Processos apensos C‑483/09 e C‑1/10

Processos penais

contra

Magatte Gueye

e

Valentín Salmerón Sánchez

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Audiencia provincial de Tarragona)

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Decisão‑Quadro 2001/220/JAI – Estatuto das vítimas no âmbito de processos penais – Crimes cometidos no seio da família – Obrigação de impor uma pena acessória de afastamento que proíbe o condenado de se aproximar da vítima – Escolha dos tipos e do nível das penas – Compatibilidade com os artigos 2.°, 3.° e 8.° da referida decisão‑quadro – Disposição nacional que exclui a mediação penal – Compatibilidade com o artigo 10.° da mesma decisão‑quadro»

Sumário do acórdão

1.        União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Estatuto das vítimas no âmbito de processos penais – Decisão‑Quadro 2001/220 – Papel da vítima no processo

(Decisão‑Quadro 2001/220 do Conselho, artigos 2.°, 3.° e 8.°)

2.        União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Estatuto das vítimas no âmbito de processos penais – Decisão‑Quadro 2001/220 – Obrigação de promover a mediação – Alcance

(Decisão‑Quadro 2001/220 do Conselho, artigo 10.°, n.° 1)

1.        Os artigos 2.°, 3.° e 8.° da Decisão‑Quadro 2001/220, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma sanção obrigatória de afastamento com uma duração mínima, prevista pelo direito penal de um Estado‑Membro a título de pena acessória, seja pronunciada contra os autores de violências cometidas no seio da família, mesmo que as vítimas dessas violências contestem a aplicação de tal sanção.

Com efeito, por um lado, no que diz respeito às obrigações enunciadas no artigo 2.°, n.° 1, da decisão‑quadro destinam‑se a garantir que a vítima possa, efectivamente, participar de modo adequado no processo penal, o que não implica que uma medida obrigatória de afastamento como a que está em causa no processo principal não possa ser proferida contra a opinião da vítima. Por outro lado, este direito processual de ser ouvido na acepção do artigo 3.°, primeiro parágrafo, da decisão‑quadro não confere às vítimas nenhum direito quanto à escolha dos tipos de penas nem quanto ao nível dessas penas. A protecção penal contra os actos de violência doméstica, visa proteger não só os interesses da vítima mas igualmente outros interesses mais gerais da sociedade. Por último, a protecção que está em causa no referido artigo 8.° visa nomeadamente proteger de modo «adequado» a vítima contra o autor da infracção, durante o processo penal. Não pode ser entendido no sentido de que os Estados‑Membros são igualmente obrigados a proteger as vítimas contra os efeitos indirectos que as penas aplicadas pelo juiz nacional produziriam numa fase posterior.

Por outro lado, a obrigação de pronunciar uma medida de afastamento em conformidade com o direito material em causa não entra no âmbito de aplicação da decisão‑quadro.

(cf. n.os 56, 60‑61, 66‑67, 69‑70, disp. 1)

2.        O artigo 10.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2001/220 deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros, tendo em conta a categoria especial de infracções cometidas no seio da família, excluir o recurso à mediação em todos os processos penais relativos a essas infracções.

A este respeito, além da circunstância de o artigo 34.°, n.° 2, UE deixar às autoridades nacionais a competência quanto à forma e aos meios necessários para alcançar o resultado pretendido pelas decisões‑quadro, o artigo 10.°, n.° 1, da decisão‑quadro limita‑se a impor aos Estados‑Membros que envidem esforços para promover a mediação em relação às infracções que considerem adequadas, pelo que a apreciação quanto à escolha das infracções em relação às quais é permitida a mediação cabe aos Estados‑Membros.

(cf. n.os 72, 76, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

15 de Setembro de 2011 (*)

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Decisão‑Quadro 2001/220/JAI – Estatuto das vítimas no âmbito de processos penais – Crimes cometidos no seio da família – Obrigação de impor uma pena acessória de afastamento que proíbe o condenado de se aproximar da vítima – Escolha dos tipos e do nível das penas – Compatibilidade com os artigos 2.°, 3.° e 8.° da referida decisão‑quadro – Disposição nacional que exclui a mediação penal – Compatibilidade com o artigo 10.° da mesma decisão‑quadro»

Nos processos apensos C‑483/09 e C‑1/10,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial ao abrigo do artigo 35.° UE, apresentados pela Audiencia Provincial de Tarragona (Espanha) por decisões, uma de 15 de Setembro de 2009, alterada pela decisão de 8 de Outubro seguinte, e outra de 18 de Dezembro de 2009, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 30 de Novembro de 2009 e 4 de Janeiro de 2010, nos processos penais contra

Magatte Gueye (C‑483/09),

na presença de:

X,

e

Valentín Salmerón Sánchez (C‑1/10),

na presença de:

Y,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, L. Bay Larsen (relator), A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Março de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e S. Unzeitig, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili e L. Ventrella, avvocati dello Stato,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e M. de Ree, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo sueco, por C. Meyer‑Seitz e S. Johannesson, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker e J. Stratford, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de Maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        Os dois pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação dos artigos 2.°, 8.° e 10.° da Decisão‑Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal (JO L 82, p. 1, a seguir «decisão‑quadro»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos penais instaurados, respectivamente, contra M. Gueye e Salmerón Sánchez, por infracção à proibição, pronunciada a título de pena acessória, de se aproximarem da respectiva vítima feminina que sofreu maus tratos no seio da família, os quais, aliás, originaram as sanções que lhes foram aplicadas a título principal.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        A decisão‑quadro foi adoptada com fundamento, designadamente, no artigo 31.°, n.° 1, UE, o qual prevê, na alínea c), que a acção comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal visa, designadamente, assegurar, na medida do necessário, a compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados‑Membros.

4        Resulta do terceiro considerando da decisão‑quadro que o Conselho Europeu de Tampere (Finlândia), na sua reunião de 15 e 16 de Outubro de 1999, previu o estabelecimento de normas mínimas para a protecção das vítimas da criminalidade, designadamente no que diz respeito ao acesso dessas vítimas à justiça e ao seu direito a reparação.

5        O quarto, oitavo e nono considerandos da decisão‑quadro estão redigidos nos seguintes termos:

«(4)      Os Estados‑Membros devem aproximar as suas disposições legislativas e regulamentares na medida do necessário para realizar o objectivo de garantir um nível elevado de protecção às vítimas do crime, independentemente do Estado‑Membro em que se encontrem.

[…]

(8)       É necessário aproximar as regras e práticas relativas ao estatuto e aos principais direitos da vítima, com particular relevo para o direito de ser tratada com respeito pela sua dignidade, o seu direito a informar e a ser informada, o direito a compreender e ser compreendida, o direito a ser protegida nas várias fases do processo […]

(9)      O disposto na presente decisão‑quadro não impõe, porém, aos Estados‑Membros a obrigação de garantir às vítimas um tratamento equivalente ao de parte no processo.»

6        Nos termos do artigo 1.° da decisão‑quadro, para efeitos desta, entende‑se por:

«a)      ‘vítima’: a pessoa singular que sofreu um dano […] directamente causad[o] por acções ou omissões que infrinjam a legislação penal de um Estado‑Membro;

[…]

c)      ‘processo penal’: o processo penal na acepção da legislação nacional aplicável;

[…]

e)      ‘mediação em processos penais’: a tentativa de encontrar, antes ou durante o processo penal, uma solução negociada entre a vítima e o autor da infracção, mediada por uma pessoa competente.»

7        O artigo 2.° da decisão‑quadro, epigrafado «Respeito e reconhecimento», dispõe, no seu n.° 1:

«Cada Estado‑Membro assegura às vítimas um papel real e adequado na sua ordem jurídica penal. Cada Estado‑Membro continua a envidar esforços no sentido de assegurar que, durante o processo, as vítimas sejam tratadas com respeito pela sua dignidade pessoal e reconhece os direitos e interesses legítimos da vítima, em especial no âmbito do processo penal.»

8        O artigo 3.° da decisão‑quadro, epigrafado «Audição e apresentação de provas», dispõe, no seu primeiro parágrafo, que «[c]ada Estado‑Membro garante à vítima a possibilidade de ser ouvida durante o processo e de fornecer elementos de prova».

9        O artigo 8.° da decisão‑quadro, epigrafado «Direito à protecção», prevê:

«1.      Cada Estado‑Membro assegura um nível adequado de protecção às vítimas de crime e, se for caso disso, às suas famílias […], nomeadamente no que respeita à segurança e protecção da vida privada, sempre que as autoridades competentes considerem que existe uma ameaça séria de actos de vingança ou fortes indícios de que essa privacidade poderá ser grave e intencionalmente perturbada.

2.      Para o efeito, e sem prejuízo no n.° 4, cada Estado‑Membro garante a possibilidade de adoptar, se necessário, no âmbito de um processo judicial, medidas adequadas de protecção da privacidade e da imagem da vítima, da sua família ou de pessoas em situação equiparada.

3.      Cada Estado‑Membro garante igualmente que o contacto entre vítimas e arguidos nos edifícios dos tribunais pode ser evitado, a não ser que o processo penal o imponha. Quando necessário para aquele efeito, cada Estado‑Membro providencia que os edifícios dos tribunais sejam progressivamente providos de espaços de espera próprios para as vítimas.

4.      Quando for necessário proteger as vítimas, designadamente as mais vulneráveis, dos efeitos do seu depoimento em audiência pública, cada Estado‑Membro assegura o direito de a vítima poder beneficiar, por decisão judicial, de condições de depoimento que permitam atingir esse objectivo por qualquer meio compatível com os seus princípios jurídicos fundamentais.»

10      Por último, segundo o artigo 10.°, n.° 1, da decisão‑quadro, «[c]ada Estado‑Membro esforça‑se por promover a mediação nos processos penais relativos a infracções que considere adequadas para este tipo de medida.»

 Regulamentação nacional

11      O Código Penal, na versão resultante da Lei Orgânica 15/2003, que altera a Lei Orgânica 10/1995 (Ley Orgánica 15/2003 por la que se modifica la Ley Orgánica 10/1995), de 25 de Novembro de 2003 (BOE n.° 283, de 26 de Novembro de 2003, p. 41842, a seguir «Código Penal»), comporta um artigo 48.°, que determina, no seu n.° 2, os efeitos de uma pena acessória de afastamento que proíbe o condenado de se aproximar, designadamente, da sua vítima.

12      O artigo 57.° do Código Penal precisa, nos seguintes termos, os casos e as condições em que uma ou várias proibições previstas no referido artigo 48.° podem (n.° 1) ou devem (n.° 2) , respectivamente, ser impostas:

«1.      Para os crimes de homicídio, de aborto, de lesão, contra a liberdade, de tortura e contra a integridade moral, a liberdade sexual, a intimidade, o direito à imagem pessoal e à inviolabilidade do domicílio […], os juízes ou os tribunais podem prever, nas decisões que proferirem, tendo em conta a gravidade dos factos ou o perigo que representa o autor dos factos, uma ou várias das proibições previstas no artigo 48.° […]

[…]

2.      No que diz respeito aos crimes referidos no primeiro parágrafo do n.° 1, que tenham sido perpetrados contra aquele que é ou foi o cônjuge, ou contra uma pessoa que está ou esteve ligada ao condenado, mesmo não havendo coabitação, por relação afectiva análoga […], será aplicada, de qualquer modo, a pena prevista no artigo 48.°, n.° 2, [ou seja, a proibição de se aproximar da sua vítima], e isso por um período que não pode exceder dez anos, em caso de crime grave, e cinco anos, tratando‑se de crime menos grave […]»

13      Esta pena de proibição obrigatória é aplicada durante um período que ultrapassa um ano, no mínimo, a duração da pena de prisão aplicada, ou durante um período superior a seis meses e inferior a cinco anos, se a pena aplicada for de outra natureza.

14      A duração mínima fixada em seis meses pode, em certas situações, ser reduzida para um mês, em conformidade com o artigo 40.°, n.° 3, do Código Penal, conjugado com o seu artigo 33.°, n.° 6.

15      O artigo 468.°, n.° 2, do Código Penal, na sua versão alterada pela Lei Orgânica 1/2004, sobre as medidas de protecção integral contra a violência exercida sobre as mulheres (Ley Orgánica 1/2004 de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género), de 28 de Dezembro de 2004 (BOE n.° 313, de 29 de Dezembro de 2004, p. 42166, a seguir «Lei Orgânica 1/2004»), prevê uma pena de prisão de seis meses a um ano para quem não respeite uma das penas previstas no artigo 48.° do Código Penal, infligida por uma infracção penal cuja vítima seja uma das pessoas referidas no artigo 173.°, n.° 2, do Código Penal. Esta última disposição refere, designadamente, o cônjuge ou uma pessoa ligada por laços afectivos análogos, mesmo não havendo coabitação.

16      A Lei Orgânica 6/1985, relativa ao poder judicial (Ley Orgánica 6/1985 del Poder Judicial), na sua versão alterada pela Lei Orgânica 1/2004 (a seguir «Lei Orgânica 6/1985»), prevê, no seu artigo 82.°, n.° 1, que as Audiencias Provinciales são competentes em matéria penal, designadamente, para conhecer «[d]os recursos instituídos pela lei contra as decisões proferidas em matéria penal pelos Juzgados de Violencia sobre la Mujer [juízes competentes em matéria de violência exercida sobre as mulheres] da província».

17      O artigo 87.° ter, n.° 5, da Lei Orgânica 6/1985, introduzido pela Lei Orgânica 1/2004, proíbe a mediação em todos os casos de infracções cometidas no âmbito familiar.

18      Em conformidade com o artigo 792.°, n.° 3, do Código de Processo Penal (Ley de Enjuiciamiento Criminal), não admitem recurso jurisdicional ordinário as decisões que o órgão jurisdicional de reenvio proferir em apelação nos processos que lhe sejam submetidos.

 Processos principais e questões prejudiciais

19      Através de duas decisões proferidas em 2008 pelo Juzgado de lo Penal n° 23 de Barcelona (Secção Penal n.° 23 do Tribunal de Primeira Instância de Barcelona) e, em 2006, pelo Juzgado de Instrucción n° 7 de Violencia sobre la Mujer de El Vendrell (Jurisdição Penal de Primeira Instância n.° 7 d’El Vendrell, secção especializada nos crimes de violência contra as mulheres), M. Gueye e V. Salmerón Sánchez foram condenados por maus tratos infligidos na esfera doméstica, entre outras sanções, a uma pena acessória de proibição de se encontrarem a menos de 1 000 metros e de 500 metros da sua vítima ou de entrarem em contacto com ela, durante um período de 17 meses, no primeiro caso, e de 16 meses, no segundo.

20      Embora tivessem conhecimento dessas proibições aplicadas por força do artigo 57.°, n.° 2, do Código Penal, os dois condenados, relativamente pouco tempo depois de essas penas acessórias terem sido pronunciadas, reataram a vida em comum com as suas vítimas respectivas, a pedido destas. Continuaram a coabitar com elas até serem presos em 3 de Fevereiro de 2009, no caso de M. Gueye, e em 5 de Dezembro de 2007, no caso de V. Salmerón Sánchez.

21      Por decisões proferidas, respectivamente, em 11 de Fevereiro de 2009 e 27 de Março de 2008, o Juzgado de lo Penal n° 1 de Tarragona (Secção Penal n.° 1 do Tribunal de Primeira Instância de Tarragona) condenou M. Gueye e V. Salmerón Sánchez por desrespeito da pena acessória de proibição de se aproximarem da sua vítima, por força do artigo 468.°, n.° 2, do Código Penal.

22      No âmbito dos recursos de apelação interpostos das referidas decisões, o órgão jurisdicional de reenvio ouviu os testemunhos das pessoas que com M. Gueye e V. Salmerón Sánchez mantinham uma relação de casal durante vários anos antes de lhes terem sido aplicadas as sanções, bem como, posteriormente, no momento em que foram presos.

23      Nesses testemunhos, as interessadas declararam que elas próprias, de modo plenamente consciente e voluntário, tinham decidido reatar a coabitação com os condenados, apesar de estes terem sido penalmente punidos pelo facto de as terem agredido anteriormente.

24      Segundo estas pessoas, a coabitação com M. Gueye e V. Salmerón Sánchez decorreu normalmente durante vários meses, até à data em que estes foram presos.

25      Através dos recursos que interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio contra os acórdãos proferidos pelo Juzgado de lo Penal n° 1 de Tarragona, os condenados pretendem que seja declarado que o reatamento da vida em comum livremente consentido pelas suas parceiras não constituiu crime de desrespeito de uma pena acessória de afastamento.

26      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a eventual confirmação das penas infligidas em primeira instância depende da questão de saber se o carácter obrigatório da adopção de medidas de afastamento em caso de crimes de violência familiar, mesmo quando as vítimas se oponham a essas medidas, é compatível com a decisão‑quadro.

27      Segundo o referido órgão jurisdicional, é incontestável que, em certas situações, essas medidas de afastamento podem ser impostas, mesmo contra a vontade das vítimas. Considera, no entanto, que o nível de protecção adequado que concretamente deve ser concedido às vítimas de crimes cometidos no seio da família não pode, designadamente em caso de infracções menores, traduzir‑se na imposição, sem excepção, de uma medida de afastamento tomada sem apreciação prévia das circunstâncias de cada caso concreto.

28      Nestas condições, a Audiencia Provincial de Tarragona decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, as quais estão redigidas em termos idênticos nos dois processos C‑483/09 e C‑1/10:

«1)      O direito de a vítima ser compreendida, previsto no oitavo considerando da decisão‑quadro, deve ser considerado um dever positivo de as autoridades estatais encarregadas da repressão e punição das condutas agressoras permitirem à vítima expressar a sua apreciação, reflexão e opinião acerca dos efeitos directos que podem ocorrer na sua vida por causa da imposição de penas ao agressor com o qual mantém uma relação familiar ou intensamente afectiva?

2)      O artigo 2.° da decisão‑quadro […] deve ser interpretado no sentido de que o dever de os Estados[‑Membros] reconhecerem os direitos e interesses legítimos da vítima obriga a ter em conta a sua opinião quando as consequências penais do processo puderem comprometer de forma nuclear e directa o exercício do seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade e da vida privada e familiar?

3)      O artigo 2.° da decisão‑quadro […] deve ser interpretado no sentido de que as autoridades estatais são obrigadas a ter em consideração a vontade livre da vítima quando esta se opõe à imposição ou à manutenção de uma medida de afastamento quando o agressor seja um membro da sua família, não se verifique a condição objectiva de risco de reincidência e se comprove um nível de capacidade pessoal, social, cultural e emocional que exclua a possibilidade de uma submissão ao agressor ou, pelo contrário, há que manter a referida medida em todos os casos devido à tipologia específica destes crimes?

4)      O artigo 8.° da decisão‑quadro […], ao dispor que os Estados[‑Membros] asseguram um nível adequado de protecção à vítima, deve ser interpretado no sentido de que permite a imposição generalizada e obrigatória de medidas de afastamento ou de proibição de comunicação como penas acessórias em todos os casos em que uma pessoa é vítima de crimes cometidos no âmbito familiar, tendo em atenção a tipologia específica destas infracções, ou, pelo contrário, o artigo 8.° exige que se efectue uma avaliação individualizada que permita identificar, caso a caso, o nível adequado de protecção tendo em conta os interesses em presença?

5)      O artigo 10.° da decisão‑quadro […] deve ser interpretado no sentido de que permite excluir de forma generalizada a mediação nos processos penais relativos a crimes cometidos no âmbito familiar, tendo em vista a tipologia específica destes crimes, ou, pelo contrário, a mediação deve ser autorizada também neste tipo de processos, ponderando‑se caso a caso os interesses em presença?»

29      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2010, os processos C‑483/09 e C‑1/10 foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

30      Resulta da informação relativa à data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 1 de Maio de 1999 (JO L 114, p. 56), que o Reino de Espanha fez uma declaração ao abrigo do artigo 35.°, n.° 2, UE, nos termos da qual aceitou a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar a título prejudicial, em conformidade com o artigo 35.°, n.° 3, alínea b), EU, a pedido de qualquer órgão jurisdicional deste Estado‑Membro cujas decisões não são susceptíveis de recurso jurisdicional de direito interno.

31      Em aplicação do artigo 792.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, as decisões que o órgão jurisdicional de reenvio deve proferir nos processos principais não são susceptíveis de recurso jurisdicional ordinário de direito interno.

32      Em conformidade com o artigo 10.°, n.° 1, do Protocolo n.° 36, relativo às disposições transitórias, anexo ao Tratado FUE, as atribuições conferidas ao Tribunal de Justiça nos termos do título VI do Tratado EU, na versão aplicável antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, permanecem inalteradas no que diz respeito a um acto como a decisão‑quadro, que foi adoptada antes da entrada em vigor deste Tratado, inclusive nos casos em que foram aceites em conformidade com o artigo 35.°, n.° 2, UE.

33      Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente, em aplicação do artigo 35.°, n.° 1, UE, para se pronunciar a título prejudicial sobre os pedidos de interpretação da decisão‑quadro, submetidos pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

34      Os Governos espanhol e italiano alegam, a título principal, que os pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis.

35      Precisando que, nos processos principais, não está em causa a aplicação de uma medida de afastamento por força do artigo 57.°, n.° 2, do Código Penal, o Governo espanhol sustenta, em primeiro lugar, que não é necessário perguntar‑se se a decisão‑quadro impede a adopção obrigatória dessa medida. Uma vez que esses processos dizem respeito à imposição de uma pena por força do artigo 468.°, n.° 2, do Código Penal, relativo à violação de uma medida de afastamento aplicada anteriormente, as questões prejudiciais submetidas são meramente hipotéticas.

36      Em segundo lugar, admitindo que as referidas questões dizem respeito ao artigo 468.°, n.° 2, do Código Penal, o Governo espanhol precisa que o problema suscitado nos processos principais resulta, não desta disposição, enquanto tal, mas de uma interpretação que dela faz a Sala de lo Penal del Tribunal Supremo (Secção Penal do Tribunal Supremo) «num acordo não vinculativo» de 25 de Novembro de 2009 e do qual decorre que «o consentimento da vítima não exclui a punibilidade para efeitos do artigo 468.° do Código Penal». Assim, na realidade, as questões prejudiciais dizem respeito à interpretação do direito nacional, sobre o qual não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se no âmbito de um reenvio prejudicial.

37      O Governo italiano salienta, além disso, que os conflitos entre o direito nacional e a decisão‑quadro que decorram da interpretação desta última não podem ser resolvidos através de uma interpretação daquele que seja conforme com os objectivos da decisão‑quadro. Essa interpretação conforme poderia, quando muito, ser feita contra legem, o que o direito da União não permite. Consequentemente, as questões prejudiciais ficariam desprovidas do seu interesse e revestiriam carácter hipotético.

38      A este respeito, importa salientar que, à semelhança do artigo 267.° TFUE, o artigo 35.°, n.° 3, alínea a), UE faz depender o recurso, a título prejudicial, ao Tribunal de Justiça da condição de o órgão jurisdicional nacional «considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa», pelo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à admissibilidade das questões prejudiciais submetidas ao abrigo do artigo 267.° TFUE é, em princípio, aplicável aos pedidos de decisão prejudicial apresentados ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 35.° UE (v., neste sentido, acórdão de 16 de Junho de 2005, Pupino, C‑105/03, Colect., p. I‑5285, n.° 29).

39      No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., designadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 59, e de 12 de Maio de 2011, Runevič‑Vardyn e Wardyn, C‑391/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30).

40      Todavia, tendo em conta a missão confiada pelo artigo 267.° TFUE ao Tribunal de Justiça, este não se pode pronunciar sobre questões submetidas por um órgão jurisdicional nacional, quando seja manifesto, nomeadamente, que a interpretação pedida das disposições do direito da União visadas nessas questões não tem nenhuma relação com a realidade ou o objecto do processo principal, ou quando o problema é de natureza hipotética (v., neste sentido, acórdão de 9 de Outubro de 2008, Katz, C‑404/07, Colect., p. I‑7607, n.° 31 e jurisprudência referida).

41      No caso concreto, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio destinam‑se a determinar se a própria sanção obrigatória de afastamento aplicada como pena acessória é compatível com a decisão‑quadro. Este órgão jurisdicional considera, com efeito, que é necessário, no âmbito dos processos penais relativos ao desrespeito de penas de afastamento aplicadas anteriormente, verificar que tais penas, de carácter obrigatório e nas quais deve basear as suas condenações, não infringem elas próprias a decisão‑quadro. Tendo em conta estas considerações, as questões submetidas não se afiguram hipotéticas.

42      Além disso, deve precisar‑se que, para efeitos das suas respostas às questões submetidas, o Tribunal de Justiça se baseia na interpretação das disposições nacionais em questão dada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não podendo pô‑la em causa nem verificar a sua exactidão.

43      Por último, nas suas observações escritas, o Governo espanhol referiu que a interpretação do artigo 468.°, n.° 2, do Código Penal dada pela Sala de lo Penal del Tribunal Supremo no seu acordo de 25 de Novembro de 2009 não priva, em princípio, os órgãos jurisdicionais da possibilidade de se afastarem, de modo fundamentado, dessa interpretação. Consequentemente, na hipótese de o Tribunal de Justiça responder às questões submetidas que a decisão‑quadro se opõe a uma medida nacional como a que está em causa no processo principal, não é evidente que, nos processos principais, uma interpretação do direito nacional em conformidade com a decisão‑quadro seria necessariamente impossível, contrariamente ao que o Governo italiano sustenta.

44      Nestas condições, não é manifesto que a interpretação da decisão‑quadro pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio não tenha nenhuma relação com a realidade ou o objecto dos processos principais, ou que o problema submetido seja de natureza hipotética.

45      Os pedidos de decisão prejudicial são, portanto, admissíveis.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às quatro primeiras questões

46      Antes de examinar as quatro primeiras questões, importa referir que o oitavo considerando da decisão‑quadro, que é objecto da primeira questão, não é, em si mesmo, dotado de valor jurídico vinculativo (v. acórdão de 25 de Fevereiro de 2010, C‑562/08, Müller Fleisch, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40).

47      Além disso, no plano formal, impõe‑se referir que o órgão jurisdicional de reenvio limitou a sua segunda, terceira e quarta questões à interpretação dos artigos 2.° e 8.° da decisão‑quadro. No entanto, essa circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça elementos de interpretação do direito da União, incluindo, neste caso concreto, se esses elementos se referirem a outra disposição da referida decisão‑quadro, que podem ser úteis para decidir dos processos que lhe sejam submetidos, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha feito referência ou não no enunciado das referidas questões (v., neste sentido, acórdão de 5 de Maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).

48      A este respeito, refira‑se que, embora os Estados‑Membros sejam obrigados a reconhecer os direitos e os interesses legítimos das vítimas por força do artigo 2.° da decisão‑quadro, é, no entanto, em aplicação do artigo 3.°, primeiro parágrafo, desta, lido à luz do seu oitavo considerando, que lhes devem garantir a possibilidade de ser ouvidas no âmbito do processo penal.

49      Consequentemente, deve considerar‑se que, através das suas quatro primeiras questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 2.°, 3.° ou 8.° da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma sanção obrigatória de afastamento com uma duração mínima, prevista pelo direito penal de um Estado‑Membro a título de pena acessória, seja proferida contra autores de violências cometidas no seio da família, quando as próprias vítimas destes contestam a aplicação dessa sanção.

50      Precise‑se a este respeito que a decisão‑quadro não contém nenhuma disposição relativa aos tipos de penas e ao nível destas, que os Estados‑Membros devam prever na sua legislação para sancionar infracções penais.

51      A isso vem juntar‑se o facto de a decisão‑quadro não comportar nenhuma indicação segundo a qual o legislador da União, dentro dos limites das competências que lhe são conferidas pelo Tratado UE, quis harmonizar ou, no mínimo, aproximar as legislações dos Estados‑Membros quanto aos tipos e aos níveis de sanções penais.

52      Como resulta do seu terceiro e quarto considerandos, a decisão‑quadro visa apenas estabelecer, no âmbito do processo penal conforme definido no seu artigo 1.°, alínea c), normas mínimas para a protecção das vítimas de infracções penais e oferecer a estas últimas um nível elevado de protecção, designadamente no que diz respeito ao seu acesso à justiça.

53      O nono considerando da decisão‑quadro precisa, além disso, que as disposições desta não obrigam os Estados‑Membros a garantir às vítimas um tratamento equivalente ao das partes no processo.

54      A decisão‑quadro caracteriza‑se, no que diz respeito à sua estrutura e ao seu conteúdo, pelo facto de que, de modo geral, enuncia, no seu artigo 2.°, os objectivos principais que se destina a pôr em prática com vista à protecção das vítimas e precisa, nos artigos seguintes, diferentes direitos, de natureza principalmente processual, de que as vítimas devem poder beneficiar durante o processo penal.

55      As disposições da decisão‑quadro devem ser interpretadas de modo a serem respeitados os direitos fundamentais, de entre os quais se salienta o direito ao respeito da vida privada e familiar, conforme enunciado no artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Pupino, n.° 59, e Katz, n.° 48).

56      As obrigações enunciadas no artigo 2.°, n.° 1, da decisão‑quadro destinam‑se a garantir que a vítima possa, efectivamente, participar de modo adequado no processo penal, o que não implica que uma medida obrigatória de afastamento como a que está em causa no processo principal não possa ser proferida contra a opinião da vítima.

57      Quanto ao artigo 3.° da decisão‑quadro, embora imponha aos Estados‑Membros que garantam às vítimas a possibilidade de serem ouvidas ao longo do processo e de fornecerem elementos de prova, deixa às autoridades nacionais um amplo poder de apreciação quanto às modalidades concretas de prossecução deste objectivo (v., neste sentido, acórdão Katz, já referido, n.° 46).

58      Contudo, sob pena de privar o artigo 3.°, primeiro parágrafo, da decisão‑quadro de grande parte do seu efeito útil e de não cumprir as obrigações enunciadas no seu artigo 2.°, n.° 1, estas disposições implicam, de qualquer modo, que a vítima possa depor no processo penal e que esse depoimento possa ser tido em conta como elemento de prova (acórdão Katz, já referido, n.° 47).

59      Assim, a fim de garantir que a vítima possa, efectivamente, participar de modo adequado no processo penal, o seu direito de ser ouvida deve dar‑lhe, além da possibilidade de descrever objectivamente a forma como decorreram os factos, a oportunidade de exprimir o seu ponto de vista.

60      Este direito processual de ser ouvido na acepção do artigo 3.°, primeiro parágrafo, da decisão‑quadro não confere às vítimas nenhum direito quanto à escolha dos tipos de penas em que incorrem os autores dos actos por força das regras do direito penal nacional, nem quanto ao nível dessas penas.

61      Recorde‑se, a este respeito, que a protecção penal contra os actos de violência doméstica, que um Estado‑Membro assegura exercendo o seu poder repressivo, visa proteger não só os interesses da vítima, tal como esta os concebe, mas igualmente outros interesses mais gerais da sociedade.

62      Daqui resulta que o artigo 3.° da decisão‑quadro não se opõe a que o legislador nacional preveja, nomeadamente quando interesses diferentes dos interesses próprios da vítima devam ser tidos em conta, penas obrigatórias com uma duração mínima.

63      No que respeita, por último, ao artigo 8.° da decisão‑quadro, resulta do seu n.° 1 que este visa garantir um «nível adequado de protecção às vítimas», nomeadamente em matéria de segurança e de protecção da sua vida privada, sempre que as autoridades competentes considerem que existe «uma ameaça séria de actos de vingança ou fortes indícios de que essa privacidade poderá ser grave e intencionalmente perturbada».

64      Para este efeito, as medidas de protecção de ordem preventiva e prática, conforme enunciadas nos n.os 2 a 4 do referido artigo 8.°, visam garantir que a vítima possa participar de modo adequado no processo penal, sem que essa participação seja posta em causa por riscos para a sua segurança e a sua vida privada.

65      O artigo 8.° da decisão‑quadro não impõe aos Estados‑Membros, à semelhança dos seus artigos 2.° e 3.°, nenhuma obrigação de prever disposições em direito nacional penal que permitam à vítima influenciar as penas que o juiz nacional possa infligir ao autor da infracção.

66      A protecção que está em causa no referido artigo 8.° visa nomeadamente proteger de modo «adequado» a vítima ou uma pessoa das suas relações pessoais contra o autor da infracção, durante o processo penal.

67      Em contrapartida, o artigo 8.° da decisão‑quadro não pode ser entendido no sentido de que os Estados‑Membros são igualmente obrigados a proteger as vítimas contra os efeitos indirectos que as penas aplicadas pelo juiz nacional aos autores das infracções produziriam numa fase posterior.

68      O artigo 8.° da decisão‑quadro não pode, por conseguinte, ser interpretado no sentido de que limita a escolha, pelos Estados‑Membros, das sanções penais que prevejam na sua ordem jurídica interna.

69      Por último, constate‑se que a obrigação, enquanto tal, de pronunciar uma medida de afastamento em conformidade com o direito material em causa no processo principal não entra no âmbito de aplicação da decisão‑quadro e, por conseguinte, essa obrigação não pode, de qualquer modo, ser apreciada à luz das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

70      Tendo em conta as considerações que precedem, deve responder‑se às quatro primeiras questões que os artigos 2.°, 3.° e 8.° da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma sanção obrigatória de afastamento com uma duração mínima, prevista pelo direito penal de um Estado‑Membro a título de pena acessória, seja pronunciada contra os autores de violências cometidas no seio da família, mesmo que as vítimas dessas violências contestem a aplicação de tal sanção.

 Quanto à quinta questão

71      Através da sua quinta questão em ambos os processos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.° da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros, tendo em conta a categoria especial de infracções cometidas no seio da família, excluir o recurso à mediação em todos os processos penais relativos a tais infracções.

72      A este respeito, observe‑se que, além da circunstância de o artigo 34.°, n.° 2, UE deixar às autoridades nacionais a competência quanto à forma e aos meios necessários para alcançar o resultado pretendido pelas decisões‑quadro, o artigo 10.°, n.° 1, da decisão‑quadro limita‑se a impor aos Estados‑Membros que envidem esforços para promover a mediação em relação às infracções que «considere[m] adequadas», pelo que a apreciação quanto à escolha das infracções em relação às quais é permitida a mediação cabe aos Estados‑Membros (v. acórdão de 21 de Outubro de 2010, Eredics e Sápi, C‑205/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 37).

73      Consequentemente, o artigo 10.°, n.° 1, da decisão‑quadro permite aos Estados‑Membros excluir o recurso à mediação para todas as infracções cometidas no seio da família, como prevê o artigo 87.° ter, n.° 5, da Lei Orgânica 6/1985.

74      Com efeito, resulta da própria redacção do artigo 10.°, n.° 1, e do amplo poder de apreciação que a decisão‑quadro deixa às autoridades nacionais quanto às modalidades concretas de prossecução dos seus objectivos que, ao decidir excluir a aplicação do processo de mediação para um tipo de infracção em especial, opção que obedece essencialmente a razões de política penal, o legislador nacional não excedeu o poder de apreciação de que dispõe (v., por analogia, acórdão Eredics e Sápi, já referido, n.° 38).

75      Acrescente‑se que a apreciação dos Estados‑Membros pode ser limitada pela obrigação de utilizar critérios objectivos para efeitos da determinação dos tipos de infracções em relação às quais considerem que a mediação não é adequada. Nada indica, no entanto, que a exclusão da mediação prevista pela Lei Orgânica 6/1985 assente em critérios destituídos de objectividade.

76      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 10.°, n.° 1, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros, tendo em conta a categoria especial de infracções cometidas no seio da família, excluir o recurso à mediação em todos os processos penais relativos a essas infracções.

 Quanto às despesas

77      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      Os artigos 2.°, 3.° e 8.° da Decisão‑Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma sanção obrigatória de afastamento com uma duração mínima, prevista pelo direito penal de um Estado‑Membro a título de pena acessória, seja pronunciada contra os autores de violências cometidas no seio da família, mesmo que as vítimas dessas violências contestem a aplicação de tal sanção.

2)      O artigo 10.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2001/220 deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros, tendo em conta a categoria especial de infracções cometidas no seio da família, excluir o recurso à mediação em todos os processos penais relativos a essas infracções.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.