Processo C-403/09 PPU

Jasna Detiček

contra

Maurizio Sgueglia

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Višje sodišče v Mariboru)

«Cooperação judiciária em matéria civil — Matéria matrimonial e matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Medidas provisórias relativas ao direito de guarda — Decisão executória num Estado-Membro — Deslocação ilícita da criança — Outro Estado-Membro — Outro tribunal — Atribuição da guarda da criança ao outro progenitor — Competência — Processo prejudicial urgente»

Tomada de posição do advogado-geral Y. Bot, apresentada em 9 de Dezembro de 2009   I ‐ 12197

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 23 de Dezembro de 2009   I ‐ 12220

Sumário do acórdão

  1. Questões prejudiciais — Processo prejudicial urgente — Requisitos

    (Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 104.o-B)

  2. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Medidas provisórias e cautelares — Deslocação ilícita de uma criança

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigos 2.o, n.o 11, e 20.o, n.o 1)

  3. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Medidas provisórias e cautelares — Alteração da guarda de uma criança

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigo 20.o, n.o 1)

  4. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Medidas provisórias e cautelares — Respeito dos direitos fundamentais da criança, conforme previstos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 24.o; Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigo 20.o)

  1.  Um pedido de um órgão jurisdicional de reenvio no sentido de um processo ser tratado segundo a tramitação urgente prevista no artigo 104.o-B do Regulamento de Processo é procedente se tiver como fundamento

    a existência de uma decisão judicial executória que decreta medidas cautelares, adoptada pelo tribunal de um Estado-Membro, que confia a guarda da criança ao pai

    uma decisão judicial contrária, decretando medidas cautelares, adoptada pelo tribunal de um Estado-Membro, que confia a guarda da criança à mãe

    a necessidade de actuar rapidamente, dado que uma decisão tardia seria contrária ao interesse da criança e poderia conduzir a uma deterioração irreparável das relações entre esta e o pai

    o carácter provisório da medida adoptada, no quadro da medida cautelar sobre a guarda da criança, que impõe, por si só, para que o estado de insegurança jurídica não se prolongue, a intervenção urgente do Tribunal de Justiça.

    (cf. n.os 29-31)

  2.  O artigo 20.o do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que não permite a um tribunal de um Estado-Membro adoptar uma medida provisória em matéria de responsabilidade parental, destinada a confiar a guarda de uma criança que se encontra no território desse Estado-Membro a um dos progenitores, quando um tribunal de outro Estado-Membro, competente ao abrigo do referido regulamento para conhecer do mérito do litígio relativo à guarda da criança, já tiver proferido uma decisão confiando provisoriamente a guarda dessa criança ao outro progenitor e essa decisão tiver sido declarada executória no território do primeiro Estado-Membro.

    Com efeito, se uma alteração das circunstâncias resultante de um processo gradual, como a integração da criança num novo meio, bastasse para habilitar um tribunal de um Estado-Membro, não competente para conhecer do mérito, a adoptar uma medida provisória modificando a medida em matéria de responsabilidade parental tomada pelo tribunal de outro Estado-Membro, competente quanto ao mérito, declarada executória no território do primeiro Estado-Membro, a eventual lentidão do processo de execução no Estado-Membro requerido contribuiria para criar as condições susceptíveis de permitir ao primeiro tribunal impedir a execução da decisão declarada executória. Tal interpretação poria em causa os próprios princípios em que este regulamento assenta, designadamente o princípio do reconhecimento mútuo das decisões proferidas nos Estados-Membros, instituído pelo referido regulamento.

    É também contrário ao objectivo do mesmo regulamento, que consiste em dissuadir deslocações ou retenções ilícitas de crianças entre Estados-Membros, o reconhecimento de uma situação de urgência no caso de a alteração da situação da criança resultar de uma deslocação ilícita, na acepção do artigo 2.o, n.o 11, do referido regulamento. Com efeito, admitir que uma medida susceptível de implicar a alteração da responsabilidade parental possa ser tomada ao abrigo do artigo 20.o, n.o 1, do dito regulamento equivaleria, ao consolidar uma situação de facto decorrente de uma conduta ilícita, a reforçar a posição do progenitor responsável pela deslocação ilícita.

    (cf. n.os 45, 47-49 e disp.)

  3.  Como resulta do próprio teor do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento n.o 1347/2000, as medidas provisórias devem ser tomadas relativamente às pessoas presentes no Estado-Membro onde têm sede os tribunais competentes para adoptar tais medidas.

    Uma medida provisória em matéria de responsabilidade parental, que implica uma alteração da guarda de uma criança, não é tomada apenas em relação à própria criança mas também em relação ao progenitor ao qual a guarda da criança vem a ser confiada e em relação ao outro progenitor que, na sequência da adopção de tal medida, se vê privado dessa guarda.

    (cf. n.os 50-51)

  4.  O Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento n.o 1347/2000, reconhece os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tendo como objectivo, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.o da mesma. Por conseguinte, o artigo 20.o do referido regulamento não pode ser interpretado de modo a poder servir de instrumento ao progenitor que deslocou ilicitamente a criança, para prolongar a situação de facto criada pelo seu comportamento ilícito ou para legitimar os efeitos desse comportamento.

    Uma medida que impede a manutenção regular de relações pessoais e de contactos directos com ambos os progenitores apenas se pode justificar se outro interesse da criança tiver uma intensidade tal que prevaleça sobre o interesse que está na base do referido direito fundamental. Todavia, uma apreciação equilibrada e razoável de todos os interesses em jogo, que deve assentar em considerações objectivas relativas à própria pessoa da criança e ao seu meio social, deve, em princípio, ser efectuada no quadro de um processo perante o tribunal competente para conhecer do mérito ao abrigo das disposições do Regulamento n.o 2201/2003.

    (cf. n.os 53, 57, 59-60)