Processo C‑203/09

Volvo Car Germany GmbH

contra

Autohof Weidensdorf GmbH

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof)

«Directiva 86/653/CEE – Agentes comerciais independentes – Cessação do contrato de agência por parte do comitente – Direito do agente a indemnização»

Sumário do acórdão

1.        Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Limites

(Artigo 267.° TFUE)

2.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Agentes comerciais independentes – Directiva 86/653

[Directiva 86/653 do Conselho, artigo 17.°, n.° 2, alínea a)]

3.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Agentes comerciais independentes – Directiva 86/653

[Directiva 86/653 do Conselho, artigo 18, alínea a)]

1.        Desde que as questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais se refiram à interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal é, em princípio, obrigado a decidir. Não resulta dos termos do artigo 267.° TFUE nem do objectivo do processo instituído por este artigo que os autores do Tratado tenham pretendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais que se referem a uma disposição do direito da União, no caso particular de o direito nacional de um Estado‑Membro remeter para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado. Com efeito, quando a legislação nacional se adequa, quanto às soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adoptadas no direito da União, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações ou de eventuais distorções de concorrência, existe um manifesto interesse da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito da União sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar.

Estes princípios aplicam‑se igualmente caso a legislação que transpõe a directiva cuja interpretação é pedida não regule directamente a situação em causa, mas seja aplicada por analogia ao abrigo da jurisprudência nacional.

(cf. n.os 10, 24‑26)

2.        Em conformidade com o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), segundo travessão da Directiva 86/653, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, o agente comercial tem direito a uma indemnização unicamente se e na medida em que o pagamento desta indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias. Não é, pois, possível excluir que o comportamento do referido agente possa ser tomado em conta no âmbito da análise destinada a determinar o carácter equitativo da sua indemnização.

(cf. n.° 44)

3.        O artigo 18.°, alínea a), da Directiva 86/653, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, opõe‑se a que um agente comercial independente seja privado da sua indemnização de clientela, quando o comitente tenha apurado a existência de um incumprimento desse agente, ocorrido após a notificação da denúncia do contrato com pré‑aviso e antes do seu termo, susceptível de justificar a rescisão imediata do contrato em causa.

(cf. n.° 45, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

28 de Outubro de 2010 (*)

«Directiva 86/653/CEE – Agentes comerciais independentes – Cessação do contrato de agência por parte do comitente – Direito do agente a indemnização»

No processo C‑203/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha) por decisão de 29 de Abril de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Junho de 2009, no processo

Volvo Car Germany GmbH

contra

Autohof Weidensdorf GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, J.‑J. Kasel, A. Borg Barthet, E. Levits e M. Safjan (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Maio de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Volvo Car Germany GmbH, por J. Kummer e P. Wassermann, Rechtsanwälte,

–        em representação da Autohof Weidensdorf GmbH, por J. Breithaupt, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller, J. Kemper e S. Unzeitig, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Støvlbæk e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 18.°, alínea a), da Directiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO L 382, p. 17, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Autohof Weidensdorf GmbH (a seguir «AHW») à Volvo Car Germany GmbH (a seguir «Volvo Car»), a respeito da reclamação, pela AHW, de uma indemnização, bem como da sua reivindicação de direitos a pagamentos decorrentes de notas de crédito.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        Por força do artigo 1.°, n.° 2, da directiva:

«Para efeitos da presente directiva, o agente comercial é a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente, quer de negociar a venda ou a compra de mercadorias para uma outra pessoa, adiante designada ‘comitente’, quer de negociar e concluir tais operações em nome e por conta do comitente.»

4        Resulta do artigo 16.° da directiva:

«A presente directiva não pode colidir com a aplicação do direito dos Estados‑Membros sempre que este preveja o termo do contrato sem prazo:

a)      No caso de uma das partes não cumprir total ou parcialmente as suas obrigações;

b)      No caso de surgirem circunstâncias excepcionais.»

5        O artigo 17.° da referida directiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar ao agente comercial, após a cessação do contrato, uma indemnização, nos termos do n.° 2, ou uma reparação por danos, nos termos do n.° 3.

2.      a)     O agente comercial tem direito a uma indemnização se e na medida em que:

–        tiver angariado novos clientes para o comitente ou tiver desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e ainda se resultarem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes, e

–        o pagamento dessa indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações com esses clientes. […]»

6        O artigo 18.° da directiva prevê:

«Não é devida a indemnização ou a reparação referida no artigo 17.°:

a)      Quando o comitente tiver posto termo ao contrato por um incumprimento imputável ao agente comercial e que, nos termos da legislação nacional, seja fundamento da cessação do contrato sem prazo;

b)      Quando o agente comercial tiver posto termo ao contrato, a não ser que essa cessação seja devida a circunstâncias imputáveis ao comitente ou à idade, enfermidade ou doença do agente comercial que justifiquem razoavelmente a não exigibilidade do prosseguimento das suas actividades;

[…]»

7        Por força do artigo 19.° desta directiva:

«As partes não podem, antes da cessação do contrato, derrogar o disposto nos artigos 17.° e 18.° em prejuízo do agente comercial.»

 Legislação nacional

8        Em conformidade com o § 89a do Código Comercial alemão (Handelsgesetzbuch, a seguir «HGB»):

«(1)      Qualquer das partes pode resolver o contrato, com um fundamento sério, sem pré‑aviso. Este direito não pode ser excluído nem restringido […]»

9        O § 89b do HGB transpõe os artigos 17.° a 19.° da directiva. A referida disposição nacional, como vigorava no momento dos factos na causa principal, tinha a seguinte redacção:

«(1)      Após a cessação do contrato, o agente comercial pode exigir do comitente uma indemnização adequada, se e na medida em que:

1.      Resultem, mesmo após o termo do contrato, vantagens substanciais, para o comitente, das operações com novos clientes angariados pelo agente comercial,

2.      Em resultado da cessação do contrato, o agente comercial perder o seu direito à comissão que teria recebido, caso este se tivesse mantido, que resulte das operações concluídas ou a concluir com clientes que ele angariou, e

3.      O pagamento de uma indemnização for equitativo tendo em conta todas as circunstâncias.

É equiparado à angariação de um novo cliente o facto de um agente comercial ter aprofundado a relação negocial com um cliente existente de um modo tal que seja equivalente, de um ponto de vista económico, à angariação de um novo cliente.

[…]

(3)      Não é devida indemnização:

1.      Quando o agente comercial tiver posto termo ao contrato, a não ser que essa cessação seja devida a um comportamento do comitente ou à idade ou doença do agente comercial que justifiquem o não prosseguimento das suas actividades;

2.      Quando o comitente tiver posto termo ao contrato por um fundamento sério de resolução associado a um comportamento culposo imputável ao agente comercial […]»

10      Segundo jurisprudência constante do Bundesgerichtshof (Alemanha), evocada na decisão de reenvio, as disposições relativas à indemnização do agente comercial referidas no § 89b do HGB são aplicáveis por analogia a um contrato de concessão como o do processo principal. Como decorre da referida jurisprudência, basta que o fundamento sério susceptível de justificar uma resolução sem pré‑aviso tenha existido objectivamente, à data da decisão de pôr termo ao contrato. No caso de o agente comercial, antes do termo do contrato, incorrer num comportamento que justifique uma resolução sem pré‑aviso, a jurisprudência do Bundesgerichtshof autoriza mesmo o comitente que tivesse tomado a decisão de denunciar o contrato após pré‑aviso a proceder a uma nova rescisão sem pré‑aviso, caso tenha tomado conhecimento do incumprimento antes do fim do prazo de pré‑aviso, ou a invocar o referido incumprimento para recusar o pagamento de qualquer indemnização, caso apenas tenha tomado conhecimento do mesmo após o termo previsto do contrato.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      Foi celebrado um contrato de concessão entre a Volvo Car Germany GmbH (a concedente) e a Autohof Weidensdorf GmbH (a concessionária). Simultaneamente, os gerentes da AHW exploravam, em conjunto com um ex‑gerente da AHW, a sociedade Autovermietung Weidensdorf GbR (a seguir «AVW»). Esta última estabeleceu, através de uma outra sociedade, relações comerciais com a Volvo Car, reguladas por um «acordo‑quadro para grandes clientes» relativo a descontos especiais a conceder no fornecimento de veículos Volvo novos. A AVW adquiria, com base no referido acordo‑quadro, veículos à AHW, beneficiando dos descontos acordados. Em tais aquisições, a AHW obtinha contribuições financeiras da Volvo Car.

12      Por carta de 6 de Março de 1997, a Volvo Car anunciou a sua decisão de denunciar o contrato de concessão com efeitos a partir de 31 de Março de 1999.

13      No período compreendido entre Abril de 1998 e Julho de 1999, foram revendidos antecipadamente 28 veículos que a AVW tinha adquirido à AHW, em violação do contrato de concessão. Tal como decorre da decisão de reenvio, presume‑se, no âmbito do recurso de «Revision», que a Volvo Car só teve conhecimento deste facto após o termo do contrato de concessão.

14      Considerando que o § 89b do HGB é aplicável ao contrato de concessão, a AHW reclamou, na acção que intentou contra a Volvo Car, um direito a indemnização pela clientela e reivindicou direitos a pagamentos com base em notas de crédito. A Volvo Car considera que o § 89b, n.° 3, ponto 2, do HGB obsta a que a AHW reclame um direito a indemnização. Entende que a AHW obteve contribuições financeiras a que não tinha direito, na medida em que, em cooperação deliberada com a AVW, não respeitou o período mínimo de detenção contratualmente convencionado. Está já apurado, no âmbito do recurso de «Revision» que conduziu ao presente reenvio prejudicial, que, com este comportamento, a AHW não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do contrato de concessão celebrado com a Volvo Car. Por conseguinte, a Volvo Car teria o direito à sua resolução imediata, se tivesse tido conhecimento deste facto antes do termo do referido contrato.

15      O Landgericht julgou procedente o pedido da AHW, até 180 159,46 euros, referente ao montante da indemnização pela clientela e ao do valor total das notas de crédito, acrescidos dos respectivos juros em ambos os casos.

16      O Oberlandesgericht alterou parcialmente a decisão proferida em primeira instância, após interposição de recurso pela Volvo Car no tocante ao montante da indemnização e das notas de crédito. Este órgão jurisdicional de segunda instância considerou que a AHW dispõe de um direito a uma indemnização pela Volvo Car, por força da aplicação analógica do § 89b, n.° 1, do HGB. O Oberlandesgericht concluiu que o § 89b, n.° 3, ponto 2, do HGB deve ser interpretado em conformidade com o artigo 18.°, alínea a), da directiva. Por conseguinte, segundo este órgão jurisdicional, para que o agente comercial fique privado do seu direito a indemnização, a causa da decisão do comitente de pôr termo ao contrato deve ser um fundamento sério.

17      A Volvo Car interpôs um recurso de «Revision» do acórdão proferido pelo Oberlandesgericht. O órgão jurisdicional de reenvio entendeu que a decisão da causa dependia da interpretação do artigo 18.°, alínea a), da directiva.

18      Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 18.°, alínea a), da Directiva [...] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual o agente comercial também não tem direito a indemnização em caso de denúncia por parte do comitente, quando, apesar de, à data da denúncia, existir um motivo importante para a resolução do contrato por incumprimento imputável ao agente comercial, este não tenha estado na origem da rescisão?

2)      Caso uma legislação nacional deste tipo seja compatível com a directiva:

Opõe‑se o artigo 18.°, alínea a), da directiva a uma aplicação por analogia da legislação nacional relativa à exclusão do direito a indemnização nos casos em que um motivo importante para a resolução sem dependência de prazo do contrato por incumprimento imputável ao agente comercial apenas tenha ocorrido depois de declarada a denúncia e o comitente apenas tenha tido conhecimento do facto após a cessação do contrato, não lhe sendo, por conseguinte, possível declarar a resolução sem dependência de prazo do contrato com base no incumprimento imputável ao agente comercial?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade das questões prejudiciais

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

19      A Volvo Car entende que o reenvio prejudicial é inadmissível. Com efeito, o objecto da lide principal não cai na alçada do âmbito de aplicação da directiva. Um concessionário como a AHW não é um «agente comercial» na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva nem do artigo 84.°, n.° 1, primeiro período, do HGB. Ora, o princípio da interpretação conforme com as directivas das disposições do direito nacional aplica‑se unicamente à luz do âmbito da aplicação directa dessas directivas.

20      Na audiência, a AHW alegou que, devido à aplicação por analogia, no direito alemão, das disposições relativas aos agentes comerciais aos contratos de concessão, as questões prejudiciais são admissíveis. Acresce que a primeira questão não assume carácter hipotético.

21      O Governo alemão sustenta que, no direito alemão, as disposições relativas aos agentes comerciais se aplicam por analogia aos concessionários. Por conseguinte, a decisão sobre o direito a indemnização da AHW depende da interpretação a dar às disposições da directiva relativas à exclusão do direito a indemnização dos agentes comerciais. No tocante à primeira questão, o Governo alemão esclareceu, na audiência, que esta questão não é hipotética, na medida em que respeita a um problema cuja solução assume carácter prévio para a resposta à segunda questão.

22      No entender da Comissão, nada há que se oponha à competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais, na medida em que a legislação alemã que transpôs a directiva deve ser interpretada em conformidade com esta. Contudo, a Comissão nutre dúvidas a respeito da admissibilidade da primeira questão, pois visa uma hipótese que não corresponde aos factos que concretamente deve conhecer o órgão jurisdicional de reenvio.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

23      No tocante, em primeiro lugar, à competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais, há que recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída pelo artigo 267.° TFUE, o juiz nacional tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. O indeferimento, por este, de uma questão apresentada por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio, ou quando a questão é geral ou hipotética (v., designadamente, acórdão de 16 de Março de 2006, Poseidon Chartering, C‑3/04, Colect., p. I‑2505, n.° 14).

24      Por conseguinte, desde que as questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais se refiram à interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal é, em princípio, obrigado a decidir. Com efeito, não resulta dos termos do artigo 267.° TFUE nem do objectivo do processo instituído por este artigo que os autores do Tratado tenham pretendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais que se referem a uma disposição do direito da União, no caso particular de o direito nacional de um Estado‑Membro remeter para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado (v. acórdão Poseidon Chartering, já referido, n.° 15).

25      Com efeito, quando a legislação nacional se adequa, quanto às soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adoptadas no direito da União, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações ou de eventuais distorções de concorrência, existe um manifesto interesse da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito da União sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (acórdão Poseidon Chartering, já referido, n.° 16).

26      No caso em apreço, embora as questões se refiram a um contrato de concessão e não a um contrato de agência comercial e a directiva não regule directamente a situação em causa, não deixa de ser verdade que o direito alemão dá um tratamento idêntico a estes dois tipos de contratos (v., neste sentido, acórdão Poseidon Chartering, já referido, n.° 17).

27      Além disso, nenhum elemento dos autos permite supor que o órgão jurisdicional de reenvio tenha a faculdade de se afastar da interpretação que o Tribunal de Justiça dê às disposições da directiva.

28      Nestas condições, não colhe a excepção de incompetência.

29      No tocante, em segundo lugar, à admissibilidade da primeira questão, importa lembrar que esta questão respeita a uma situação na qual, à data da denúncia ordinária do contrato, existia um motivo que justificava uma rescisão do contrato sem pré‑aviso que não foi invocada pelo comitente para justificar esta denúncia. Como resulta da decisão de reenvio, a violação das obrigações contratuais imputada à AHW ocorreu após a notificação da denúncia ordinária do contrato de concessão.

30      Nestas condições, não se pode deixar de observar que a primeira questão respeita a uma situação puramente hipotética que, manifestamente, não corresponde aos factos em causa no processo principal e constitui, portanto, uma questão desprovida de pertinência para a decisão da causa principal.

31      Daí se conclui que a primeira questão é inadmissível.

 Quanto ao mérito

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

32      A Volvo Car propõe que se responda pela negativa à segunda questão colocada, com base numa interpretação mais ampla dos critérios enunciados no artigo 18.°, alínea a), da directiva. Em particular, nada nessa directiva permite deduzir que a exclusão de uma indemnização deva depender do critério puramente fortuito de saber se o comportamento ilícito que justifica a decisão de pôr termo sem pré‑aviso ao contrato foi ou não descoberto antes do seu termo previsto.

33      Como realçou a AHW na audiência, o facto de o comitente se poder liberar da obrigação do pagamento de uma indemnização ao agente comercial, através de uma interpretação ampla do artigo 18.°, alínea a), da directiva, teria por consequência uma distorção da concorrência. Por conseguinte, há que proceder a uma interpretação literal da referida disposição, que constitui uma excepção à obrigação de pagamento de uma indemnização, interpretação que exige que o comportamento ilícito do agente constitua uma causa directa da decisão de pôr termo ao contrato. Acresce que é possível, com fundamento no artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da directiva, o qual prevê um exame em termos de equidade, reduzir o montante da indemnização ou mesmo privar o agente da indemnização na sua totalidade.

34      O Governo alemão propõe que se responda pela afirmativa à segunda questão. Com efeito, a directiva, cujos princípios essenciais consistem na confiança e no dever de lealdade recíprocos, procura estabelecer um justo equilíbrio entre os interesses das partes. Por força do artigo 18.°, alínea a), da directiva, está excluído o direito a indemnização, quando o incumprimento imputável ao agente comercial não tiver sido directamente a causa da decisão de pôr termo ao contrato, mas, contudo, já existia objectivamente antes da referida decisão e teria podido justificar, nos termos do direito nacional, uma decisão de pôr termo ao contrato sem pré‑aviso. Basta que o comportamento ilícito do agente comercial possa, teoricamente, ser utilizado pelo comitente como motivo para a decisão de pôr termo ao contrato (causalidade hipotética). Em contrapartida, como as duas condições antes referidas devem estar preenchidas cumulativamente, o artigo 18.°, alínea a), da directiva não se aplica, no entender do Governo alemão, quando estas condições não estão preenchidas no mesmo momento e o incumprimento de uma obrigação tenha ocorrido unicamente após a decisão de pôr termo ao contrato.

35      Segundo a Comissão, o regime instituído pelos artigos 17.° a 19.° da directiva assume carácter imperativo. Não obstante, uma interpretação mais ampla do artigo 18.°, alínea a), da directiva é conciliável com um compromisso equitativo entre os interesses do comitente e do agente comercial. Efectivamente, o agente comercial é igualmente digno de protecção quando o comitente não tenha julgado o seu comportamento suficientemente grave para justificar a denúncia do contrato. Além disso, nada impede que o comitente declare ao agente comercial que o seu comportamento o teria levado a pôr termo ao contrato, se o não tivesse já feito.

36      Na situação em que o comitente só descobre o incumprimento do agente comercial após o termo da relação contratual, é‑lhe impossível pôr termo ao contrato por esse motivo, pois já não existiria uma relação contratual que pudesse ser resolvida. Tendo‑se o legislador da União abstido de prever na directiva disposições para esta variante, os Estados‑Membros são livres, no respeito dos limites prescritos pelo Tratado, de excluir ou não o direito a indemnização. No caso em que o comitente tomou conhecimento da existência do comportamento ilícito do agente antes do termo do contrato e não invocou o referido comportamento como motivo para a rescisão, é certo que se mantém o direito a indemnização, mas o referido comportamento pode ser tomado em conta no ajustamento da indemnização, por razões de equidade.

 Resposta do Tribunal de Justiça

37      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se o artigo 18.°, alínea a), da directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um agente comercial independente seja privado da sua indemnização de clientela, quando o comitente tenha apurado a existência de um incumprimento desse agente, ocorrido após a notificação da denúncia do contrato com pré‑aviso e antes do seu termo, susceptível de justificar a rescisão imediata do contrato em causa.

38      Para responder a esta questão, importa lembrar que, nos termos do artigo 18.°, alínea a), da directiva, a indemnização aí visada é devida unicamente quando o comitente tiver posto termo ao contrato «por» um incumprimento imputável ao agente comercial, e que, nos termos da legislação nacional, seja fundamento da cessação imediata do contrato.

39      Ora, a utilização, pelo legislador da União, da preposição «por» é de natureza a alicerçar a tese, avançada nomeadamente pela Comissão, segundo a qual o legislador pretendia exigir a existência de uma causalidade directa entre o incumprimento imputável ao agente comercial e a decisão do comitente de pôr termo ao contrato a fim de este poder privar o agente comercial da indemnização prevista no artigo 17.° da directiva.

40      Esta interpretação é corroborada pela génese da directiva. Com efeito, como resulta da proposta de directiva (JO 1977, C 13, p. 2), a Comissão tinha inicialmente proposto que a indemnização de clientela não fosse devida quando o comitente tivesse posto termo ou «tivesse podido pôr termo ao contrato» em caso de um incumprimento tal por parte do agente comercial que não fosse possível exigir do comitente que mantivesse a relação contratual. Ora, não se pode deixar de observar que o legislador da União não manteve a segunda causa de exclusão proposta.

41      A interpretação acima exposta é igualmente reforçada pelo facto de a mesma preposição ser usada nas diversas versões linguísticas do artigo 18.°, alínea a), da directiva, nomeadamente, em língua espanhola («por un incumplimiento imputable al agente comercial»), em língua alemã («wegen eines schuldhaften Verhaltens des Handelsvertreters»), em língua inglesa («because of default attributable to the commercial agent»), em língua francesa («pour un manquement imputable à l’agent commercial»), em língua italiana («per un’inadempienza imputabile all’agente commerciale»), bem como em língua polaca («z powodu uchybienia przypisywanego przedstawicielowi handlowemu»).

42      Importa acrescentar que, enquanto excepção ao direito a indemnização do agente, o artigo 18.°, alínea a), da directiva é de interpretação estrita. Portanto, esta disposição não pode ser interpretada num sentido que corresponda a acrescentar uma cláusula de exclusão da indemnização não expressamente prevista nessa disposição.

43      Nestas condições, quando o comitente só toma conhecimento do incumprimento do agente comercial após o termo do contrato, já não é possível aplicar o mecanismo previsto no artigo 18.°, alínea a), da directiva. Por conseguinte, o agente comercial não pode ser privado do seu direito a indemnização, ao abrigo desta disposição, quando o comitente tenha apurado, após lhe ter notificado a rescisão do contrato com pré‑aviso, a existência de um incumprimento deste agente, susceptível de justificar a rescisão imediata do contrato.

44      Importa, contudo, acrescentar que, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), segundo travessão, da directiva, o agente comercial tem direito a uma indemnização unicamente se e na medida em que o pagamento desta indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias. Não é, pois, possível excluir que o comportamento do referido agente possa ser tomado em conta no âmbito da análise destinada a determinar o carácter equitativo da sua indemnização.

45      Vistas estas considerações, há que responder à segunda questão que o artigo 18.°, alínea a), da directiva se opõe a que um agente comercial independente seja privado da sua indemnização de clientela, quando o comitente tenha apurado a existência de um incumprimento desse agente, ocorrido após a notificação da denúncia do contrato com pré‑aviso e antes do seu termo, susceptível de justificar a rescisão imediata do contrato em causa.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 18.°, alínea a), da Directiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, opõe‑se a que um agente comercial independente seja privado da sua indemnização de clientela, quando o comitente tenha apurado a existência de um incumprimento desse agente, ocorrido após a notificação da denúncia do contrato com pré‑aviso e antes do seu termo, susceptível de justificar a rescisão imediata do contrato em causa.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.