ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

24 de janeiro de 2013 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Auxílios de Estado incompatíveis com o mercado comum — Obrigação de recuperação — Inexecução — Exceção de inadmissibilidade — Força de caso julgado de um acórdão anterior do Tribunal de Justiça»

No processo C-529/09,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, entrada em 18 de dezembro de 2009,

Comissão Europeia, representada por L. Flynn e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J.-J. Kasel (relator) e M. Berger, juízes,

advogado-geral: V. Trstenjak,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 4 de julho de 2012,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo adotado, no prazo estabelecido, as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão 1999/509/CE da Comissão, de 14 de outubro de 1998, relativa aos auxílios concedidos pela Espanha às empresas do grupo Magefesa e seus sucessores (JO 1999, L 198, p. 15), no que respeita à empresa Industrias Domésticas SA (a seguir «Indosa»), o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 288.°, quarto parágrafo, TFUE e 2.° e 3.° da referida decisão.

Quadro jurídico

2

O considerando 13 do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), tem a seguinte redação:

«Considerando que, nos casos de auxílios ilegais incompatíveis com o mercado comum, deve ser restabelecida uma concorrência efetiva; que, para este efeito, é necessário que o auxílio, acrescido de juros, seja recuperado o mais rapidamente possível; que é conveniente que esta recuperação seja efetuada de acordo com o direito processual nacional; que a aplicação deste direito processual não deve, ao impedir uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão, obstar ao restabelecimento de uma concorrência efetiva; que, para obter esse resultado, os Estados-Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir a eficácia da decisão da Comissão».

3

O artigo 14.o do referido regulamento, intitulado «Recuperação do auxílio», prevê:

«1.   Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado-Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário […] A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário.

2.   O auxílio a recuperar mediante uma decisão de recuperação incluirá juros a uma taxa adequada fixada pela Comissão. Os juros são devidos a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário e até ao momento da sua recuperação.

3.   Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça [da União Europeia] nos termos do artigo [278.° TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados-Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação comunitária.»

4

Nos termos do artigo 23.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

«Quando o Estado-Membro em causa não der cumprimento às decisões condicionais ou negativas, em especial nos casos previstos no artigo 14.o, a Comissão pode recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça […] nos termos do n.o 2 do artigo [108.° TFUE].»

Antecedentes do litígio

Quadro factual

5

A Magefesa é um grupo de empresas industriais espanholas que fabricam artigos domésticos.

6

O grupo Magefesa é constituído, nomeadamente, por quatro empresas, a saber, a Indosa, com sede no País Basco, a Cubertera del Norte SA (a seguir «Cunosa») e a Manufacturas Gur SA (a seguir «GURSA»), com sede na Cantábria, e a Manufacturas Inoxidables Gibraltar SA (a seguir «MIGSA»), com sede na Andaluzia.

7

Tendo conhecido graves dificuldades financeiras a partir de 1983, o grupo Magefesa foi objeto de um programa de ação que previa, designadamente, uma redução dos seus efetivos e a concessão de auxílios pelo Governo central espanhol e pelos Governos regionais das Comunidades Autónomas do País Basco, da Cantábria e da Andaluzia, onde se situavam as diferentes fábricas do grupo.

8

Para atribuição desses auxílios, foram criadas sociedades de gestão nas comunidades autónomas em causa, a saber, a Fiducias de la cocina y derivados SA (a seguir «Ficodesa»), no País Basco, a Gestión de Magefesa en Cantabria SA, na Cantábria, e a Manufacturas Damma SA, na Andaluzia.

9

Não obstante, como a situação continuou a deteriorar-se, a Cunosa cessou as suas atividades no início de 1994 e foi declarada insolvente em 13 de abril de 1994 e a MIGSA cessou as suas atividades em 1993 e foi declarada insolvente em 17 de maio de 1999. No que respeita à GURSA, ficou inativa a partir de 1994 e, subsequentemente, foi declarada insolvente.

10

Quanto à Indosa, na sequência de um pedido nesse sentido por parte dos seus trabalhadores, foi declarada em situação de suspensão de pagamentos por decisão judicial de 19 de julho de 1994, com efeitos retroativos a 24 de fevereiro de 1986. No entanto, por nova decisão judicial, a Indosa foi autorizada a prosseguir as suas atividades para evitar que se pusessem em perigo os postos de trabalho dos 478 trabalhadores da empresa.

11

Relativamente às sociedades de gestão, a Ficodesa foi declarada insolvente em 19 de janeiro de 1995 e tanto a Manufacturas Damma SA como a Gestión de Magefesa en Cantabria SA cessaram as suas atividades.

Decisões da Comissão

12

O grupo Magefesa foi objeto de dois procedimentos em matéria de auxílios de Estado.

13

Em 20 de dezembro de 1989, a Comissão adotou a Decisão 91/1/CEE relativa aos auxílios concedidos em Espanha pelo Governo central e por vários governos autónomos à Magefesa, produtora de artigos domésticos de aço inoxidável e de pequenos aparelhos elétricos (JO 1991, L 5, p. 18), pela qual aquela instituição declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos às empresas do grupo Magefesa, sob a forma de garantias de empréstimos, de um empréstimo em condições diferentes das condições de mercado, de auxílios não reembolsáveis e de uma bonificação de juros.

14

Os auxílios concedidos pela Comunidade Autónoma do País Basco que foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum nos termos da Decisão 91/1 repartem-se como segue:

uma garantia de empréstimo de 300 milhões de ESP, concedida diretamente à Indosa;

uma garantia de empréstimo de 672 milhões de ESP, concedida à Ficodesa; e

uma bonificação de juros de 9 milhões de ESP.

15

Pela mesma decisão, as autoridades espanholas foram convidadas, designadamente, a revogar as garantias de empréstimo, a transformar o empréstimo à taxa bonificada em crédito normal e a recuperar os auxílios não reembolsáveis.

16

Em 1997, a Comissão recebeu novas denúncias sobre os benefícios resultantes para as empresas do grupo Magefesa do não reembolso dos auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum pela Decisão 91/1 assim como do incumprimento das suas obrigações financeiras e fiscais. Subsequentemente, a Comissão decidiu abrir o procedimento previsto no artigo 93.o, n.o 2, do Tratado CE (que passou a artigo 88.o, n.o 2, CE, que, por sua vez, passou a artigo 108.o TFUE) para os auxílios concedidos a essas empresas ou às que lhes sucederam depois de 1989 e adotou, em 14 de outubro de 1998, a Decisão 1999/509. O Governo espanhol foi notificado desta decisão em 29 de outubro de 1998.

17

Através da referida decisão, a Comissão declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos pelas autoridades espanholas, designadamente à Indosa, sob a forma de não pagamento sistemático de impostos e de contribuições para a segurança social, quer até ao dia da declaração da insolvência daquela empresa quer após essa data e até maio de 1997.

18

Pelo artigo 2.o da mesma decisão, o Reino de Espanha foi convidado a adotar as medidas que se impunham para recuperar esses auxílios junto dos beneficiários, precisando-se que os montantes recuperados deviam incluir os juros devidos a contar da concessão dos referidos auxílios até à data efetiva do reembolso dos mesmos.

19

Em aplicação do artigo 3.o da Decisão 1999/509, o Reino de Espanha devia comunicar à Comissão, no prazo de dois meses a contar da data da notificação da mesma decisão, as medidas adotadas para lhe dar cumprimento.

20

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de dezembro de 1998, nos termos do artigo 173.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.o CE, que, por sua vez, passou a artigo 263.o TFUE), o Reino de Espanha pediu a anulação da Decisão 1999/509.

21

Por acórdão de 12 de outubro de 2000, Espanha/Comissão (C-480/98, Colet., p. I-8717), o Tribunal de Justiça decidiu:

«1)

A Decisão [1999/509] é anulada na medida em que impõe, entre os montantes de auxílios a recuperar, a cobrança de juros vencidos posteriormente à declaração de falência das empresas Indosa e Cunosa sobre os auxílios ilegalmente recebidos antes dessa declaração.

2)

O recurso é julgado improcedente quanto ao restante.

3)

O Reino de Espanha é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, três quartas partes das da Comissão das Comunidades Europeias.»

22

Em 22 de dezembro de 1999, em aplicação do artigo 88.o, n.o 2, segundo parágrafo, CE, a Comissão intentou uma ação por incumprimento contra o Reino de Espanha, que tinha por objeto obter a declaração de que este último não tinha adotado, nos prazos fixados, as medidas necessárias para dar cumprimento às Decisões 91/1 e 1999/509.

23

Por acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha (C-499/99, Colet., p. I-6031), o Tribunal de Justiça decidiu:

«1)

Por um lado, ao não adotar as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão [91/1] na parte em que esta declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos às empresas [Indosa], [GURSA], [MIGSA] e [Cunosa] e à Decisão [1999/509] na parte em que esta declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos às empresas GURSA, MIGSA e Cunosa[…] e, por outro, ao não comunicar à Comissão, nos prazos fixados, as medidas tomadas para a execução da Decisão 1999/509, na parte em que esta declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos à empresa Indosa, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 249.o, quarto parágrafo, CE e dos artigos 2.° e 3.° das referidas decisões.

2)

A ação da Comissão das Comunidades Europeias é julgada improcedente quanto ao restante.

3)

O Reino de Espanha é condenado nas despesas.»

24

Como decorre dos fundamentos do referido acórdão, o Tribunal de Justiça julgou improcedente a ação da Comissão, na parte em que esta se destinava a obter a declaração de que o Reino de Espanha não tinha adotado as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão 1999/509, com o fundamento de que a liquidação da Indosa tinha sido decidida pela assembleia de credores, realizada em 4 de julho de 2000.

Conversações desenvolvidas até à propositura da presente ação

25

Na sequência do acórdão Comissão/Espanha, já referido, a Comissão e o Reino de Espanha trocaram muita correspondência sobre a recuperação dos auxílios abrangidos pelas Decisões 91/1 e 1999/509, bem como sobre a execução desse acórdão.

26

Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que, apesar de ter sido declarada insolvente em 19 de abril de 1994, a Indosa prosseguiu as suas atividades.

27

Em resposta aos pedidos de informação da Comissão de 25 de março e 27 de julho de 2004, bem como de 31 de janeiro de 2005, as autoridades espanholas informaram, designadamente, por ofício de 31 de março de 2005, que o acordo de liquidação da Indosa tinha sido aprovado em 29 de setembro de 2004, que esta aprovação tinha sido impugnada, sem que isso tivesse efeito suspensivo, e que, por conseguinte, a liquidação dos ativos da Indosa podia ter início.

28

Por cartas de 5 de julho e 16 de dezembro de 2005, a Comissão observou que, quase três anos após a prolação do acórdão Comissão/Espanha, já referido, a Indosa prosseguia as suas atividades, o processo de liquidação dos seus ativos não tinha ainda começado e o auxílio ilegal não tinha sido recuperado. Além disso, aquela instituição pediu que fosse posto termo às atividades da Indosa e que a liquidação dos seus ativos ficasse concluída, o mais tardar, até 25 de janeiro de 2006.

29

Durante o mesmo ano de 2006, a Comissão considerou que as Decisões 91/1 e 1999/509 tinham sido executadas relativamente às empresas GURSA, MIGSA e Cunosa, uma vez que estas tinham cessado as respetivas atividades e os seus ativos sido vendidos a preços de mercado. Pelo contrário, no que se refere à Indosa, a troca de correspondência entre a Comissão e as autoridades espanholas continuou.

30

Por ofício de 30 de maio de 2006, o Reino de Espanha comunicou à Comissão que o acordo de liquidação da Indosa se tinha tornado definitivo em 2 de maio de 2006.

31

No entanto, numa série de cartas, designadamente, de 18 de outubro de 2006, 27 de janeiro de 2007 e 26 de setembro de 2008, a Comissão alegou que as atividades da Indosa não tinham cessado verdadeiramente e que os seus ativos não tinham sido liquidados. Com efeito, segundo a Comissão, as informações prestadas pelo Reino de Espanha revelavam que as atividades da Indosa prosseguiam por intermédio da sua filial a 100%, a saber, a Compañía de Menaje Doméstico SL (a seguir «CMD»), que tinha sido constituída pelo administrador da insolvência da Indosa para comercializar os produtos daquela empresa e para a qual tinham sido transferidos todos os ativos desta última, bem como o seu pessoal. Por considerar que os ativos da Indosa não tinham sido transferidos através de um processo aberto e transparente, a Comissão concluiu que a CMD prosseguia a atividade subvencionada e que, por consequência, os auxílios em causa deviam ser recuperados junto da CMD.

32

O Reino de Espanha respondeu com uma série de ofícios, incluindo os de 8 de outubro e 13 de novembro de 2008, bem como de 24 de julho e 25 de agosto de 2009, dos quais resulta que a CMD se tinha declarado insolvente em 30 de junho de 2008 e que os seus administradores judiciais tinham apresentado um pedido de rescisão coletiva dos contratos de trabalho de todo o pessoal, que foi aceite pelo órgão jurisdicional nacional competente.

33

Por cartas de 18 de agosto, 7 e 21 de setembro de 2009, a Comissão pediu um calendário detalhado com indicação da data exata da cessação das atividades da CMD e informações mais amplas sobre o procedimento de cessão dos seus ativos, incluindo a prova de que essa cessão tinha sido efetuada em condições de mercado. Pediu também ao Reino de Espanha que fornecesse provas suscetíveis de demonstrar que os auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum estavam inscritos no passivo da CMD como dívidas da massa insolvente.

34

Por ofícios de 21 de setembro, 13 e 21 de outubro de 2009, o Reino de Espanha respondeu, no essencial, que a CMD tinha cessado as suas atividades em 30 de julho de 2009, mas não forneceu à Comissão o calendário detalhado que esta tinha pedido.

35

Em 3 de setembro de 2009, antigos trabalhadores da CMD constituíram uma sociedade de responsabilidade limitada com participação dos trabalhadores, denominada Euskomenaje 1870 SLL (a seguir «Euskomenaje»), cuja atividade consiste no fabrico e na comercialização de utensílios de cozinha e pequenos aparelhos elétricos. Segundo o Reino de Espanha, a Euskomenaje foi autorizada a exercer uma «atividade provisória» a fim de garantir a manutenção das instalações industriais e assumir os custos fixos e, desta forma, reduzir a massa insolvente no âmbito do processo de insolvência da CMD.

36

Na sequência da autorização da constituição da referida sociedade, os administradores da insolvência da CMD autorizaram a cessão provisória dos ativos desta à Euskomenaje, até à conclusão do processo de liquidação da CMD.

37

A Comissão reagiu, então, da forma seguinte.

38

Por um lado, intentou a presente ação, que tem por objeto a inexecução pelo Reino de Espanha da Decisão 1999/505 no que respeita à Indosa.

39

Por outro lado, iniciou contra o Reino de Espanha o procedimento previsto no artigo 228.o CE (atual artigo 260.o TFUE), com o envio, em 23 de novembro de 2009, de uma notificação para cumprir em que acusava o referido Estado-Membro de não ter dado seguimento ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, na parte que respeita à Decisão 91/1 e no tocante à Indosa.

Desenvolvimentos após a propositura da presente ação no Tribunal de Justiça

40

O procedimento por inexecução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento por um Estado-Membro do direito da União, referido do número anterior, deu origem ao acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C-610/10).

41

Resulta desse último acórdão que, em 26 de janeiro de 2010, o Reino de Espanha informou a Comissão de que a Indosa e a CMD estavam em fase liquidação e tinham cessado as suas atividades.

42

Por ofícios de 2 e 9 de junho de 2010, o Reino de Espanha indicou, designadamente, que a Comunidade Autónoma do País Basco não figurava na lista de credores da CMD relativamente aos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum pela Decisão 91/1, mas iria participar no processo de insolvência desta sociedade, pedindo que o crédito relativo aos referidos auxílios fosse inscrito na tabela de créditos.

43

Por ofício de 7 de julho de 2010, o Reino de Espanha transmitiu à Comissão o plano de liquidação da CMD e o despacho do órgão jurisdicional nacional competente de 22 de junho de 2010 que aprovou esse plano. Este prevê que a totalidade dos ativos da CMD deve ser vendida aos seus credores, que são, principalmente, os respetivos trabalhadores, mediante uma compensação parcial dos seus créditos, a não ser que seja apresentada uma melhor oferta no prazo de quinze dias a contar da publicação desse plano. No entanto, resulta do referido plano que os auxílios ilegais em causa não figuram entre os créditos reconhecidos.

44

Em 3 de dezembro de 2010, a Comunidade Autónoma do País Basco apresentou um pedido de inscrição, na tabela de créditos, no âmbito do processo de insolvência da CMD, do crédito relativo à restituição dos auxílios concedidos à Indosa e declarados ilegais pela Decisão 91/1. Como o crédito declarado a este título era de cerca de 16,5 milhões de euros, montante muito inferior à totalidade dos auxílios em causa, a referida Comunidade Autónoma corrigiu-o diversas vezes, até ficar, segundo a última declaração de 7 de dezembro de 2011, em 22683745 euros, montante que corresponde à estimativa do crédito em causa efetuada pela Comissão.

45

Por despacho de 12 de janeiro de 2011, o Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Bilbao (Espanha) ordenou a cessação da atividade da CMD e o encerramento dos seus estabelecimentos.

46

Em 3 de março de 2011, a Comunidade Autónoma do País Basco apresentou ao referido órgão jurisdicional um pedido destinado a obter a cessação da atividade da Euskomenaje, que se desenvolvia nas instalações da CMD.

47

Em 10 de março de 2011, a referida Comunidade Autónoma recorreu do despacho de 22 de junho de 2010, mencionado no n.o 43 do presente acórdão, que aprovou o plano de liquidação da CMD.

48

Por despacho de 16 de janeiro de 2012, a Audiencia Provincial de Bizkaia (Espanha) anulou o referido despacho e ordenou a liquidação dos ativos da CMD em condições de concorrência livre, transparente e aberta a terceiros.

49

Por despacho de 4 de abril de 2012 do Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Bilbao, foi inscrito no passivo da CMD um crédito de 22683745 euros a favor da Comunidade Autónoma do País Basco.

Quanto à ação

50

Por requerimento separado apresentado em 4 de março de 2010 na Secretaria do Tribunal de Justiça, o Reino de Espanha opôs à ação da Comissão uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 91.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na sua redação aplicável à referida data. Em 31 de agosto de 2010, o Tribunal de Justiça decidiu juntar essa exceção ao mérito da causa e examiná-los em simultâneo.

Quanto à exceção de inadmissibilidade

Argumentos das partes

51

O Reino de Espanha invoca a inadmissibilidade da presente ação, com o fundamento de que a mesma colide com o princípio da força de caso julgado inerente ao acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido.

52

A este respeito, considera que estão reunidas as três condições exigidas pelo Tribunal de Justiça para se poder admitir a exceção de força de caso julgado, a saber, a identidade das partes, do objeto e da causa. Com efeito, a ação opõe as mesmas partes, isto é, a Comissão e o Reino de Espanha, o objeto é idêntico nos dois processos, na medida em que se trata da Decisão 1999/509, e a causa é a mesma, uma vez que a ação que deu origem ao referido acórdão Comissão/Espanha se baseou no artigo 88.o, n.o 2, CE, disposição que corresponde atualmente ao artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

53

Segundo o Reino de Espanha, dado que, no acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu, no essencial, que o Reino de Espanha deu cumprimento às obrigações que lhe incumbiam por força da referida decisão, a presente ação deve ser julgada inadmissível, porquanto tem por objeto uma questão sobre a qual o Tribunal já se pronunciou. Com efeito, no n.o 43 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça limitou-se a declarar, no que respeita à Indosa, uma violação por aquele Estado-Membro da obrigação de informar a Comissão das medidas já tomadas e das que seriam tomadas para recuperar os auxílios concedidos àquela empresa. Resulta dos n.os 40, 44 e 46 do mesmo acórdão que a ação intentada por aquela instituição foi, ao invés, julgada improcedente na parte em que o Reino de Espanha era acusado de não ter tomado as medidas necessárias para recuperar os auxílios concedidos à Indosa, e isso, segundo os n.os 33 e 35 do acórdão acima mencionado, com o fundamento de que a assembleia dos credores decidira proceder à liquidação dessa sociedade.

54

No que se refere à obrigação de informar a Comissão das medidas adotadas para a execução da Decisão 1999/509 no prazo nela fixado, o Reino de Espanha acrescenta que resulta do n.o 42 do acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido, que, em conformidade com o artigo 3.o da mesma decisão, esse prazo expirou em 29 de dezembro de 1998, pelo que atualmente já não é possível cumprir essa obrigação.

55

A Comissão pede que seja julgada improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Reino de Espanha.

56

A este respeito, aquela instituição alega que é jurisprudência assente que, no âmbito de uma ação por incumprimento, a força de caso julgado abrange apenas os elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente objeto de um acórdão do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 12 de junho de 2008, Comissão/Portugal, C-462/05, Colet., p. I-4183, n.o 23, e de 29 de junho de 2010, Comissão/Luxemburgo, C-526/08, Colet., p. I-6180, n.o 27).

57

Mais precisamente, em conformidade com essa mesma jurisprudência, em caso de alteração das circunstâncias do caso concreto, compete à Comissão determinar se essa alteração constitui uma mudança fundamental da premissa em que o Tribunal de Justiça baseou o seu acórdão anterior e, na afirmativa, a Comissão pode intentar uma nova ação.

58

Ora, segundo a Comissão, é precisamente esse o caso no processo em apreço.

59

Com efeito, no n.o 33 do acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido, o Tribunal de Justiça baseou-se na premissa de que «[se realizou] uma assembleia de credores em 4 de julho de 2000 para decidir a continuação ou a cessação das atividades da Indosa, tendo sido acordada a liquidação da empresa no prazo de quatro meses».

60

No entanto, posteriormente, verificou-se que, contrariamente ao que havia sido acordado na referida assembleia de credores, a Indosa não foi liquidada, mas as suas atividades foram prosseguidas, num primeiro momento, diretamente pela própria Indosa, depois, num segundo momento, por intermédio da CMD, que é filial da Indosa.

61

Por conseguinte, as premissas factuais essenciais em que se baseou o acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido, não se verificaram. A Comissão sustenta que os factos mencionados no número anterior constituem, na verdade, elementos novos, que não foram considerados naquele acórdão, de forma que o objeto do presente litígio difere do objeto do processo que deu origem ao referido acórdão.

62

Por outro lado, a Comissão não poderia ter intentado no Tribunal de Justiça uma ação contra o Reino de Espanha em aplicação do artigo 260.o, n.o 2, TFUE, na medida em que, à época, o Tribunal de Justiça ainda não tinha declarado o incumprimento, por parte desse Estado-Membro, da obrigação de recuperação dos auxílios ilegais concedidos à Indosa, conforme consagrada na Decisão 1999/509.

63

A Comissão acrescenta que, se o Tribunal de Justiça acolhesse a exceção de inadmissibilidade, ficaria privada dos instrumentos que o Tratado FUE coloca à sua disposição para obrigar um Estado-Membro a dar cumprimento a uma decisão tomada para corrigir uma distorção da concorrência causada por auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum. Deste modo, a tese preconizada pelo Reino de Espanha privaria de toda a eficácia quer a regulamentação relativa ao controlo dos auxílios de Estado quer a decisão que declarou a ilegalidade dos auxílios em causa no presente processo.

Apreciação do Tribunal

64

Em primeiro lugar, importa recordar a importância que reveste, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas dos Estados-Membros, o princípio da força de caso julgado (v. acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n.o 26 e jurisprudência referida).

65

Como o Tribunal de Justiça já declarou, este princípio é igualmente aplicável às ações por incumprimento (acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n.o 27).

66

Decorre de jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça que a força de caso julgado abrange apenas os elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente objeto da decisão judicial em causa (acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n.o 27 e jurisprudência referida).

67

Para determinar se a Comissão infringiu o princípio da força de caso julgado ao intentar a presente ação, há que analisar se, tendo em conta o quadro factual e jurídico dos dois processos em causa, existe, no essencial, uma identidade de facto e de direito entre o presente processo e o que deu origem ao acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido (v. acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n.o 28).

68

Mais concretamente, trata-se de apreciar se o objeto do presente litígio é o mesmo do que deu origem ao referido acórdão Comissão/Espanha (v., neste sentido, acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 27).

69

Em segundo lugar, cumpre sublinhar que o meio processual previsto no artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE não é mais do que uma variante da ação por incumprimento, adaptada especialmente aos problemas específicos que os auxílios estatais apresentam para a concorrência no mercado interno (v. acórdão de 3 de julho de 2001, Comissão/Bélgica, C-378/98, Colet., p. I-5107, n.o 24 e jurisprudência referida).

70

No âmbito dos processos intentados em aplicação do artigo 258.o TFUE, o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro, tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, e que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração (v., designadamente, acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.o 25).

71

Resulta também de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a data pertinente para a apreciação de um incumprimento nos termos do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE é, em princípio, a que foi fixada na decisão da Comissão cuja inexecução é contestada, uma vez que a referida disposição, ao contrário do artigo 258.o TFUE, não prevê uma fase pré-contenciosa, pelo que a Comissão não emite um parecer fundamentado que impõe ao Estado-Membro em causa um prazo para dar cumprimento ao direito da União (v., designadamente, acórdãos de 14 de abril de 2011, Comissão/Polónia, C-331/09, Colet., p. I-2933, n.o 50 e jurisprudência referida; de 1 de março de 2012, Comissão/Grécia, C-354/10, n.o 61, e de 28 de junho de 2012, Comissão/Grécia, C-485/10, n.o 31).

72

No que respeita ao prazo estabelecido no processo em apreço, o artigo 3.o da Decisão 1999/509 fixa um prazo de dois meses, a contar da data da sua notificação, para o Reino de Espanha informar a Comissão das medidas adotadas para dar cumprimento a essa decisão.

73

Uma vez que o Reino de Espanha foi notificado da referida decisão em 29 de outubro de 1998, o prazo de dois meses enunciado no seu artigo 3.o expirou, portanto, em 29 de dezembro seguinte.

74

No entanto, como foi dito no n.o 28 do presente acórdão, no caso em apreço, há que observar que, no âmbito das longas conversações que tiveram lugar entre as partes sobre a recuperação dos auxílios em causa, a Comissão, na sua carta de 16 de dezembro de 2005, fixou um novo prazo, que expirou em 25 de janeiro de 2006, para que o referido Estado-Membro desse cumprimento às suas obrigações decorrentes da Decisão 1999/509.

75

Por conseguinte, há que considerar que o prazo fixado no artigo 3.o da referida decisão foi substituído pelo prazo resultante da carta de 16 de dezembro de 2005, pelo que é este último prazo que é pertinente para a apreciação do incumprimento alegado pela Comissão no presente processo (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Bélgica, n.o 28; Comissão/Polónia, n.o 50; e de 28 de junho de 2012, Comissão/Grécia, n.o 31).

76

Daqui decorre que, para efeitos da apreciação do incumprimento alegado no âmbito do presente processo, o Tribunal de Justiça deve examinar a situação de facto e de direito tal como se apresentava em 25 de janeiro de 2006 e que, por conseguinte, a data pertinente neste caso é muito posterior à data da prolação do acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido.

77

Nestas condições, não se pode sustentar validamente que o presente litígio e o que deu origem ao referido acórdão Comissão/Espanha têm o mesmo objeto.

78

Ora, como recordado nos n.os 67 e 68 do presente acórdão, a identidade do objeto dos dois processos em causa, no sentido de que assentam na mesma situação de facto e de direito, constitui uma das condições necessárias para que se possa reconhecer força de caso julgado à primeira decisão judicial relativamente ao presente processo.

79

Consequentemente, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Reino de Espanha com fundamento na força de caso julgado inerente ao acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

80

A Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter tomado as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão 1999/509 no que respeita à recuperação dos auxílios ilegais concedidos à Indosa.

81

Com efeito, embora a referida empresa tenha sido declarada insolvente em 1994, aqueles auxílios não foram recuperados junto da mesma nem inscritos como dívidas na massa insolvente desta empresa.

82

Além disso, apesar da declaração de insolvência da Indosa, as atividades desta sociedade foram prosseguidas, num primeiro momento, pela própria Indosa, depois, num segundo momento, pela sua filial a 100%, a saber, a CMD. Acresce que a transferência dos ativos da Indosa para a CMD foi efetuada de forma não transparente e sem abertura à concorrência.

83

No que se refere à CMD, sociedade que, posteriormente, foi igualmente declarada insolvente, a Comissão considera que as autoridades espanholas também não procederam à recuperação dos auxílios ilegais em causa junto desta empresa nem inscreveram o crédito relativo à restituição desses auxílios na tabela de créditos, no âmbito do processo de insolvência da mesma empresa.

84

Além disso, posteriormente à cessação das atividades da CMD, manteve-se a vantagem concorrencial resultante do benefício dos auxílios ilegais a favor da Euskomenaje, uma empresa constituída por antigos trabalhadores da CMD para continuar a atividade exercida até então por esta última. Tudo isto leva a considerar que esta operação serviu, mais uma vez, para contornar as obrigações decorrentes da liquidação da empresa beneficiária dos auxílios ilegais, uma vez que a transferência dos ativos da CMD para a Euskomenaje foi feita sem publicidade e sem nenhuma contrapartida.

85

Pelo contrário, o Reino de Espanha considera que tomou todas as medidas ao seu alcance para garantir a execução da Decisão 1999/509.

86

A este propósito, em primeiro lugar, no que respeita à inscrição do crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa no âmbito do processo de insolvência da CMD, esse Estado-Membro alega, no essencial, que a Comunidade Autónoma do País Basco tomou uma série de medidas para esse efeito.

87

Em segundo lugar, quanto à cessação da atividade subvencionada, o Reino de Espanha admite que a mesma prosseguiu nas instalações da CMD por intermédio da Euskomenaje. No entanto, esse Estado-Membro considera que tomou as medidas necessárias para pôr termo a essa atividade.

88

Em terceiro lugar, no que respeita às vendas dos ativos da CMD, o Reino de Espanha considera, reportando-se ao acórdão de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália (C-496/09, Colet., p. I-11483), que, para efeitos de execução de uma obrigação de recuperação de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado comum, basta que o crédito relativo à restituição dos auxílios em questão seja inscrito na tabela de créditos, pelo que já não é exigida a venda dos ativos do beneficiário desse auxílio a preços de mercado.

89

Por último, o Reino de Espanha sustenta que os credores públicos não puderam acelerar a liquidação da CMD, que se desenrolou sob a supervisão de um juiz e segundo o procedimento previsto na legislação nacional aplicável. Diversas dificuldades independentes da vontade do Reino de Espanha explicam os atrasos nesta operação de liquidação. A não recuperação dos auxílios concedidos deve-se ao facto de as empresas em causa estarem em situação de insolvência.

Apreciação do Tribunal

90

A título preliminar, cumpre recordar, como o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente, que a supressão de um auxílio ilegal através da sua recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade (v., designadamente, acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.o 54 e jurisprudência referida).

91

Por conseguinte, o Estado-Membro destinatário de uma decisão que o obrigue a recuperar os auxílios ilegais deve, por força do artigo 288.o TFUE, tomar todas as medidas adequadas para garantir o cumprimento da referida decisão. Deve obter uma recuperação efetiva dos montantes devidos por forma a eliminar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial proporcionada pelo auxílio ilegal (v. acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.os 55 e 56).

92

Por força do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, a recuperação do auxílio declarado ilegal e incompatível por uma decisão da Comissão deve, como resulta igualmente do considerando 13 desse regulamento, ser efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da referida decisão, devendo esta condição refletir as exigências do princípio da efetividade consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdãos Comissão/Polónia, já referido, n.o 59, e de 29 de março de 2012, Comissão/Itália, C-243/10, n.o 36).

93

Por conseguinte, para apreciar o mérito da presente ação, importa verificar se os montantes dos auxílios ilegais em causa foram restituídos pela empresa beneficiária dos mesmos no prazo estabelecido.

94

Note-se desde já que o litígio submetido ao Tribunal de Justiça tem unicamente por objeto os auxílios concedidos à Indosa e declarados incompatíveis com o mercado comum pela Decisão 1999/509.

95

A este respeito, cumpre recordar que, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a data de referência para aplicação do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE é a que foi prevista na decisão cuja inexecução é contestada ou, se aplicável, aquela que a Comissão fixou posteriormente (v., designadamente, acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Grécia, já referido, n.o 31).

96

Como já dito nos n.os 74 a 76 do presente acórdão, a data pertinente no caso em apreço é a da expiração do prazo fixado pela Comissão na sua carta de 16 de dezembro de 2005, ou seja, 25 de janeiro de 2006.

97

Ora, no processo em apreço, é pacífico que, nesta última data, os auxílios ilegais de que a Indosa beneficiou não tinham sido recuperados junto desta empresa. Além disso, no que diz respeito à mesma empresa, não se pode deixar de observar que, até à data da audiência no presente processo, não foi recuperada nenhuma quantia visada pela Decisão 1999/509.

98

Esta situação é manifestamente incompatível com a obrigação do Estado-Membro em causa de obter a recuperação efetiva das quantias devidas e constitui uma violação manifesta do dever de execução imediata e efetiva da referida decisão.

99

É também jurisprudência assente que o único meio de defesa suscetível de ser invocado por um Estado-Membro no quadro de uma ação por incumprimento intentada pela Comissão nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE é a impossibilidade absoluta de executar corretamente a decisão daquela instituição que ordena a recuperação do auxílio em questão (v., designadamente, acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.o 69 e jurisprudência referida).

100

Ora, no presente processo, o Reino de Espanha nem sequer alegou essa impossibilidade absoluta de execução.

101

Em qualquer caso, importa recordar que, por um lado, a condição relativa à existência de uma impossibilidade absoluta não se verifica quando o Estado-Membro demandado se limita a invocar as dificuldades jurídicas, políticas ou práticas com que se confronta para aplicar a decisão em questão, sem efetuar verdadeiras diligências junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de aplicação dessa decisão que tivessem permitido superar essas dificuldades, e que, por outro lado, problemas internos alegadamente encontrados durante a execução da decisão da Comissão não podem justificar que esse Estado-Membro não respeite as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União (v. acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.os 70 e 72).

102

Nestas condições, as explicações prestadas pelo referido Estado-Membro em sua defesa, que se baseiam em alegadas dificuldades de ordem interna, não podem, em nenhum caso, ser admitidas para justificar a inexecução da Decisão 1999/509.

103

Quanto à circunstância, invocada pelo Reino de Espanha, de que a Indosa e a CMD, que lhe sucedeu, foram declaradas insolventes e que a recuperação dos auxílios em causa se tornou impossível por falta de ativos, há que observar que, quando devam ser recuperados auxílios ilegalmente pagos junto de uma empresa em estado de insolvência ou sujeita a um processo de insolvência cujo objeto é proceder à realização do ativo e ao apuramento do passivo, o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que o facto de essa empresa estar em dificuldade ou em situação de insolvência não afeta a obrigação de recuperação (v. acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, já referido, n.o 71 e jurisprudência referida).

104

É igualmente jurisprudência assente que a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante dos auxílios ilegalmente pagos podem, em princípio, realizar-se mediante a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa (v. acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, já referido, n.o 72 e jurisprudência referida).

105

No caso em apreço, é ponto assente que, na data pertinente de 25 de janeiro de 2006, os auxílios ilegais em causa não tinham sido objeto dessa inscrição.

106

Além disso, tendo em conta as particularidades do presente processo e os argumentos apresentados pelas partes, cumpre precisar que, contrariamente ao que alega o Reino de Espanha, mesmo que a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo aos auxílios em causa tivesse sido realizada no prazo estabelecido, o cumprimento dessa formalidade não seria, por si só, suficiente para satisfazer a obrigação de execução da Decisão 1999/509 e eliminar a distorção da concorrência criada pelo benefício desses auxílios.

107

Com efeito, como o Tribunal de Justiça já decidiu reiteradamente, a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios em questão só permite satisfazer a obrigação de recuperação se, no caso de as autoridades estatais não poderem recuperar a totalidade do montante dos auxílios, o processo de insolvência conduzir à liquidação da empresa beneficiária dos auxílios ilegais, isto é, à cessação definitiva da sua atividade (acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, já referido, n.o 104 e jurisprudência referida).

108

No entanto, neste caso, constata-se que a Indosa não só ainda não tinha sido liquidada em 25 de janeiro de 2006 como também prosseguiu as suas atividades através da CMD e, mais tarde, da Euskomenaje.

109

Ora, a partir do momento em que a empresa beneficiária dos auxílios ilegais está insolvente e que foi constituída uma nova sociedade para prosseguir as atividades dessa empresa insolvente, a prossecução dessa atividade, sem os auxílios em questão terem sido integralmente recuperados, é suscetível de fazer perdurar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial de que essa sociedade gozou no mercado em relação aos seus concorrentes. Assim, essa sociedade constituída de novo pode ser obrigada a reembolsar os auxílios em causa, se essa vantagem persistir a seu favor. É, designadamente, o que acontece quando se prove que essa sociedade mantém o gozo efetivo da vantagem concorrencial associada ao benefício desses auxílios, em particular, quando a mesma procede à aquisição dos ativos da sociedade em liquidação, sem pagar, em contrapartida, um preço conforme com as condições de mercado, ou quando se demonstre que a constituição dessa sociedade teve por efeito contornar a obrigação de restituição dos referidos auxílios. Isto é válido, em particular, quando o pagamento de um preço conforme com as condições de mercado não é suficiente para anular a vantagem concorrencial correspondente ao benefício dos auxílios ilegais. De resto, as considerações que precedem não são de modo algum prejudicadas pelo acórdão de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália, já referido, invocado pelo Reino de Espanha (acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, já referido n.os 106 e 108).

110

A este respeito, importa sublinhar que, no caso em apreço, o Reino de Espanha não adotou, no prazo estabelecido, nenhuma medida suscetível de garantir a recuperação dos auxílios ilegais em causa.

111

Assim, por um lado, a Comunidade Autónoma do País Basco só em 3 de dezembro de 2010 é que apresentou um pedido de inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais, no âmbito do processo de insolvência da CMD. Além disso, como resulta dos n.os 23 e 73 do acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, já referido, o crédito declarado nesse contexto dizia respeito aos auxílios declarados ilegais pela Decisão 91/1, ao passo que o presente litígio tem por objeto os auxílios abrangidos pela Decisão 1999/509.

112

Por outro lado, só em 3 de março de 2011 é que a referida Comunidade Autónoma apresentou, no Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Bilbao, um pedido destinado a obter a cessação da atividade da Euskomenaje que se desenvolvia nas instalações da CMD.

113

Por conseguinte, tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o Reino de Espanha não pode validamente alegar ter executado a Decisão 1999/509, pelo que a ação intentada pela Comissão deve ser julgada procedente na íntegra.

114

Consequentemente, cumpre declarar que, não tendo adotado, no prazo estabelecido, as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão 1999/509 no que respeita à Indosa, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 288.°, quarto parágrafo, TFUE e 2.° e 3.° da referida decisão.

Quanto às despesas

115

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

Não tendo adotado, no prazo estabelecido, as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão 1999/509/CE da Comissão, de 14 de outubro de 1998, relativa aos auxílios concedidos pela Espanha às empresas do grupo Magefesa e seus sucessores, no que respeita à empresa Industrias Domésticas SA, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 288.°, quarto parágrafo, TFUE e 2.° e 3.° da referida decisão.

 

2)

O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.