecção, conforme alterada, em aplicação da qual um requerente de asilo não dispõe de recurso jurisdicional contra a decisão da autoridade administrativa de apreciar o pedido de protecção internacional no quadro de um procedimento de tramitação acelerada?»

IV – O processo no Tribunal de Justiça

19.      A questão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de Fevereiro de 2010.

20.      Apresentaram observações Samba Diouf, a Comissão e os Governos do Grão‑Ducado do Luxemburgo, da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos e da República Helénica.

21.      Na audiência, realizada em 19 de Janeiro de 2011, compareceram para alegações os representantes de Samba Diouf, do Governo luxemburguês e da Comissão.

V –    Alegações

22.      Samba Diouf alegou que o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE exige aos Estados‑Membros que garantem aos requerentes de asilo o direito a um recurso jurisdicional efectivo, não só da decisão de mérito sobre um pedido de asilo, mas também da decisão de apreciar o pedido através do procedimento com tramitação acelerada, sobretudo se, como é o caso, a fundamentação da referida decisão tiver influência no conhecimento de mérito do pedido. Na sua opinião, coincidente com a do Tribunal administratif, a legislação luxemburguesa também não permite rever jurisdicionalmente a decisão sobre a apreciação com tramitação acelerada no âmbito da impugnação da decisão de mérito, de forma que as razões substantivas que a fundamentam continuarão a ser irrecorríveis.

23.      Por outro lado, Samba Diouf alegou que, mesmo admitindo que o Tribunal administratif, no julgamento relativo à recusa do pedido de asilo, pudesse julgar a decisão de apreciar o pedido através do procedimento com tramitação acelerada, isso resultaria numa violação inaceitável do princípio da igualdade, pois, contrariamente ao prazo de um mês concedido para a interposição de recurso da decisão proferida através do procedimento normal, o recurso da decisão tomada através do procedimento com tramitação acelerada é de quinze dias. Ao que acresce o facto de, na segunda hipótese, não se poder beneficiar de um duplo grau jurisdicional.

24.      Os Governos do Grão‑Ducado do Luxemburgo, da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos e da República Helénica, bem como a Comissão, concordam em que se deve responder negativamente à questão colocada.

25.      Basicamente todos defenderam que a Directiva 2005/85/CE deve ser entendida no sentido de que o objecto do recurso efectivo nela reconhecido se limita à decisão final sobre o pedido de protecção, não abrangendo a decisão de o apreciar mais rapidamente, sem prejuízo de que, aquando do julgamento da decisão final, se possa apreciar jurisdicionalmente a correcção jurídica de quaisquer decisões prévias. Por outro lado, esta interpretação, seria perfeitamente compatível com os artigos 6.° e 13.° CEDH.

26.      No que respeita especificamente à eventual violação do artigo 13.° CEDH, o Governo luxemburguês alega que, também nos termos da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, o direito a um recurso jurisdicional efectivo terá sempre por objecto a defesa de um direito protegido pela Convenção, sem que, na sua opinião, se possa entender que a Convenção, com base neste artigo 13.°, protege o direito a que um pedido de asilo seja apreciado através de um determinado procedimento.

27.      No que respeita às diferenças existentes entre o procedimento normal e o procedimento com tramitação acelerada do ponto de vista dos prazos de recurso e da existência de um único ou de um duplo grau jurisdicional, os Governos intervenientes e a Comissão alegam que o principio da protecção jurisdicional efectiva exige, como mínimo, uma decisão judicial, sendo que um prazo de quinze dias, atentas e ponderadas as circunstâncias do caso, nem sequer implica uma ofensa a esse princípio, seja à luz da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, seja, inclusivamente, à luz da doutrina do próprio Tribunal de Justiça.

VI – Apreciação

28.      Como tenho vindo a referir, o Tribunal administratif do Grão‑Ducado do Luxemburgo questiona, no essencial, o Tribunal de Justiça, sob a forma de duas perguntas sucessivas, se o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE ou, na sua ausência, o princípio geral do direito a um recurso efectivo inspirado pelos artigos 6.° e 13.° CEDH se opõem a uma legislação nacional que não prevê um recurso jurisdicional da decisão administrativa de apreciar um pedido de protecção internacional através do procedimento com tramitação acelerada.

A –    Consideração prévia

29.      Na minha opinião, devido à forma como a questão foi colocada é necessária uma consideração prévia. O órgão jurisdicional de reenvio formulou a sua questão através de duas perguntas diferentes, a segunda delas só para o caso de se responder negativamente à primeira, ou seja, se se considerar que não há contradição entre a Directiva 2005/85/CE e a lei luxemburguesa. E o que pretende saber nesse segundo momento é se, apesar de reconhecida essa conformidade entre o direito derivado da União e a legislação nacional, esta mesma legislação nacional podia ter violado o direito primário da União no que respeita especificamente à transposição dos conteúdos dos artigos 6.° e 13.° CEDH.

30.      Ora, é claro que em confronto com a hipótese, que se tem vindo a referir, de o direito derivado e a legislação nacional estarem em consonância, o resultado é o de não ser possível questionar, deste ponto de vista, a legislação nacional sem simultânea e necessariamente pôr em causa a validade do direito derivado.

31.      Na verdade, o direito derivado em causa é, neste caso, o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE que não faz mais que reconhecer o direito a uma protecção jurisdicional efectiva e cuja transposição a legislação nacional deve efectuar. Pressupondo, assim, que a directiva tenha sido correctamente transposta na ordem jurídica nacional, esta contemplará, pelo menos, a garantia da protecção jurisdicional exigida pelo seu artigo 39.° Por conseguinte, se, apesar de tudo, e querendo conferir alguma autonomia a esta segunda pergunta, se solicita um confronto da lei nacional com o direito originário da União, o que se está a pôr em questão é, em última análise, o respeito do direito derivado pela garantia da protecção jurisdicional, sendo por aí que deve logicamente começar a nossa resposta. Antes disso, convém desenvolver um pouco mais a abordagem que acabei de expor.

32.      Neste sentido, parece evidente que o conteúdo e o âmbito do direito a um recurso jurisdicional efectivo reconhecido pelo direito da União não diferem consoante a disposição ou o princípio comunitários que, em cada caso, o consagrem. A questão não pode ser, assim, a de saber se o direito ao recurso reconhecido no artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE em matéria de asilo se opõe a determinada legislação nacional ou se, assim não acontecendo, o que se opõe a esta é o direito ao recurso nessa matéria, reconhecido pela União nos termos do vigésimo sétimo considerando da referida directiva, como reflexo de «um princípio fundamental de direito comunitário» inspirado na CEDH. Se assim fosse estaríamos perante dois direitos diferentes e admitiríamos a possibilidade de uma norma de direito derivado como o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE permitir, sem prejuízo da respectiva validade, algo que, todavia, é afastado por um princípio geral do direito da União.

33.      Excluindo, assim, o anteriormente exposto, deve entender‑se que o Tribunal administratif, na realidade, coloca duas questões, embora não se verifique a relação de subsidiariedade expressa na respectiva decisão de reenvio, nem tendo por único fim avaliar a compatibilidade entre a Directiva 2005/85/CE e o artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006. Concretamente, o Tribunal administratif pergunta, por um lado e de forma explícita, se o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE se opõe ao artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006, e por outro lado, implicitamente, se, não existindo essa oposição, seria o direito ao recurso jurisdicional efectivo como princípio geral do direito da União e inspirado pelos artigos 6.° e 13.° CEDH que se oporia àquela legislação nacional e, por conseguinte, também ao próprio artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, que enfermaria assim de invalidade por violação do direito fundamental consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).

34.      Entendo, por isso, que os termos em que a questão é colocada exigem, de qualquer modo, que se verifique e em primeiro lugar, se a concretização do direito fundamental constante do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE é juridicamente correcta, por respeitar o conteúdo desse direito definido no artigo 47.° CDFUE e, por conseguinte, indirectamente, com o sentido e o âmbito que lhe são conferidos pelo CEDH. Isto implica que se comece por responder, como primeira questão, à colocada subsidiariamente pelo órgão jurisdicional de reenvio e que deve ser reformulada como pergunta acerca da validade do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE por contraposição com o artigo 47.° CDFUE. Uma vez eliminada, se for caso disso, qualquer incerteza acerca da compatibilidade do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE com o artigo 47.° CDFUE, fará então sentido responder à questão colocada neste processo como sendo a primeira e a principal (5).

B –    A validade da Directiva 2005/85/CE: o confronto entre o artigo 39.° da Directiva e o artigo 47.° CDFUE

35.      É jurisprudência reiterada no Tribunal de Justiça que o princípio da protecção jurisdicional efectiva constitui um principio geral do direito da União, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, consagrado no artigo 6.° CEDH (v., entre muitos outros, acórdãos do Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.os 18 e 19; de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 39; de 22 de Dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, Colect., p. I-0000, n.° 29).

36.      Enquanto direito fundamental, a inclusão do direito à protecção jurisdicional efectiva no artigo 47.° CDFUE conferiu‑lhe, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o «mesmo valor jurídico que os Tratados», conforme estabelece o artigo 6.°, n.° 1, do TUE, devendo ser respeitado pelos Estados‑Membros aquando da aplicação do direito da União (art. 51.°, n.° 1 CDFUE).

37.      Nos termos do artigo 47.° CDFUE, toda a pessoa tem direito a uma protecção jurisdicional efectiva face a violações dos seus «direitos e liberdades garantidos pelo direito da União» (primeiro parágrafo), em condições que permitam que «a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e dentro de um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei», podendo fazer‑se aconselhar, defender e representar em juízo (segundo parágrafo), e desfrutando, se for caso disso, de assistência judiciária gratuita (terceiro parágrafo).

38.      Por força, tanto do artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, do TUE, como do artigo 52.°, n.° 7, CDFUE, na interpretação do artigo 47.° CDFUE é necessário ter em conta as anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais inicialmente elaboradas pelo Praesidium da Convenção que a redigiu. As referidas anotações limitam‑se a declarar que o primeiro parágrafo do artigo 47.° CDFUE se baseia no artigo 13.° CEDH, enquanto o segundo parágrafo corresponde ao artigo 6.°, n.° 1, CEDH, sendo a protecção mais alargada em ambos os casos.

39.      Do exposto resulta, em meu entender que, além do valor interpretativo destas anotações, com a sua consagração como direito da União pelo artigo 47.° CDFUE, o direito à protecção jurisdicional efectiva, tal como se encontra consagrado nesta disposição, adquire uma identidade e substância próprias, não se limitando a ser uma mera compilação dos enunciados dos artigos 6.° e 13.° CEDH. Por outras palavras, o direito fundamental passa então a ter, já como direito consagrado e garantido pela União, um conteúdo próprio, em cuja definição, certamente, desempenham um papel fundamental os instrumentos internacionais nos quais esse direito se inspira e, entre eles, em primeiro lugar a CEDH, mas também as tradições constitucionais que estiveram na origem do direito em questão e, com elas, o universo conceptual dos princípios característicos do Estado de Direito. Tudo isto sem nunca excluir a própria tradição representada pelo acervo de mais de meio século do direito da União, que deu lugar, enquanto sistema legislativo, ao desenvolvimento de um conjunto de princípios que lhe são característicos.

40.      Na verdade, o artigo 13.° CEDH, na medida em que prossegue o objectivo de garantir que a protecção dos direitos consagrados pela CEDH disponha, no interior de cada um dos Estados que nela são partes, de um recurso efectivo num tribunal nacional, não pode senão projectar‑se, em conformidade com a respectiva redacção, sobre os direitos da própria CEDH. No entanto, dificilmente será aceitável que o artigo 47.°, n.° 1, CDFUE, ao inspirar‑se nessa disposição, restrinja o seu âmbito, por tal motivo, exclusivamente aos direitos da CDFUE.

41.      Por isso, importa, reconhecer que, contrariamente à opinião dos Governos luxemburguês e neerlandês, o facto de o meio processual autónomo exigido pelo artigo 13.° CEDH se destinar apenas aos direitos garantidos pela CEDH não tem quaisquer repercussões na resposta a dar ao órgão jurisdicional de reenvio.

42.      Em suma, o conteúdo do direito à protecção jurisdicional efectiva consagrado no artigo 47.° CDFUE deve ser definido tendo em consideração o sentido e o âmbito que a esse direito são conferidos pela CEDH (artigo 52.º, n.º3, CDFUE), mas, uma vez configurado, o seu âmbito de aplicação é o descrito pela CDFUE (6), ou seja, segundo o seu próprio texto, o dos «direitos e liberdades garantidos pelo direito da União». Por conseguinte e na parte que aqui importa, é indubitável a sua aplicabilidade relativamente às «decisões relativas a um pedido de asilo» porquanto o facto de essas decisões serem susceptíveis «de recurso efectivo perante um órgão jurisdicional», nos termos do vigésimo sétimo considerando da Directiva 2005/85/CE, não é mais do que o reflexo de «um princípio fundamental de direito comunitário», finalmente consagrado, com valor de direito originário, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União.

43.      Cingindo‑nos ao direito à protecção jurisdicional efectiva na sua vertente de acesso aos tribunais, a União assegura a todos o direito a uma acção perante um tribunal contra quaisquer violações dos direitos e liberdades por ela garantidos, importando, sobretudo, que o recurso aos tribunais seja efectivo, tanto no sentido de que tem que ser juridicamente adequado a reparar, se for esse o caso, a violação denunciada, como no de que tem que ser uma solução exequível, isto é, cujos requisitos não a tornem impossível ou de muito difícil execução.

44.      Este conteúdo indispensável do direito consagrado no artigo 47.° CDFUE é o resultante da CEDH mantida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (7) e ao qual se conforma naturalmente o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, que garante expressamente que «os requerentes de asilo tenham direito a interpor recurso efectivo perante um órgão jurisdicional» contra as decisões administrativas que indefiram o pedido em qualquer uma das hipóteses previstas no n.° 1 da referida disposição, quer dizer, por razões de mérito, formais ou processuais.

45.      Em conformidade com o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, o referido artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE intima‑os, no seu n.° 2, a «estabelecer os prazos e outras regras necessárias para o requerente poder exercer o seu direito de recurso efectivo», especificando, no n.° 3, que também devem estabelecer, «se for caso disso, as regras de acordo com as suas obrigações internacionais para determinar» a efectividade do recurso assegurando o respectivo resultado através da adopção de medidas cautelares.

46.      Sendo assim, é evidente que o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, ajustando‑se ao artigo 47.° CDFUE e, com isto, indirectamente, ao conteúdo mínimo do direito a um recurso jurisdicional efectivo exigido pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, preenche o requisito de validade imposto a todas as normas de direito derivado pelo artigo 6.°, n.° 1, do TUE, ao reconhecer à Carta dos Direitos Fundamentais «o mesmo valor jurídico que os Tratados.»

47.      E fê‑lo, além disso, nos dois níveis que têm vindo a ser obrigatórios para a União. Por um lado, exercendo a sua competência legislativa na matéria mediante a formulação expressa do direito a um recurso jurisdicional efectivo no âmbito dos procedimentos de concessão ou retirada do estatuto de refugiado. Por outro, obrigando os Estados‑Membros a desempenharem as suas competências de organização desses procedimentos em especial e, além disso, fazê‑lo em condições que garantam a realização do direito, de forma que a autonomia processual dos Estados não possa constituir um entrave para a respectiva eficácia.

48.      Eliminada a incerteza sobre a validade do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, é agora necessário verificar se se opõe ao artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006, respondendo, assim, à primeira das perguntas colocadas pelo Tribunal administratif.

C –    A interpretação do âmbito do artigo 39.° da directiva em confronto com o artigo 20.°,n.° 5, da Lei luxemburguesa de 5 de Maio de 2006

49.      O artigo 20.°, n.° 1, da Lei de 2006 é praticamente uma reprodução do artigo 23.°, n.° 4, da Directiva 2005/85/CE, no qual se enunciam as circunstâncias em que a apreciação de um pedido de asilo pode ser feita através de um procedimento com tramitação acelerada. A leitura dos casos previstos nesse n.°4 do artigo 23.° da directiva demonstra que o procedimento com tramitação acelerada findará com uma decisão de indeferimento, uma vez que se trata de casos como o claro incumprimento das condições do estatuto de refugiado [alínea b)], o carácter infundado do pedido [alínea c)] o intuito meramente dilatório de uma decisão de afastamento [alínea j)]. Interpretação que confirma, a contrario, o n.° 3 do próprio artigo 23.° da directiva, que prevê a possibilidade de um procedimento com tramitação acelerado «inclusivamente nos casos em que o pedido seja susceptível de estar bem fundamentado ou em que o requerente tenha necessidades especiais.»

50.      Embora a disposição não exclua a possibilidade de uma decisão positiva (8), o certo é que o procedimento com tramitação acelerada, previsto no artigo 20.° da Lei de 2006, na realidade, constitui um procedimento de indeferimento antecipado. Como tal, a decisão que lhe põe termo tem de estar sujeita a recurso jurisdicional efectivo. E assim o prevê o artigo 20.°, n.° 4, da Lei de 2006 ao estabelecer que «das decisões de indeferimento de um pedido de protecção internacional tomadas no âmbito de um procedimento com tramitação acelerada cabe recurso de plena jurisdição para o Tribunal administratif».

51.      A questão é se, além disso, a própria decisão de apreciar o pedido através de um procedimento com tramitação acelerada é também susceptível de recurso jurisdicional, o que é expressamente excluído pelo artigo 20.°, n.° 5 da Lei de 2006.

52.      O artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE dispõe, no seu n.° 1, alínea a), que os Estados‑Membros asseguram que os requerentes de asilo tenham direito a interpor recurso efectivo da «decisão proferida sobre o seu pedido», questionando o Tribunal administratif, neste processo, qual deve ser a interpretação a dar a essa expressão em concreto e, especificamente, se nela se deve compreender apenas a decisão final sobre o pedido ou também a decisão de apreciar o pedido através do procedimento com tramitação acelerada.

53.      É certo que o teor literal do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE podia ser interpretado no sentido de que uma «decisão proferida sobre o seu pedido» é toda e qualquer decisão proferida relativamente ao pedido de asilo. Por conseguinte, também as decisões interlocutórias ou preparatórias da decisão final sobre o asilo requerido seriam susceptíveis de recurso autónomo.

54.      Todavia, uma tal interpretação não se compadeceria com o interesse na celeridade dos procedimentos respeitantes aos pedidos de asilo. Interesse que, em conformidade com o décimo primeiro considerando da própria directiva, é tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de asilo e por força do qual o artigo 23.°, n.°2, da Directiva 2005/85/CE dispõe que «os Estados‑Membros asseguram a conclusão desse procedimento o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação» (9).

55.      Para além dessa razão de ordem teleológica, parece resultar do referido artigo 39.° da Directiva uma clara intenção de restringir as decisões susceptíveis de impugnação àquelas que determinem a inadmissibilidade do pedido de asilo (A) com base no mérito ou, se for caso disso, (B) por motivos formais ou de processo que impossibilitem uma decisão baseada em considerações de ordem substantiva.

56.      Na verdade, o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE inclui na definição de «decisão proferida sobre o [seu] pedido de asilo» uma série de decisões – enumeradas em i), ii) e iii) da alínea a) – que, por determinarem a inadmissibilidade do pedido de asilo ou por serem proferidas na fronteira, equivalem a uma decisão definitiva de indeferimento sobre o mérito. Carácter este que é comum às outras decisões que, nos termos expressos do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, são necessariamente objecto do direito a interpor recurso jurisdicional efectivo num órgão nas alíneas b) a e) do mesmo n.° 1: recusa de reabertura da apreciação de um processo interrompido; decisão de não prosseguir a apreciação de pedidos subsequentes; decisão de recusa de entrada no caso de pedido subsequente a outro retirado, de que se tenha desistido ou recusado; decisão de retirar o estatuto de refugiado.

57.      Em face do exposto, pode concluir‑se que o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE incide claramente sobre as decisões que pressuponham uma impossibilidade definitiva do deferimento de um pedido de asilo.

58.      Na medida em que a decisão de apreciar um pedido através do procedimento com tramitação acelerada possa desde logo revelar o sentido da decisão sobre o mérito, é evidente que este sentido não pode deixar de ser objecto de um recurso jurisdicional efectivo. Ora, disto não se conclui necessariamente que o referido meio processual deve ter lugar contra a própria decisão de apreciar o pedido através do procedimento com tramitação acelerada e logo que esta seja proferida. O primordial é que, no que respeita ao seu conteúdo substantivo, a decisão possa ser objecto de recurso antes de a recusa de asilo se tornar firme e definitiva e, por conseguinte, susceptível de execução (10).

59.      Isto implica que o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE não exige, em princípio, que a legislação nacional preveja um recurso específico ou autónomo ou, por assim dizer, «directo» contra a decisão de apreciar um pedido de asilo através do procedimento com tramitação acelerada.

60.      Com uma ressalva, todavia: a de que os motivos que justificaram a opção pelo procedimento com tramitação acelerada possam ser efectivamente impugnados posteriormente no recurso jurisdicional de que pode ser objecto, em qualquer caso, a decisão final do procedimento relativo ao pedido.

61.      Se assim não fosse e, tal como entende o Tribunal administratif, o motivo que dá origem ao procedimento com tramitação acelerada ficasse excluído de fiscalização por força do artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006, seria forçoso concluir que o direito da União se opõe a uma tal consequência.

62.      Fica por resolver se o direito da União se opõe à regulamentação nacional analisada na medida em que a opção pelo procedimento com tramitação acelerada face ao procedimento normal implica diferenças que se traduzem numa situação mais débil para o requerente de asilo, do ponto de vista do seu direito à protecção jurisdicional efectiva, para cuja efectivação apenas dispõe de um prazo de quinze dias e de uma única instância.

63.      Em primeiro lugar, no que respeita ao facto de o prazo de recurso ser de um mês no caso de uma decisão tomada através do procedimento normal e de apenas quinze dias no caso do procedimento com tramitação acelerada, é evidente que o relevante, de acordo com o alegado pela Comissão, é que o prazo disponível seja materialmente suficiente para a preparação e interposição de um recurso jurisdicional efectivo, não podendo afirmar‑se que tal não aconteça na hipótese de um prazo de quinze dias, comum nos procedimentos abreviados, perfeitamente razoável e proporcionado em confronto com os direitos e interesses em jogo do ponto de vista da avaliação da suficiência dos prazos processuais (11).

64.      Dito isto, seria sempre da competência do juiz nacional determinar se, num caso concreto, sendo considerado insuficiente o referido prazo em face das circunstâncias desse caso, este facto pode, por si só, justificar que se julgue procedente a impugnação deduzida (indirectamente) contra a decisão administrativa de apreciar o pedido de asilo através do procedimento com tramitação acelerada, de forma que, com o provimento do recurso, ficasse decidida a tramitação do pedido através do procedimento normal.

65.      Em segundo lugar e no que respeita à diferença resultante do facto de só contra uma decisão tomada através do procedimento normal o interessado ter ao seu dispor a possibilidade de um recurso jurisdicional de duplo grau, não é menos evidente que, do ponto de vista que aqui nos interessa, importa que exista pelo menos um grau de jurisdição, que é o que garante o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, sem que a CEDH exija mais (12), nem o artigo 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos – determinante para a estruturação do conteúdo dos direitos fundamentais pela quase totalidade dos Estados‑Membros – o garanta fora dos procedimentos penais, o que não é o caso.

66.      Em suma, entendo que o artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, em perfeita conformidade com o direito fundamental garantido pelo artigo 47.° CDFUE, não se opõe, em princípio, a uma norma nacional como o artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 2006.

VII – Conclusão

67.      Considerando o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões colocadas pelo Tribunal administratif o seguinte:

«1.° O artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE respeita o conteúdo do artigo 47.° CDFUE.

2.° O artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE não se opõe a uma norma nacional, como a aprovada no Grão‑Ducado do Luxemburgo pelo artigo 20.°, n.° 5, da Lei de 5 de Maio de 2006, relativa ao direito de asilo e a formas complementares de protecção, conforme alterada, nos termos da qual um requerente de asilo não dispõe de nenhum recurso jurisdicional autónomo contra a decisão da autoridade administrativa de apreciar o seu pedido de protecção internacional através do procedimento com tramitação acelerada, desde que os fundamentos do indeferimento, cuja apreciação se tenha antecipado nessa decisão, possam ser efectivamente impugnados jurisdicionalmente no recurso que cabe sempre da decisão final do procedimento sobre o pedido de asilo.»


1_ Língua original: espanhol.


2– O interesse desta questão não podia deixar de propiciar um profícuo debate na doutrina, salientando‑se já alguns estudos a este respeito. V., por exemplo, Rolla, G. «La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión Europea y el Convenio Europeo de Derechos Humanos: Su contribución a la formación de una jurisdicción constitucional de los derechos y libertades», inRevista Europea de Derechos Fundamentales n.° 15 (2010), pp. 15‑39; Genevois, B., «La Convention européenne des droits de l’homme et la Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne: complémentarité ou concurrence?», inRevue Française de Droit Administratif, n.° 3 (2010), pp. 437‑444; García Roca, F.J., e Fernández Sánchez, P.A., (coord.), Integración europea a través de derechos fundamentales: de un sistema binario a otro integrado, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 2009.


3– Directiva relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros (JO 2005, L 326, p. 13).


4– Mémorial A n.° 78, de 9 de Maio de 2006, modificado pela Lei de 17 de Julho de 2007 (Mémorial A n.° 121) e pela Lei de 29 de Agosto de 2008 (Mémorial A n.° 138).


5– Esta abordagem, implicitamente contida nas observações do Governo alemão, começa pela apreciação da questão colocada como subsidiária pelo órgão jurisdicional de reenvio.


6_ Que, nos termos do próprio artigo 52.º, n.º 3, CDFUE, sempre pode conceder uma protecção mais extensa que a CEDH.


7– V., a este respeito e em termos gerais, van Dijk/van Hoof/van Rijn/Zwaak (ed.), Theory and practice of the European Convention on Human Rights, 4ª ed., Intersciencia, Amberes, 2006.


8– Com efeito, o n.° 2 do artigo 20.° da Lei de 5 de Maio de 2006 estabelece um direito à interposição de recursos «no caso de decisão negativa», de modo que não se exclui a eventualidade de que, apesar do teor dos motivos que legitimam a tramitação acelerada, o procedimento termine com a concessão da protecção internacional requerida.


9– Como fez notar o Governo grego nos n.os 7 a 10 das suas alegações escritas, o alargamento da prática dos procedimentos com tramitação acelerada, sendo geral, nunca deixou de ser acompanhada pela preocupação das instâncias internacionais e dos próprios Estados-Membros em assegurar, em qualquer caso, que a celeridade dos procedimentos não redunde numa diminuição das garantias dos direitos individuais. Por seu lado, a Comissão sublinhou, com razão, no n.° 54 das suas alegações, que a apreciação com tramitação acelerada dos pedidos inadmissíveis ou infundados é plenamente justificada por um processamento mais rápido dos pedidos que mereçam decisão positiva. Tudo isto, sem necessidade de seguir o Governo neerlandês na pormenorizada exposição das objecções processuais que, na sua opinião, deveriam esgrimir‑se contra um recurso autónomo, enunciadas nos n.os 34 a 36 das suas alegações escritas.


10– Um recurso que, nos termos do artigo 47.° CDFUE e do artigo 39.° da Directiva 2005/85/CE, tem que ser efectivo e, por conseguinte, capaz de ter como efeito, quer a anulação do processado no procedimento administrativo, quer a concessão judicial do pedido recusado pela administração.


11– Entre muitos outros, TEDH, acórdãos Kudla c. Polónia de 26 de Outubro de 2000 e Ryabykh c. Rússia de 24 de Julho de 2003.


12– V., TEDH acórdão Hoffmann c. Alemanha de 9 de Maio de 2007.