Processo C‑386/09

Jhonny Briot

contra

Randstad Interim e o.

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela

cour du travail de Bruxelles)

«Artigo 104.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo – Directiva 2001/23/CE – Transferência de empresas – Manutenção dos direitos dos trabalhadores – Não renovação de um contrato a termo de um trabalhador temporário»

Sumário do despacho

Política social – Aproximação das legislações – Transferências de empresas – Manutenção dos direitos dos trabalhadores – Directiva 2001/23

(Directiva do Conselho 2001/23, artigos 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, e 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo)

Quando o contrato de trabalho a termo de um trabalhador temporário cessou, por ter chegado ao termo acordado, numa data anterior à da transferência da actividade à qual este trabalhador temporário estava afectado, a não renovação do referido contrato devido a essa transferência não viola a proibição prevista no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23/CE, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. Assim, não se deve considerar que o dito trabalhador temporário se encontrava ainda à disposição da empresa utilizadora à data da referida transferência.

Com efeito, o trabalhador não tem direito, em princípio, à renovação de um contrato de trabalho a termo. O facto de a data do termo de um tal contrato preceder a data prevista para a transferência da actividade à qual o trabalhador está afectado não é susceptível de gerar esse direito. Assim, a não renovação de um contrato de trabalho temporário a termo, por força da falta de um novo acordo de vontades entre o empregador e o trabalhador, não pode ser equiparada a um despedimento na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, através do qual o contrato de trabalho ou a relação de trabalho cessa mediante uma decisão unilateral do empregador.

(cf. n.os 33 a 34, 37 e disp.)







DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

15 de Setembro de 2010 (*)

«Artigo 104.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo – Directiva 2001/23/CE – Transferência de empresas – Manutenção dos direitos dos trabalhadores – Não renovação de um contrato a termo de um trabalhador temporário»

No processo C‑386/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela cour du travail de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 21 de Setembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de Setembro de 2009, no processo

Jhonny Briot

contra

Randstad Interim,

Sodexho SA,

Conselho da União Europeia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. Malenovský (relator) e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: R. Grass,

informado o órgão jurisdicional de reenvio de que o Tribunal de Justiça se propõe decidir por meio de despacho fundamentado nos termos do artigo 104.°, n.° 3, segundo parágrafo, do seu Regulamento de Processo,

convidados os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia a apresentar as suas eventuais observações sobre esse assunto,

ouvida a advogada‑geral,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 2.° a 4.° da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO L 82, p. 16).

2        Este pedido foi apresentando no âmbito de um litígio entre J. Briot e a agência de trabalho temporário Randstad Interim (a seguir «Randstad»), a sociedade Sodexho (a seguir «Sodexho») e o Conselho da União Europeia a propósito de vários pedidos apresentados por J. Briot relativos, por um lado, às condições em que trabalhou no restaurante do Conselho em Bruxelas no âmbito de um contrato de trabalho temporário celebrado com a Randstad e, por outro, ao facto de não ter sido mantido ao serviço da Sodexho depois de a exploração do dito restaurante ter sido cedida a esta.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Directiva 2001/23 procede à codificação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122), conforme alterada pela Directiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de Junho de 1998 (JO L 201, p. 88).

4        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 2001/23:

«a)      A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

b)      Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.»

5        O artigo 2.° da Directiva 2001/23 dispõe:

«1.      Na acepção da presente directiva, entende‑se por:

a)      ‘Cedente’: qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no n.° 1 do artigo 1.°, perca a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou de estabelecimento;

b)      ‘Cessionário’: qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no n.° 1 do artigo 1.°, adquira a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou de estabelecimento;

[…]

2.      A presente directiva não afecta o direito nacional no que se refere à definição de contrato de trabalho ou de relação de trabalho.

Todavia, os Estados‑Membros não excluirão do âmbito de aplicação da presente directiva contratos de trabalho ou relações de trabalho exclusivamente por motivo:

[...]

c)      [D]e se tratar de relações de trabalho temporárias na acepção da Directiva 91/383/CEE e a empresa ou estabelecimento, ou parte de empresa ou estabelecimento, constitu[ir] ou f[azer] parte de uma empresa de trabalho temporário que actue como entidade patronal.»

6        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2001/23:

«Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.»

7        O artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da referida directiva tem o seguinte teor:

«A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.»

 Legislação nacional

8        As disposições da Directiva 77/187 foram transpostas para o direito belga pela convenção colectiva de trabalho n.° 32 bis, de 7 de Junho de 1985, celebrada no âmbito do Conseil national du travail, relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de mudança de entidade patronal devida a uma transferência convencional de empresa e que regulamenta os direitos dos trabalhadores cujo vínculo foi mantido em caso de retoma do activo após falência ou concordata judicial com cedência do activo, tornada obrigatória pelo Decreto Real de 25 de Julho de 1985 (Moniteur belge de 9 de Agosto de 1985, p. 11527), conforme alterada pela convenção colectiva de trabalho n.° 32 quater, de 19 de Dezembro de 1989, tornada obrigatória pelo Decreto Real de 6 de Março de 1990 (Moniteur belge de 21 de Março de 1990, p. 5114).

9        Relativamente ao âmbito de aplicação pessoal, a referida convenção colectiva de trabalho utiliza as definições de «cedente» e de «cessionário» da directiva e precisa o seguinte:

«–      para efeitos de aplicação da presente convenção colectiva de trabalho, deve entender‑se por trabalhadores: as pessoas que, por força de um contrato de trabalho ou de aprendizagem, forneçam prestações de trabalho;

–      são equiparados a trabalhadores: as pessoas que, através de um instrumento diferente do contrato de trabalho, forneçam prestações de trabalho sob a autoridade de outra pessoa.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      Em 1 de Setembro de 1998, foi celebrado um contrato‑quadro entre o Secretariado‑Geral do Conselho e a Randstad. Esse contrato‑quadro visava pôr à disposição do Conselho, a seu pedido, trabalhadores temporários com a qualificação de cozinheiro, chefe de equipa, responsável pelo aprovisionamento, copeiro/subchefe e servente de cozinha.

11      A partir de 3 de Setembro de 1998, J. Briot foi posto à disposição do Conselho no quadro de diferentes contratos de trabalho a termo celebrados com a sociedade de trabalho temporário Daoust, e posteriormente, a partir de 15 de Janeiro de 2001, com a Randstad.

12      J. Briot desempenhou numa primeira fase as funções de servente e, mais tarde, a partir de 15 de Janeiro de 2001, de cozinheiro.

13      A partir de 1 de Janeiro de 2003, o Conselho alterou a forma de exploração do seu restaurante e confiou a gestão do mesmo a um único subcontratante, a Sodexho.

14      Na sequência desta adjudicação, a Sodexho escreveu às sociedades Compass Group Belgilux e Iris Cleaning a fim de conhecer os membros do pessoal dessas sociedades que deviam ser mantidos por força das convenções colectivas relativas à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresa.

15      O contrato de trabalho temporário de J. Briot terminou em 20 de Dezembro de 2002 e nenhum outro contrato de trabalho temporário lhe foi proposto a partir dessa data pela Randstad.

16      Por carta de 3 de Junho de 2003, a organização sindical de J. Briot interpelou o Conselho e a Randstad para pagarem a J. Briot uma indemnização por rescisão do contrato, uma indemnização por despedimento abusivo, um subsídio complementar de pensão antecipada e as diferenças de salário entre o salário dos funcionários do Conselho e o que lhe foi pago.

17      Por carta de 29 de Julho de 2003, o Secretariado‑Geral do Conselho contestou a irregularidade da colocação à disposição de J. Briot, bem como a insuficiência dos salários recebidos por este, e lembrou que, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1985, Tordeur (232/84, Recueil, p. 3223), a sanção cível prevista no artigo 31.° da Lei de 24 de Julho de 1987 sobre o trabalho por tempo determinado, o trabalho temporário e a colocação de trabalhadores à disposição de utilizadores (Moniteur belge de 20 de Agosto de 1987, p. 12405) não pode ser aplicada às instituições comunitárias.

18      Na falta de conciliação, J. Briot decidiu intentar uma acção no tribunal du travail de Bruxelles (Tribunal de Trabalho de Bruxelas).

19      Este decidiu, designadamente, que a colocação de J. Briot à disposição do Conselho ocorreu em violação da referida Lei de 24 de Julho de 1987, mas que não podia ser aplicada nenhuma sanção ao Conselho. Considerou igualmente que, na medida em que não existia nenhum contrato de trabalho entre J. Briot e o Conselho, por um lado, este não podia ser condenado a pagar uma indemnização por rescisão do contrato de trabalho de J. Briot e, por outro, os direitos e obrigações decorrentes do referido contrato de trabalho não podiam ser transferidos para a Sodexho quando a exploração do restaurante do Conselho foi transferida para esta última.

20      Em 5 de Dezembro de 2007, J. Briot interpôs recurso desta decisão para a cour du travail de Bruxelles (Tribunal de Trabalho de Segunda Instância de Bruxelas).

21      Por acórdão de 19 de Janeiro de 2009, o referido tribunal decidiu reabrir os debates no que respeita à existência e às eventuais consequências de uma transferência de empresa. Neste contexto, J. Briot alegou que a cessão de exploração do restaurante do Conselho à Sodexho, em 1 de Janeiro de 2003, constitui uma transferência de empresa, pelo que a Sodexho tinha a obrigação de o admitir ao seu serviço. Requereu a revisão da decisão da primeira instância na parte em que declarou que, na falta de contrato de trabalho entre J. Briot e o Conselho, os direitos e obrigações de J. Briot não puderam ser transferidos para a Sodexho.

22      Nestas circunstâncias, a cour du travail de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)     Quando, no quadro de uma transferência de empresa, na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, se conclui que a entidade transferida, a saber, o restaurante de empresa de uma instituição comunitária, utilizava um número importante de trabalhadores temporários com base num contrato‑quadro concluído com diferentes sociedades de trabalho temporário, deve a sociedade de trabalho temporário, ou, em alternativa, a instituição sob o controlo e a direcção da qual os trabalhadores temporários efectuavam o seu trabalho, ser considerada um empregador‑cedente na acepção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da referida directiva?

b)      Na hipótese de não poder ser reconhecida à sociedade de trabalho temporário nem à empresa utilizadora a qualidade de empregador‑cedente, há que considerar que os trabalhadores temporários não podem beneficiar das garantias previstas na Directiva 2001/23?

2)      Deve o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23[…] ser interpretado no sentido de que a não renovação dos contratos de trabalho a termo dos trabalhadores temporários, em razão da transferência da actividade à qual estavam [afectados], viola a proibição estabelecida na referida disposição, tendo como consequência que se deve considerar que esses trabalhadores temporários continuam à disposição do utilizador na data da transferência?

3)      a)     Deve o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/23[…], eventualmente lido em conjugação com o artigo 2.°, n.° 2, alínea c), [desta última], ser interpretado no sentido de que obriga o cessionário a manter uma relação laboral com os trabalhadores temporários [afectados] à actividade objecto da transferência ou que devem ser considerados como continuando à disposição do utilizador na data da transferência?

b)      Em caso de resposta afirmativa a esta questão, deve o artigo 3.°, n.° 1, [desta directiva] ser interpretado no sentido de que impõe a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado na hipótese de o cessionário não ser uma sociedade de trabalho temporário e não poder celebrar um contrato de trabalho temporário?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda questão

23      Através da segunda questão, que há que analisar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a não renovação dos contratos de trabalho a termo dos trabalhadores temporários, em razão da transferência da actividade à qual estavam afectados, viola a proibição estabelecida no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, tendo como consequência que se deva considerar que esses trabalhadores temporários continuam à disposição da empresa utilizadora na data da referida transferência.

24      Por considerar que a resposta a esta questão não suscita nenhuma dúvida razoável, o Tribunal, em consonância com o artigo 104.°, n.° 3, segundo parágrafo, do seu Regulamento de Processo, informou o órgão jurisdicional de reenvio de que se propunha decidir por meio de despacho fundamentado e convidou os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia a apresentar as suas eventuais observações sobre esse assunto.

25      J. Briot assim como os Governos belga e alemão responderam ao convite do Tribunal de Justiça. J. Briot solicitou a realização de uma audiência devido à importância das questões submetidas para os trabalhadores temporários colocados com regularidade ao serviço de uma empresa utilizadora. A este respeito, alega que a situação de trabalhadores temporários colocados de forma regular ao serviço de utilizadores se distingue daquela em que mais de cem trabalhadores são colocados de forma irregular, durante mais de três anos, ao serviço do mesmo utilizador. Neste caso, a entidade constituída pelos trabalhadores temporários poderia ser identificada tanto na sociedade como na empresa utilizadora. Todavia, na medida em que estas observações se referem a um elemento estranho à problemática central do presente pedido de decisão prejudicial, não levam o Tribunal de Justiça a afastar a via processual pretendida. Os Governos belga e alemão não emitiram, por seu turno, nenhuma objecção quanto à intenção do Tribunal de Justiça de decidir mediante despacho fundamentado.

26      A título preliminar, importa lembrar que, como o Tribunal de Justiça tem vindo a decidir reiteradamente, a Directiva 2001/23 tem por objectivo assegurar a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de mudança de empresário, permitindo‑lhes ficar ao serviço da nova entidade patronal nas mesmas condições que as acordadas com o cedente (v., designadamente, acórdãos de 27 de Novembro de 2008, Juuri, C‑396/07, Colect., p. I‑8883, n.° 28 e jurisprudência aí referida). A finalidade da referida directiva é assegurar, tanto quanto possível, a continuação dos contratos de trabalho ou das relações de trabalho com o cessionário, sem modificação, a fim de impedir que os trabalhadores em causa sejam colocados numa posição menos favorável apenas devido à transferência (v., por analogia, quanto à Directiva 77/187, acórdãos de 17 de Dezembro de 1987, Ny Mølle Kro, 287/86, Colect., p. 5465, n.° 25, e de 26 de Maio de 2005, Celtec, C‑478/03, Colect., p. I‑4389, n.° 26).

27      Assim sendo, como decorre do próprio teor do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2001/23, a protecção que a dita directiva visa assegurar só diz respeito aos trabalhadores que tenham um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho existente à data da transferência.

28      A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou, quanto à Directiva 77/187, que, salvo disposição específica em contrário, uma vez que o benefício desta directiva só pode ser invocado pelos trabalhadores cujo contrato ou relação de trabalho subsista à data da transferência, a existência ou não de um contrato ou de uma relação de trabalho nessa data deve ser apreciada à luz do direito nacional, sob reserva, todavia, do respeito pelas regras imperativas da referida directiva relativas à protecção dos trabalhadores contra os despedimentos resultantes de uma transferência (v. acórdão de 15 de Junho de 1988, Bork International e o., 101/87, Colect., p. 3057, n.° 17).

29      A este último respeito, há que salientar que, por força do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, a transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui, em si mesma, fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário.

30      Por conseguinte, deve considerar‑se que os trabalhadores ao serviço da empresa cujo contrato de trabalho ou relação de trabalho tenha cessado com efeitos numa data anterior à da transferência, em violação do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, continuam ao serviço da empresa na data da transferência, com a consequência, designadamente, de as obrigações da entidade patronal relativamente a eles se transferirem automaticamente do cedente para o cessionário, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, da referida directiva (v., por analogia, acórdão Bork International e o., já referido, n.° 18).

31      Como decorre da decisão de reenvio, o recorrente no processo principal foi colocado à disposição do Conselho, a partir de 3 de Setembro de 1998, no quadro de diferentes contratos de trabalho a termo celebrados com a sociedade de trabalho temporário Daoust, e posteriormente, a partir de 15 de Janeiro de 2001, com a Randstad. O seu contrato de trabalho com a Randstad cessou em 20 de Dezembro de 2002, ou seja, antes da transferência da actividade à qual estava afectado, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2003, e não lhe foi proposto nenhum contrato de trabalho temporário pelo seu antigo empregador depois dessa data. Além disso, nenhum elemento do processo indica que existisse outro tipo de relação de trabalho entre a Randstad e J. Briot à data da transferência.

32      A este respeito, ao celebrar um contrato de trabalho a termo, o trabalhador está plenamente consciente de que este contrato de trabalho cessará, ipso facto, no termo contratualmente previsto. Deve contar, desde o início desta relação contratual, com que a outra parte faça uso do seu direito de tirar partido, no termo do contrato, da respectiva cessação.

33      Daqui decorre que, em princípio, o trabalhador não tem direito à renovação de um contrato de trabalho a termo. O facto de a data do termo de um tal contrato preceder a data prevista para a transferência da actividade à qual o trabalhador está afectado não é susceptível de gerar esse direito.

34      Para que haja uma renovação, é, assim, necessário que se forme um novo acordo de vontades entre o empregador e o trabalhador. Em contrapartida, no caso de um despedimento, o contrato de trabalho ou a relação de trabalho cessa mediante uma decisão unilateral do empregador. Há, assim, que declarar que a não renovação de um contrato de trabalho temporário a termo, por força da falta de um novo acordo de vontades entre o empregador e o trabalhador, não pode ser equiparada a um despedimento na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23 (v., por analogia, acórdão de 4 de Outubro de 2001, Jiménez Melgar, C‑438/99, Colect., p. I‑6915, n.° 45).

35      Resulta do exposto que, em circunstâncias como as do processo principal, a não renovação de um contrato de trabalho a termo, que cessou, por ter chegado ao seu termo, numa data anterior à da transferência da actividade à qual o trabalhador temporário em causa estava afectado, não viola a proibição prevista no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23.

36      Importa, por fim, precisar que esta solução, na medida em que o Tribunal de Justiça se pronuncia unicamente sobre a aplicabilidade da Directiva 2001/23, não prejudica a protecção de que um trabalhador temporário como o recorrente no processo principal possa, eventualmente, beneficiar contra a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos ao abrigo de outras disposições do direito da União, nomeadamente a Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43), nem a respectiva interpretação por parte do Tribunal de Justiça.

37      Em face do exposto, importa responder à segunda questão submetida que, em circunstâncias como as do processo principal, quando o contrato de trabalho a termo de um trabalhador temporário cessou, por ter chegado ao termo acordado, numa data anterior à da transferência da actividade à qual esse trabalhador temporário estava afectado, a não renovação do referido contrato devido a essa transferência não viola a proibição prevista no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23. Assim, não se deve considerar que o dito trabalhador temporário se encontrava ainda à disposição da empresa utilizadora à data da referida transferência.

 Quanto à primeira e terceira questões

38      Na medida em que, pelos motivos expostos no âmbito da resposta à segunda questão, um trabalhador que se encontre na situação do recorrente no processo principal não pode beneficiar das garantias previstas pela Directiva 2001/23, não há que responder à primeira e terceira questões submetidas.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

Em circunstâncias como as do processo principal, quando o contrato de trabalho a termo de um trabalhador temporário cessou, por ter chegado ao termo acordado, numa data anterior à da transferência da actividade à qual este trabalhador temporário estava afectado, a não renovação do referido contrato devido a essa transferência não viola a proibição prevista no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. Assim, não se deve considerar que o dito trabalhador temporário se encontrava ainda à disposição da empresa utilizadora à data da referida transferência.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.