Processo C‑388/09

João Filipe da Silva Martins

contra

Bank Betriebskrankenkasse – Pflegekasse

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundessozialgericht)

«Reenvio prejudicial – Segurança social – Regulamento (CEE) n.° 1408/71 – Artigos 15.°, 27.° e 28.° – Artigos 39.° CE e 42.° CE – Antigo trabalhador migrante – Atividade profissional exercida no Estado‑Membro de origem e noutro Estado‑Membro – Reforma no Estado‑Membro de origem – Renda paga pelos dois Estados‑Membros – Regime distinto de segurança social que cobre o risco de dependência – Existência no outro antigo Estado‑Membro de emprego – Inscrição facultativa continuada no referido regime – Manutenção do direito a uma prestação de dependência após o regresso ao Estado‑Membro de origem»

Sumário do acórdão

1.        Segurança social dos trabalhadores migrantes – Competência dos Estados‑Membros para regulamentar os respetivos regimes de segurança social – Limites – Cumprimento do direito da União – Normas do Tratado relativas à livre circulação de trabalhadores – Incidência nos benefícios conferidos pela legislação de um Estado‑Membro

(Artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE; Regulamento n.° 1408/71 do Conselho)

2.        Segurança social dos trabalhadores migrantes – Seguro de doença – Pessoa que recebe uma pensão no seu Estado‑Membro de origem e outra noutro Estado‑Membro – Regresso ao Estado‑Membro de origem aquando da reforma

(Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, artigos 15.° e 27.°)

1.        O objectivo prosseguido pelos artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE não seria atingido se, devido ao exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores migrantes perdessem os benefícios da segurança social conferidos pela legislação de um Estado‑Membro, nomeadamente quando esses benefícios representam a contrapartida de contribuições que pagaram. Com efeito, a regulamentação da União em matéria de coordenação das legislações nacionais de segurança social, tendo em conta, designadamente, os objectivos que a enformam, não pode, salvo excepção expressa conforme com esses objectivos, ser aplicada de modo a privar o trabalhador migrante ou os seus sucessores das prestações concedidas por força apenas da legislação de um Estado‑Membro. Esses artigos bem como o Regulamento n.° 1408/71, adoptado para lhes dar execução, têm nomeadamente por objecto evitar que um trabalhador que, fazendo uso do seu direito de livre circulação, ocupou empregos em mais do que um Estado‑Membro seja, sem justificação objectiva, tratado de forma menos favorável do que aquele cuja carreira decorreu integralmente num único Estado‑Membro.

(cf. n.os 74 a 76)

2.        Os artigos 15.° e 27.° do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 1386/2001, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma pessoa que recebe uma pensão de reforma das caixas de seguro de reforma do seu Estado‑Membro de origem e do Estado onde passou a maior parte da sua vida profissional, e que transferiu a sua residência deste último Estado‑Membro para o seu Estado‑Membro de origem, possa, em virtude de uma inscrição facultativa continuada num regime autónomo de seguro de dependência no Estado‑Membro onde passou a maior parte da sua vida profissional, continuar a beneficiar de uma prestação pecuniária correspondente a essa inscrição, em particular na hipótese de não existirem no Estado‑Membro de residência prestações pecuniárias destinadas a cobrir o risco específico da dependência, circunstância que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Se, diversamente desta hipótese, a regulamentação do Estado‑Membro de residência previr a concessão de prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência, mas num montante inferior ao das prestações relativas a este risco no outro Estado‑Membro que deve pagar uma pensão, o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71, conforme alterado, deve ser interpretado no sentido de que essa pessoa tem direito a um complemento de prestações equivalente à diferença entre os dois montantes, a pagar pela instituição competente deste último Estado.

(cf. n.° 88 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

30 de Junho de 2011 (*)

«Reenvio prejudicial – Segurança social – Regulamento (CEE) n.° 1408/71 – Artigos 15.°, 27.° e 28.° – Artigos 39.° CE e 42.° CE – Antigo trabalhador migrante – Actividade profissional exercida no Estado‑Membro de origem e noutro Estado‑Membro – Reforma no Estado‑Membro de origem – Renda paga pelos dois Estados‑Membros – Regime distinto de segurança social que cobre o risco de dependência – Existência no outro antigo Estado‑Membro de emprego – Inscrição facultativa continuada no referido regime – Manutenção do direito a uma prestação de dependência após o regresso ao Estado‑Membro de origem»

No processo C‑388/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundessozialgericht (Alemanha), por decisão de 22 de Abril de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Outubro de 2009, no processo

João Filipe da Silva Martins

contra

Bank Betriebskrankenkasse – Pflegekasse,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh (relator) e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Outubro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de J. F. da Silva Martins, por G. Krutzki, Rechtsanwalt,

–        em representação do Bank Betriebskrankenkasse – Pflegekasse, por T. Henz, Rechtsanwalt, e S. Klein,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e E. Silveira, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker, na qualidade de agente, assistida por T. Ward, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de Janeiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 27.° e 28.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1386/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Junho de 2001 (JO L 187, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), bem como dos artigos 39.° CE e 42.° CE.

2        Este pedido foi suscitado no âmbito de um litígio que opõe J. F. da Silva Martins ao Bank Betriebskrankenkasse – Pflegekasse (a seguir «Bank BKK»), relativo à inscrição facultativa continuada de J. F. da Silva Martins no seguro de dependência alemão e ao direito a uma prestação de dependência alemã.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O Regulamento n.° 1408/71 foi adoptado em aplicação do artigo 51.° do Tratado CEE (que passou a artigo 51.° do Tratado CE, que passou, por sua vez, após alteração, a artigo 42.° CE, actualmente artigo 48.° TFUE).

4        Como enunciado no segundo e quarto considerandos do Regulamento n.° 1408/71, o objectivo deste regulamento é assegurar a livre circulação dos trabalhadores assalariados e não assalariados no interior da União Europeia e, ao mesmo tempo, respeitar as características específicas das legislações nacionais sobre segurança social.

5        Para esse efeito, como decorre do quinto, sexto e décimo considerandos do dito regulamento, este orienta‑se pelo princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores perante as diferentes legislações nacionais e visa garantir, da melhor forma possível, a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores em actividade no território de um Estado‑Membro, e não penalizar os trabalhadores que exercem o seu direito de livre circulação.

6        Para evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem advir, o oitavo considerando do Regulamento n.° 1408/71 indica que as disposições deste regulamento têm como objectivo que os interessados estejam, em princípio, subordinados ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro.

7        As disposições gerais do Regulamento n.° 1408/71 figuram nos artigos 1.° a 12.° do seu título I.

8        O artigo 1.° deste regulamento prevê que, para efeitos da aplicação deste último:

«a)      As expressões ‘trabalhador assalariado’ e ‘trabalhador não assalariado’ designam respectivamente qualquer pessoa:

i)      que esteja abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados ou de um regime especial dos funcionários públicos;

[…]

h)      O termo ‘residência’ significa residência habitual;

[…]

o)      A expressão ‘instituição competente’ designa:

i)      a instituição em que o interessado esteja inscrito no momento do pedido das prestações,

ou

ii)      a instituição relativamente à qual o interessado tem ou teria direito a prestações se residisse ou se o membro ou os membros da sua família residissem no território do Estado‑Membro em que se encontra essa instituição

[...];

p)      As expressões ‘instituição do lugar de residência’ e ‘instituição do lugar de estada’ designam, respectivamente, a instituição com poderes para conceder as prestações no lugar onde o interessado reside e a instituição com poderes para conceder as prestações no lugar onde o interessado tem estada, nos termos da legislação aplicada pela referida instituição ou, se tal instituição não existir, a instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa;

q)      A expressão ‘Estado competente’ designa o Estado‑Membro em cujo território se encontra a instituição competente;

[…]

t)      Os termos ‘prestações’, ‘pensões’ e ‘rendas’ designam quaisquer prestações, pensões e rendas, incluindo todos os elementos a cargo dos fundos públicos, os acréscimos de actualização ou subsídios suplementares, sem prejuízo do disposto no Título III, bem como as prestações em capital, que podem substituir as pensões ou rendas e os pagamentos efectuados a título de reembolsos de contribuições;

[...]»

9        O artigo 2.°, n.° 1, do referido regulamento prevê que este último se aplica, nomeadamente, aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que residam no território de um dos Estados‑Membros.

10      O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 dispõe:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitem a:

a)      Prestações de doença e de maternidade;

b)      Prestações de invalidez, [...];

c)      Prestações de velhice;

[...]

h)      Prestações familiares.»

11      O artigo 9.° deste regulamento, sob a epígrafe «Admissão ao seguro voluntário ou facultativo continuado», dispõe, no seu n.° 1:

«As disposições da legislação de um Estado‑Membro que fizerem depender da residência no território desse Estado a admissão ao seguro voluntário ou facultativo continuado não são oponíveis às pessoas que residam no território de outro Estado‑Membro, desde que tenham estado sujeitas à legislação do primeiro Estado‑Membro em qualquer momento da sua carreira anterior, na qualidade de trabalhadores assalariados ou não assalariados.»

12      O artigo 12.° do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Proibição de cumulação de prestações», dispõe, no seu n.° 1:

«O presente regulamento não pode conferir ou manter o direito de beneficiar de várias prestações da mesma natureza relativas a um mesmo período de seguro obrigatório. Contudo, esta disposição não se aplica às prestações de invalidez, de velhice, por morte (pensões) ou por doença profissional que sejam liquidadas pelas instituições de dois ou mais Estados‑Membros nos termos do artigo 41.°, dos n.os 2 e 3 do artigo 43.°, dos artigos 46.°, 50.° e 51.° ou do n.° 1, alínea b), do artigo 60.°»

13      No título II deste regulamento, intitulado «Determinação da legislação aplicável», o artigo 13.°, sob a epígrafe «Regras gerais», prevê:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.°‑C e 14.°‑F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título.

2.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° a 17.°:

a)      A pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, [...]

[...]

f)      A pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado‑Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes ou com uma das excepções ou regras especiais constantes dos artigos 14.° a 17.°, está sujeita à legislação do Estado‑Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

14      Neste mesmo título, o artigo 15.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Regras relativas ao seguro voluntário ou ao seguro facultativo continuado», dispõe:

«1.      Os artigos 13.° a 14.°‑D não são aplicáveis em matéria de seguro voluntário ou facultativo continuado, salvo se, em relação a um dos ramos referidos no artigo 4.°, houver num Estado‑Membro unicamente regime de seguro voluntário.

2      Sempre que a aplicação das legislações de dois ou mais Estados‑Membros determinar a cumulação de inscrições:

–        num regime de seguro obrigatório e num ou mais regimes de seguro voluntário ou facultativo continuado, o interessado é exclusivamente abrangido pelo regime de seguro obrigatório,

–        [...]

3      Todavia, em matéria de invalidez, velhice e morte (pensões), o interessado pode beneficiar do seguro voluntário ou facultativo continuado de um Estado‑Membro, ainda que esteja obrigatoriamente sujeito à legislação de outro Estado‑Membro, na medida em que esta cumulação seja admitida explícita ou implicitamente no primeiro Estado‑Membro.»

15      Como resulta da sua epígrafe, o título III do Regulamento n.° 1408/71 contém disposições especiais relativas às diferentes categorias de prestações. O capítulo 1 deste título tem por epígrafe «Doença e maternidade».

16      Na secção II do dito capítulo 1, sob a epígrafe «Trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados e membros da sua família», o artigo 19.° deste regulamento, intitulado «Residência num Estado‑Membro que não seja o Estado competente – Regras gerais», dispõe, no seu n.° 1:

«O trabalhador assalariado ou não assalariado que resida no território de um Estado‑Membro que não seja o Estado competente e que preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente para ter direito às prestações[…] beneficiará no Estado em que reside:

a)      Das prestações em espécie concedidas por conta da instituição competente pela instituição do lugar de residência, em conformidade com as disposições da legislação aplicada por esta instituição, como se aquele trabalhador nela estivesse inscrito;

b)      Das prestações pecuniárias concedidas pela instituição competente, em conformidade com as disposições da legislação por ela aplicada. [...]»

17      Na secção V do referido capítulo 1, sob a epígrafe «Titulares de pensões ou de rendas e membros da sua família», o artigo 27.° deste regulamento, intitulado «Pensões ou rendas devidas por força da legislação de vários Estados‑Membros, quando houver direito às prestações no país de residência», tem a seguinte redacção:

«O titular de pensões ou de rendas devidas por força das legislações de dois ou mais Estados‑Membros, designadamente por força da legislação do Estado‑Membro em cujo território reside, e que tenha direito às prestações ao abrigo da legislação deste último Estado‑Membro[…], beneficia[…] dessas prestações por parte e a cargo da instituição do lugar de residência, como se o interessado fosse titular de uma pensão ou de uma renda devida ao abrigo unicamente da legislação deste último Estado‑Membro.»

18      Nos termos do artigo 28.°, n.° 1, do referido regulamento, na mesma secção V, sob a epígrafe «Pensões ou rendas devidas por força da legislação de um único ou de vários Estados, quando não houver direito às prestações no país de residência»:

«O titular de uma pensão ou de uma renda devida por força da legislação de um Estado‑Membro ou de pensões ou de rendas devidas ao abrigo das legislações de dois ou mais Estados‑Membros, que não tenha direito às prestações ao abrigo da legislação do Estado‑Membro em cujo território reside, beneficia[,] no entanto, dessas prestações […], desde que a tal tivesse direito por força da legislação do Estado‑Membro ou de, pelo menos, um dos Estados‑Membros competentes em matéria de pensões, se residisse no território do Estado em causa […]. As prestações são concedidas nas seguintes condições:

a)      As prestações em espécie são concedidas pela instituição do lugar de residência, a cargo da instituição referida no n.° 2, como se o interessado fosse titular de uma pensão ou de uma renda por força da legislação do Estado em cujo território reside e tivesse direito às prestações em espécie;

b)      As prestações pecuniárias são concedidas, se for caso disso, pela instituição competente determinada nos termos do n.° 2, em conformidade com as disposições da legislação aplicada por esta instituição. Todavia, por acordo entre a instituição competente e a instituição do lugar de residência[,] essas prestações podem ser concedidas por esta última instituição, por conta da primeira, em conformidade com as disposições da legislação do Estado competente.»

 Legislação alemã

19      O § 3, n.° 1, do livro IV do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch IV) enuncia:

«1)      As disposições relativas à obrigação de inscrição na segurança social e ao direito ao seguro aplicam‑se:

1.      Na medida em que pressuponham uma actividade assalariada ou por conta própria, a todas as pessoas que exerçam uma ou outra destas actividades no âmbito de aplicação do presente código,

2.      Na medida em que não se encontrem subordinadas ao exercício de uma actividade assalariada ou por conta própria, a todas as pessoas cujo domicílio ou residência habitual seja abrangido pelo âmbito de aplicação do presente código.»

20      O § 26 do livro XI do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch XI, a seguir «SGB XI»), sob a epígrafe «Seguro continuado», tem a seguinte redacção:

«1)      As pessoas que deixem de estar sujeitas ao regime de seguro obrigatório, [...] mas que tenham estado cobertas pelo seguro pelo menos durante 24 meses ao longo dos cinco anos que antecederam o cancelamento da inscrição no regime de seguro ou durante os doze meses imediatamente anteriores a esse cancelamento, podem inscrever‑se no seguro de dependência continuado, salvo se estiverem abrangidas por um regime de seguro obrigatório por força do § 23, n.° 1. […] O requerimento deve ser apresentado à caixa de seguro competente, no prazo máximo de três meses a contar do cancelamento da inscrição relativa às situações descritas no primeiro período.

2)      As pessoas que, por terem transferido a sua residência ou permanecerem habitualmente no estrangeiro, deixem de estar sujeitas ao regime de seguro obrigatório podem pedir para ser inscritas a título de seguro continuado. O requerimento deve ser apresentado à caixa de seguro em que o requerente estava ultimamente inscrito, no prazo máximo de um mês a contar do termo da sujeição ao seguro obrigatório. [...]»

21      O § 34, n.° 1, do SGB XI prevê, sem prejuízo de certas excepções relativas a estadas temporárias, que o direito às prestações é suspenso enquanto o segurado permanecer no estrangeiro.

 Legislação portuguesa

22      Segundo a decisão de reenvio, um pensionista estabelecido em Portugal que se encontre numa situação de dependência tem, em princípio, direito a prestações sociais como, nomeadamente, prestações de seguro de doença, no quadro de um sistema financiado através de uma contribuição social sobre o rendimento bruto. Contudo, não tem direito a uma prestação de dependência em Portugal, na medida em que o sistema de segurança social português não prevê prestações específicas destinadas a cobrir este risco. As prestações de assistência a pessoas dependentes são, quando muito, concedidas sob a forma de prestações em espécie no quadro de acções sociais e do seguro de doença. No caso de uma situação de dependência duradoura, o sistema português prevê a possibilidade de aumentar a pensão de invalidez.

23      Nas suas observações escritas, o Governo português precisa que o direito português não prevê prestações específicas destinadas a cobrir situações de dependência. O Serviço Nacional de Saúde não depende de condições de seguro e as prestações em espécie abrangidas por este serviço não estão concebidas para responder a estas situações de dependência. Não obstante, os pensionistas de velhice, invalidez ou sobrevivência que se encontrem em situação de dependência podem beneficiar, ao abrigo da legislação portuguesa, de um complemento de pensão em função do grau de dependência.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

24      J. F. da Silva Martins, nascido em 1935, é de nacionalidade portuguesa. Após ter trabalhado durante um curto período em Portugal, fixou residência e trabalhou na Alemanha. Estava inscrito desde 1974 no Bank BKK como beneficiário do seguro de saúde e do seguro de dependência desde a criação deste na Alemanha, em Janeiro de 1995. Desde Setembro de 1996, recebe uma pensão de velhice alemã no valor de cerca de 700 euros, à qual acresce, desde Maio de 2000, uma pensão de velhice portuguesa no valor de cerca de 150 euros.

25      A partir do momento em que passou a receber uma pensão de velhice na Alemanha, J. F. da Silva Martins passou a estar inscrito na Krankenversicherung der Rentner (Caixa de Seguro de Doença dos Pensionistas). A partir de Agosto de 2001, o Bank BKK concedeu‑lhe prestações de dependência em espécie. Devido a uma estada em Portugal a partir de meados de Dezembro de 2001, inicialmente indicada como provisória, o Bank BKK atribuiu a J. F. da Silva Martins, por decisão de 8 de Maio de 2002, uma prestação de dependência de 205 euros, que lhe foi paga entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2002.

26      Após ter tomado conhecimento de que J. F. da Silva Martins tinha apresentado uma declaração de saída definitiva da Alemanha com efeitos a partir de 31 de Julho de 2002, o Bank BKK cancelou a sua inscrição no seguro de dependência, com efeitos a partir dessa data, por decisão de 5 de Fevereiro de 2003. Por decisão ulterior de 12 de Fevereiro de 2003, exigiu‑lhe o reembolso da prestação de dependência que lhe fora paga entre Agosto e Dezembro de 2002, no montante total de 1 025 euros. Por decisão de 4 de Fevereiro de 2004, indeferiu a reclamação apresentada por J. F. da Silva Martins em 21 de Fevereiro de 2003.

27      O Sozialgericht Frankfurt am Main deu provimento ao recurso interposto desta decisão. Ao anular as decisões impugnadas, declarou que J. F. da Silva Martins, por força do seguro facultativo continuado, ainda estava inscrito no Bank BKK, o qual, por conseguinte, mesmo após 1 de Janeiro de 2003, estava obrigado a pagar‑lhe a prestação de dependência no montante legal.

28      Por acórdão de 13 de Setembro de 2007, o Hessisches Landessozialgericht negou provimento ao recurso interposto pelo Bank BKK desta sentença, na parte relativa ao reembolso da prestação de dependência. Quanto ao restante, o Hessisches Landessozialgericht modificou a sentença do Sozialgericht Frankfurt am Main e negou provimento ao recurso com o fundamento de que, nos termos do § 26, n.° 1, do SGB XI, uma inscrição no seguro facultativo continuado era de excluir, pois o requerimento exigido para esse efeito não tinha sido apresentado no prazo legal previsto nesta disposição.

29      No recurso de «Revision» interposto no Bundessozialgericht, J. F. da Silva Martins invoca a violação dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 42.° CE, bem como a violação dos artigos 19.°, 27.° e 28.° do Regulamento n.° 1408/71. Em seu entender, deve ser possível exportar as prestações do seguro de dependência para outro país da União Europeia, designadamente quando, como no caso concreto, a cobertura foi financiada pelas suas próprias contribuições e no seu país de origem, Portugal, não existe uma prestação equivalente.

30      O Bundessozialgericht considera designadamente que, ao invés do entendimento do Hessisches Landessozialgericht, em princípio, o direito alemão permitia que J. F. da Silva Martins mantivesse a inscrição no seguro facultativo continuado de dependência do Bank BKK no período iniciado em 1 de Agosto de 2002.

31      Todavia, o Bundessozialgericht considera, no essencial, que, a priori, uma vez que as prestações de dependência fazem parte, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça dita «Molenaar», decorrente do acórdão de 5 de Março de 1998, Molenaar (C‑160/96 Colect., p. I‑843, n.os 22 a 25), do domínio do seguro de doença, as regras relativas aos conflitos de leis previstas no Regulamento n.° 1408/71 se opõem à manutenção da inscrição de J. F. da Silva Martins no seguro de dependência na Alemanha. Com efeito, por um lado, as disposições do Regulamento n.° 1408/71 excluem a sua inscrição no seguro de dependência obrigatório a partir da data da transferência definitiva do seu domicílio para Portugal. Por outro lado, não obstante a posição do legislador alemão, o artigo 15.°, n.° 2, deste regulamento opõe‑se à manutenção da inscrição no seguro de dependência facultativo continuado.

32      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, tendo em conta, nomeadamente, o artigo 42.° CE, o artigo 28.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71 pode ser interpretado no sentido de que se aplica a casos como o que está em causa no processo principal, de modo a permitir a J. F. da Silva Martins beneficiar em Portugal da prestação de dependência alemã ou se, em contrapartida, como defende o Bank BKK, por força do artigo 27.° deste regulamento, apenas pode reclamar prestações de seguro de doença previstas no direito português, na medida em que a prestação de dependência alemã faz parte, segundo a jurisprudência Molenaar, do «seguro de doença» na acepção do referido regulamento.

33      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber de que modo a interpretação do Regulamento n.° 1408/71, em particular dos seus artigos 27.° e 28.°, deveria ter em consideração a cobertura autónoma da dependência existente em determinados Estados‑Membros, por exemplo na Alemanha, mas não, segundo esse órgão jurisdicional, noutros Estados, como Portugal.

34      Nestas condições, o Bundessozialgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com as disposições do direito comunitário primário e/ou derivado em matéria de livre circulação e de segurança social dos trabalhadores migrantes [em especial os artigos 39.° CE e 42.° CE e 27.° e 28.° do Regulamento n.° 1408/71] que um trabalhador reformado, que recebe pensões do Estado em que trabalhou e do Estado de que é originário e que tem direito ao subsídio de dependência no primeiro por carecer de cuidados de longa duração, perca o direito ao subsídio de dependência após o regresso ao seu país de origem?»

 Quanto à questão prejudicial

35      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se o Regulamento n.° 1408/71, em especial os seus artigos 27.° e 28.°, ou, sendo caso disso, os artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE se opõem a que uma pessoa numa situação como a que está em causa no processo principal, que recebe uma pensão de reforma das caixas de seguro de reforma do seu Estado‑Membro de origem e do Estado‑Membro onde passou a maior parte da sua vida profissional, tendo transferido a sua residência deste último Estado‑Membro para o seu Estado‑Membro de origem, possa, em virtude de uma inscrição facultativa continuada num regime de seguro de dependência no Estado‑Membro onde passou a maior parte da sua vida profissional, continuar a beneficiar de uma prestação pecuniária correspondente a esta inscrição, em particular na hipótese de não existirem no Estado‑Membro de residência prestações que cubram o risco específico da dependência.

36      No essencial, o Governo português e a Comissão associam‑se ao resultado pretendido por J. F. da Silva Martins, isto é, o pagamento no seu Estado‑Membro de origem, no qual passou novamente a residir, de uma prestação de dependência ao abrigo do regime de segurança social do outro Estado‑Membro em causa. O Bank BKK, os Governos alemão, checo e do Reino Unido defendem, por seu turno, a posição inversa.

 Observações preliminares

37      Importa começar por recordar que os titulares de uma pensão ou de uma renda devidas por força da legislação de um ou mais Estados‑Membros, mesmo que não exerçam uma actividade profissional, são abrangidos, por estarem inscritos num regime de segurança social, pelas disposições do Regulamento n.° 1408/71 relativas aos trabalhadores, a menos que sejam objecto de disposições especiais (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Março de 1998, Kulzer, C‑194/96, Colect., p. I‑895, n.° 24, e de 18 de Dezembro de 2007, Habelt e o., C‑396/05, C‑419/05 e C‑450/05, Colect., p. I‑11895, n.° 57).

38      Além disso, segundo jurisprudência assente, uma prestação pode ser considerada uma prestação de segurança social na medida em que seja concedida aos beneficiários independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida, e que esteja relacionada com um dos riscos enumerados expressamente no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 (v., designadamente, acórdãos de 27 de Março de 1985, Hoeckx, 249/83, Recueil, p. 973, n.os 12 a 14, e Scrivner e Cole, 122/84, Recueil, p. 1027, n.os 19 a 21; de 20 de Junho de 1991, Newton, C‑356/89, Colect., p. I‑3017, e de 16 de Julho de 1992, Hughes, C‑78/91, Colect., p. I‑4839, n.° 15).

39      É manifesto que um número crescente de pessoas na União se encontra, na sequência de uma diminuição da autonomia, frequentemente devido à idade avançada, dependente de outras pessoas para realizar os gestos essenciais da vida quotidiana.

40      Só há relativamente pouco tempo os regimes de segurança social de vários Estados‑Membros cobrem especificamente o risco desta dependência (a seguir «risco de dependência»). Este risco não figura expressamente na lista enumerada no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, entre os tipos de prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

41      Ora, como resulta do n.° 38 do presente acórdão, a referida lista tem carácter exaustivo, de modo que um ramo da segurança social que nela não seja mencionado escapa a essa qualificação, mesmo que confira aos beneficiários uma posição legalmente definida que dê direito a uma prestação (v., designadamente, acórdãos Hoeckx, já referido, n.° 12; de 11 de Julho de 1996, Otte, C‑25/95, Colect., p. I‑3745, n.° 22; e Molenaar, já referido, n.° 20).

42      Nestas condições, o Tribunal de Justiça, em aplicação da jurisprudência referida no n.° 38 do presente acórdão e levando em conta os elementos constitutivos das prestações do seguro de dependência alemão, decidiu, no essencial, nos n.os 22 a 25 do acórdão Molenaar, já referido, que prestações como as concedidas no âmbito do regime alemão de seguro de dependência, embora apresentando características que lhes são próprias, devem ser equiparadas a «prestações de doença» na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71.

43      A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou, em particular, que prestações como a prestação de dependência alemã têm essencialmente por objecto completar as prestações de seguro de doença, às quais estão, aliás, ligadas no plano da organização, a fim de melhorar o estado de saúde e a vida das pessoas dependentes (acórdão Molenaar, já referido, n.° 24). Além disso, o Tribunal de Justiça decidiu que a prestação de dependência alemã, que constitui um auxílio financeiro que permite melhorar globalmente o nível de vida das pessoas dependentes, de modo a compensar os maiores custos provocados pelo estado em que se encontram, deve ser equiparada às «prestações pecuniárias» referidas, designadamente, no artigo 28.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71 (v. acórdão Molenaar, já referido, n.os 35 e 36).

44      Esta análise foi seguida noutros processos relativos ao seguro de dependência alemão (v. acórdãos de 8 de Julho de 2004, Gaumain‑Cerri e Barth, C‑502/01 e C‑31/02, Colect., p. I‑6483, n.os 19 a 23 e 25 a 26, e de 16 de Julho de 2009, von Chamier‑Glisczinski, C‑208/07, Colect., p. I‑6095, n.° 40).

45      Do mesmo modo, no que se refere a certas prestações de segurança social existentes em regimes nacionais diferentes do regime de dependência alemão, o Tribunal de Justiça decidiu, no essencial, que as prestações concedidas de forma objectiva, com base numa situação legalmente definida, e que se destinam a melhorar o estado de saúde e a vida das pessoas dependentes, devem ser equiparadas a «prestações de doença» na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Março de 2001, Jauch, C‑215/99, Colect., p I‑1901, n.° 28; de 21 de Fevereiro de 2006, Hosse, C‑286/03, Colect., p. I‑1771, n.os 38 a 44; e de 18 de Outubro de 2007, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑299/05, Colect., p. I‑8695, n.os 10, 61 e 70).

46      Além disso, o Tribunal de Justiça precisou, a este respeito, que pouco importa que a prestação em causa tenha por objecto completar financeiramente, tendo em conta a situação de dependência da pessoa, uma pensão que será concedida por um motivo diferente da doença (v. acórdão Jauch, já referido, n.° 28) ou que a concessão desta prestação não esteja necessariamente relacionada com o pagamento de uma prestação de seguro de doença (v., neste sentido, acórdão Hosse, já referido, n.° 43). A este respeito, é igualmente irrelevante o facto de uma determinada prestação, ao contrário das prestações em causa em certos acórdãos já referidos neste domínio, não ter essencialmente por objectivo completar prestações de seguro de doença (v., neste sentido, acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 70).

47      Resulta do exposto que, embora o Tribunal de Justiça, na falta de disposições do Regulamento n.° 1408/71 que visem especificamente o risco de dependência, tenha equiparado certas prestações relativas a este risco a «prestações de doença» na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do referido regulamento, não é menos certo que o Tribunal sempre reconheceu que as prestações relativas ao risco de dependência têm, quando muito, um carácter complementar em relação às prestações de doença «clássicas» abrangidas, strictu sensu, pela referida disposição (a seguir «prestações de doença strictu sensu») e não fazem necessariamente parte integrante destas.

48      Com efeito, há que salientar, a este respeito, que, diversamente das prestações de doença strictu sensu, as prestações relativas ao risco de dependência – sendo, regra geral, de longa duração – não se destinam, em princípio, a ser pagas durante um curto período. Por outro lado, como resulta, nomeadamente, das circunstâncias que estiveram na origem da jurisprudência exposta nos n.os 45 e 46 do presente acórdão, não se pode excluir que as prestações relativas ao risco de dependência, apesar de deverem ser equiparadas a «prestações de doença» na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, possam apresentar, nomeadamente nas respectivas modalidades de aplicação, características que, do ponto de vista factual, se aproximam igualmente, em certa medida, dos ramos invalidez e velhice referidos nas alíneas b) e c) do referido artigo 4.°, n.° 1, sem poderem ser, em rigor, identificadas com uma ou com outra.

49      É à luz destas considerações que há que responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à possibilidade, numa situação como a que está em causa no processo principal, de manutenção da inscrição no seguro de dependência alemão ao abrigo do seguro facultativo continuado

50      No caso em apreço, como resulta, nomeadamente, do n.° 30 do presente acórdão, o Bundessozialgericht considera que só o direito alemão permitiria, em princípio, a uma pessoa numa situação como a de J. F. da Silva Martins manter uma inscrição no seguro de dependência alemão ao abrigo do seguro facultativo continuado a partir de 1 de Agosto de 2002, apesar de a sua inscrição obrigatória na caixa alemã de seguro de doença ter sido cancelada a partir da data da sua declaração de saída da Alemanha.

51      O órgão jurisdicional de reenvio parece, todavia, considerar que o Regulamento n.° 1408/71, por seu turno, se opõe, pelo menos à primeira vista, à manutenção da inscrição de uma pessoa numa situação como a que está em causa no processo principal no seguro de dependência ao abrigo do seguro facultativo continuado.

52      Por conseguinte, importa examinar, em primeiro lugar, se, como parece considerar o órgão jurisdicional nacional, as regras de conflitos de leis previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1408/71 se opõem a que uma pessoa numa situação como a de J. F. da Silva Martins mantenha a sua inscrição no seguro de dependência alemão ao abrigo do seguro facultativo continuado dado que esta pessoa, na sequência de uma mudança do Estado de residência, passou a estar abrangida, em princípio, em conformidade com o artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do referido regulamento, pelo regime de segurança social deste novo Estado‑Membro de residência (v., sobre este último ponto, acórdão de 20 de Janeiro de 2005, Laurin Effing, C‑302/02, Colect., p. I‑553, n.° 41).

53      A este respeito, é verdade que a finalidade das disposições do Regulamento n.° 1408/71 que determinam a legislação aplicável aos trabalhadores assalariados e não assalariados que se deslocam no interior da União é, nomeadamente, que os interessados estejam, em princípio, sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, de forma a evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem resultar (v., designadamente, acórdãos de 12 de Junho de 1986, Ten Holder, 302/84, Colect., p. 1821, n.os 19 e 20, e de 14 de Outubro de 2010, Schwemmer, C‑16/09, Colect., p. I‑0000, n.° 40). Este princípio de unicidade de regime de segurança social encontra a sua expressão, nomeadamente, no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Julho de 2005, van Pommeren‑Bourgondiën, C‑227/03, Colect., p. I‑6101, n.° 38, e de 20 de Maio de 2008, Bosmann, C‑352/06, Colect., p. I‑3827, n.° 16).

54      O referido princípio de unicidade de regime de segurança social é igualmente expresso no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1408/71. Nos termos do primeiro travessão desta disposição, sempre que a aplicação das legislações de dois ou mais Estados‑Membros determinar a cumulação de inscrições num regime de seguro obrigatório e num ou mais regimes de seguro voluntário ou facultativo continuado, o interessado é exclusivamente abrangido pelo primeiro.

55      Todavia, esta disposição não é aplicável numa situação como a que está em causa no processo principal.

56      Com efeito, nos termos do artigo 15.°, n.° 1, do referido regulamento, as disposições aí enumeradas, designadamente, o artigo 13.°, que exprime o princípio exposto no n.° 53 do presente acórdão, não são aplicáveis em matéria de seguro voluntário ou facultativo continuado, salvo se, em relação a um dos ramos referidos no artigo 4.° deste regulamento, apenas existir num Estado‑Membro um regime de seguro voluntário. Ora, como resulta, nomeadamente, dos n.os 19 a 23 do presente acórdão, esta última ressalva não se afigura pertinente numa situação como a que está em causa no processo principal, uma vez que o seguro de dependência alemão, regra geral, é um regime de seguro obrigatório. Daqui decorre que, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, o referido princípio de unicidade de regime de segurança social não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal.

57      Por outro lado, lido à luz do oitavo considerando do Regulamento n.° 1408/71, o artigo 15.°, n.° 2, deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que tem por objectivo evitar que um indivíduo deva contribuir, relativamente a um único e mesmo risco, para dois regimes de segurança social diferentes, um obrigatório e outro facultativo, com todas as complicações que daí podem advir. Em contrapartida, esta disposição não se destina a ser aplicada numa situação como a que está em causa no processo principal, na qual as contribuições facultativas continuadas e obrigatórias em questão se referem a riscos que, embora sejam, em aplicação da jurisprudência exposta nos n.os 42 a 46 do presente acórdão, equiparáveis para efeitos do Regulamento n.° 1408/71, não são, porém, como resulta dos n.os 39, 40, 47 e 48 deste acórdão, idênticos, isto é, respectivamente, o risco de dependência e o risco de doença na acepção estrita do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do referido regulamento.

58      Tendo em conta o exposto, há que concluir que o Regulamento n.° 1408/71, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, não se opõe à inscrição facultativa continuada no seguro de dependência alemão.

59      Daqui resulta que o Regulamento n.° 1408/71 não se opõe a que uma pessoa numa situação como a de J. F. da Silva Martins possa, em princípio, manter uma inscrição a título facultativo, ao abrigo do direito alemão, no seguro de dependência alemão, mesmo que também esteja inscrita a título obrigatório, em aplicação do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do referido regulamento, no regime de segurança social português durante o mesmo período.

 Quanto à interpretação dos artigos 27.° e 28.° do Regulamento n.° 1408/71

60      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha o facto de, em Portugal, diversamente da Alemanha, não existir um regime de segurança social distinto aplicável especificamente ao risco de dependência. Por conseguinte, interroga‑se sobre se o artigo 28.° do Regulamento n.° 1408/71 não deveria ser interpretado no sentido de que é aplicável, em vez do artigo 27.° deste regulamento, a uma situação como a que está em causa no processo principal, apesar de unicamente no que diz respeito a prestações relativas, diversamente das prestações de doença strictu sensu, ao risco de dependência.

61      A este respeito, importa recordar que o artigo 28.° do dito regulamento se refere, nomeadamente, a situações em que o titular de pensões ou de rendas devidas ao abrigo das legislações de dois ou mais Estados‑Membros não tem direito às prestações de doença ao abrigo da legislação do Estado‑Membro no território do qual reside.

62      Daqui decorre que o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que, por força da legislação portuguesa em matéria de segurança social, as pessoas que se encontrem numa situação como a de J. F. da Silva Martins não têm direito a prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência.

63      Ora, como decorre, nomeadamente, dos n.os 22 e 23 do presente acórdão, não se pode excluir, à partida, que o sistema de segurança social português, apesar de não prever, diversamente do sistema alemão, um regime distinto aplicável unicamente ao risco de dependência, preveja, no entanto, certas prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência, como, em particular, complementos de pensão concedidos em função do grau de dependência.

64      Nestas condições, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, levando em consideração a jurisprudência exposta nos n.os 42 a 46 do presente acórdão, o pressuposto segundo o qual não existe, em Portugal, nenhuma prestação de segurança social relativa ao risco de dependência (v., igualmente, por analogia, acórdão Jauch, já referido, n.° 26).

65      De qualquer modo, tendo em conta a referida jurisprudência segundo a qual as prestações de segurança social relativas ao risco de dependência são, cumpridos que estejam os critérios estabelecidos por esta mesma jurisprudência, equiparáveis a «prestações de doença», na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, impõe‑se concluir que o artigo 28.° do referido regulamento não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, na qual o interessado, titular de uma pensão de reforma devida ao abrigo da legislação do seu Estado‑Membro de residência, tem direito a prestações de doença strictu sensu ao abrigo desta mesma legislação.

66      Com efeito, em conformidade com o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71, o titular de pensões ou de rendas devidas por força das legislações de dois ou mais Estados‑Membros, entre as quais a do Estado‑Membro no território do qual reside, e que tenha direito às prestações de doença ao abrigo da legislação deste, recebe estas prestações da instituição do lugar de residência, as quais devem ser pagas por essa instituição, como se o interessado fosse titular de uma pensão ou de uma renda devida ao abrigo unicamente da legislação deste último Estado‑Membro.

67      Por conseguinte, na situação em causa no processo principal, compete à República Portuguesa, um dos Estados obrigados ao pagamento de uma pensão de reforma a J. F. da Silva Martins, enquanto Estado‑Membro de residência deste, assegurar o pagamento das prestações de doença strictu sensu (v., por analogia, acórdão de 18 de Julho de 2006, Nikula, C‑50/05, Colect., p. I‑7029, n.os 22 e 23).

68      Ora, como resulta dos n.os 39 a 46 do presente acórdão, as prestações relativas ao risco de dependência são equiparáveis a «prestações de doença», na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71. Daqui decorre que, quando um antigo trabalhador migrante é titular de pensões ao abrigo das legislações de dois ou mais Estados‑Membros, entre as quais a do Estado‑Membro no território do qual reside, é este último Estado que, sendo caso disso, em conformidade com o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71, deve, em princípio, conceder as prestações relativas ao risco de dependência.

69      Tendo em conta as considerações expostas nos n.os 40 a 48 do presente acórdão, uma vez que não existem no Regulamento n.° 1408/71 disposições especificamente aplicáveis ao risco de dependência, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, há que interpretar o artigo 27.° deste regulamento à luz dos objectivos subjacentes ao Regulamento n.° 1408/71, levando em consideração as particularidades das prestações relativas ao risco de dependência em relação às prestações de doença strictu sensu (v., designadamente, por analogia, acórdãos de 6 de Março de 1979, Rossi, 100/78, Colect., p. 447, n.° 12, e de 14 de Dezembro de 1989, Dammer, C‑168/88, Colect., p. 4553, n.° 20).

70      A este respeito, importa recordar que as disposições do Regulamento n.° 1408/71, adoptadas em aplicação do artigo 48.° TFUE, devem ser interpretadas à luz da finalidade deste artigo, que é contribuir para o estabelecimento de uma liberdade de circulação de trabalhadores migrantes tão completa quanto possível (v., designadamente, acórdãos de 12 de Outubro de 1978, Belbouab, 10/78, Colect., p. 647, n.° 5; Jauch, já referido, n.° 20; Hosse, já referido, n.° 24; e de 11 de Setembro de 2007, Hendrix, C‑287/05, Colect., p. I‑6909, n.° 52).

71      Uma vez que o artigo 48.° TFUE prevê uma coordenação das legislações dos Estados‑Membros e não a sua harmonização (v., designadamente, acórdão de 5 de Julho de 1988, Borowitz, 21/87, Colect., p. 3715, n.° 23), as diferenças substanciais e processuais entre os regimes de segurança social de cada Estado‑Membro e, por conseguinte, entre os direitos das pessoas neles inscritas não são afectadas por essa disposição, permanecendo cada Estado‑Membro competente para determinar na sua legislação, no respeito do direito da União, as condições de concessão das prestações de um regime de segurança social (v., neste sentido, acórdão von Chamier‑Glisczinski, já referido, n.° 84, e de 14 de Outubro de 2010, van Delft e o., C‑345/09, Colect., p. I‑0000, n.° 99).

72      Neste quadro, o direito primário da União não pode garantir a um segurado que uma deslocação para outro Estado‑Membro seja neutra em matéria de segurança social, designadamente no plano das prestações de doença. Assim, a aplicação, sendo caso disso por força das disposições do Regulamento n.° 1408/71, na sequência de uma mudança de Estado‑Membro de residência, de uma regulamentação nacional menos favorável no plano das prestações de segurança social pode, em princípio, ser conforme com as exigências do direito primário da União em matéria de livre circulação de pessoas (v., designadamente, por analogia, acórdão von Chamier‑Glisczinski, já referido, n.os 85 e 87).

73      Todavia, resulta de jurisprudência assente que essa conformidade apenas existirá desde que, nomeadamente, a regulamentação nacional em causa não prejudique o trabalhador em causa relativamente aos trabalhadores que exercem todas as suas actividades no Estado‑Membro onde tal regulamentação se aplica e não conduza pura e simplesmente ao pagamento de contribuições para a segurança social a fundo perdido (v., neste sentido, acórdãos de 19 de Março de 2002, Hervein e o., C‑393/99 e C‑394/99, Colect., p. I‑2829, n.° 51; de 9 de Março de 2006, Piatkowski, C‑493/04, Colect., p. I‑2369, n.° 34; de 1 de Outubro de 2009, Leyman, C‑3/08, Colect., p. I‑9085, n.° 45; e van Delft e o., já referido, n.° 101).

74      Como o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente, o objectivo prosseguido pelos artigos 45.° TFUE e 48.° TFUE não seria atingido se, devido ao exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores migrantes perdessem os benefícios da segurança social conferidos pela legislação de um Estado‑Membro, nomeadamente quando esses benefícios representam a contrapartida de contribuições que pagaram (v., designadamente, neste sentido, acórdãos de 21 de Outubro de 1975, Petroni, 24/75, Colect., p. 391, n.° 13; de 25 de Fevereiro de 1986, Spruyt, 284/84, Colect., p. 685, n.° 19; de 27 de Fevereiro de 1997, Bastos Moriana e o., C‑59/95, Colect., p. I‑1071, n.° 17; Jauch, já referido, n.° 20; e Bosmann, já referido, n.° 29).

75      Com efeito, a regulamentação da União em matéria de coordenação das legislações nacionais de segurança social, tendo em conta, designadamente, os objectivos que a enformam, não pode, salvo excepção expressa conforme com esses objectivos, ser aplicada de modo a privar o trabalhador migrante ou os seus sucessores das prestações concedidas por força apenas da legislação de um Estado‑Membro (v., designadamente, acórdãos de 5 de Julho de 1967, Colditz, 9/67, Recueil, pp. 297, 304, Colect. 1965‑1968, p. 633; Rossi, já referido, n.° 14; e Schwemmer, já referido, n.° 58 e jurisprudência referida).

76      Além disso, também resulta da jurisprudência que os artigos 45.° TFUE a 48.° TFUE, bem como o Regulamento n.° 1408/71, adoptado para lhes dar execução, têm nomeadamente por objecto evitar que um trabalhador que, fazendo uso do seu direito de livre circulação, ocupou empregos em mais do que um Estado‑Membro seja, sem justificação objectiva, tratado de forma menos favorável do que aquele cuja carreira decorreu integralmente num único Estado‑Membro (v. designadamente, neste sentido, acórdãos de 5 de Maio de 1977, Jansen, 104/76, Recueil, p. 829, n.° 12, Colect., p. 311; de 7 de Março de 1991, Masgio, C‑10/90, Colect., p. I‑1119, n.os 17, 19 e 23; de 22 de Novembro de 1995, Vougioukas, C‑443/93, Colect., p. I‑4033, n.os 41 e 42; de 17 de Setembro de 1997, Iurlaro, C‑322/95, Colect., p. I‑4881, n.os 23 e 30; e Leyman, já referido, n.° 45).

77      Ora, quando, numa situação como a que está em causa no processo principal, o direito nacional permite, por si próprio, sem que o Regulamento n.° 1408/71 a tal se oponha, a inscrição facultativa continuada de uma pessoa numa situação como a de J. F. da Silva Martins num regime distinto de segurança social que cubra o risco de dependência, e quando esta pessoa cumpriu o período mínimo de contribuições exigido para poder beneficiar de prestações em caso de situação de dependência, o facto de suspender automaticamente o pagamento de todas as prestações relacionadas com este regime em caso de mudança de residência do interessado para outro Estado‑Membro da União é susceptível de conduzir, como salienta, no essencial, o órgão jurisdicional de reenvio e contrariamente ao que defendem os Governos alemão e do Reino Unido, ao pagamento de contribuições a fundo perdido, pelo menos no que diz respeito às contribuições pagas em resultado dessa inscrição continuada após a transferência de residência em questão.

78      Assim, seria pouco coerente com o objectivo prosseguido pelo artigo 48.° TFUE, como resulta, nomeadamente, dos n.os 70, 71 e 74 do presente acórdão, se um antigo trabalhador migrante numa posição como a de J. F. da Silva Martins, pelo simples facto de ter, em aplicação do artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71, direito a prestações de doença strictu sensu ao abrigo da legislação do seu Estado‑Membro de residência, perdesse as vantagens correspondentes à contrapartida das contribuições que pagou num antigo Estado‑Membro de emprego ao abrigo de um regime autónomo de seguro relativo não ao risco de doença na acepção estrita do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, mas ao risco de dependência. Isto seria ainda mais evidente na hipótese referida no n.° 64 do presente acórdão, cuja existência incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em que não existem, no referido Estado‑Membro de residência, prestações pecuniárias de segurança social relativas ao risco de dependência.

79      Além disso, em tal situação, esse antigo trabalhador migrante, novamente residente no seu Estado‑Membro de origem no termo do seu percurso profissional, seria prejudicado em relação aos trabalhadores, titulares de uma pensão de reforma de um único Estado‑Membro, que realizaram toda a sua carreira profissional num único Estado‑Membro antes de transferirem a sua residência para outro Estado‑Membro por ocasião da reforma.

80      Com efeito, para esta última categoria de pessoas, as disposições pertinentes do Regulamento n.° 1408/71, em particular o artigo 28.°, n.° 1, alínea a), deste, lidas à luz da jurisprudência exposta nos n.os 42 a 46 do presente acórdão, teriam como consequência que eventuais prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência previstas no antigo Estado‑Membro de emprego, dado serem equiparadas a prestações de doença strictu sensu, seriam, em princípio, concedidas fora do Estado competente (v., designadamente, por analogia, acórdãos, já referidos, Molenaar, n.° 43, e Jauch, n.os 10, 11 e 35).

81      Nestas condições, tendo em conta, em particular, a jurisprudência exposta nos n.os 73 a 76 do presente acórdão, é necessário, no que se refere às prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência numa situação como a que está em causa no processo principal, interpretar o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71 no sentido de que um direito a prestações de doença strictu sensu no Estado‑Membro de residência não elimina um direito anteriormente existente a cargo de outro Estado‑Membro por força exclusivamente da sua regulamentação relativa ao risco de dependência, apenas com base nos períodos de seguro cumpridos ao abrigo desta (v., designadamente, por analogia, acórdãos, já referidos, Dammer, n.os 21 a 23 e jurisprudência referida, e Bastos Moriana e o., n.° 17).

82      Todavia, tendo em conta, nomeadamente, as exigências decorrentes do artigo 12.° do Regulamento n.° 1408/71, esta interpretação deve, no caso concreto, tomar em consideração a possibilidade de, no termo das verificações efectuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio em conformidade com os n.os 63 e 64 do presente acórdão, este concluir pela existência, em Portugal, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, de prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência previstas ao abrigo da legislação portuguesa.

83      Em tais circunstâncias, há que interpretar o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71 no sentido de que, quando, no Estado‑Membro de residência, estão previstas prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência de montante inferior ao das prestações relativas a este risco previstas no outro Estado‑Membro que deve pagar uma pensão, os princípios que inspiram o Regulamento n.° 1408/71 exigem que uma pessoa na situação de J. F. da Silva Martins tenha direito a um complemento de prestações equivalente à diferença entre os dois montantes, a pagar pela instituição competente deste último Estado (v., designadamente, por analogia, acórdãos de 12 de Junho de 1980, Laterza, 733/79, Recueil, p. 1915, n.° 9; de 9 de Julho de 1980, Gravina, 807/79, Recueil, p. 2205, n.° 8; de 24 de Novembro de 1983, D’Amario, 320/82, Recueil, p. 3811, n.° 7; Dammer, já referido, n.os 23 e 24; de 11 de Junho de 1991, Athanasopoulos e o., C‑251/89, Colect., p. I‑2797, n.° 17; e Bastos Moriana e o., já referido, n.° 16).

84      Tal solução não pode ser excluída pela circunstância, salientada pelo Governo alemão, de que, por força do § 34 do SGB XI, o direito de uma pessoa em situação de dependência, ao abrigo do seguro facultativo continuado previsto no § 26 do SGB XI, à prestação de dependência em causa no processo principal seja suspenso, em princípio, enquanto o segurado se encontra no estrangeiro.

85      Com efeito, o Tribunal de Justiça já decidiu, no essencial, que a contribuição para um regime de seguro em matéria de segurança social cria, em princípio, a favor do trabalhador segurado, o direito a receber as prestações correspondentes quando reúne as condições fixadas pela legislação do Estado competente, excluindo, todavia, as condições não consentâneas com as disposições de direito da União aplicáveis em matéria de segurança social (v., neste sentido, acórdão Molenaar, já referido, n.° 43).

86      Ora, como resulta da jurisprudência exposta nos n.os 73 a 76 do presente acórdão, o objectivo prosseguido pelo artigo 48.° TFUE não seria atingido se, fora dos casos expressamente previstos pela regulamentação da União em conformidade com os objectivos do Tratado FUE, a legislação de um Estado‑Membro subordinasse a concessão de benefícios no domínio da segurança social devidos por força desta legislação à condição de o trabalhador residir no território do Estado‑Membro (v., igualmente, neste sentido, acórdão Athanasopoulos e o., já referido, n.° 20).

87      Embora seja verdade, como alegam os Governos alemão e do Reino Unido, que a concessão concorrente de prestações por parte de diferentes Estados‑Membros pode, no caso de prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência, ocasionar dificuldades de ordem prática que, no estado actual do direito da União, não foram plenamente abordadas pelas disposições da União relativas à coordenação dos regimes de segurança social, esta circunstância não pode, só por si, justificar uma interpretação do Regulamento n.° 1408/71 segundo a qual um antigo trabalhador migrante, que beneficia, ao abrigo unicamente da legislação de um antigo Estado‑Membro de emprego, de um seguro facultativo continuado relativo ao risco de dependência, seria levado a contribuir a fundo perdido ao abrigo deste seguro e seria, assim, tratado de forma mais desfavorável do que o trabalhador que realizou toda a sua carreira num único Estado‑Membro (v., por analogia, acórdão D’Amario, já referido, n.° 8).

88      Tendo em conta o exposto, há que responder à questão submetida que os artigos 15.° e 27.° do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma pessoa numa situação como a que está em causa no processo principal, que recebe uma pensão de reforma das caixas de seguro de reforma do seu Estado‑Membro de origem e do Estado onde passou a maior parte da sua vida profissional, e que transferiu a sua residência deste último Estado‑Membro para o seu Estado‑Membro de origem, possa, em virtude de uma inscrição facultativa continuada num regime autónomo de seguro de dependência no Estado‑Membro onde passou a maior parte da sua vida profissional, continuar a beneficiar de uma prestação pecuniária correspondente a essa inscrição, em particular na hipótese de não existirem no Estado‑Membro de residência prestações pecuniárias destinadas a cobrir o risco específico da dependência, circunstância que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Se, diversamente desta hipótese, a regulamentação do Estado‑Membro de residência previr a concessão de prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência, mas num montante inferior ao das prestações relativas a este risco no outro Estado‑Membro que deve pagar uma pensão, o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que essa pessoa tem direito a um complemento de prestações equivalente à diferença entre os dois montantes, a pagar pela instituição competente deste último Estado.

 Quanto às despesas

89      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Os artigos 15.° e 27.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1386/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Junho de 2001, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma pessoa numa situação como a que está em causa no processo principal, que recebe uma pensão de reforma das caixas de seguro de reforma do seu Estado‑Membro de origem e do Estado onde passou a maior parte da sua vida profissional, e que transferiu a sua residência deste último Estado‑Membro para o seu Estado‑Membro de origem, possa, em virtude de uma inscrição facultativa continuada num regime autónomo de seguro de dependência no Estado‑Membro onde passou a maior parte da sua vida profissional, continuar a beneficiar de uma prestação pecuniária correspondente a essa inscrição, em particular na hipótese de não existirem no Estado‑Membro de residência prestações pecuniárias destinadas a cobrir o risco específico da dependência, circunstância que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Se, diversamente desta hipótese, a regulamentação do Estado‑Membro de residência previr a concessão de prestações pecuniárias relativas ao risco de dependência, mas num montante inferior ao das prestações relativas a este risco no outro Estado‑Membro que deve pagar uma pensão, o artigo 27.° do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que essa pessoa tem direito a um complemento de prestações equivalente à diferença entre os dois montantes, a pagar pela instituição competente deste último Estado.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.