Processo C‑249/09

Novo Nordisk AS

contra

Ravimiamet

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tartu ringkonnakohus)

«Medicamentos para uso humano – Directiva 2001/83/CE – Publicidade – Revista médica – Informações não contidas no resumo das características do produto»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Medicamentos para uso humano – Directiva 2001/83 – Publicidade – Alcance

(Directiva 2001/83 do Parlamento Europeu e do Conselho, conforme alterada pela Directiva 2004/27, artigo 87.°, n.° 2)

2.        Aproximação das legislações – Medicamentos para uso humano – Directiva 2001/83 – Publicidade

(Directiva 2001/83 do Parlamento Europeu e do Conselho, conforme alterada pela Directiva 2004/27, artigo 87.°, n.° 2)

1.        O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Directiva 2004/27, deve ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável às citações de revistas médicas ou de obras científicas, incluídas na publicidade de um medicamento dirigida às pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos. Com efeito, resulta tanto da posição do artigo 87.° da Directiva 2001/83 na estrutura desta, como da redacção e do conteúdo do referido artigo 87.° no seu todo, que o seu n.° 2 constitui uma norma geral relativa a qualquer publicidade dos medicamentos, incluindo a dirigida às pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los. Esta interpretação é confirmada pelo objectivo da Directiva 2001/83. Com efeito, as informações erradas ou incompletas poderiam manifestamente implicar um perigo para a saúde das pessoas e, portanto, comprometer o objectivo essencial prosseguido por esta directiva.

(cf. n.os 30, 31, 34, 35, disp. 1)

2.        O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Directiva 2004/27, proíbe a publicação, na publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer, de afirmações que estejam em contradição com o resumo das características do produto, mas não exige que todas as afirmações que figuram nessa publicidade se encontrem no referido resumo ou possam ser dele inferidas. Tal publicidade pode incluir afirmações que completem as informações referidas no artigo 11.° da dita directiva, desde que essas afirmações:

– confirmem ou precisem, em sentido compatível, as referidas informações, sem as desvirtuar, e

– estejam em conformidade com as exigências referidas nos artigos 87.°, n.° 3, e 92.°, n.os 2 e 3, desta directiva.

Deste modo, tais informações, por um lado, não podem ser enganosas e devem fomentar a utilização racional do medicamento, apresentando‑o de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades e, por outro, devem ser exactas, actualizadas, verificáveis e suficientemente completas para que o destinatário possa formar uma opinião pessoal quanto ao valor terapêutico do medicamento. Por último, as citações, os quadros e as outras ilustrações provenientes de revistas médicas ou de obras científicas devem ser claramente identificados e as suas fontes devem ser citadas de forma precisa para que o profissional de saúde delas seja informado e as possa verificar.

(cf. n.os 50, 51, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

5 de Maio de 2011 (*)

«Medicamentos para uso humano – Directiva 2001/83/CE – Publicidade – Revista médica – Informações não contidas no resumo das características do produto»

No processo C‑249/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Tartu ringkonnakohus (Estónia), por decisão de 11 de Junho de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de Julho de 2009, no processo

Novo Nordisk AS

contra

Ravimiamet,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, D. Šváby (relator), R. Silva de Lapuerta, E. Juhász e J. Malenovský, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Setembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Novo Nordisk AS, por M. Männik, advokaat, e A. Kmiecik, solicitor,

–        em representação do Governo estónio, por L. Uibo e M. Linntam, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por A. Wespes e T. Materne, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e A. P. Antunes, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Šimerdová e E. Randvere, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de Outubro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), conforme alterada pela Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (JO L 136, p. 34, a seguir «Directiva 2001/83»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Novo Nordisk AS (a seguir «Novo Nordisk») ao Ravimiamet (Instituto do Medicamento da República da Estónia) a respeito da decisão deste último de impor à Novo Nordisk que pusesse termo à publicidade do medicamento Levemir (insulina détémir), com o fundamento de que era contrária à Lei relativa aos medicamentos (Ravimiseadus, a seguir «RavS»), em particular ao seu artigo 83.°, n.° 3, in fine, que prevê que a publicidade de um medicamento não pode incluir informações que não constem do resumo das características do produto.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 47, 48 e 52 da Directiva 2001/83 têm a seguinte redacção:

«(47) A publicidade de medicamentos junto de pessoas habilitadas para os receitar ou fornecer contribui para a informação dessas pessoas. Importa, todavia, submetê‑la a condições estritas e a um controlo efectivo, com base, nomeadamente, nos trabalhos efectuados no âmbito do Conselho da Europa.

(48) A publicidade relativa a medicamentos deve ser sujeita a um controlo adequado e eficaz. Importa, para o efeito, tomar por base os mecanismos de controlo criados pela Directiva 84/450/CEE.

[…]

(52) Embora seja necessário que as pessoas habilitadas a receitar ou fornecer medicamentos disponham de fontes de informação neutras e objectivas sobre os medicamentos disponíveis no mercado, é porém aos Estados‑Membros que incumbe adoptar as medidas adequadas para o efeito, em função das suas situações específicas.»

4        De acordo com o artigo 11.° da Directiva 2001/83, o resumo das características do produto inclui uma lista detalhada das informações, designadamente, a composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas e em componentes do excipiente, cujo conhecimento é essencial para uma correcta administração do medicamento, as propriedades farmacológicas, as indicações terapêuticas, as contra‑indicações, a frequência e a gravidade dos efeitos indesejáveis, as precauções de utilização, as interacções medicamentosas, a posologia e o modo de administração, bem como as principais incompatibilidades.

5        O título VIII da Directiva 2001/83, intitulado «Publicidade», contém os artigos 86.° a 88.°, e o título VIII‑A, intitulado «Informação e publicidade», contém os artigos 88.°‑A a 100.°

6        O artigo 86.° da Directiva 2001/83 dispõe:

«1. Entende‑se por ‘publicidade dos medicamentos’: qualquer acção de informação, de prospecção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos; abrange, em especial:

–        a publicidade dos medicamentos junto do público em geral;

–        a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los;

–        a visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos;

–        o fornecimento de amostras de medicamentos;

–        o incentivo à prescrição ou ao fornecimento de medicamentos, através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando o seu valor intrínseco seja insignificante;

–        o patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos;

–        o patrocínio de congressos científicos em que participem pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, nomeadamente a tomada a cargo das respectivas despesas de deslocação e estadia nessa ocasião.

[…]»

7        O artigo 87.° da Directiva 2001/83 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem proibir toda a publicidade de medicamentos para os quais não tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado conforme com o direito comunitário.

2.      Todos os elementos da publicidade dos medicamentos devem estar de acordo com as informações constantes do resumo das características do produto.

3.      A publicidade dos medicamentos:

–        deve fomentar a utilização racional dos medicamentos, apresentando‑os de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades;

–        não pode ser enganosa.»

8        O artigo 91.° da Directiva 2001/83 dispõe o seguinte:

«1.      Toda a publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer deve incluir:

–        as informações essenciais compatíveis com o resumo das características do produto;

–        a classificação do medicamento para efeitos de fornecimento.

Os Estados‑Membros podem exigir, além disso, que esta publicidade inclua o preço de venda ou a tarifa indicativa das várias formas de apresentação e as condições de reembolso pelos organismos de segurança social.

2.      Os Estados‑Membros podem determinar que a publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou dispensar pode, em derrogação do n.° 1, incluir apenas o nome do medicamento e a sua denominação comum internacional, caso exista, ou a sua marca, quando se destine exclusivamente a recordar esse nome ou essa marca.»

9        O artigo 92.° da Directiva 2001/83 está redigido do seguinte modo:

«1.      Toda a documentação relativa a um dado medicamento, que seja distribuída no âmbito da promoção deste junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer[,] deve incluir, no mínimo, as informações a que se refere o n.° 1 do artigo 91.°, e indicar a data em que foi estabelecida ou revista pela última vez.

2.      Todas as informações contidas na documentação a que se refere o n.° 1 devem ser exactas, actualizadas, verificáveis e suficientemente completas para que o destinatário possa formar uma opinião pessoal quanto ao valor terapêutico do medicamento.

3.      As citações, quadros e outras ilustrações provenientes de revistas médicas ou obras científicas utilizadas na documentação referida no n.° 1 devem ser fielmente reproduzidas e indicada a sua fonte exacta.»

 Direito nacional

10      O artigo 83.° da RavS estabelece os requisitos gerais para a publicidade dos medicamentos. Segundo a Tartu ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Tartu), o n.° 3 deste artigo prevê:

«A publicidade dos medicamentos está sujeita aos requisitos fundamentais e gerais impostos à publicidade pela Lei relativa à publicidade e deve basear‑se no resumo das características do medicamento, confirmado pelo Instituto do Medicamento da República da Estónia, não podendo incluir informações que não constem daquele resumo.»

11      O artigo 85.° da RavS diz respeito à publicidade dos medicamentos dirigida aos profissionais de saúde. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o n.° 1 deste artigo dispõe:

«As citações de literatura científica utilizadas na publicidade dos medicamentos, dirigida às pessoas habilitadas a receitar medicamentos, aos farmacêuticos e a outros técnicos de farmácia, devem ser feitas sem alterações e mediante a indicação da fonte. O titular da autorização de introdução no mercado, no caso de tal lhe vir a ser pedido, é obrigado a disponibilizar uma cópia da fonte citada no prazo de três dias a contar da recepção do correspondente pedido.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Em Abril de 2008, a Novo Nordisk publicou na revista médica Lege Artis um anúncio para o Levemir (insulina détémir), que é um medicamento fornecido unicamente sob receita médica.

13      Por decisão de 6 de Junho de 2008, o Ravimiamet impôs à Novo Nordisk que pusesse termo à publicidade do medicamento Levemir e que não incluísse na publicidade desse medicamento informações que não constassem do resumo das características do dito medicamento (a seguir «decisão impugnada»).

14      Segundo a decisão impugnada, as seguintes afirmações, constantes da publicidade do Levemir, são contrárias ao artigo 83.°, n.° 3, da RavS:

–        controlo eficaz do nível de açúcar no sangue com um risco mais reduzido de hipoglicémia;

–        68% dos pacientes não aumentam de peso ou até perdem peso; e

–        na prática clínica, 82% dos pacientes são injectados uma vez por dia com Levemir (insulina détémir).

15      Em contrapartida, resulta do resumo das características do produto que:

–        a hipoglicémia é precisamente o efeito secundário mais frequente do Levemir;

–        estudos comparativos com insulina NPH e insulina glargina mostram que, no grupo do Levemir, se constata um aumento mínimo ou mesmo nulo do peso; e

–        o Levemir deve ser administrado uma a duas vezes por dia.

16      Segundo a decisão impugnada, a publicidade controvertida é ilegal porque:

–        não refere que o risco de hipoglicémia é menor durante a noite;

–        indica uma diminuição do peso que não resulta do resumo das características do produto; e

–        a percentagem de 82% que indica não figura no resumo das características do produto.

17      Em 4 de Julho de 2008, a Novo Nordisk interpôs um recurso de anulação desta decisão para o Tartu halduskohus (Tribunal Administrativo de Tartu). Alegava designadamente que a publicidade dos medicamentos dirigida a pessoas habilitadas a receitar medicamentos tem por objectivo prestar informações complementares a essas pessoas, baseadas em elementos publicados na literatura científica, podendo, portanto, ser utilizadas citações da literatura médica e científica que não figuram expressamente no resumo das características do produto.

18      O Tartu halduskohus negou provimento ao recurso por acórdão de 24 de Novembro de 2008. Sublinhou, em especial, que, segundo o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, todos os elementos da publicidade de um medicamento devem estar de acordo com as informações que figuram no resumo das características do produto e que nem os artigos 91.°, n.° 1, e 92.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 nem o considerando 47 desta prevêem a possibilidade de utilizar na publicidade de um medicamento informações não constantes desse resumo.

19      A Novo Nordisk interpôs recurso da referida decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

20      Nestas condições, a Tartu ringkonnakohus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83[…] deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às citações de revistas médicas ou de outras obras científicas incluídas na publicidade de medicamentos dirigida a pessoas habilitadas a [receitar] medicamentos?

2)      O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83[…] deve ser interpretado no sentido de que proíbe, na publicidade de medicamentos, a utilização de [afirmações] que estejam em contradição com o resumo das características do [produto], mas [de que não exige que todas as afirmações que figuram na] publicidade de medicamentos tenham de [figurar] no resumo das características do [produto] ou possam ser inferidos das [informações fornecidas por tal resumo]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 visa apenas a publicidade dos medicamentos junto do público ou se é também aplicável às citações de revistas médicas ou de obras científicas incluídas na publicidade de um medicamento dirigida a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos.

22      A este respeito, importa observar, antes de mais, que, como salientou o advogado‑geral no n.° 30 das suas conclusões, resulta da análise sistemática que os títulos VIII e VIII‑A da Directiva 2001/83 enunciam sucessivamente quatro grupos de disposições. O título VIII desta directiva, intitulado «Publicidade», contém, em primeiro lugar, nos artigos 86.° a 88.°, as disposições gerais e fundamentais relativas à publicidade dos medicamentos, em seguida, no título VIII‑A, intitulado «Informação e publicidade», são estabelecidas as regras específicas da publicidade junto do público nos artigos 88.° a 90.° da referida directiva, seguidas das relativas à publicidade destinada aos profissionais da saúde nos artigos 91.° a 96.°, e, por fim, nos artigos 97.° a 100.° da Directiva 2001/83, as que se referem às obrigações dos Estados‑Membros e dos titulares de uma autorização, bem como as relativas à aplicação das disposições sobre a publicidade dos medicamentos homeopáticos.

23      Em seguida, cumpre precisar que as disposições do título VIII da Directiva 2001/83 são de natureza geral.

24      Assim, o artigo 86.° da referida directiva, que define o conceito de «publicidade dos medicamentos» e explicita, nomeadamente, que abrange a publicidade dos medicamentos junto do público e a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los, é uma regra geral que se aplica em todos os casos em que é necessário determinar se uma actividade tem as características de uma publicidade de medicamentos.

25      Do mesmo modo, resulta da redacção e do conteúdo do artigo 87.° da Directiva 2001/83 que este estabelece os princípios gerais que se aplicam a todos os tipos e elementos de publicidade dos medicamentos.

26      Com efeito, por um lado, a proibição de publicidade de medicamentos para os quais não tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado de acordo com o direito da União, prevista no artigo 87.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, aplica‑se necessariamente a todos os tipos de publicidade, uma vez que o referido procedimento de autorização é obrigatório para todos os medicamentos.

27      Por outro lado, é manifesto que os princípios gerais inscritos no artigo 87.°, n.° 3, da referida directiva, segundo os quais a publicidade dos medicamentos deve fomentar a sua utilização racional, apresentando‑os de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades, e não pode ser enganosa, se aplicam a todos os tipos de publicidade de medicamentos, nomeadamente à dirigida ao público ou aos profissionais de saúde.

28      Quanto ao artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, cuja interpretação é pedida no âmbito da presente questão, a sua redacção mostra que contém uma regra geral que se aplica, nomeadamente, à publicidade dos medicamentos dirigida ao público ou aos profissionais de saúde. Esta disposição, diversamente das disposições visadas no título VIII‑A desta directiva, não especifica que apenas é aplicável à publicidade junto do público ou das pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos.

29      Além disso, a formulação «todos os elementos da publicidade», utilizada nesta disposição, realça o carácter geral da obrigação de conformidade com as informações que figuram no resumo das características do produto que as informações contidas na publicidade dos medicamentos devem cumprir. Deste modo, essa formulação abrange as citações de revistas médicas ou de obras científicas, bem como qualquer outro elemento incluído numa publicidade de um medicamento.

30      Assim, resulta tanto da posição do artigo 87.° da Directiva 2001/83 na estrutura desta como da redacção e do conteúdo do referido artigo 87.° no seu todo que o seu n.° 2 constitui uma norma geral relativa a qualquer publicidade dos medicamentos, incluindo a dirigida às pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los.

31      Esta conclusão é confirmada por uma interpretação que tenha em conta o objectivo da Directiva 2001/83.

32      Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou, a publicidade dos medicamentos pode ser prejudicial para a saúde pública, cuja salvaguarda é o objectivo essencial da Directiva 2001/83 (v. acórdãos de 2 de Abril de 2009, Damgaard, C‑421/07, Colect., p. I‑2629, n.° 22, e de 22 de Abril de 2010, Association of the British Pharmaceutical Industry, C‑62/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34).

33      O artigo 87.° da Directiva 2001/83 pretende assegurar esse objectivo no âmbito da regulação da publicidade dos medicamentos, por um lado, proibindo ou limitando a utilização de informações susceptíveis de induzir o destinatário em erro ou de serem inexactas ou não verificadas, o que poderia resultar numa má utilização de um medicamento, e, por outro, impondo a presença de certas informações indispensáveis.

34      Como alegaram todos os Estados‑Membros intervenientes, estas regras impõem‑se igualmente a todos os elementos de uma publicidade dirigida às pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, porque também nesse tipo de publicidade as informações erradas ou incompletas poderiam manifestamente implicar um perigo para a saúde das pessoas e, portanto, comprometer o objectivo essencial prosseguido pela Directiva 2001/83.

35      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida que o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável às citações de revistas médicas ou de obras científicas, incluídas na publicidade de um medicamento dirigida às pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos.

 Quanto à segunda questão

36      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que proíbe unicamente a publicação, na publicidade de um medicamento, de afirmações que estejam em contradição com o resumo das características do produto, ou se impõe igualmente que todas as afirmações que figuram na publicidade de um medicamento figurem nesse resumo ou possam ser inferidas das informações fornecidas por este.

37      A título liminar, deve recordar‑se que, como resulta do considerando 2 da Directiva 2001/83, a salvaguarda da saúde pública constitui o objectivo essencial desta directiva (acórdão Damgaard, já referido, n.° 22).

38      Assim, segundo o considerando 47 da Directiva 2001/83, embora a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los contribua para a informação dessas pessoas, importa, todavia, submetê‑la a condições estritas e a um controlo efectivo.

39      Do mesmo modo, como é exposto no considerando 48, a publicidade relativa a medicamentos deve ser submetida a um controlo adequado e eficaz.

40      A mesma preocupação está igualmente reflectida no considerando 52 da Directiva 2001/83, segundo o qual é importante que as pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos disponham de fontes de informação neutras e objectivas sobre os medicamentos disponíveis no mercado.

41      No que respeita, mais concretamente, ao artigo 87.°, n.° 2, da dita directiva, cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa referir, antes de mais, que a sua redacção proíbe a apresentação, na publicidade de um medicamento, de afirmações que estejam em contradição com o resumo das características do produto.

42      Em especial, os elementos da publicidade de medicamentos nunca podem sugerir, designadamente, indicações terapêuticas, propriedades farmacológicas ou outras características que contrariem o resumo das características do medicamento aprovado pela autoridade competente ao conceder a autorização de introdução no mercado desse medicamento.

43      Todavia, importa recordar que o legislador da União não previu, no artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, que todos os elementos da publicidade de um medicamento devem ser idênticos aos que figuram no resumo das características desse medicamento. Esta disposição apenas exige que os referidos elementos estejam de acordo com esse resumo.

44      No que respeita, como no processo principal, a uma publicidade destinada aos profissionais de saúde, o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 deve ser lido em conjugação com os artigos 91.° e 92.° da referida directiva.

45      Ora, de acordo com o artigo 91.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, toda a publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer deve incluir as informações essenciais compatíveis com o resumo das características do produto.

46      Do mesmo modo, o artigo 92.°, n.° 1, desta directiva precisa que toda a documentação relativa a um dado medicamento, que seja distribuída no âmbito da promoção deste junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer, deve incluir, «no mínimo», as informações a que se refere o n.° 1 do artigo 91.°, e indicar a data em que foi estabelecida ou revista pela última vez.

47      Finalmente, o artigo 92.°, n.° 3, da Directiva 2001/83 prevê expressamente a utilização de citações, quadros e outras ilustrações provenientes de revistas médicas ou obras científicas, no âmbito da promoção de um medicamento junto das pessoas habilitadas a receitá‑lo ou a fornecê‑lo, com a condição de que tais elementos sejam fielmente reproduzidos e indicada a sua fonte exacta.

48      Nestas condições, o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 não pode ser interpretado no sentido de que exige que todas as afirmações que figuram numa publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas a receitá‑lo ou a fornecê‑lo se encontrem no resumo das características do produto ou possam ser inferidas das informações fornecidas pelo referido resumo. Com efeito, tal interpretação privaria de sentido tanto o artigo 91.°, n.° 1, como o artigo 92.° desta directiva, que autorizam, na publicidade destinada aos profissionais de saúde, a difusão de informações complementares, desde que sejam compatíveis com esse resumo.

49      A fim de contribuir, de acordo com o considerando 47 da Directiva 2001/83, para a informação das pessoas habilitadas a receitar medicamentos ou a fornecê‑los e tendo em conta os conhecimentos científicos de que estas dispõem por comparação com o público em geral, uma publicidade de um medicamento junto de tais pessoas pode, assim, conter informações compatíveis com o resumo das características do produto, que confirmem ou especifiquem as indicações que figuram no referido resumo, nos termos do artigo 11.° da referida directiva, desde que essas informações complementares estejam de acordo com as exigências estabelecidas nos artigos 87.°, n.° 3, e 92.°, n.os 2 e 3, desta directiva.

50      Por outras palavras, tais informações, por um lado, não podem ser enganosas e devem fomentar a utilização racional do medicamento, apresentando‑o de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades e, por outro, devem ser exactas, actualizadas, verificáveis e suficientemente completas para que o destinatário possa formar uma opinião pessoal quanto ao valor terapêutico do medicamento. Finalmente, as citações, os quadros e as outras ilustrações provenientes de revistas médicas ou de obras científicas devem ser claramente identificados e as suas fontes devem ser citadas de forma precisa para que o profissional de saúde delas seja informado e as possa verificar.

51      Resulta das considerações precedentes que há que responder à segunda questão submetida que o artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que proíbe a publicação, na publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer, de afirmações que estejam em contradição com o resumo das características do produto, mas não exige que todas as afirmações que figuram nessa publicidade se encontrem no referido resumo ou possam ser dele inferidas. Tal publicidade pode incluir afirmações que completem as informações referidas no artigo 11.° da dita directiva, desde que essas afirmações:

–        confirmem ou clarifiquem, num sentido compatível, as referidas informações, sem as desvirtuar, e

–        estejam em conformidade com as exigências a que se referem os artigos 87.°, n.° 3, e 92.°, n.os 2 e 3, desta directiva.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, deve ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável às citações de revistas médicas ou de obras científicas, incluídas na publicidade de um medicamento dirigida às pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos.

2)      O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, conforme alterada pela Directiva 2004/27, deve ser interpretado no sentido de que proíbe a publicação, na publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer, de afirmações que estejam em contradição com o resumo das características do produto, mas não exige que todas as afirmações que figuram nessa publicidade se encontrem no referido resumo ou possam ser dele inferidas. Tal publicidade pode incluir afirmações que completem as informações referidas no artigo 11.° da dita directiva, desde que essas afirmações:

–        confirmem ou clarifiquem, num sentido compatível, as referidas informações, sem as desvirtuar, e

–        estejam em conformidade com as exigências a que se referem os artigos 87.°, n.° 3, e 92.°, n.os 2 e 3, desta directiva.

Assinaturas


* Língua do processo: estónio.