ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

12 de Julho de 2011 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública – Função pública – Funcionários – Recurso incidental – Assédio moral – Artigo 12.°‑A do Estatuto – Comunicação sobre a política de assédio moral na Comissão – Dever de assistência que incumbe à administração – Artigo 24.° do Estatuto – Alcance – Pedido de assistência – Medidas provisórias de afastamento – Dever de solicitude – Responsabilidade – Pedido de indemnização – Plena jurisdição – Requisitos de aplicação – Relatório de evolução de carreira – Recurso de anulação – Interesse em agir»

No processo T‑80/09 P,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 9 de Dezembro de 2008, Q/Comissão (F‑52/05, ainda não publicado na Colectânea), por meio do qual se requer a anulação desse acórdão,

Comissão Europeia, representada por V. Joris, D. Martin e Eggers, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo

Q, antiga funcionária da Comissão Europeia, residente em Domsjö (Suécia), representada por S. Rodrigues e Y. Minatchy, advogados,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger, presidente, I. Pelikánová (relatora) e A. Dittrich, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Janeiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        Através do recurso interposto ao abrigo do artigo 9.° do Anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, a Comissão Europeia requer a anulação do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção), de 9 de Dezembro de 2008, Q/Comissão (F‑52/05, ainda não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão recorrido»), por meio do qual foi anulada a sua decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência apresentado por Q, em 3 de Maio de 2004, ao abrigo do artigo 24.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir, respectivamente, «pedido de assistência» e «Estatuto»), na parte em que recusou adoptar uma medida provisória de afastamento e a condenou a pagar a quantia de 15 500 euros a Q, a título de indemnização pelo dano moral resultante da ilegalidade dessa decisão, assim como pelo incumprimento, por parte da administração, do dever de solicitude.

 Factos na origem do litígio

2        Os factos na origem do litígio estão expostos nos n.os 18 a 101 do acórdão recorrido.

 Tramitação processual em primeira instância e acórdão recorrido

3        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de Julho de 2005, Q interpôs um recurso por meio do qual requer, no essencial, em primeiro lugar, a anulação da decisão implícita de indeferimento do seu pedido de assistência, em segundo lugar, a anulação dos seus relatórios de evolução de carreira elaborados respectivamente a título dos períodos compreendidos entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro e 1 de Novembro e 31 de Dezembro de 2003 (a seguir «REC 2003») e, em terceiro lugar, a condenação da Comissão no pagamento de uma indemnização. O recurso foi inicialmente registado na Secretaria do Tribunal Geral sob a referência T‑252/05.

4        Por despacho de 15 de Dezembro de 2005, o Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 3, da Decisão 2004/752/CE, Euratom, do Conselho, de 2 de Novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), remeteu o presente processo a este último. O recurso foi registado sob a referência F‑52/05.

5        Através do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública julgou parcialmente procedente o recurso de anulação da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, na parte em que essa decisão recusou adoptar uma medida provisória de afastamento e condenou a Comissão a pagar a quantia de 18 000 euros a Q, a título de indemnização. O Tribunal negou provimento ao recurso quanto ao restante.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e pedidos das partes

6        Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de Fevereiro de 2009, a Comissão interpôs o presente recurso.

7        Em 9 de Junho de 2009, Q apresentou a sua resposta, por meio da qual interpôs igualmente um recurso incidental do acórdão recorrido. Além disso, apresentou um pedido para que lhe fosse concedido anonimato, pedido esse que foi imediatamente deferido pelo secretário.

8        Por carta de 24 de Junho de 2009, a Comissão pediu para apresentar uma réplica sucinta.

9        Por decisão de 3 de Julho de 2009, o presidente da Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública deferiu esse pedido.

10      Em 24 de Agosto de 2009, a Comissão apresentou uma réplica, na qual respondeu também ao recurso incidental, em conformidade com o disposto no artigo 143.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

11      Por carta de 24 de Setembro de 2009, Q apresentou um pedido para apresentar um articulado complementar ao recurso incidental.

12      Por decisão de 6 de Outubro de 2009, o presidente da referida Secção deferiu esse pedido.

13      Em 15 de Outubro de 2009, Q apresentou a tréplica.

14      Em 13 de Novembro de 2009, Q apresentou um articulado complementar ao recurso incidental.

15      Em 5 de Janeiro de 2010, a Comissão apresentou resposta ao articulado complementar ao recurso incidental. Nesse mesmo dia, a fase escrita foi encerrada.

16      Por carta de 11 de Fevereiro de 2010, Q apresentou um pedido, nos termos do artigo 146.° do Regulamento de Processo, por meio do qual pediu para ser ouvida no âmbito da fase oral do processo.

17      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito de uma medida de organização do processo ao abrigo do artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes, às quais estas deveriam responder na audiência.

18      As alegações e as respostas das partes às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal Geral foram ouvidas na audiência de 21 de Janeiro de 2011. As respostas às questões escritas do Tribunal Geral foram registadas na acta da audiência.

19      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o acórdão recorrido, uma vez que foram julgados procedentes o segundo fundamento de recurso em primeira instância, relativo à ilegalidade da decisão implícita que recusou adoptar uma medida provisória de afastamento, assim como o pedido formulado nesse recurso relativo à indemnização do dano que resultou da referida ilegalidade e do incumprimento, por parte da administração, do dever de solicitude;

–        negar provimento ao recurso incidental;

–        negar provimento ao recurso interposto em primeira instância ou, a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal da Função Pública;

–        decidir nos termos legais sobre as despesas no Tribunal da Função Pública e do recurso principal ou, a título subsidiário, reservar para final a decisão relativa às despesas no Tribunal da Função Pública, e no recurso principal;

–        condenar Q nas despesas do recurso incidental.

20      Q conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso principal inadmissível e, em todo o caso, negar‑lhe provimento;

–        declarar o recurso incidental admissível;

–        anular o acórdão recorrido;

–        julgar procedentes os seus pedidos de anulação e de indemnização formulados no âmbito do recurso interposto em primeira instância;

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas.

 Quanto ao recurso principal

21      O recurso principal, interposto ao abrigo do artigo 9.° do Anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, visa a anulação do acórdão recorrido, por meio do qual foi anulada a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, na parte em que recusou adoptar uma medida provisória de afastamento e condenou a Comissão a pagar a quantia de 15 500 euros a Q, a título de indemnização pelo dano moral resultante da ilegalidade dessa decisão, assim como pelo incumprimento, por parte da administração, do dever de solicitude.

 Quanto à admissibilidade

22      Q alega que o recurso principal é inadmissível, uma vez que, no âmbito dos dois fundamentos invocados em seu apoio, a Comissão pede ao tribunal de recurso que se pronuncie, novamente, sobre factos que foram definitivamente apreciados pelo tribunal em primeira instância. Por um lado, a Comissão não pode pedir ao tribunal de recurso, no âmbito do primeiro fundamento do recurso principal, que fiscalize as apreciações que levaram o Tribunal da Função Pública a considerar que Q devia ser indemnizada pelo dano moral que sofreu devido a uma violação, por parte da Comissão, do dever de solicitude, demonstrada através de algumas das actuações denunciadas no pedido de assistência. Por outro lado, no âmbito do segundo fundamento do recurso principal, a Comissão não pode contestar implicitamente no tribunal de recurso, à luz dos elementos dos autos, as apreciações que levaram o tribunal de primeira instância a considerar que, nas circunstâncias do presente caso, a recusa implícita da Comissão em adoptar uma medida provisória de afastamento era susceptível de fazer incorrer a Comunidade em responsabilidade extracontratual.

23      A Comissão conclui pedindo que a questão prévia de inadmissibilidade invocada por Q seja julgada improcedente.

24      Nos termos do artigo 225.°‑A, CE e do artigo 11.°, n.° 1, do Anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, o recurso interposto no Tribunal Geral é limitado às questões de direito e pode ter por fundamento a incompetência do Tribunal da Função Pública, irregularidades processuais perante este Tribunal que lesem os interesses da parte em causa bem como a violação do direito comunitário pelo Tribunal da Função Pública. Além disso, o artigo 138.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo prevê que o recurso deve conter os fundamentos e os argumentos legais invocados.

25      Resulta das disposições supra‑mencionadas que o recurso só pode ter como fundamento a violação de normas jurídicas, ficando excluindo qualquer apreciação dos factos. Só o tribunal de primeira instância tem competência para, por um lado, verificar os factos, salvo no caso em que das peças processuais que lhe foram submetidas resultar uma inexactidão material das suas constatações e, por outro, para apreciar estes factos. A apreciação dos factos não constitui assim, salvaguardado o caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados no tribunal de primeira instância, uma questão jurídica sujeita, enquanto tal, à fiscalização do tribunal de recurso (v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de Março de 2008, Rossi Ferreras/Comissão, T‑107/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29 e jurisprudência citada).

26      No presente caso, a Comissão não requer ao tribunal de recurso, através do primeiro fundamento, dividido em duas partes, e do segundo fundamento, que reexamine os factos que o tribunal de primeira instância já verificou e apreciou.

27      No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal da Função Pública de ter violado, no acórdão recorrido, o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 43 e 44), e pelo Tribunal Geral no acórdão de 10 de Dezembro de 2008, Nardone/Comissão (T‑57/99, ainda não publicado na Colectânea, n.os 162 a 164).

28      A primeira parte do primeiro fundamento levanta, por conseguinte, uma questão jurídica e, nessa medida, deve ser declarada admissível.

29      A segunda parte do primeiro fundamento abrange, no essencial, três acusações principais.

30      A primeira acusação assenta no facto de, no acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública ter violado os artigos 90.° e 91.° do Estatuto, uma vez que atribuiu a Q uma indemnização com base num fundamento que não foi invocado nem no requerimento, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, nem na reclamação, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, nem na petição inicial apresentada em primeira instância. Na audiência, a Comissão esclareceu que isto equivale a acusar o Tribunal da Função Pública de ter decidido ultra petita, alterando o objecto do litígio.

31      A segunda acusação assenta numa violação do dever de fundamentar os acórdãos, uma vez que o Tribunal da Função Pública não expôs os fundamentos que o levaram a qualificar juridicamente certos factos denunciados no pedido de assistência, considerados no seu conjunto, como falta imputável ao serviço susceptível de fazer a Comunidade incorrer em responsabilidade.

32      Por último, a terceira acusação, que é subsidiária em relação à segunda, assenta no facto de o Tribunal da Função Pública ter cometido um erro na qualificação jurídica de certos factos denunciados no pedido de assistência, ao decidir que estes, considerados no seu conjunto, constituíam uma falta imputável ao serviço susceptível de fazer a Comunidade incorrer em responsabilidade.

33      A segunda parte do primeiro fundamento levanta, por conseguinte, questões jurídicas e, nessa medida, deve ser declarada admissível.

34      Finalmente, por meio do segundo fundamento, a Comissão acusa o Tribunal da Função Pública de ter violado o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, os artigos 7.° e 24.° do Estatuto, e o dever de fundamentar os acórdãos, uma vez que, no n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, deferiu parcialmente o pedido de indemnização de Q pelo dano resultante da ilegalidade da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, depois de ter declarado, nos n.os 250, 251 e 254 do acórdão recorrido, que o requisito relativo à existência de um comportamento ilegal estava preenchido, devido à ilegalidade da decisão implícita da Comissão que recusou adoptar uma medida provisória de afastamento, conforme constatado nos n.os 209 a 214 do acórdão recorrido, e ao atraso na abertura do inquérito administrativo.

35      O segundo fundamento do recurso principal levanta, por conseguinte, questões jurídicas e, nessa medida, deve ser declarado admissível.

36      Resulta do exposto que a questão prévia de inadmissibilidade invocada por Q deve ser julgada improcedente porquanto tem por objecto o recurso principal e os fundamentos ou as partes de fundamentos em que o recurso se baseia.

 Quanto ao mérito

37      Resulta dos n.os 27, 29 a 32 e 34 supra que, em apoio do recurso principal, a Comissão invocou um primeiro fundamento, que assenta, na sua primeira parte, na violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal e, na sua segunda parte, na violação dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, do dever de fundamentar os acórdãos e do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, assim como um segundo fundamento, que assenta na violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, dos artigos 7.° e 24.° do Estatuto e do dever de fundamentar os acórdãos.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, assente na violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal

–       Argumentos das partes

38      A Comissão acusa o Tribunal da Função Pública de ter considerado que estava preenchido o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, sem ter demonstrado a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica destinada a conferir direitos aos particulares, em conformidade com a jurisprudência aplicável (acórdãos Bergaderm e Goupil/Comissão, n.° 27 supra, n.os 43 e 44, e Nardone/Comissão, n.° 27 supra, n.os 162 a 164).

39      Q conclui pela improcedência da primeira parte do primeiro fundamento, na medida em que esta parte assenta numa jurisprudência, decorrente do acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, n.° 27 supra, que não é aplicável ao contencioso da função pública.

–       Apreciação do Tribunal Geral

40      Um litígio entre um funcionário e uma instituição de que este depende ou dependia e que visa a indemnização de um dano é abrangido, quando tiver origem no vínculo laboral que une o interessado à instituição, pelo âmbito de aplicação do artigo 236.° CE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto e encontra‑se, nomeadamente no que respeita à sua admissibilidade, fora do âmbito de aplicação tanto do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, como do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (v. despacho do Tribunal Geral de 26 de Junho de 2009, Marcuccio/Comissão, T‑114/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 12 e jurisprudência citada).

41      O próprio Estatuto é um instrumento autónomo que tem como única finalidade regulamentar as relações jurídicas entre as instituições e os funcionários, através do estabelecimento, entre estes últimos, de direitos e de obrigações recíprocos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 22 de Fevereiro de 2006, Adam/Comissão, T‑342/04, ColectFP, pp. I‑A‑2‑23 e II‑A‑2‑107, n.° 34). O Estatuto criou assim, nas relações entre as instituições e os seus funcionários, um equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocos, que nem as instituições nem os funcionários devem perturbar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 1988, Rousseau/Tribunal de Contas, 167/86, Colect., p. 2705, n.° 13, e acórdão do Tribunal Geral de 18 de Abril de 1996, Kyrpitsis/CES, T‑13/95, ColectFP, pp. I‑A‑167 e II‑503, n.° 52). Esse equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocos destina‑se, essencialmente, a preservar a relação de confiança que deve existir entre as instituições e os seus funcionários, para garantir aos cidadãos europeus o cumprimento correcto das missões de interesse geral que são atribuídas às instituições (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, Colect., p. I‑1611, n.os 44 a 47).

42      Além disso, resulta de jurisprudência bem assente que, nos litígios em matéria de relações entre as instituições e os seus funcionários, é reconhecido o direito de indemnização se estiverem preenchidos três requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado (acórdão do Tribunal Geral de 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão, T‑82/91, ColectFP, pp. I‑A‑15 e II‑61, n.° 72; despacho do Tribunal Geral, de 24 de Abril de 2001, Pierard/Comissão, T‑172/00, ColectFP, pp. I‑A‑91 e II‑429, n.° 34, e acórdão do Tribunal Geral de 12 de Setembro de 2007, Combescot/Comissão, T‑249/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 49).

43      Esta solução não é posta em causa pelo acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, n.° 27 supra, que exige, em relação ao requisito da ilegalidade de um comportamento imputado às instituições e com uma preocupação de harmonização dos diferentes regimes de responsabilidade, que seja feita prova de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares. Com efeito, resulta dos n.os 39 a 43 do acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, n.° 27 supra, que essa exigência particular, assim como a preocupação de harmonização que a justifica dizem respeito apenas à responsabilidade extracontratual das Comunidades Europeias, nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, e à responsabilidade dos Estados‑Membros por violação do direito comunitário.

44      Além disso, a diferença entre os requisitos de existência da responsabilidade da Comunidade por danos causados aos seus funcionários e antigos funcionários devido a uma violação das disposições estatutárias, por um lado, e os requisitos que regulam a responsabilidade da Comunidade para com terceiros devido a uma violação de outras disposições do direito comunitário, por outro, justifica‑se, à luz do equilíbrio dos direitos e das obrigações que o Estatuto criou especificamente nas relações entre as instituições e os seus funcionários, para garantir aos cidadãos europeus o correcto cumprimento das missões de interesse geral que são atribuídas às instituições.

45      Embora no acórdão Nardone/Comissão, n.° 27 supra (n.os 162 a 173), o tribunal comunitário tenha examinado se a ilegalidade alegada constituía uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objecto conferir direitos aos particulares, esse exame não se impunha, uma vez que, nos litígios em matéria de relações entre as instituições e os seus funcionários, resulta de jurisprudência bem assente que a mera demonstração de uma ilegalidade basta para que se considere que está preenchido o primeiro dos três requisitos necessários para responsabilizar a Comunidade pelos danos causados aos seus funcionários e antigos funcionários, devido a uma violação do direito comunitário da função pública (v. n.° 42 supra).

46      Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, assente na violação dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, no dever de fundamentar os acórdãos e no requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal

–       Argumentos das partes

47      A Comissão acusa o Tribunal da Função Pública de ter violado, no acórdão recorrido, os artigos 90.° e 91.° do Estatuto, o dever de fundamentar os acórdãos e o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, uma vez que atribuiu a Q uma indemnização pelo dano resultante de uma violação do dever de solicitude, demonstrada por certas actuações denunciadas no pedido de assistência.

48      Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que o Tribunal da Função Pública violou os artigos 90.° e 91.° do Estatuto, por, no acórdão recorrido, ter atribuído a Q uma indemnização com o fundamento de que não tinha sido invocada uma falta imputável ao serviço nem no pedido de indemnização, apresentado em 3 de Maio de 2004, apenso ao pedido de assistência (a seguir «pedido de indemnização»), nem na reclamação de 26 de Novembro de 2004, nem na petição inicial apresentada em primeira instância.

49      Em segundo lugar, a Comissão entende que o Tribunal da Função Pública violou o dever de fundamentar os acórdãos por não ter apresentado as razões que o levaram a considerar, nos n.os 236 e 237 do acórdão recorrido, que certas actuações denunciadas no pedido de assistência, consideradas no seu conjunto, podiam ser juridicamente qualificadas de faltas imputáveis ao serviço susceptíveis de darem lugar a indemnização no âmbito do recurso que lhe foi submetido. Com efeito, a verificação de uma «certa inobservância […] do seu dever de solicitude» não é equivalente à verificação de uma violação manifesta e grave do dever de solicitude. Além disso, o Tribunal da Função Pública contradisse‑se ao declarar que nenhum dos factos denunciados no pedido de assistência lesou a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psíquica de Q.

50      Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que o Tribunal da Função Pública violou o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal por, no presente caso, ter responsabilizado a Comunidade apenas com base no fundamento de uma violação do dever de solicitude.

51      Seja como for, a Comissão sustenta que os factos ou as actuações que o Tribunal da Função Pública, no n.° 236 do acórdão recorrido, considerou serem reveladores, considerados no seu conjunto, de uma certa inobservância, por parte da administração, do dever de solicitude, não podiam ser qualificados de falta imputável ao serviço susceptível de fazer a Comunidade incorrer em responsabilidade extracontratual.

52      Q conclui pela improcedência da segunda parte do primeiro fundamento.

53      Em primeiro lugar, Q conclui pela improcedência da acusação assente na violação dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, uma vez que invocou, no essencial, em apoio do seu pedido de indemnização, um dano relativo à deterioração do seu estado de saúde, resultante de violações, por parte da administração, do dever de solicitude, no pedido de indemnização, na reclamação de 24 de Novembro de 2004, assim como, explicitamente, na petição inicial apresentada em primeira instância. De resto, segundo a jurisprudência, as alegações de impugnação podem ser desenvolvidas, perante o tribunal da União, através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figuram na reclamação, mas que com ela se relacionam estreitamente.

54      Em seguida, Q conclui pela improcedência da acusação que assenta na violação do dever de fundamentar os acórdãos. O Tribunal da Função Pública expôs, no n.° 236 do acórdão recorrido, as razões pelas quais, no presente caso, o dever de solicitude não foi observado pela administração. O tribunal de primeira instância demonstrou deste modo a existência de uma falta imputável ao serviço susceptível de fazer com que a Comunidade incorra em responsabilidade.

55      Por último, Q conclui pela improcedência do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal. A inobservância do dever de solicitude pode ser invocada por um funcionário, independentemente da violação de uma disposição específica do Estatuto, em todos os casos em que a administração se pronunciou sobre a sua situação sem ter em conta os seus direitos e interesses.

–       Apreciação do Tribunal Geral

56      Segundo as disposições conjugadas do artigo 236.°CE, do artigo 1.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 91.°, n.° 1, do Estatuto, o Tribunal da Função Pública exerce, em primeira instância, as competências para decidir dos litígios entre as Comunidades e qualquer uma das pessoas referidas no Estatuto que tenham por objecto a legalidade de um acto que causa prejuízo a essa pessoa.

57      De acordo com a segunda frase do artigo 91.°, n.° 1, do Estatuto, nos litígios de carácter pecuniário, o Tribunal da Função Pública possui uma competência de plena jurisdição. Esta última incumbe o Tribunal da Função Pública da missão de dar aos litígios que lhe são submetidos uma solução completa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2007, Weißenfels/Parlamento, C‑135/06 P, Colect., p. I‑12041, n.° 67, e de 17 de Dezembro de 2009, M/EMEA, C‑197/09 RX‑II, ainda não publicado na Colectânea, n.° 56). Visa, nomeadamente, permitir‑lhe garantir a eficácia prática dos acórdãos que profere nos processos da função pública, pelo que este pode oficiosamente atribuir uma indemnização a uma pessoa referida no Estatuto caso entenda que a anulação do acto que causa prejuízo, ferido de ilegalidade, não basta para fazer valer os seus direitos ou para preservar eficazmente os seus interesses ou que a anulação desse acto constituiria uma sanção excessiva da ilegalidade cometida e que atribuição de uma indemnização à pessoa interessada constitui a forma de reparação que melhor corresponde simultaneamente aos seus interesses e às exigências do serviço (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 1980, Oberthür/Comissão, 24/79, Recueil, p. 1743, n.os 13 e 14, e de 20 de Maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 50; acórdão do Tribunal Geral de 31 de Março de 2004, Girardot/Comissão, T‑10/02, ColectFP, pp. I‑A‑109 e II‑483, n.os 86, 87 e 89 e jurisprudência citada). Nesse caso, compete ao Tribunal da Função Pública avaliar ex aequo et bono, tendo em conta todas as circunstâncias do processo, o dano sofrido pela pessoa interessada (acórdãos Oberthür/Comissão, já referido, n.° 14, e Gogos/Comissão, já referido, n.° 44).

58      Todavia, é jurisprudência constante que a primeira frase do artigo 91.°, n.° 1, do Estatuto rege a segunda, pelo que esta disposição só atribui ao tribunal uma competência de plena jurisdição quando exista um litígio que tem por objecto a legalidade de um acto que causa prejuízo, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto (v. acórdãos do Tribunal Geral de 1 de Dezembro de 1994, Schneider/Comissão, T‑54/92, ColectFP, pp. I‑A‑281 e II‑887, n.° 49 e jurisprudência citada, e Ditterich/Comissão, T‑79/92, ColectFP, pp. I‑A‑289 e II‑907, n.° 37 e jurisprudência citada).

59      Por outro lado, segundo o artigo 91.°, n.° 2, do Estatuto, só pode ser interposto um recurso no Tribunal da Função Pública se tiver sido previamente apresentada uma reclamação à entidade competente para proceder a nomeações (a seguir «AIPN»), na acepção do artigo 90.°, n.° 2, no prazo que aí figura, e se essa reclamação tiver sido objecto de uma decisão explícita ou implícita de indeferimento. O artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto prevê que qualquer pessoa referida nesse Estatuto pode apresentar à AIPN uma reclamação de um acto que lhe cause prejuízo, quer porque a AIPN tomou uma decisão, quer porque se absteve de adoptar uma medida imposta pelo Estatuto. Um acto que causa prejuízo pode consistir, nomeadamente, no indeferimento, implícito ou explícito, de um pedido prévio enviado pela pessoa em causa à AIPN, em conformidade com o artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto.

60      Se a pessoa referida no Estatuto quiser contestar a legalidade de um acto que lhe causa prejuízo pode apresentar directamente uma reclamação à AIPN e, em seguida, se a sua reclamação for indeferida, interpor recurso no Tribunal da Função Pública. É jurisprudência constante que, após o indeferimento de uma reclamação que tenha por objecto um acto que causa prejuízo, a pessoa referida no Estatuto pode interpor recurso por meio do qual requer a anulação do acto que lhe causa prejuízo, o pagamento de uma indemnização ou ambos (v. acórdãos Schneider/Comissão, n.° 58, supra, n.° 52 e jurisprudência citada, e Ditterich/Comissão, n.° 58, supra, n.° 40 e jurisprudência citada).

61      Em contrapartida, se a ilegalidade alegada por uma pessoa referida no Estatuto não constitui um acto que causa prejuízo na acepção do Estatuto, mas uma falta imputável ao serviço cometida pela administração, a dita pessoa só pode iniciar o procedimento mediante a apresentação de um requerimento à AIPN, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, cujo eventual indeferimento constituirá uma decisão que lhe causa prejuízo e contra a qual poderá apresentar uma reclamação, seguida, se necessário, de recurso (v. acórdãos Schneider/Comissão, n.° 58 supra, n.° 53 e jurisprudência citada, e Ditterich/Comissão, n.° 58 supra, n.° 4 e jurisprudência citada).

62      Daqui se conclui que, quando uma pessoa referida no Estatuto pretende ser indemnizada na sequência de um dano que considera ter sofrido sem que exista um acto que causa prejuízo, deve, em princípio, seguir um procedimento pré‑contencioso dividido em duas etapas, a saber, um requerimento e em seguida uma reclamação da decisão que indeferiu o seu pedido de indemnização, nos termos do artigo 90.°, n.os 1 e 2, do Estatuto.

63      Resulta assim dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto que o Tribunal da Função Pública, chamado a pronunciar‑se sobre um recurso interposto por uma pessoa referida no Estatuto que tem por objecto a legalidade de um acto que causa prejuízo, só pode, mesmo oficiosamente, nos termos da competência de plena jurisdição conferida pela segunda frase do artigo 91.°, n.° 1, do Estatuto, conceder a essa pessoa uma indemnização se esta tiver por fim a reparação de um dano sofrido por essa pessoa devido à ilegalidade do acto que causa prejuízo, objecto do recurso, ou, pelo menos, de um dano resultante de uma ilegalidade estreitamente ligada a esse mesmo acto (v., neste sentido e por analogia, despacho do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006, Meister/IHMI, C‑12/05 P, não publicado na Colectânea, n.os 112 a 116, e acórdão Gogos/Comissão, n.° 57 supra, n.os 49 a 53).

64      No presente caso, resulta dos n.os 232 a 242 do acórdão recorrido que, a título dos «pedidos de indemnização pelos prejuízos que decorrem do alegado assédio moral», o Tribunal da Função Pública atribuiu a Q a quantia de 500 euros a título de reparação do «dano moral» que esta sofreu devido a uma falta imputável ao serviço cometida pela Comissão, que «contribuiu para isolar [Q] na sua unidade». A falta imputável ao serviço observada a este respeito consiste em «incumprimentos, por parte da Comissão, do seu dever de solicitude» ou, como indicado no n.° 236 do acórdão recorrido, numa «certa inobservância por parte da Comissão do seu dever de solicitude» demonstrada por «certos factos invocados por [Q] no seu pedido de indemnização […], considerados no seu conjunto». Esses incumprimentos estão expostos nos n.os 156 a 160, 164, 171 e 180 do acórdão recorrido e consistem em a Comissão, em primeiro lugar e no que respeita ao prolongamento do estágio de Q, não ter previamente enviado a Q os factos imputados e a ter feito perder a possibilidade de o Comité dos Relatórios proceder a uma audição, tanto da própria como das pessoas que esta pretendia que fossem ouvidas, em segundo lugar, ter atribuído gabinetes isolados a Q até ao Verão de 2004, em terceiro lugar, não ter atribuído nenhuma tarefa a Q entre Janeiro e Junho de 2003 e, em quarto lugar, ter respondido tardiamente ao pedido de férias anuais de Q relativo ao período de 19 de Julho a 27 de Agosto de 2004 e em, por fim, ter deduzido os dias correspondentes a esse pedido do saldo das suas férias anuais, apesar de Q, em 5 de Julho de 2004, ter apresentado um atestado médico relativo ao período de 17 de Julho a 27 de Agosto de 2004 que não tinha sido contestado pela administração.

65      Resulta das constatações do Tribunal da Função Pública nos n.os 112, 115 e 232 do acórdão recorrido, não contestadas pela Comissão no âmbito do presente recurso, que, através do seu pedido de indemnização, Q requereu a reparação de um dano, de ordem material, constituído por um estado de saúde grave, evidenciado por numerosos atestados e pareceres médicos, e por uma inaptidão para o exercício normal das suas funções na unidade, resultante do assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto, denunciado no seu pedido de assistência, e que, não tendo a Comissão respondido ao referido pedido no prazo de quatro meses, a inexistência de resposta tinha dado origem, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, a uma decisão de indeferimento daquele pedido. Além disso, resulta das supra‑mencionadas constatações do Tribunal da Função Pública, assim como das que figuram no n.° 117 do acórdão recorrido, que o recurso interposto em primeira instância visava, no essencial, a anulação da decisão implícita de indeferimento dos pedidos de assistência e de indemnização, nos termos do artigo 24.° do Estatuto, e, como consequência dessa anulação, a condenação da Comissão no pagamento da indemnização que Q pediu para reparação do «dano resultante do alegado assédio moral».

66      Há que recordar, a este respeito, que o dever de assistência estabelecido no artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto visa a defesa dos funcionários, por parte da instituição, contra actuações de terceiros e não contra os actos da própria instituição, cuja fiscalização resulta de outras disposições do Estatuto (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1981, Bellardi‑Ricci e o./Comissão, 178/80, Recueil p. 3187, n.° 23, e de 25 de Março de 1982, Munk/Comissão, 98/81, Recueil, p. 1155, n.° 21). Embora o artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto tenha sido, acima de tudo, concebido com o objectivo de proteger os funcionários de ataques e formas de tratamentos incorrectos cometidos por terceiros, este artigo impõe igualmente um dever de assistência à administração quando o autor dos actos previstos nessa disposição seja outro funcionário (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 1979, V./Comissão, 18/78, Recueil, p. 2093, n.° 15, e acórdão do Tribunal Geral de 9 de Março de 2005, L/Comissão, T‑254/02, ColectFP, pp. I‑A‑63 e II‑277, n.° 85 e jurisprudência citada).

67      O artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto tem por objecto a reparação dos danos que as actuações, provenientes de terceiros ou de outros funcionários, referidas no primeiro parágrafo desse mesmo artigo causaram a um funcionário, quando esse funcionário não tenha podido obter reparação junto dos respectivos autores (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2006, Schmidt‑Brown/Comissão, C‑365/05 P, não publicado na Colectânea, n.° 78). A admissibilidade da acção de indemnização intentada por um funcionário, nos termos do artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto, está assim subordinada ao esgotamento das vias de recurso nacionais, desde que estas assegurem de maneira eficaz a protecção das pessoas interessadas e possam dar lugar à reparação do dano alegado (v. acórdão L/Comissão, n.° 66 supra, n.° 148 e jurisprudência citada).

68      O regime especial de responsabilidade instituído pelo artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto assenta no dever que incumbe à administração de proteger a saúde e a segurança dos seus funcionários e agentes contra os ataques ou tratamentos incorrectos cometidos por terceiros ou por outros funcionários, de que podem ser vitimas no exercício das suas funções, nomeadamente sob a forma de assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto. Trata‑se de um regime de responsabilidade objectiva, que se distingue do regime de direito comum da responsabilidade da Comunidade no domínio da função pública, conforme evocado no n.° 234 do acórdão recorrido e no n.° 42 supra, que exige que o funcionário que pretenda obter uma indemnização da Comunidade demonstre que sofreu um dano em consequência de um comportamento faltoso de uma instituição (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 26 de Outubro de 1993, Caronna/Comissão, T‑59/92, Colect., p. II‑1129, n.os 25 e 68, e L/Comissão, n.° 66 supra, n.os 143 a 146 e 147 a 153). Além disso, este regime especial de responsabilidade objectiva deve distinguir‑se do regime de indemnização dos funcionários por doenças que contraíram ou por acidentes de que foram vítimas no exercício das suas funções ou pelo agravamento de tais doenças, nos termos do artigo 73.° do Estatuto e da regulamentação comum relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários adoptada com base neste artigo. Com efeito, devido à inexistência na regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários de disposição expressa nesse sentido, não se pode considerar que esta exclui o direito de o funcionário e de os seus sucessores pedirem uma indemnização complementar quando a instituição esteja obrigada à reparação, quer ao abrigo do direito comum, no caso de ser responsável pelo acidente ou pela doença desse funcionário, quer ao abrigo do artigo 24.°, n.° 2, do Estatuto, no caso de esse acidente ou de essa doença resultarem de ataques de terceiros ou de outros funcionários que estejam relacionados com o exercício, pelo referido funcionário, das suas funções ao serviço das Comunidades e de as prestações do regime estatutário não bastarem para assegurar a reparação total do prejuízo sofrido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 1986, Leussink/Comissão, 169/83 e 136/84, Colect., p. 2801, n.os 11 a 12).

69      Resulta das próprias constatações do Tribunal da Função Pública no acórdão recorrido, conforme recordadas nos n.os 64 e 65 supra, que o pedido de indemnização assenta exclusivamente na reparação do dano, de ordem material, que Q alega ter sofrido devido ao assédio moral denunciado no pedido de assistência e que foi provocado por vários membros da hierarquia da Direcção‑Geral (DG) «Pessoal e Administração» da Comissão, a saber, actos pessoalmente imputáveis a outros funcionários, e não devido a uma falta imputável ao serviço da Comissão, cuja fiscalização resulta de outras disposições do Estatuto, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 42 e 66 supra.

70      Daqui resulta que o recurso interposto em primeira instância não tinha, no que respeita aos pedidos relativos à indemnização do dano alegadamente sofrido por Q, outro objecto para além daquele que foi apresentado no pedido de indemnização, nos termos do artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto, e visava ainda, como consequência do indeferimento deste último, que a Comissão fosse condenada a pagar‑lhe a indemnização requerida a título de reparação do dano sofrido pelo facto de essa decisão estar ferida de ilegalidade, no montante de 100 000 euros. Pelo contrário, essas mesmas constatações não permitem concluir que, através do seu pedido de indemnização, Q tenha pedido para ser indemnizada por um dano, de ordem moral, provocado por uma falta imputável ao serviço da Comissão, constituída por incumprimentos, por parte desta, do dever de solicitude, resultantes de certos factos denunciados no pedido de assistência.

71      Além disso, não se pode considerar que a falta de serviço imputável no presente caso à Comissão, conforme descrita no n.° 64 supra, está estreitamente ligada à decisão implícita de indeferimento do pedido de indemnização, que tem por finalidade, nos termos do artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto, indemnizar o dano, de ordem material, que Q sofreu devido ao assédio moral denunciado no pedido de assistência. Com efeito, ainda que os factos denunciados no pedido de assistência como sendo constitutivos de assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3 do Estatuto, devam ser considerados actos imputáveis aos seus autores, a saber, os membros da hierarquia da DG «Pessoal e Administração» especialmente postos em causa, o mesmo não sucede com a decisão implícita de indeferimento dos pedidos de assistência e de indemnização, que é um acto imputável à Comissão. De qualquer forma, os actos que o Tribunal da Função Pública teve em conta para constatar a existência de uma falta imputável ao serviço da Comissão (v. n.° 64 supra) são anteriores à data da decisão implícita de indeferimento dos pedidos de assistência e de indemnização, a saber, 3 de Setembro de 2004. Não se pode considerar que a referida falta, que é assim anterior à decisão implícita de indeferimento, está estreitamente ligada a esta última, na acepção da jurisprudência citada no n.° 63 supra.

72      Desse modo, embora o recurso relativo à legalidade, ao abrigo das disposições do artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto, da decisão implícita de indeferimento do pedido de indemnização tenha sido legalmente interposto ao abrigo dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, o Tribunal da Função Pública não se podia, sem violar estes mesmos artigos, ter pronunciado sobre a questão de saber se certos factos denunciados no pedido de assistência podiam, considerados no seu conjunto, ser qualificados de falta imputável ao serviço da Comissão que esteve na origem de um dano, de ordem moral, sofrido por Q, que deve ser reparado.

73      O Tribunal da Função Pública violou assim os artigos 90.° e 91.° do Estatuto e decidiu ultra petita, alterando o objecto do litígio, uma vez que, como resulta do n.° 242 dos fundamentos e do n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, condenou a Comissão a indemnizar o dano moral que resultou de uma falta imputável ao serviço que contribuiu para isolar Q na sua unidade, constituída por incumprimentos, por parte da Comissão, do dever de solicitude, que resultam de certas actuações denunciadas no pedido de assistência.

74      Por conseguinte, sem ser sequer necessário examinar as outras acusações ou os outros argumentos invocados em apoio da segunda parte do primeiro fundamento, há que julgar este último procedente e anular o n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, na parte em que condena a Comissão a pagar a Q uma indemnização no montante de 500 euros.

 Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, nos artigos 7.° e 24.° do Estatuto, assim como no dever de fundamentar os acórdãos

 Argumentos das partes

75      A Comissão acusa o Tribunal da Função Pública de ter violado o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, os artigos 7.° e 24.° do Estatuto, assim como o dever de fundamentar os acórdãos, por, no n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, ter deferido parcialmente os pedidos de Q relativos à indemnização do dano que resultou da ilegalidade da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, depois de ter declarado, nos n.os 250, 251 e 254 do acórdão recorrido, que, no caso em apreço, o requisito relativo à existência de um comportamento ilegal estava preenchido devido à ilegalidade da decisão implícita que recusou adoptar uma medida provisória de afastamento, conforme constatada nos n.os 209 a 212 do acórdão recorrido, e ao atraso na abertura do inquérito administrativo.

76      Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que o Tribunal da Função Pública violou o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, os artigos 7.° e 24.° do Estatuto, e o dever de fundamentar os acórdãos, nos n.os 209 a 212, 250, 251 e 254 do acórdão recorrido, uma vez que decidiu, sem sequer ter constatado uma violação manifesta e grave dos limites que no presente caso se impunham ao seu poder de apreciação em conformidade com a jurisprudência (acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, n.° 27 supra), que havia responsabilidade extracontratual da Comunidade por esta se ter recusado a adoptar uma medida provisória de afastamento. Tratando‑se de uma medida provisória de afastamento de um funcionário alegadamente vítima de assédio moral, as instituições gozam, ao abrigo do artigo 7.° do Estatuto, de um amplo poder de apreciação, reconhecido pela jurisprudência (acórdão do Tribunal Geral de 5 de Dezembro de 2000, Campogrande/Comissão, T‑136/98, ColectFP, pp. I‑A‑267 e II‑1225, n.° 42) e pela Comunicação de 22 Outubro de 2003 sobre a política em matéria de assédio moral da Comissão [C (2003) 3644] (a seguir «Comunicação sobre o assédio moral»). Por conseguinte, não existe nenhuma obrigação geral e absoluta que imponha à administração a adopção automática de uma medida provisória, como seja uma recolocação ou uma mutação, à mínima suspeita de assédio moral. Essas recolocações ou mutações automáticas seriam, em todo o caso, contrárias ao artigo 7.° do Estatuto, nos termos do qual quaisquer colocações devem ser realizadas no interesse do serviço.

77      A Comissão sustenta que os n.os 250, 251 e 254 do acórdão recorrido estão igualmente feridos por falta de fundamentação, uma vez que o Tribunal da Função Pública não procurou saber, em conformidade com a jurisprudência, se a Comissão desrespeitou de maneira manifesta e grave, no caso em apreço, os limites impostos ao seu poder de apreciação (acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, n.° 27 supra, n.os 43 e 44).

78      De qualquer forma, a Comissão considera que, atendendo às actuações denunciadas no pedido de assistência, às ausências de Q por razões médicas ou outras durante a maior parte do ano de 2004, ao carácter crónico e não pontual dos problemas a tratar, às recusas de certas propostas de recolocação já contestadas por Q e às discussões tidas com Q para lhe encontrar um lugar apropriado numa das DG por si escolhidas, a decisão de não proceder à recolocação forçada de Q, mas de a envolver na procura de uma solução construtiva, era apropriada tanto para favorecer a reconstrução da sua carreira como no interesse do serviço. Depois do seu estágio, Q já tinha sido «afastada» várias vezes a seu pedido e a administração tinha agido, no caso em apreço, com celeridade, tendo proposto recolocá‑la numa das DG de sua escolha.

79      Em segundo lugar, a Comissão sustenta, no essencial, que o Tribunal da Função Pública violou igualmente o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, por ter declarado, no n.° 251 do acórdão recorrido, que a administração adoptou um comportamento ilegal ao atrasar a abertura do inquérito administrativo sobre as actuações denunciadas no pedido de assistência. Por um lado, o Tribunal da Função Pública não teve em conta o nexo directo que existe entre o destino reservado ao pedido de anulação e o reservado ao pedido de indemnização. Na medida em que, no n.° 200 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública julgou improcedente por ser inadmissível o pedido de anulação da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, por nesta ter sido recusada a abertura de um inquérito administrativo, o Tribunal da Função Pública também devia ter indeferido por ser inadmissível o pedido de indemnização que estava estreitamente ligado a este. Por outro lado, a jurisprudência aceita um certo atraso na abertura de um inquérito administrativo, se esse atraso se justificar à luz das circunstâncias do caso concreto (acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, n.° 54). No presente caso, o atraso, de cerca de quatro meses, na abertura do inquérito administrativo foi justificado pelo facto de o referido inquérito ter de ser confiado a um conselheiro auditor autónomo do Serviço de Averiguação e Disciplina (a seguir «IDOC»), organismo colocado sob a autoridade do director‑geral da DG «Pessoal e Administração».

80      Q conclui, em primeiro lugar, pela improcedência da acusação assente numa violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, dos artigos 7.° e 24.° do Estatuto, assim como do dever de fundamentar os acórdãos. A jurisprudência Bergaderm e Goupil/Comissão (n.° 27 supra) não é aplicável no âmbito do contencioso da função pública. A Comissão comprometeu‑se, através da Comunicação sobre o assédio moral a «proibir o exercício de represálias contra um membro do pessoal que se queixe de ser assediado» e, a esse título, «tendo em conta as situações específicas», a adoptar medidas provisórias de afastamento «que vis[a]m separar as partes em conflito» e a «permitir à alegada vítima reconstruir‑se ajudando‑a a distanciar‑se». No caso em apreço, a Comissão devia ter tido em conta não só o carácter duradouro e repetitivo das actuações denunciadas no pedido de assistência, mas também as conclusões de vários médicos e especialistas, que recomendaram de forma unânime o afastamento de Q da DG «Pessoal e Administração». Além disso, a medida provisória de afastamento da alegada vítima de um assédio moral pode ser considerada uma colocação decidida no interesse do serviço, na acepção do artigo 7.° do Estatuto. A Decisão C (2006) 1264/3 da Comissão, de 26 de Abril de 2006, relativa à política em matéria de protecção da dignidade da pessoa e de luta contra o assédio moral e o assédio sexual na Comissão, que anulou e substituiu a Comunicação sobre o assédio moral, veio confirmar que uma «medida de afastamento […] revest[ia] a forma de uma recolocação no interesse do serviço». Ao abrigo dos critérios enunciados no acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, o Tribunal da Função Pública não feriu o acórdão recorrido de erro de direito quando declarou que a Comissão cometeu uma falta imputável ao serviço por não ter intervindo com toda a energia necessária e por não ter respondido ao pedido de assistência com a rapidez e solicitude exigidas pelas circunstâncias do presente caso.

81      Em segundo lugar, Q conclui pela improcedência da acusação assente em erros de direito que ferem a apreciação do Tribunal da Função Pública segundo a qual o atraso na abertura do inquérito administrativo relativo às actuações denunciadas no pedido de assistência pode ser imputado à Comissão. O n.° 54 do acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, não autorizava a Comissão a considerar que um certo atraso na abertura de um inquérito administrativo pode ser justificado. Este acórdão insiste, em contrapartida, nas exigências de solicitude, rapidez e diligência inerentes à obrigação de assistência prevista no artigo 24.° do Estatuto.

 Apreciação do Tribunal Geral

82      Convém examinar, em primeiro lugar, as acusações da Comissão assentes na violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, e dos artigos 7.° e 24.° do Estatuto, por o Tribunal da Função Pública ter declarado que a Comunidade é responsável a nível extracontratual na medida em que, por efeito da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, a AIPN recusou adoptar uma medida de afastamento, quando, como resulta do n.° 209 do acórdão recorrido, «a importância e a gravidade dos factos alegados por [Q] no seu pedido de assistência revelavam […] uma ‘suspeita de assédio moral’ na acepção da Comunicação […] sobre o assédio moral».

83      Antes de mais, deve salientar‑se que o artigo 24.° do Estatuto, que impõe às Comunidades um dever de assistência para com os seus funcionários, figura no título II relativo aos «Direitos e deveres do funcionário». Daqui resulta que, em cada situação em que estejam preenchidos os requisitos factuais exigidos, esse dever de assistência corresponde a um direito estatutário do funcionário em causa (acórdão Caronna/Comissão, n.° 68 supra, n.° 58).

84      Segundo jurisprudência constante, por força do dever de assistência constante do artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, a administração deve, perante um incidente incompatível com a ordem e a serenidade do serviço, intervir com toda a energia necessária e responder com a rapidez e a solicitude exigidas pelas circunstâncias do caso concreto, a fim de apurar os factos e deles extrair, com conhecimento de causa, as consequências adequadas. Para tanto, basta que o funcionário que reclama a protecção da sua instituição apresente indícios da veracidade dos ataques de que afirma ser alvo. Perante esses elementos, compete à instituição em causa adoptar as medidas apropriadas, mandando nomeadamente realizar um inquérito administrativo, que permita determinar os factos que estão na origem da denúncia, em colaboração com o seu autor (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão, 224/87, Colect., p. 99, n.os 15 e 16, e acórdão L/Comissão, n.° 66 supra, n.° 84 e jurisprudência citada), sem o que a instituição não pode tomar uma posição definitiva, nomeadamente sobre a questão de saber se a denúncia deve ser arquivada liminarmente ou se deve ser aberto um procedimento disciplinar e, sendo caso disso, se devem ser aplicadas sanções disciplinares (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1974, Guillot/Comissão, 53/72, Colect., p. 415, Recueil, p. 791, n.os 3, 12 e 21, e de 9 de Novembro de 1989, Katsoufros/Tribunal de Justiça, 55/88, Colect., p. 3579, n.° 16).

85      Além disso, quando um funcionário apresenta um pedido de assistência, nos termos do artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, a administração está igualmente obrigada, nos termos do dever de protecção que este artigo lhe impõe (acórdão V./Comissão, n.° 66 supra, n.° 16), a adoptar as medidas preventivas apropriadas, tais como a recolocação ou a mutação provisória da vítima, que se destinam a proteger esta última da repetição do comportamento denunciado durante o tempo necessário para realizar o inquérito administrativo (v., neste sentido, acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, n.° 55).

86      A administração dispõe de um amplo poder de apreciação, sujeito à fiscalização do tribunal da União, para escolher as medidas, tanto provisórias como definitivas, que devem ser adoptadas ao abrigo do artigo 24.° do Estatuto. A fiscalização do tribunal da União está limitada à questão de saber se a instituição em causa se manteve dentro de limites razoáveis e se não utilizou o seu poder de apreciação de maneira manifestamente errada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de Outubro de 2007, Lo Giudice/Comissão, T‑154/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 137 e jurisprudência citada).

87      Todavia, importa igualmente assinalar que a Comunicação sobre o assédio moral já tinha sido adoptada no momento a partir do qual se considera existente a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, apresentado em 3 de Maio de 2004, e que, tanto pela sua redacção e forma, como pelo seu conteúdo, esta Comunicação tinha valor de orientação interna que se impunha à Comissão uma vez que esta não tinha manifestado claramente a sua intenção de dela se afastar, por meio de uma decisão fundamentada e circunstanciada (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1974, Louwage/Comissão, 148/73, Colect., p. 59, Recueil, p. 81, n.° 12, e acórdão do Tribunal Geral de 6 de Fevereiro de 2007, Wunenburger/Comissão, T‑246/04 e T‑71/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 127).

88      Segundo o n.° 4.1.1 da Comunicação sobre o assédio moral, consagrado às «[m]edidas a adoptar após identificação do assédio», a política de luta contra o assédio moral deve ser uma nova ferramenta de protecção para as pessoas empregadas na instituição e garantir às alegadas vítimas e às eventuais testemunhas o benefício da protecção da instituição. É com este objectivo de protecção que o n.° 4.1.1, alínea i), da Comunicação sobre o assédio moral previa, a título de «[m]edidas de urgência», que «[à] mínima suspeita de assédio moral, [podiam] ser tidas em consideração medidas de afastamento», que «[e]ssas medidas se [destinavam] a separar as partes em conflito e não [deviam] ser confundidas com a política de mobilidade», que «[podiam] ser propostas à AIPN, por escrito, pelas pessoas de confiança ou pelo mediador» e que, «[n]o que se refere a medidas provisórias, esse afastamento não [dependia] da existência de um lugar vago». Além disso, essa disposição previa que «[e]stas medidas de afastamento que [deviam] ter em conta as situações específicas [podiam] ser imediatas e, se necessárias, definitivas» e que «[tinham] como objectivo permitir à alegada vítima reconstruir‑se ajudando‑a a distanciar‑se».

89      Resulta destas disposições que a Comunicação sobre o assédio moral, que foi posteriormente anulada e substituída pela Decisão C (2006) 1264/3, assenta na ideia de que a administração não devia esperar que a situação de conflito se perpetuasse, mas, em contrapartida, devia intervir com toda a energia necessária e responder com a rapidez e a solicitude exigidas pelas circunstâncias do caso concreto adoptando, a título preventivo, todas as medidas de afastamento necessárias. A este respeito, a Comissão não pode invocar a utilização do verbo «poder» na Comunicação sobre o assédio moral para alegar que, em todo caso, atendendo aos factos do caso concreto, podia apreciar livremente se se impunha uma medida provisória de afastamento. Com efeito, no contexto desta Comunicação, o verbo «poder» devia ser entendido no sentido de que a administração tinha o poder de adoptar, a título preventivo, uma medida de afastamento, durante o tempo necessário para realizar o inquérito administrativo, que lhe devia permitir determinar os factos e adoptar uma posição definitiva a seu respeito. Em contrapartida, este não impedia que a necessidade de assegurar um efeito útil ao dever de protecção, decorrente do artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, implicava que a administração podia ser obrigada, quando certos requisitos factuais estivessem reunidos, a assistir um funcionário através da adopção, a título preventivo, de uma medida de afastamento.

90      Atendendo ao artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto e à Comunicação sobre o assédio moral, importa constatar que, na data a partir da qual se considera existente a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, a administração estava obrigada a assistir qualquer funcionário que solicitasse a sua assistência, nos termos do artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, através da adopção, a título preventivo, de uma medida provisória de afastamento quando, por um lado, estivesse na presença de elementos que a levavam ou deviam razoavelmente levar a suspeitar que esse funcionário tinha sido alvo de actuações que entram no âmbito de aplicação do artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, como o assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto (v., neste sentido, acórdão Lo Giudice/Comissão, n.° 86 supra, n.° 153), e quando, por outro, se verificasse que essa medida era necessária para proteger a saúde e a segurança da pessoa em causa, nomeadamente face ao risco de repetição dos actos de que se suspeita (v., neste sentido, acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, n.° 55; v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 3 de Março de 2004, Vainker/Parlamento, T‑48/01, ColectFP, pp. I‑A‑51 e II‑197, n.os 92 e 93).

91      No presente caso, ainda que, pelas razões já expostas nos n.os 40 a 45 supra, a Comissão cometa um erro ao sustentar que o Tribunal da Função Pública devia ter procurado saber se desrespeitou de maneira manifesta e grave os limites que se impõem ao seu poder de apreciação, não deixa de ser verdade que a Comissão, com as suas acusações, censura, no essencial, o Tribunal da Função Pública por ter cometido um erro de direito e ter violado o dever de fundamentar os acórdãos ao anular a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, na parte em recusou adoptar uma medida provisória de afastamento, sem ter em conta o poder de apreciação de que dispunha para adoptar essa medida.

92      A título preliminar, importa observar que as medidas provisórias de afastamento adoptadas com base no artigo 24.°, primeiro parágrafo do Estatuto visam proteger, a título preventivo, a saúde e a segurança do funcionário que presumivelmente é vítima de uma das actuações referidas nessa disposição. Em conformidade com esse objectivo de protecção, tais medidas não podem depender da existência de um lugar vago nos serviços, como especificou, acertadamente, a Comunicação sobre o assédio moral. Assim, essas medidas de assistência não devem confundir‑se com as decisões de recolocação no interesse do serviço, adoptadas ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, do Estatuto. Estas últimas decisões visam o bom funcionamento do serviço, mesmo quando são justificadas por dificuldades de relacionamento internas, e, por conseguinte, dependem do amplo poder de apreciação que a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconhece às instituições na organização dos respectivos serviços, em função das missões que lhes são confiadas e, em atenção a estas, na colocação do pessoal que se encontra à sua disposição, desde que essa colocação respeite a equivalência entre o lugar e o grau (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1996, Ojha/Comissão, C‑294/95 P, Colect., p. I‑5863, n.os 40 e 41 e jurisprudência citada).

93      Por conseguinte, resta examinar, em conformidade com a jurisprudência citada no n.° 86 supra, se o Tribunal da Função Pública verificou que a Comissão não se manteve dentro de limites razoáveis e utilizou o seu poder de maneira manifestamente errada ao não adoptar uma medida provisória de afastamento, na medida em que os requisitos factuais que impõem que a Comissão adopte essa medida, conforme enunciados no n.° 90 já referido, estavam preenchidos.

94      Depois de, no n.° 208 do acórdão recorrido, ter resumido os factos denunciados no pedido de assistência e ter indicado que, «entre os numerosos documentos que a recorrente [tinha anexado] ao pedido de assistência figurava uma lista de pessoas susceptíveis, segundo a interessada, de confirmar a existência do alegado assédio moral», o Tribunal da Função Pública declarou, no n.° 209 do acórdão recorrido, que «a importância e a gravidade [desses] factos […] revelavam, se não a existência de assédio moral, pelo menos uma ‘suspeita de assédio moral’ na acepção da Comunicação […] sobre o assédio moral e impunham que a Comissão, mesmo antes de proceder a um inquérito e verificar a realidade das acusações da interessada, adoptasse ‘medidas de afastamento’». O Tribunal da Função Pública declarou assim, no n.° 214 do acórdão recorrido, que a decisão implícita por meio da qual a Comissão tinha recusado adoptar uma medida provisória de afastamento estava ferida de ilegalidade e devia ser anulada. Este entendimento corresponde às apreciações, que figuram no n.° 196 do acórdão recorrido, das quais resulta que «mesmo antes de tomar definitivamente posição sobre [o] pedido [de assistência], a Comissão estava obrigada a adoptar determinados actos, pelo menos a título cautelar». Nos n.os 250 e 253 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública declarou que a Comunidade era responsável a título extracontratual, nomeadamente devido à «recusa da Comissão em tomar medidas provisórias, assim como [ao] atraso com que foi iniciado o inquérito administrativo», comportamentos que estiveram na origem de um «dano moral» que consiste «num estado de incerteza e de inquietação [no qual Q se encontrou], [uma vez que esta] podia recear que a Comissão não tomasse em consideração o seu pedido de assistência e que os comportamentos faltosos que até então tinha sofrido por parte da instituição [se pudessem prolongar]». No n.° 254 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública incluiu esse dano moral naquele que foi, em sua opinião, justamente reparado através da «[condenação da] Comissão a pagar a [Q] a quantia de 15 000 euros».

95      Resulta claramente do n.° 250 do acórdão recorrido que a única razão avançada pelo Tribunal da Função Pública para concluir que a Comissão estava obrigada, no presente caso, a adoptar uma medida provisória de afastamento foi a relativa à existência de uma «suspeita de assédio moral», na acepção da Comunicação sobre o assédio moral.

96      Contudo, não resulta dos n.os 207 a 214 e 250 do acórdão recorrido que o Tribunal da Função Pública procurou saber, conforme estava legalmente obrigado pela regra enunciada no n.° 98 supra, se era necessária uma medida provisória de afastamento para proteger a saúde e a segurança de Q durante o tempo necessário para realizar o inquérito administrativo.

97      Nestas condições, o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 209 e 211 do acórdão recorrido, que a Comissão estava obrigada a adoptar uma medida provisória de afastamento sem procurar saber se, nas circunstâncias do caso concreto, essa medida era necessária para proteger a saúde e a segurança de Q durante o tempo necessário para realizar o inquérito administrativo.

98      Todavia, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um erro de direito cometido pelo tribunal em primeira instância não é susceptível de invalidar o acórdão que este proferiu se o dispositivo desse acórdão indicar que a procedência assenta noutros fundamentos de direito (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 57, e de 30 de Setembro de 2003, Biret International/Conselho, C‑93/02 P, Colect., p. I‑10497, n.° 60 e jurisprudência citada). No âmbito dessa substituição de fundamentos, o tribunal de recurso pode tomar em consideração os factos, conforme foram apurados pelo tribunal em primeira instância (acórdão Biret International/Conselho, já referido, n.os 60 a 66).

99      A esse respeito, resulta, antes de mais, do n.° 41 do acórdão recorrido que, na sequência de um exame médico efectuado pelo médico assistente da instituição, este considerou, num parecer de 7 de Maio de 2004, que Q estava «apta para o trabalho a 100% a partir de 10 [de Maio] de 2004», mas que «era aconselhável para a saúde [Q] uma mudança de lugar». Em seguida, resulta do n.° 54 do acórdão recorrido que «[em] 18 de Maio de 2004, o médico psiquiatra, ao qual o serviço médico tinha confiado a tarefa de proceder a um exame pericial psiquiátrico de [Q], sublinhou, no seu parecer, que ‘[d]ado que o problema é de ordem social (um conflito no seio da sua [i]nstituição), a solução [devia] portanto ser encontrada a nível social (uma reinserção noutra Direcção‑Geral)’». Além disso, o n.° 69 do acórdão recorrido indica que «[e]m 6 de Setembro de 2004, o exame médico a que [Q] fora submetida na sequência da apresentação do atestado médico relativo ao período de 28 de Agosto a 25 de Setembro de 2004 concluiu que [Q] estava ‘[nesse dia] apta [a] 100% para o trabalho’ mas reiterou no entanto a observação formulada em 18 de Maio de 2004 pelo médico psiquiatra que então examinara [Q], segundo a qual ‘uma mudança de lugar [era] aconselhável para a [sua] saúde’». Por último, resulta do n.° 73 do acórdão recorrido que «a título de conclusão do seu relatório do exame médico‑psicológico de 6 de Outubro de 2004, o médico independente escolhido na sequência do pedido de arbitragem formulado [por Q] […] constatou que [Q] ‘[…]estava apta para regressar ao trabalho mas noutra [DG]’ e precisou que ‘[colocá‑la] […] no seu lugar anterior só [podia] reavivar a situação de assédio moral e destabilizá‑la […]’». Resulta assim dos factos que, conforme foram constatados no acórdão recorrido, numerosos pareceres e atestados médicos concluíram no sentido de que era necessária uma medida de afastamento para proteger a saúde de Q, ainda antes de a administração ter efectuado o inquérito administrativo que permitiria verificar a realidade do assédio moral sofrido por Q e, por conseguinte, que medidas definitivas só podem ser eventualmente consideradas para aplicar sanções aos autores do referido assédio e reparar, a título subsidiário, as consequências danosas dos seus actos.

100    Atendendo aos pareceres e aos atestados emitidos por pessoas com competência para vincular, pelas suas apreciações de ordem médica, o poder de decisão da Comissão, há que considerar que se impunha uma medida provisória de afastamento que assegurasse a protecção imediata do estado de saúde de Q pelo menos a partir de 6 de Outubro de 2004. Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, estavam preenchidos os requisitos factuais que permitem considerar que, no dia da adopção da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, a administração estava obrigada a adoptar, a título preventivo, uma medida provisória de afastamento, tal como enunciada no n.° 98 supra. Por conseguinte, a Comissão não se manteve dentro de limites razoáveis e utilizou o seu poder de apreciação de maneira manifestamente errada ao não afastar provisoriamente Q da DG «Pessoal e Administração» ou da unidade D 2 da referida DG, à qual estava afectada, embora tivesse sido demonstrado que essa medida era necessária para proteger o seu estado de saúde.

101    Daqui resulta que, não obstante o erro de direito que, a este respeito, fere o acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública pôde declarar, correctamente, nos n.os 1 e 2 do dispositivo do acórdão recorrido, que a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência devia ser anulada, na parte em que recusou adoptar uma medida provisória de afastamento, e que a Comissão devia indemnizar Q pelas consequências danosas dessa recusa.

102    Nesta medida, devem considerar‑se improcedentes as acusações, formuladas no âmbito do segundo fundamento, assentes na violação do requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, e dos artigos 7.° e 24.° do Estatuto, por serem inoperantes.

103    Em segundo lugar, importa examinar as acusações, suscitadas no âmbito do segundo fundamento, de acordo com as quais o Tribunal da Função Pública violou, no n.° 251 do acórdão recorrido, o requisito da responsabilidade extracontratual da Comunidade relativo à existência de um comportamento ilegal, por ter considerado que a administração adoptou um comportamento ilegal ao atrasar a abertura do inquérito administrativo, sem ter em conta que o prazo para a abertura do referido inquérito era justificado pela necessidade de garantir a sua imparcialidade.

104    No n.° 251.° do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública salientou que, «à data [da] decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, o inquérito administrativo ainda não tinha sido iniciado, pois só em 8 de Setembro de 2004 é que o conselheiro auditor recebeu mandato do secretário‑geral da Comissão para conduzir esse inquérito e as primeiras audições conduzidas por este só tiveram início em Outubro de 2004». No n.° 253 do acórdão recorrido declarou que o dano moral decorrente desse atraso devia ser indemnizado, tendo sido incluído no dano moral que foi, segundo o Tribunal da Função Pública, justamente reparado «condenando a Comissão a pagar a [Q] a quantia de 15 000 euros».

105    O dever de assistência, previsto no artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, impõe que a administração responda com a rapidez exigida pelas circunstâncias do caso concreto, nomeadamente mandando proceder à realização de um inquérito administrativo para determinar os factos que estiveram na origem da denúncia em colaboração com o autor desta (acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, n.os 42 e 53). Todavia, essa jurisprudência não exclui que razões objectivas, nomeadamente respeitantes às necessidades de organização do inquérito, possam justificar um atraso na abertura do referido inquérito (v., neste sentido, acórdão Campogrande/Comissão, n.° 76 supra, n.° 56).

106    No presente caso, como resulta do n.° 40 do acórdão recorrido, Q requereu no pedido de assistência a abertura de um inquérito administrativo por uma «instância neutra», alheia à DG «Pessoal e Administração» e, portanto, autónoma do IDOC. Além disso, resulta do n.° 59 do acórdão recorrido que, por carta de 11 de Junho de 2004, o Director do IDOC indicou ao secretário‑geral da Comissão que, «tendo em conta que a recorrente pôs em causa toda a hierarquia da DG ‘Pessoal e Administração’, incluindo o seu director‑geral, parecia‑lhe oportuno que o secretário‑geral da Comissão exercesse as funções de AIPN no âmbito do inquérito administrativo e que uma pessoa externa à DG ‘Pessoal e Administração’ fosse designada como ‘conselheiro auditor’ para conduzir esse inquérito». Em seguida, resulta do n.° 64 do acórdão recorrido que, «[e]m 1 de Julho de 2004, o secretário‑geral da Comissão informou o director do IDOC que aceitava exercer as funções de AIPN no [âmbito] do inquérito administrativo previsto e precisava o nome do conselheiro auditor que tinha escolhido para conduzir [esse inquérito]». Por último, resulta do n.° 71 do acórdão recorrido que «[p]or nota de 8 de Setembro de 2004, o conselheiro auditor designado pelo secretário‑geral da Comissão no âmbito do inquérito administrativo solicitado pela recorrente foi mandatado por este para ‘determinar a realidade das alegações formuladas, no que respeita, nomeadamente, ao comportamento do ou dos funcionários cujos nomes são citados no processo e assim permitir apreciar a realidade da situação e as consequências que, eventualmente, convir[ia] daí tirar’».

107    No presente caso, o Tribunal da Função Pública não procurou saber se as necessidades de organizar um inquérito administrativo através de uma «instância neutra», em conformidade com a vontade expressa por Q no pedido de assistência, e de não o confiar ao IDOC, como está normalmente previsto, mas a um conselheiro auditor cuja designação ocorreu, a título excepcional, fora da DG «Pessoal e Administração», não justificam o atraso em questão.

108    Por não ter procedido a todas as verificações que lhe são impostas por lei, o Tribunal da Função Pública não conferiu base legal ao acórdão recorrido, na parte em que condena a Comissão a pagar a Q uma indemnização devido ao prazo, de cerca de quatro meses, que decorreu até à abertura do inquérito administrativo.

109    Nesta medida, há que julgar procedente o segundo fundamento e anular o n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, na parte em que condena a Comissão a pagar a Q uma indemnização pelo atraso na abertura do inquérito administrativo. Uma vez que, como resulta dos n.os 250 a 254 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública não distinguiu a indemnização devida a Q a este título da que era devida por a Comissão ter recusado adoptar uma medida provisória de afastamento, há que anular o n.° 2 do dispositivo, na parte em que condena a Comissão a pagar a Q a quantia de 15 000 euros, uma vez que essa quantia visa a reparação do dano moral sofrido por Q em razão de um alegado atraso na abertura do inquérito administrativo.

110    Atendendo ao exposto, há que julgar o recurso principal parcialmente procedente e negar‑lhe provimento quanto ao restante.

 Quanto ao recurso incidental

111    O recurso incidental, interposto em conformidade com o disposto no artigo 142.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, visa a anulação do acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedentes os pedidos do recurso interposto em primeira instância que tinham por objecto a anulação dos REC 2003 e a indemnização do dano suplementar resultante da decisão implícita de indeferimento do pedido de adopção das medidas definitivas apropriadas para punir os autores do alegado assédio moral e, a título subsidiário, a reparação das consequências danosas dos seus actos.

112    Q invoca nove fundamentos no seu recurso incidental. Os oito primeiros fundamentos do recurso incidental dirigem‑se ao acórdão recorrido, por ter julgado improcedentes os pedidos do recurso interposto em primeira instância, que visam a indemnização do dano suplementar resultante da decisão implícita de indeferimento do pedido de adopção das medidas definitivas apropriadas para punir os autores do alegado assédio moral e, a título subsidiário, a reparação das consequências danosas dos seus actos. O primeiro fundamento assenta na violação do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto. O segundo fundamento baseia‑se num erro na qualificação jurídica dos factos denunciados no pedido de assistência, ao abrigo do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto. O terceiro fundamento assenta na inexactidão material dos factos, que dá origem a um erro de direito na definição do objecto do litígio. O quarto fundamento decorre de uma desvirtuação de certos elementos de prova apresentados em primeira instância. O quinto fundamento assenta numa violação, por parte da Comissão, da Comunicação sobre o assédio moral. O sexto fundamento decorre de uma violação do dever de fundamentar os acórdãos. O sétimo fundamento assenta na inobservância da proibição de decidir ultra petita e, por conseguinte, numa violação dos limites impostos à competência do Tribunal da Função Pública. O oitavo fundamento assenta numa interpretação errada de duas notas administrativas. O nono fundamento dirige‑se ao acórdão recorrido, na parte em que indeferiu o pedido do recurso interposto em primeira instância que tinha por objecto a anulação dos REC 2003. Assenta num erro de direito relativo à existência de um interesse em agir na anulação dos REC 2003.

113    A Comissão observa que, para responder ao recurso incidental, tem de tomar posição sobre a interpretação do conceito de assédio moral na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto, seguida pelo Tribunal da Função Pública no acórdão recorrido. Sustenta que essa interpretação está ferida de vários erros de direito. Q refuta as observações da Comissão a este respeito.

114    Por razões de boa administração da justiça, há que examinar, em primeiro lugar, o quinto fundamento, em segundo lugar, o oitavo fundamento, em terceiro lugar, conjuntamente, o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o sexto fundamentos, assim como as observações da Comissão e de Q relativas ao conceito de assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto, em quarto lugar, o sétimo fundamento e, em quinto e último lugar, o nono fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento do recurso incidental, assente numa violação, por parte da Comissão, da Comunicação sobre o assédio moral

 Argumentos das partes

115    Q sublinha que a Comissão violou os n.os 2.2 e 4.1 da Comunicação sobre o assédio moral, uma vez que nenhum dos seus superiores hierárquicos agiu para remediar o assédio moral denunciado no seu pedido de assistência.

116    A Comissão conclui que o quinto fundamento deve ser julgado improcedente por ser manifestamente inadmissível. Q não identificou nenhum erro de direito cometido pelo Tribunal da Função Pública no acórdão recorrido, tendo‑se limitado a reiterar os argumentos que tinha desenvolvido no recurso que interpôs em primeira instância. De qualquer forma, a interpretação da Comunicação sobre o assédio moral seguida pelo Tribunal da Função Pública no acórdão recorrido foi favorável aos interesses de Q.

117    Q conclui pela improcedência da questão prévia de inadmissibilidade invocada pela Comissão contra o quinto fundamento, pelo facto de o erro de direito que fere o acórdão recorrido ter sido suficientemente identificado no recurso incidental.

 Apreciação do Tribunal Geral

118    Resulta das disposições referidas do n.° 24 supra que um recurso de uma decisão do Tribunal da Função Pública deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que suportam especificamente esse pedido (v. despacho do Tribunal Geral de 10 de Março de 2008, Lebedef‑Caponi/Comissão, T‑233/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25 e jurisprudência citada).

119    Não respeita esta exigência o recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e argumentos já alegados no tribunal de primeira instância, incluindo os que se baseavam em factos expressamente afastados por esse tribunal. Com efeito, esse recurso constitui, na realidade, um pedido que visa obter um simples reexame da petição inicial apresentada em primeira instância, o que escapa à competência do tribunal de recurso (v. despacho Lebedef‑Caponi/Comissão, n.° 118 supra, n.° 26 e jurisprudência citada).

120    Ao abrigo do quinto fundamento, Q invoca um erro de direito cometido pela Comissão e não pelo Tribunal da Função Pública, uma vez que indica que «a Comissão violou o n.° 2.2 da Comunicação sobre o assédio moral» ou que «[o n.° 4.1 dessa mesma comunicação] foi igualmente violado pela Comissão».

121    Consequentemente, há que julgar procedente a questão prévia de inadmissibilidade invocada pela Comissão e, por conseguinte, julgar o quinto fundamento improcedente por ser inadmissível.

 Quanto ao oitavo fundamento do recurso incidental, assente numa interpretação errada de duas notas administrativas

 Argumentos das partes

122    Q sustenta que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito por ter interpretado de maneira errada duas notas administrativas que figuram no processo. Por um lado, no n.° 64 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública interpretou de maneira errada a nota de 1 de Julho de 2004 enviada pelo secretário‑geral ao director do IDOC, ao constatar que, nesta, o primeiro informou o segundo que aceitava exercer as funções de AIPN no âmbito do inquérito administrativo. Na realidade, o secretário‑geral indicou nessa nota que aceitava exercer as funções de AIPN em relação à resposta da instituição ao pedido de assistência, tendo esta iniciativa tido por objectivo evitar qualquer acusação de parcialidade na DG «Pessoal e Administração». Por outro lado, no n.° 86 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública interpretou de maneira errada a nota de 16 de Setembro de 2005 que o director‑geral da DG «Pessoal e Administração» lhe enviou, ao indicar que esta continha uma decisão explícita da AIPN que indeferia o pedido de assistência. Ora, essa nota não emanou do secretário‑geral da Comissão, que desempenhava sozinho interinamente as funções de AIPN em exercício, não tendo nenhuma decisão deste último sido anexada, de modo que não foi tomada nenhuma decisão explícita da AIPN sobre o pedido de assistência.

123    A Comissão opõe‑se a que os números do acórdão recorrido, contestados através do oitavo fundamento, façam parte da exposição dos factos e não estejam incluídos, por conseguinte, na parte «Questão de Direito» desse acórdão. Quanto ao restante, este fundamento é inadmissível por não identificar o erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal da Função Pública.

124    Q conclui pela improcedência da questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão contra o oitavo fundamento, pelo facto de o erro de direito invocado ter sido suficientemente identificado no recurso incidental.

 Apreciação do Tribunal Geral

125    Como já se observou no n.° 118 do presente acórdão, um recurso deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida bem como os argumentos jurídicos que sustentam especificamente esse pedido.

126    No presente caso, Q não identificou, nas suas alegações, um erro de direito, que fere o dispositivo do acórdão recorrido, que teria resultado da interpretação errada do conteúdo das duas notas administrativas supra‑mencionadas, que fere os n.os 64 e 86 do acórdão recorrido relativos à exposição sumária dos «[f]actos na origem do litígio», em conformidade com o artigo 81.°, décimo travessão, do Regulamento de Processo.

127    Por conseguinte, importa julgar procedente a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e, assim, julgar improcedente o oitavo fundamento por ser inadmissível.

 Quanto ao primeiro fundamento, assente na violação do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto, ao segundo fundamento, que decorre de um erro na qualificação jurídica dos factos denunciados no pedido de assistência ao abrigo do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto, ao terceiro fundamento, assente na inexactidão material dos factos que dá origem a um erro de direito na definição do objecto do litígio, ao quarto fundamento, que decorre de uma desvirtuação de certos elementos de prova apresentados em primeira instância, ao quinto fundamento, assente numa violação, por parte da Comissão, da Comunicação sobre o assédio moral, e ao sexto fundamento, que decorre de uma violação do dever de fundamentar os acórdãos.

128    O primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o sexto fundamentos, assim como as observações da Comissão e de Q relativas ao conceito de assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto têm por objecto os fundamentos do acórdão recorrido, nomeadamente aos n.os 189 e 236 deste último, por meio dos quais o Tribunal da Função Pública se pronunciou, como indicado no n.° 147 do acórdão recorrido, sobre a «acusação de assédio moral formulada por [Q]» e declarou, no n.° 189 desse mesmo acórdão, que Q «não [tinha] razão ao sustentar que foi vítima de assédio moral» e, por conseguinte, não tinha direito a obter uma indemnização assente neste último. Este entendimento não obsta a que, nos n.os 236 e 238 a 242 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública tenha considerado que certos factos invocados por Q em apoio do seu pedido de assistência, considerados no seu conjunto, eram reveladores de uma falta imputável ao serviço da Comissão, constituída por uma certa inobservância do dever de solicitude, e tenha indemnizado Q pelo dano moral resultante da referida falta, por ter contribuído para isolar Q na sua unidade, mas não pelo dano material correspondente à doença profissional que resultou dessa mesma falta, na medida em que tal indemnização teria sido prematura, uma vez que o procedimento de reconhecimento da origem profissional das patologias de que a interessada sofreu estava ainda em curso e que não era possível determinar se a integralidade do dano material sofrido por Q não podia ser reparada ao abrigo do regime estatutário de cobertura dos riscos de doenças profissionais.

129    A esse respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode, a todo o tempo, verificar oficiosamente os pressupostos processuais relativos à ordem pública.

130    Uma vez que os requisitos de admissibilidade de um recurso interposto ao abrigo dos artigos 90.° e 91 do Estatuto são de ordem pública, compete, sendo caso disso, ao tribunal da União examiná‑los oficiosamente (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de Junho de 2009, Krcova/Tribunal de Justiça, T‑498/07 P, n.° 52 e jurisprudência citada), sob reserva de ter previamente convidado as partes a apresentarem as suas observações (v., neste sentido, acórdão M/EMEA, n.° 57 supra, n.° 57 e jurisprudência citada).

131    A existência de um acto que causa prejuízo, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, e do artigo 91.°, n.° 1, do Estatuto, é um requisito indispensável para a admissibilidade de qualquer recurso interposto pelos funcionários contra a instituição de que fazem parte (v. acórdão do Tribunal Geral de 13 de Julho de 1993, Moat/Comissão, T‑20/92, Colect., p. II‑799, n.° 39 e jurisprudência citada, e despacho do Tribunal Geral de 25 de Março de 2003, J/Comissão, T‑243/02, ColectFP, pp. I‑A‑99 e II‑523, n.° 30).

132    Para se pronunciar sobre a existência do assédio moral denunciado no pedido de assistência, o Tribunal da Função Pública postulou, implícita mas necessariamente, nos n.os 118 e 119 do acórdão recorrido, que foi chamado a pronunciar‑se sobre um acto que causa prejuízo que corresponde a uma decisão da AIPN que, embora de maneira implícita, indeferiu o pedido de assistência, uma vez que recusou constatar a existência do assédio moral alegado.

133    Ora, o postulado no qual o Tribunal da Função Pública necessariamente se apoiou para se pronunciar sobre a existência do assédio moral alegado está errado, como resulta das suas próprias constatações no seguimento do acórdão recorrido.

134    Com efeito, o Tribunal da Função Pública constatou, em primeiro lugar, no n.° 117 do acórdão recorrido, que devia entender‑se que o recurso interposto em primeira instância visava a «anulação da decisão [implícita] de indeferimento do pedido de assistência», a «anulação dos REC 2003» e a «condenação da Comissão no pagamento a [Q]de uma indemnização».

135    Resulta nomeadamente do n.° 196 do acórdão recorrido que, neste último, o Tribunal da Função Pública considerou apenas que a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência constituía um acto que causa prejuízo a Q uma vez que a decisão recusou «adoptar determinados actos, pelo menos a título cautelar [durante o tempo necessário para realizar o inquérito administrativo]». Deste modo, não caracterizou a existência do acto que causa prejuízo que recusou constatar a existência do assédio moral denunciado no pedido de assistência, cuja existência foi postulada, implícita mas necessariamente, nos n.os 118 e 119 do acórdão recorrido, para se poder pronunciar sobre a «acusação de assédio moral formulada por [Q]».

136    Seja como for, importa ter em conta que, no caso em apreço, foi a própria Q que requereu, no pedido de assistência, a abertura de um inquérito administrativo para determinar a realidade do assédio moral denunciado no seu pedido de assistência, tendo convidado a Comissão a confiá‑lo a uma «instância neutra», que não o IDOC, a saber, o organismo normalmente habilitado a efectuar esse inquérito. Resulta dos n.os 198, 199 e 251 do acórdão recorrido que, antes da interposição do recurso, em 4 de Julho de 2005, a administração deferiu esse pedido, uma vez que foi aberto um inquérito administrativo, em 8 de Setembro de 2004, diligenciado entre o mês de Outubro de 2004 e 21 de Março de 2005, em conformidade com as regras que regulam os inquéritos administrativos estabelecidas no Anexo IX do Estatuto, elas próprias adoptadas em conformidade com o disposto no artigo 86.°, n.° 3, do Estatuto.

137    Relativamente a um processo de inquérito conduzido nos termos do artigo 86.°, n.° 3, do Estatuto para decidir sobre o pedido de assistência de um funcionário, ao abrigo do artigo 24.° do Estatuto, o seu termo é a decisão final da AIPN, tomada com base no relatório do inquérito, como indicou o próprio Tribunal da Função Pública, no n.° 196 do acórdão recorrido, e como, além disso, resulta do artigo 3.° do Anexo IX do Estatuto (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça Guillot/Comissão, n.° 84 supra, n.os 21, 22 e 36, e de 1 de Junho de 1983, Seton/Comissão, 36/81, 37/81 e 218/81, Recueil p. 1789, n.os 29 a 31). É no momento dessa tomada de decisão que a posição jurídica do funcionário se encontra afectada (v. igualmente, neste sentido e por analogia, relativamente a um processo conduzido nos termos do artigo 73.° do Estatuto, acórdão L/Comissão, n.° 66 supra, n.° 123).

138    Na medida em que se refere às conclusões do relatório do inquérito administrativo, que foi concluído após a decisão implícita e no âmbito do qual as alegações do funcionário interessado sobre a existência de assédio moral foram examinadas detalhadamente, com base em documentos e testemunhos apresentados ou recolhidos durante o inquérito, a decisão definitiva da AIPN deve ser entendida não como uma decisão puramente confirmativa da decisão implícita, mas como uma decisão que a substitui, no termo de um reexame da situação por parte da administração (v., neste sentido, acórdão Lo Giudice/Comissão, n.° 86 supra, n.os 47 e 48).

139    No caso em apreço, resulta do n.° 86 do acórdão recorrido que, «por carta de 16 de Setembro de 2005 dirigida a [Q], a AIPN indeferiu expressamente o pedido de assistência apresentado por aquela, considerando, com base nas conclusões do inquérito administrativo, que as alegações de assédio moral não tinham merecido acolhimento ou não tinham ficado provadas». Em conformidade com a jurisprudência citada no n.° 138 supra, a decisão explícita da AIPN que indefere, de maneira definitiva, o pedido de assistência, cujo conteúdo foi notificado a Q por carta de 16 de Setembro de 2005, substituiu, durante a tramitação do processo em primeira instância, a decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência, no termo de um reexame da situação por parte da AIPN, com base nas conclusões do inquérito administrativo, em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Anexo IX do Estatuto.

140    Ora, não resulta dos n.os 117, 196 e 197 do acórdão recorrido que tenha sido requerido ao Tribunal da Função Pública que examinasse, em primeira instância, a decisão explícita da AIPN que indeferiu, de maneira definitiva, o pedido de assistência. Também não resulta do acórdão recorrido que, neste, o Tribunal da Função Pública tenha fiscalizado a legalidade dessa última decisão ou simplesmente os motivos que dela constituíam o suporte necessário.

141    Questionada na audiência sobre este ponto, Q confirmou que o litígio que submeteu ao Tribunal da Função Pública tinha, nomeadamente, por objecto a fiscalização da legalidade da decisão implícita de indeferimento do pedido de assistência e não da decisão explícita da AIPN que indeferiu o pedido de assistência, cujo conteúdo lhe foi notificado por carta de 16 de Setembro de 2005. Não indicou ter apresentado, durante a tramitação do processo na primeira instância, um requerimento para poder adaptar os seus pedidos e fundamentos na sequência da substituição dessa primeira decisão pela segunda (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 26 de Outubro de 2004, Brendel/Comissão, T‑55/03, ColectFP, pp. I‑A‑311 e II‑1437, n.° 50 e jurisprudência citada, e despacho do Tribunal Geral de 6 de Julho de 2001, Tsarnavas/Comissão, T‑161/00, ColectFP, pp. I‑A‑155 e II‑721, n.° 27 e jurisprudência citada). A Comissão sustentou, por seu lado, que só a decisão explícita da AIPN que indeferiu o pedido de assistência constitui o acto que causa prejuízo a Q, uma vez que recusou constatar o assédio moral denunciado no pedido de assistência com base nas conclusões do inquérito administrativo. Além disso, alegou que, no acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública tomou uma decisão autónoma da decisão da AIPN quanto à existência do assédio moral denunciado.

142    Resulta do exposto que por não lhe ter sido submetido um litigio relativo à apreciação da legalidade da decisão explícita da AIPN que indeferiu o pedido de assistência, cujo conteúdo foi notificado a Q por carta de 16 de Setembro de 2005, o Tribunal da Função Pública violou os artigos 90.° e 91.° do Estatuto e excedeu os limites da fiscalização jurisdicional, ao se substituir, na prática, à administração, na parte em que se pronunciou, nos n.os 147 e 189 do acórdão recorrido, sobre a «acusação de assédio moral formulada por [Q]» (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2003, Parlamento/Samper, C‑277/01 P, Colect., p. I‑3019, n.os 44 e 50) e em que declarou, no n.° 189 desse mesmo acórdão, que Q não tinha razão ao sustentar que foi vítima de assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 16 de Maio de 2006, Magone/Comissão, T‑73/05, ColectFP, pp. I‑A‑2‑107 e II‑A‑2‑485, n.os 14 a 16, e Lo Giudice/Comissão, n.° 86 supra, n.os 54 a 56).

143    Por conseguinte, sem ser sequer necessário decidir sobre o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o sexto fundamentos, há que anular o acórdão recorrido, na parte em que se pronunciou sobre a «acusação de assédio moral formulada por [Q]» e em que declarou que esta última não tinha razão ao sustentar que foi vítima de assédio moral, na acepção do artigo 12.°‑A, n.° 3, do Estatuto.

 Quanto ao sétimo fundamento, assente na inobservância da proibição de decidir ultra petita e, por conseguinte, numa violação dos limites impostos à competência do Tribunal da Função Pública

 Argumentos das partes

144    Q acusa o Tribunal da Função Pública de ter decidido ultra petita e, por conseguinte, de ter violado os limites impostos à sua própria competência quando, no n.° 241 do acórdão recorrido, indeferiu o seu pedido de indemnização do dano, de ordem material, correspondente à perda de remuneração resultante da sua aposentação automática, por motivo de invalidez, consecutiva ao assédio moral denunciado no pedido de assistência. Com efeito, o Tribunal da Função Pública justificou o referido indeferimento na nota por meio da qual Q tinha apresentado, em 17 de Outubro de 2005, um pedido para que fosse reconhecida como doença profissional, nos termos do artigo 73.° do Estatuto, a síndrome «ansio‑depressiva» de que considerava sofrer, apesar de essa nota não ter sido manifestamente submetida à apreciação do Tribunal da Função Pública pelas partes do litígio e não ter sido objecto de um debate contraditório.

145    A Comissão conclui que o sétimo fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente.

 Apreciação do Tribunal Geral

146    No presente caso, Q não sustenta que o Tribunal da Função Pública desvirtuou os documentos apensos aos autos da primeira instância, no n.° 241 do acórdão recorrido.

147    Sustenta apenas que, mesmo que resultasse dos documentos apensos aos autos da primeira instância que tinha pedido a abertura de um procedimento de reconhecimento da origem profissional da sua doença, o Tribunal da Função Pública não podia tomar em conta esse elemento factual para indeferir, por inadmissibilidade, o seu pedido de indemnização, na medida em que visava a reparação de um dano, de ordem material, correspondente à perda de remuneração que resultou da sua aposentação automática, por motivo de invalidez, dado que esse elemento factual e as consequências que dele decorrem para a admissibilidade do pedido de indemnização não foram especificamente invocados pelas partes e debatidos perante si.

148    Resulta dos n.os 232 e 233 do acórdão recorrido que a questão de o pedido de indemnização em causa ter carácter prematuro e, como tal, ser inadmissível, não foi invocada pela Comissão nem debatida entre as partes na primeira instância.

149    Todavia, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência citada no n.° 130 supra, uma vez que os requisitos de admissibilidade de um recurso interposto ao abrigo dos artigos 90.° e 91 do Estatuto são de ordem pública, compete, se for caso disso, ao tribunal da União examiná‑los oficiosamente.

150    Além disso, o Tribunal da Função Pública não pode ser acusado de proceder a constatações factuais no âmbito do exame oficioso dos requisitos de admissibilidade de um pedido de indemnização que lhe foi apresentado no âmbito desse recurso, uma vez que aquelas resultam dos documentos apensos aos autos que lhe foram submetidos pelas partes para que se possa pronunciar sobre o seu pedido.

151    Portanto, Q não tem razão quando acusa o Tribunal da Função Pública de ter decidido ultra petita e de ter violado os limites impostos à sua competência, ao ter conhecido oficiosamente, no n.° 241 do acórdão recorrido, da inadmissibilidade do pedido de indemnização em causa depois de ter procedido a certas constatações factuais baseadas em elementos dos autos.

152    Por conseguinte, há que julgar o sétimo fundamento improcedente.

 Quanto ao nono fundamento, assente num erro de direito relativo à existência de um interesse em agir na anulação dos REC 2003

 Argumentos das partes

153    Q considera que o indeferimento pelo Tribunal da Função Pública, no n.° 227 do acórdão recorrido, do seu pedido de anulação dos REC 2003 está ferido de um erro de direito, uma vez que viola jurisprudência recente do Tribunal de Justiça nos termos da qual um funcionário em estado de invalidez permanente total conserva no entanto um interesse em contestar os seus relatórios de evolução de carreira. Deste modo, importa distinguir, como faz o Tribunal de Justiça, a situação de um funcionário aposentado automaticamente, ao abrigo dos artigos 53.° e 78.° do Estatuto, da situação de um funcionário que atingiu a idade da reforma, que se demitiu ou que foi despedido. Além disso, o artigo 53.° do Estatuto deve ser lido em combinação com os artigos 13.° e 15.° do Anexo VIII do Estatuto, que enunciam que a actividade do funcionário declarado em estado de invalidez é apenas suspensa e que a sua invalidez pode ser controlada periodicamente enquanto não atingir os 63 anos de idade. Além disso, Q considera que conserva um interesse certo e actual em obter a anulação dos REC 2003 devido às apreciações negativas a seu respeito deles constantes.

154    No seu articulado complementar, Q apoia‑se num documento, cuja existência afirma que desconhecia no momento em que interpôs o seu recurso incidental, assinado em 26 de Julho de 2005 pelo médico assistente da Comissão, Dr. D, na qualidade de membro da Comissão de Invalidez, no qual este indicava não estar de acordo com a colocação de Q na situação de invalidez e com a decisão, tomada por maioria, dos outros membros da Comissão, o Dr. R e o Dr. S. Devido ao parecer divergente formulado pelo médico assistente, as conclusões da Comissão de Invalidez, assim como a decisão de a colocar na situação de invalidez estão feridas de uma irregularidade, cuja gravidade é evidente e lhe confere o direito de pedir que esses actos sejam declarados inexistentes. O parecer divergente demonstra que o restabelecimento da sua saúde é possível e que, por conseguinte, não está excluída uma reintegração na Comissão. Pode igualmente pedir a sua reintegração, se considerar que deixou de reunir os requisitos exigidos para beneficiar da pensão de invalidez. Consequentemente, o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao deduzir que Q não dispunha de um interesse em agir contra os REC 2003 e que não havia assim que se pronunciar sobre o seu pedido de anulação destes últimos.

155    A Comissão conclui que o nono fundamento deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal Geral

156    É jurisprudência constante que, para que uma pessoa abrangida pelo Estatuto possa, no âmbito de um recurso interposto nos termos dos artigos 90.° e 91.° do referido Estatuto, pedir a anulação de um acto que lhe causa prejuízo, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, essa pessoa deve possuir, no momento da interposição do recurso, um interesse, efectivo e actual, suficientemente caracterizado em ver anulado esse acto, pressupondo esse interesse que o pedido é susceptível, pelo seu resultado, de lhe conferir um benefício (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2006, Agne‑Dapper e o./Comissão e o., T‑35/05, T‑61/05, T‑107/05, T‑108/05 e T‑139/05, ColectFP, pp. I‑A‑2‑291 e II‑A‑2‑1497, n.° 35 e jurisprudência citada). Enquanto requisito de admissibilidade, o interesse do recorrente em agir deve ser apreciado no momento da interposição do recurso (v., neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 28 de Junho de 2005, Ross/Comissão, T‑147/04, ColectFP, pp. I‑A‑171 e II‑771, n.° 25 e jurisprudência citada). Todavia, como resulta de jurisprudência assente, para que uma pessoa referida no Estatuto possa interpor um recurso de anulação de uma decisão da AIPN, é necessário que conserve um interesse pessoal na anulação desta última (v. acórdão do Tribunal Geral de 24 de Abril de 2001, Torre e o./Comissão, T‑159/98, ColectFP, pp. I‑A‑83 e II‑395, n.° 30 e jurisprudência citada). A este respeito, não existindo interesse em agir actual, deixa de ser necessário que o tribunal se pronuncie sobre o recurso (v. acórdão Torre e o./Comissão, já referido, n.° 31 e jurisprudência citada).

157    Quanto ao interesse em agir de um funcionário ou de um antigo funcionário relativamente à anulação de um relatório de evolução de carreira que lhe diz respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que o referido relatório constitui um juízo de valor efectuado pelos seus superiores hierárquicos sobre a maneira como o funcionário avaliado desempenhou as tarefas que lhe foram confiadas e sobre a sua conduta no serviço durante o período em causa e que, independentemente da sua utilidade futura, constitui uma prova escrita e formal a respeito da qualidade do trabalho efectuado pelo funcionário. Tal avaliação não é puramente descritiva das tarefas realizadas durante o período em causa, mas comporta também uma apreciação das qualidades humanas que a pessoa classificada revelou no exercício da sua actividade profissional. Assim, cada funcionário possui um direito de que o seu trabalho seja homologado por uma avaliação estabelecida de maneira justa e equitativa. Por conseguinte, de acordo com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, deve em todo o caso ser reconhecido a um funcionário o direito de contestar um relatório de evolução de carreira que lhe diz respeito em razão do seu conteúdo ou porque não foi elaborado de acordo com as regras prescritas no Estatuto (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 2008, Gordon/Comissão, C‑198/07 P, Colect., p. I‑10701, n.os 43 a 45).

158    Em segundo lugar, embora seja verdade que um funcionário que a Comissão de Invalidez reconheceu estar numa situação de incapacidade permanente total passa oficiosamente à reforma, por força dos artigos 53.° e 78.° do Estatuto, a situação desse funcionário é diferente da de um funcionário que atingiu a idade da reforma, que se demitiu ou foi despedido, pois trata‑se de uma situação reversível (acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra, n.° 46). Com efeito, o funcionário que sofre de tal invalidez pode um dia retomar as suas funções numa instituição da União. A este propósito, a disposição geral do artigo 53.° do Estatuto deve ser lida em conjugação com as disposições específicas dos artigos 13.° a 15.° do Anexo VIII deste mesmo Estatuto. A actividade do funcionário que se declara estar num estado de invalidez é apenas suspensa, estando a evolução da sua situação nas instituições subordinada à manutenção das condições que justificaram essa invalidez, que pode ser controlada periodicamente (acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra, n.° 47). Além disso, um funcionário a quem é reconhecida uma situação de invalidez permanente total, que pode ser reintegrado numa vaga numa instituição, mantém um interesse, na acepção da jurisprudência exposta no n.° 156 supra, em que o seu relatório de evolução de carreira seja elaborado de maneira equitativa, objectiva e em conformidade com as normas de uma avaliação regular. Na hipótese de uma reintegração, o referido relatório terá utilidade para a evolução do funcionário no seu serviço ou nas instituições da União (acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra, n.os 46 a 51).

159    Só em determinados casos específicos poderá ser diferente, naqueles em que o exame da situação concreta do funcionário declarado em estado de invalidez revelar que este já não pode retomar as suas funções na instituição, à luz, por exemplo, das conclusões da Comissão de Invalidez encarregue de examinar a sua situação de invalidez, das quais resulte que a patologia que determinou a invalidez tem carácter fixo e que não será necessário nenhum exame médico de revisão (v., neste sentido, despacho Ross/Comissão, n.° 156 supra, n.os 9 e 32) ou à luz das declarações do funcionário interessado, das quais resulte que, de qualquer forma, não retomará as suas funções numa instituição (v., neste sentido, acórdão Combescot/Comissão, n.° 42 supra, n.os 27 e 29).

160    No caso em apreço, o Tribunal da Função Pública declarou, no n.° 117 do acórdão recorrido, não contestado por Q no âmbito do seu recurso incidental, que o recurso interposto por Q ao abrigo dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, tinha por objecto, nomeadamente, um pedido de anulação dos REC 2003. Nos n.os 218 a 224 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública expôs as razões pelas quais declarou que o pedido de anulação dos REC 2003 era admissível à data da interposição do recurso na primeira instância. Todavia, nos n.os 225 a 230 do acórdão recorrido entendeu que não havia que conhecer do mérito do referido pedido, na medida em que Q tinha perdido o seu interesse em agir no que diz respeito à anulação dos REC 2003. Por último, no caso em apreço, quanto ao interesse em agir de Q, o Tribunal da Função Pública afirmou que «[tinha passado] à situação de reforma e beneficia de uma pensão de invalidez por decisão da AIPN de 23 de Agosto de 2005, com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2005», que «[a]cresce, a Comissão de Invalidez [tinha considerado] que ‘perante o carácter fixo da patologia que determinou a invalidez, não [era] necessário qualquer exame médico de revisão’», que, «[a]ssim, a alteração dos REC 2003 não podia trazer qualquer consequência para a carreira de [Q]» e que, «[a]liás, [Q] não [demonstrou] nem sequer [invocou] a existência de uma circunstância particular que justifique a manutenção de um interesse pessoal e actual em pedir a anulação [dos REC 2003]».

161    Ao apreciar o interesse em agir de Q, o Tribunal da Função Pública pôde, correctamente, basear‑se nas conclusões da Comissão de Invalidez das quais resultava que, segundo as suas próprias constatações, todos os requisitos exigidos para justificar a aposentação automática de Q, por motivo de invalidez permanente total, em conformidade com o artigo 13.° do Anexo VIII do Estatuto, podiam considerar‑se definitivamente reunidos, uma vez que, por um lado, só a referida Comissão tinha competência, nos termos dos artigos 53.° e 78.° do Estatuto, para decidir sobre a situação de invalidez de Q e que, por outro, as conclusões dessa Comissão não estavam feridas de ilegalidade pelo simples facto de, como resultava do documento apresentado pela Comissão, terem sido aprovadas apenas por uma maioria dos membros da Comissão, uma vez que um deles tinha exprimido uma opinião divergente. Com efeito, as decisões da Comissão de Invalidez são decisões colegiais, sendo estas decisões adoptadas por maioria.

162    Todavia, o Tribunal da Função Pública não teve em conta, como a isso estava legalmente obrigado, o interesse que, em todo caso, Q podia ter conservado em contestar os REC 2003 devido ao seu conteúdo, nomeadamente, como constatou no n.° 273 do acórdão recorrido, porque «cont[inham] apreciações explicitamente negativas sobre as capacidades de [Q]», em conformidade com a interpretação do conceito de interesse em agir de um funcionário ou de um antigo funcionário na anulação do seu relatório de evolução de carreira seguida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra (n.os 43 a 45).

163    É certo que o acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra, foi proferido alguns dias depois do acórdão recorrido. Todavia, isso não justifica que o Tribunal Geral fiscalize o mérito do acórdão recorrido à luz do conceito de interesse em agir por ocasião da anulação de um relatório de evolução de carreira sem ter em conta a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça a esse conceito no acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra.

164    Com efeito, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União esclarece e precisa, se necessário for, o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento em que entra em vigor. Daqui resulta que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada mesmo a relatórios jurídicos iniciados e constituídos antes de ser proferido o acórdão pelo Tribunal de Justiça, caso, por outro lado, se encontrem preenchidos os requisitos que permitem submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., neste sentido e por analogia, quanto aos efeitos temporais das interpretações do Tribunal de Justiça no exercício da competência que lhe é conferida pelo artigo 234.° CE, acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Março de 1980, Denkavit italiana, 61/79, Recueil p. 1205, n.° 16, e de 11 de Agosto de 1995, Roders e o., C‑367/93 a C‑377/93, Colect., p. I‑2229, n.° 42). Atendendo a estes princípios, afigura‑se que uma limitação dos efeitos da interpretação feita pelo Tribunal de Justiça deve ser excepcional (acórdãos Denkavit italiana, já referido, n.° 17, e Roders e o., já referido, n.° 43).

165    No presente caso, não resulta do acórdão Gordon/Comissão, n.° 157 supra, que estejam provadas circunstâncias que justificam uma derrogação ao princípio da retroactividade da interpretação que o Tribunal de Justiça deu, nesse acórdão, ao conceito de interesse em agir no âmbito da anulação de um relatório de evolução de carreira.

166    Consequentemente, há que julgar procedente o nono fundamento e, por conseguinte, anular o acórdão recorrido na parte em que decidiu que não havia que conhecer do mérito do pedido destinado a obter a anulação dos REC 2003.

167    Atendendo ao exposto, há que julgar o recurso incidental parcialmente procedente e negar provimento a este recurso incidental quanto ao restante.

 Quanto à remessa do processo ao Tribunal da Função Pública

168    Em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, do Anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal Geral anula a decisão do Tribunal da Função Pública e decide do litígio. Todavia, remete o processo ao Tribunal da Função Pública se não estiver em condições de ser julgado.

169    No caso em apreço, não se tendo o Tribunal da Função Pública pronunciado, como resulta do n.° 230 do acórdão recorrido, sobre o pedido de anulação dos REC 2003, o presente litígio não está, a este respeito, em condições de ser julgado e há que remeter o processo ao Tribunal da Função Pública para que se pronuncie sobre os referidos pedidos.

170    Além disso, não se tendo o Tribunal da Função Pública pronunciado, como resulta do n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, lido à luz do dos n.os 250 a 254 desse mesmo acórdão, sobre a quantia devida a Q pela Comissão apenas a título do dano moral resultante da recusa, por parte desta última, em adoptar uma medida provisória de afastamento, o presente litígio não está, a este respeito, em condições de ser julgado e há que remeter o processo ao Tribunal da Função Pública para que se pronuncie sobre a referida quantia.

 Quanto às despesas

171    Sendo o processo remetido ao Tribunal da Função Pública, há que reservar para final a decisão quanto às despesas relativas ao presente processo de recurso.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

1)      O acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 9 de Dezembro de 2008, Q/Comissão (F‑52/05, ainda não publicado na Colectânea), é anulado na parte em que, no n.° 2 do dispositivo, condena a Comissão das Comunidades Europeias a pagar a Q uma indemnização no montante de 500 euros, assim como a quantia de 15 000 euros, uma vez que esta visa a reparação do dano moral sofrido por Q em razão de um alegado atraso na abertura do inquérito administrativo, e que, para efeitos de julgar o pedido apresentado em primeira instância improcedente quanto ao restante, no n.° 3 do dispositivo, se pronunciou, nos n.os 147 a 189 dos fundamentos, sobre a «acusação de assédio moral formulada por [Q]» e declarou, no n.° 230 dos fundamentos, não haver lugar a conhecer do mérito do pedido de anulação dos relatórios de evolução de carreira que dizem respeito a Q, elaborados respectivamente a título dos períodos compreendidos entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro e 1 de Novembro e 31 de Dezembro de 2003.

2)      É negado provimento ao recurso principal e ao recurso incidental quanto ao restante.

3)      O processo é remetido ao Tribunal da Função Pública para que se pronuncie sobre o pedido de anulação dos relatórios de evolução de carreira acima referidos, assim como sobre a quantia devida a Q pela Comissão apenas a título do dano moral resultante da recusa, por parte desta última, em adoptar uma medida provisória de afastamento.

4)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Jaeger

Pelikánová

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Julho de 2011.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.