Processo C‑398/09

Lady & Kid A/S e o.

contra

Skatteministeriet

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Østre Landsret)

«Não reembolso de um imposto indevidamente pago – Enriquecimento sem causa resultante do nexo existente entre a introdução desse imposto e a supressão de outros impostos»

Sumário do acórdão

Direito da União – Efeito directo – Impostos nacionais incompatíveis com o direito da União – Restituição – Recusa – Requisito – Enriquecimento sem causa – Conceito – Repercussão directa dos montantes indevidamente pagos pelo sujeito passivo no comprador


As regras do direito da União relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado‑Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos directamente no comprador. Consequentemente, o direito da União opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse o reembolso de um imposto ilegal com o fundamento de que os montantes indevidamente pagos pelo sujeito passivo foram compensados por uma poupança resultante da supressão concomitante de outros encargos, uma vez que tal compensação não pode ser entendida, do ponto de vista do direito da União, como um enriquecimento sem causa em relação a esse imposto.

Uma vez que a repercussão directa do imposto indevido no comprador constitui a única excepção ao direito de reembolso dos impostos cobrados em violação do direito da União, está excluído que, ao aplicar o seu direito interno, o juiz nacional possa tomar em consideração outras vias possíveis de recusa de reembolso de um imposto ilegal para além da repercussão.

(cf. n.os 25‑26 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Setembro de 2011 (*)

«Não reembolso de um imposto indevidamente pago – Enriquecimento sem causa resultante do nexo existente entre a introdução desse imposto e a supressão de outros impostos»

No processo C‑398/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Østre Landsret (Dinamarca), por decisão de 12 de Outubro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Outubro de 2009, no processo

Lady & Kid A/S,

Direct Nyt ApS,

A/S Harald Nyborg Isenkram‑ og Sportsforretning,

KID‑Holding A/S

contra

Skatteministeriet,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, K. Schiemann e D. Šváby, presidentes de secção, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, M. Safjan (relator), M. Berger e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Setembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Lady & Kid A/S e o., por H. Peytz, advokat,

–        em representação do Governo dinamarquês, por T. Winkler, na qualidade de agente, assistido por S. Fugleholm, advokat,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e N. Fenger, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de Dezembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do direito comunitário em matéria de repetição do indevido.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lady & Kid A/S, a Direct Nyt ApS (a seguir «Direct Nyt»), a A/S Harald Nyborg Isenkram‑ og Sportsforretning (a seguir «Harald Nyborg») e a KID‑Holding A/S ao Skatteministeriet (Ministério das Contribuições e Impostos), a propósito da recusa de lhes ser concedido o reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário (a seguir «imposto ilegal»).

 Quadro jurídico

3        Através da Lei n.° 840, de 18 de Dezembro de 1987, o Reino da Dinamarca criou, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1988, um imposto, a pagar pelas entidades patronais, denominado contribuição de apoio ao mercado do trabalho (arbejsmarkedsbidrag, a seguir «AMBI»). A AMBI, cuja taxa se elevava a 2,5%, tinha, em princípio, a mesma a base tributável do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). No entanto, não era paga na importação de mercadorias no território dinamarquês, mas cobrada sobre a totalidade do preço de venda destas últimas, no momento da sua primeira venda nesse território.

4        Em contrapartida, com a introdução da AMBI, foi suprimido um determinado número de contribuições patronais para a segurança social, que as empresas dinamarquesas deviam pagar, no montante de cerca de 10 300 DKK por empregado a tempo inteiro.

5        O objectivo dessa reforma fiscal foi afastar a interdependência entre as contribuições a pagar e o número de empregados, a fim de relançar o crescimento e desenvolver o emprego, permanecendo ao mesmo tempo neutro no plano das finanças públicas.

6        A AMBI foi cobrada às empresas dinamarquesas durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1988 e 31 de Dezembro de 1991, tendo a Lei n.° 840, de 18 de Dezembro de 1987, sido revogada por uma Lei de 21 de Dezembro de 1991, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1992.

7        Durante o ano de 1989, a legalidade da AMBI foi contestada pelas empresas importadoras no Østre Landsret, que considerou dever submeter ao Tribunal de Justiça a questão da compatibilidade da AMBI com o direito comunitário. Em resposta, através do acórdão Dansk Denkavit e Poulsen Trading de 31 de Março de 1992 (C‑200/90, Colect., p. I‑2217), o Tribunal de Justiça entendeu que o artigo 33.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), se opõe a um imposto como a AMBI, quando:

–        onera quer actividades sujeitas ao IVA quer outras actividades de carácter industrial ou comercial que consistem na realização de prestações a título oneroso;

–        é cobrado, no caso de empresas sujeitas ao IVA, com base na mesma matéria colectável que a utilizada para o IVA, isto é, sob a forma de uma percentagem do montante das vendas realizadas, após dedução do montante das aquisições efectuadas;

–        diversamente do IVA, não é pago na importação, mas com base no preço total da venda dos produtos importados no momento da primeira venda efectuada no Estado‑Membro considerado;

–        contrariamente ao IVA, não deve ser objecto de menção distinta na factura; e

–        é cobrado paralelamente ao IVA.

8        Na sequência desse acórdão, a Lei n.° 389, de 20 de Maio de 1992, que entrou em vigor em 22 de Maio de 1992, especificou as modalidades de reembolso da AMBI ilegalmente cobrada. Contém, nomeadamente, as seguintes disposições:

«§ 1.

Nos termos das normas gerais do direito dinamarquês, são estabelecidas regras sobre se e, se necessário, em que medida é admitido o pedido de reembolso ou indemnização no que se refere ao montante que foi pago aos cofres do Estado em conformidade com a Lei n.° 840, de 18 de Dezembro de 1987, relativa à contribuição de apoio ao mercado do trabalho.

§ 2.

[…]

2.      O montante reclamado deve ser especificado e fundamentado e acompanhado de documentação que torne possível apreciar se o sujeito passivo da contribuição sofreu um prejuízo.

[…]»

9        A Lei n.° 389, de 20 de Maio de 1992, foi completada pela Circular n.°  122, de 10 de Julho de 1996, que, para efeitos do tratamento administrativo dos pedidos de reembolso, especificou os requisitos que as empresas importadoras têm de reunir, a saber:

–        a empresa deve ter estado em concorrência efectiva com produtores dinamarqueses de produtos similares;

–        as poupanças realizadas pela empresa a título de contribuições para a segurança social e de outros encargos devem ser inferiores aos montantes pagos a título da AMBI;

–        a situação da empresa em termos concorrenciais deve ter‑se deteriorado em consequência da reforma fiscal, isto é, deve tratar‑se de produtos dinamarqueses com custos salariais elevados, de modo que a empresa dinamarquesa tenha poupado mais em contribuições para a segurança social do que o importador pelos produtos concorrentes;

–        os concorrentes dinamarqueses tenham poupado muito mais em contribuições para a segurança social do que aquilo que pagaram de AMBI;

–        a perda de competitividade deve ter sido importante; e

–        a AMBI não pode ter sido repercutida através de aumentos de preços.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      As recorrentes no processo principal, que operavam todas no comércio retalhista, intentaram no Københavns Byret, entre 1997 e 1998, acções contra o Skatteministeriet para obterem a anulação das decisões de indeferimento dos seus pedidos de reembolso da AMBI ilegalmente cobrada. A recusa de reembolso teve como fundamento a circunstância de a poupança realizada por essas empresas, devido à supressão das contribuições para a segurança social durante o período em que eram devedoras de AMBI, ter sido superior aos montantes que pagaram a esse título e de a AMBI paga pelas referidas empresas ter sido, por conseguinte, integralmente compensada.

11      As quatro acções intentadas foram julgadas improcedentes por sentença do Københavns Byret de 16 de Dezembro de 2002. As recorrentes no processo principal interpuseram recurso no Østre Landsret em 13 de Janeiro de 2003.

12      Resulta da decisão de reenvio o seguinte:

–        A KID‑Holding A/S explorava, sob a insígnia Daells Varehus, grandes armazéns, que propunham para venda diversos produtos diferentes, entre os quais produtos têxteis importados. Esta sociedade pagou um montante de 20 053 556 DKK de AMBI e poupou um montante de 23 151 291 DKK a título de contribuições para a segurança social.

–        A Lady & Kid A/S explorava, sob as denominações Daells Discount A/S e Madeleine, lojas de baixo preço, que propunham uma selecção limitada da gama de produtos da Daells Varehus, em grande parte produtos têxteis. Esta sociedade pagou um montante de 779 986 DKK a título de AMBI e poupou, durante o mesmo período, um montante de 1 872 901 DKK a título de contribuições para a segurança social.

–        A Harald Nyborg explorava um determinado número de grandes lojas, que propunham, designadamente, quinquilharia, artigos de desporto, acessórios para automóveis e material agrícola. Esta sociedade pagou um montante de 5 333 609 DKK de AMBI e poupou 3 322 105 DKK a título de contribuições para a segurança social.

–        A Direct Nyt operava exclusivamente no sector da venda por correspondência de produtos importados. Esta sociedade pagou um montante de 709 933 DKK de AMBI e, como não tinha empregados, não efectuou poupanças em contribuições para a segurança social como contrapartida desse pagamento.

13      No processo perante o Østre Landsret, o Skatteministeriet reconheceu que a Harald Nyborg e a Direct Nyt tinham vendido uma certa quantidade de produtos importados que eram concorrentes dos produtos dinamarqueses com custos salariais elevados, que a supressão das contribuições para a segurança social não tinha tido repercussões nos preços dos produtos dinamarqueses com custos salariais elevados e que, por conseguinte, essas duas empresas não tinham podido, por razões de concorrência, aumentar aos seus preços os custos adicionais associados à AMBI. Desse modo, por considerar que a AMBI não tinha sido repercutida noutros sujeitos, o Skatteministeriet decidiu reembolsá‑la às referidas empresas, no montante, respectivamente, de 760 349 DKK, acrescido dos juros correspondentes, e de 319 469 DKK, igualmente acrescido dos juros correspondentes.

14      Durante esse mesmo processo, as partes no processo principal chegaram igualmente a acordo no sentido de que 35% das compras da Harald Nyborg eram constituídas por produtos importados e que 84% da AMBI paga por essa empresa diziam respeito a esses produtos, bem como que 40% das compras da Daells Varehus eram constituídas por produtos importados e que 94% da AMBI paga por esta última empresa diziam respeito a esses produtos. Da mesma forma, as referidas partes reconhecerem que as anteriores contribuições para a segurança social tinham onerado, na mesma proporção, o comércio dos produtos importados e o comércio dos produtos dinamarqueses.

15      Uma vez que as recorrentes no processo principal puseram em dúvida a compatibilidade do direito nacional e das decisões de indeferimento do Skatteministeriet com o direito comunitário, o Østre Landsret considerou necessário questionar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do direito comunitário em matéria de repetição do indevido. Assim, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o. (C‑192/95 a C‑218/95 [Colect., p. I‑165]), deve ser interpretado no sentido de que a repercussão de um imposto ilegal sobre um produto pressupõe que o imposto é repercutido sobre o comprador do produto dessa transacção em concreto ou pode a repercussão ser também efectuada sobre os preços de outros produtos em transacções completamente diferentes, antes ou depois da venda do produto em causa, por exemplo, no âmbito de uma apreciação global da repercussão relativa a um período de quatro anos no que respeita a um grande grupo de produtos, incluindo os produtos importados e os produtos não importados?

2)      O conceito comunitário de ‘repercussão’ deve ser interpretado no sentido de que um imposto ilegal cobrado por ocasião da venda de um produto só [se pode considerar] repercutido se o preço do produto for aumentado relativamente ao preço praticado imediatamente antes de o imposto ser introduzido, ou pode considerar‑se que o imposto também é repercutido se a empresa sujeito passivo, simultaneamente com a introdução do imposto ilegal, tiver realizado uma poupança noutros impostos cobrados com outra base de tributação e, assim, a empresa tiver mantido os seus preços inalterados?

3)      O conceito comunitário de ‘enriquecimento sem causa’ deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que o reembolso de um imposto ilegal cobrado por ocasião da venda de um produto implica um enriquecimento sem causa se a empresa, antes ou depois da venda do produto sujeito a imposto, tiver realizado uma poupança como resultado da supressão de outros impostos cobrados com outra base de tributação, na hipótese de a supressão desses outros impostos também ter beneficiado outras empresas, incluindo empresas que não pagaram o imposto ilegal ou apenas pagaram um montante inferior?

4)      Se um imposto ilegal, devido à sua estrutura, tiver tido como consequência que o encargo fiscal suportado pelas empresas que importam produtos foi proporcionalmente mais elevado do que o de empresas que se abastecem em larga medida no mercado nacional e, simultaneamente com a introdução do imposto ilegal, tiver sido suprimido outro imposto, que era legal, cobrado com outra base de tributação, que onerava proporcionalmente as duas empresas na mesma medida e sem ter em conta a estrutura das compras da empresa, pretende‑se determinar:

a)      em que medida, segundo o direito comunitário, é legítimo recusar, com fundamento na repercussão e no enriquecimento sem causa, o reembolso total ou parcial do imposto ilegal a uma empresa que importa produtos, uma vez que a recusa implica que a empresa, que em consequência de ter pago um montante proporcionalmente mais elevado do imposto ilegal do que a empresa que comprou produtos similares no mercado nacional, fica, sendo iguais todas as demais condições, numa situação menos favorável em consequência da reforma fiscal e da recusa de reembolso do que empresas análogas que se abastecem em maior escala no mercado nacional,

b)      em que medida o reembolso do imposto ilegal na situação em causa pode, no plano conceptual, determinar um ‘enriquecimento sem causa’ e, por isso, ser recusado, se o reembolso – mesmo que se considere que o imposto foi repercutido – for necessário para que os efeitos da reforma fiscal após o eventual reembolso sejam os mesmos relativamente às empresas que importaram produtos e às empresas que compraram no mercado nacional,

c)      em que medida a recusa de reembolso em tal situação, que implica que empresas que se abasteceram em maior escala no mercado nacional obtiveram uma vantagem relativamente às empresas que recorreram em maior escala à importação, é contrária ao direito comunitário e concretamente ao princípio da igualdade de tratamento, e,

d)      se a resposta à [terceira questão] implicar que não é legítimo recusar, com fundamento em enriquecimento sem causa, o reembolso do imposto ilegal cobrado, em que medida esse reembolso se limita a neutralizar a vantagem obtida pelas empresas que compraram produtos no mercado nacional relativamente às empresas que recorreram em maior escala à importação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda e terceira questões

16      A segunda e terceira questões, que importa apreciar em primeiro lugar e em conjunto, devem ser entendidas no sentido de que se destinam a esclarecer se apenas a repercussão de um imposto ilegal feita através de um aumento do preço da venda dos produtos em que foi cobrado o referido imposto pode, no caso de repetição do indevido, gerar um enriquecimento sem causa do sujeito passivo ou se um enriquecimento sem causa pode igualmente decorrer de uma poupança realizada após supressão concomitante de outros encargos cobrados sobre uma base tributável diferente, mesmo quando o sujeito passivo não tenha alterado os seus preços de venda.

17      A este respeito, importa recordar que o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado‑Membro em violação do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem tais impostos. Por conseguinte, o Estado‑Membro tem, em princípio, de reembolsar os tributos cobrados em violação do direito da União (v. acórdãos de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595, n.° 12; de 21 de Setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, Colect., p. I‑7145, n.° 30; de 10 de Abril de 2008, Marks & Spencer, C‑309/06, Colect., p. I‑2283, n.° 35; e de 28 de Janeiro de 2010, Direct Parcel Distribution Belgium, C‑264/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45).

18      Todavia, por excepção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União, a restituição de um imposto indevidamente cobrado pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A protecção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente sobre outras pessoas (v. acórdão Comateb e o., já referido, n.° 21).

19      Com efeito, nessas condições, não é o operador quem suporta o encargo do imposto indevidamente cobrado, mas o comprador sobre quem foi repercutido o encargo. Assim, restituir ao operador o montante do imposto que o mesmo já cobrou ao comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento susceptível de ser qualificado de «enriquecimento sem causa», sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador (acórdão Comateb e o., já referido, n.° 22).

20      Todavia, uma vez que a recusa de reembolso de um imposto sobre a venda de produtos constitui uma limitação de um direito subjectivo conferido pela ordem jurídica da União, deve ser interpretada de maneira restritiva. Por conseguinte, a repercussão directa do imposto indevido no comprador constitui a única excepção ao direito ao reembolso dos impostos cobrados em violação do direito da União.

21      O Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que, mesmo na hipótese de se provar que o imposto foi repercutido em terceiros, o seu reembolso ao operador não implica necessariamente enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode provocar prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v. acórdãos, já referidos, Comateb e o., n.os 29 a 32; Michaïlidis, n.os 34 e 35; e de 2 de Outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, Colect., p. I‑11365, n.os 98 e 99).

22      Do mesmo modo, um Estado‑Membro não se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto ilegal com o fundamento de que o seu montante foi economicamente compensado pela supressão de outro encargo lícito de montante equivalente.

23      Com efeito, embora o reembolso de um imposto ilegal a um operador que repercutiu o respectivo montante nos seus clientes possa, nas condições já recordadas, conduzir a um enriquecimento sem causa desse operador, isso não acontece no caso de uma alegada supressão de outros impostos relacionada com a introdução de um imposto contrário ao direito da União.

24      Essa supressão depende das opções do Estado‑Membro no domínio da fiscalidade, que são a expressão da sua política geral em matéria económica e social. Tais opções podem implicar as mais diversas consequências que, independentemente das potenciais dificuldades em determinar se, e em que medida, um imposto realmente substituiu pura e simplesmente outro, se opõem a que o reembolso de um imposto ilegal nesse contexto possa ser entendido como constitutivo de um enriquecimento sem causa.

25      Esta conclusão não pode ser infirmada pelos acórdãos de 26 de Junho de 1979, McCarren (177/78, Recueil, p. 2161), e de 13 de Dezembro de 1983, Apple and Pear Development Council (222/82, Recueil, p. 4083). Com efeito, embora, no n.° 25 do referido acórdão McCarren e no n.° 41 do referido acórdão Apple and Pear Development Council, o Tribunal de Justiça não tenha excluído que, ao aplicar o seu direito interno, o tribunal nacional se possa opor ao reembolso de um imposto ilícito com outro fundamento além da sua repercussão, a repercussão directa do imposto indevido no comprador constitui, como resulta do n.° 20 do presente acórdão, a única excepção ao direito de reembolso dos impostos cobrados em violação do direito da União.

26      Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado‑Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos directamente no comprador. Consequentemente, o direito da União opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse o reembolso de um imposto ilegal com o fundamento de que os montantes indevidamente pagos pelo sujeito passivo foram compensados por uma poupança resultante da supressão concomitante de outros encargos, uma vez que tal compensação não pode ser entendida, do ponto de vista do direito da União, como um enriquecimento sem causa em relação a esse imposto.

27      Tendo em conta a resposta dada à segunda e terceira questões, não há que responder à primeira e quarta questões.

 Quanto às despesas

28      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

As regras do direito da União relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado‑Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos directamente no comprador. Consequentemente, o direito da União opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse o reembolso de um imposto ilegal com o fundamento de que os montantes indevidamente pagos pelo sujeito passivo foram compensados por uma poupança resultante da supressão concomitante de outros encargos, uma vez que tal compensação não pode ser entendida, do ponto de vista do direito da União, como um enriquecimento sem causa em relação a esse imposto.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.