Processo C‑195/09

Synthon BV

contra

Merz Pharma GmbH & Co. KGaA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court)]

«Direito das patentes – Medicamentos – Certificado complementar de protecção para os medicamentos – Regulamento (CEE) n.° 1768/92 – Artigo 2.° – Âmbito de aplicação – Avaliação da segurança e da eficácia prevista pela Directiva 65/65/CEE – Inexistência – Nulidade do certificado»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Legislações uniformes – Propriedade industrial e comercial – Direito de patente – Certificado complementar de protecção para os medicamentos – Âmbito de aplicação – Produto colocado no mercado antes da obtenção de uma autorização de colocação no mercado conforme à Directiva 65/65 – Exclusão

(Regulamento n.° 1768/92 do Conselho, artigo 2.°; Directiva 65/65 do Conselho)

2.        Aproximação das legislações – Legislações uniformes – Propriedade industrial e comercial – Direito de patente – Certificado complementar de protecção para os medicamentos – Concessão para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768 – Nulidade do certificado

(Regulamento n.° 1768/92 do Conselho, artigos 2.º, 3.º e 15.º)

1.        O artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto que, como medicamento para uso humano, foi colocado no mercado na Comunidade Europeia antes de ter obtido uma autorização de colocação no mercado conforme à Directiva 65/65, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas, e, nomeadamente, sem ter sido sujeito à avaliação da sua segurança e da sua eficácia, não está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento e não pode, por conseguinte, ser objecto de um certificado complementar de protecção.

Com efeito, resulta da referida disposição que só pode ser objecto de um certificado complementar de protecção o produto que está protegido por uma patente válida no território do Estado‑Membro em questão e que obteve uma autorização de colocação no mercado após ter sido sujeito, enquanto medicamento, antes da sua colocação no mercado na Comunidade, a um processo de autorização administrativa, nos termos da Directiva 65/65, que compreenda uma avaliação da sua segurança e da sua eficácia.

(cf. n.os 44 e 51 e disp.1)

2.        É nulo um certificado complementar de protecção concedido para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos, tal como é definido no artigo 2.° deste último.

Mesmo que não seja possível deduzir da letra ou da génese do artigo 15.°, n.° 1, do referido regulamento que o elenco das causas de nulidade de um certificado complementar de protecção aí referidas não é taxativo, a violação de um artigo deste regulamento não mencionado nesta disposição pode implicar a nulidade do referido certificado em razão da sua conexão com o artigo 3.° do mesmo regulamento. Com efeito, o conceito de produto que figura neste artigo 3.° refere‑se necessariamente a um produto abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92, tal como é definido no artigo 2.° deste último. Portanto, a concessão do referido certificado para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento desrespeita o âmbito do referido conceito de produto e o certificado, em tais condições, é nulo por força do referido artigo 15.° do Regulamento n.° 1768/92.

(cf. n.os 55 a 57, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

28 de Julho de 2011 (*)

«Direito das patentes – Medicamentos – Certificado complementar de protecção para os medicamentos – Regulamento (CEE) n.° 1768/92 – Artigo 2.° – Âmbito de aplicação – Avaliação da segurança e da eficácia prevista pela Directiva 65/65/CEE – Inexistência – Nulidade do certificado»

No processo C‑195/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) (Reino Unido), por decisão de 3 de Abril de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Maio de 2009, no processo

Synthon BV

contra

Merz Pharma GmbH & Co. KGaA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, U. Lõhmus (relator) e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Dezembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Synthon BV, por R. Williams, barrister, e M. Herschdorfer, advocaat,

–        em representação da Merz Pharma GmbH & Co. KGaA, por A. von Falck, Rechtsanwalt, e R. Anderson, solicitor‑advocate,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 31 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 2.°, 13.° e 19.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (JO L 182, p. 1), na versão resultante do Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1768/92»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Synthon BV (a seguir «Synthon») à Merz Pharma GmbH & Co. KGaA (a seguir «Merz»), a respeito do certificado complementar de protecção (a seguir «CCP») concedido ao produto denominado «memantina» (a seguir «memantina»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

 Regulamento n.° 1768/92

3        O primeiro a quarto e o oitavo considerando do Regulamento n.° 1768/92 enunciam:

«Considerando que a investigação no domínio farmacêutico contribui de forma decisiva para a melhoria contínua da saúde pública;

Considerando que os medicamentos, nomeadamente os resultantes de uma investigação longa e onerosa, só continuarão a ser desenvolvidos na Comunidade e na Europa se beneficiarem de uma regulamentação favorável que preveja uma protecção suficiente para incentivar tal investigação;

Considerando que, actualmente, o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de colocação no mercado [a seguir’ACM’] do referido medicamento reduz a protecção efectiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação;

Considerando que destas circunstâncias resulta uma protecção insuficiente que penaliza a investigação farmacêutica;

[[…]]

Considerando que a duração da protecção conferida pelo [CCP] deve ser determinada de forma a permitir uma protecção efectiva suficiente; que, para este efeito, o titular de uma patente e de um [CCP] deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira [ACM] da Comunidade do produto fitofarmacêutico em causa.»

4        O artigo 1.° do Regulamento n.° 1768/92, intitulado «Definições», dispõe:

«Na acepção do presente regulamento, entende‑se por:

[...]

b)      Produto: o princípio activo ou composição de princípios activos contidos num medicamento;

[...]»

5        O artigo 2.° deste regulamento, intitulado «Âmbito de aplicação», tem a seguinte redacção:

«Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado‑Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força das Directivas 65/65/CEE [do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), conforme alterada pela Directiva 89/341/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989 (JO L 142, p. 11, a seguir’Directiva 65/65’)] ou 81/851/CEE [do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações das Estados‑Membros respeitantes aos medicamentos veterinários (JO L 317, p. 1; EE 13 F12 p. 3), conforme alterada pela Directiva 90/676/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1990 (JO L 373, p. 15)], podem ser objecto de um [CCP], nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.»

6        O artigo 3.° do referido regulamento, intitulado «Condições de obtenção do [CCP]», prevê:

«O [CCP] é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.° e à data de tal pedido:

a)      O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b)      O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma [ACM] válida, nos termos do disposto na Directiva [65/65] ou na Directiva [81/851], conforme o caso. [...];

c)      O produto não tiver sido já objecto de um [CCP];

d)       A autorização referida na alínea b) for a primeira [ACM] do produto, como medicamento.»

7        O artigo 4.° do mesmo regulamento, intitulado «Objecto da protecção», dispõe:

«Dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base, a protecção conferida pelo [CCP] abrange apenas o produto coberto pela [ACM] do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do [CCP].»

8        Por força do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1768/92, o pedido de CCP deve incluir:

«a)      Um requerimento de emissão do [CCP] mencionando designadamente:

[...]

iv)       o número e a data da primeira [ACM] do produto [[…]], de acordo com a alínea b) do artigo 3.°, bem como o número e a data desta última autorização caso esta não seja a primeira [ACM] na Comunidade;

b)      Uma cópia da [ACM] referida na alínea b) do artigo 3.° que permita identificar o produto, compreendendo, nomeadamente, o número e a data da autorização bem como o resumo das características do produto, tal como previsto no artigo 4.°‑A da Directiva [65/65] ou no artigo 5.°‑A da Directiva [81/851];

c)      Se a autorização prevista na alínea b) não for a primeira [ACM] do produto na Comunidade, como medicamento, a indicação da denominação do produto então autorizado e da disposição legal ao abrigo da qual correu o processo de autorização, bem como uma cópia da publicação dessa autorização no boletim oficial.»

9        O artigo 9.° deste regulamento, intitulado «Apresentação do pedido de [CCP]», dispõe:

«1.      O pedido de [CCP] deve ser apresentado à autoridade competente em matéria de propriedade industrial do Estado‑Membro que [o] concedeu ou para o qual foi concedida a patente de base e no qual foi obtida a [ACM] prevista na alínea b) do artigo 3.°, salvo se o Estado‑Membro designar outro serviço para o efeito.

2.      A autoridade prevista no n.° 1 mandará publicar o pedido de [CCP]. Esta publicação compreenderá, pelo menos, as seguintes indicações:

[...]

d)      Número e data da [ACM] mencionada na alínea b) do artigo 3.°, bem como o produto que é identificado pela autorização;

e)      Sendo caso disso, número e data da primeira [ACM] na Comunidade.»

10      O artigo 11.°, n.° 1, alíneas d) e e), do referido regulamento dispõe que o número e a data da [ACM] mencionada na alínea b) do seu artigo 3.°, o produto que é por ela identificado, bem como, se for caso disso, o número e a data da primeira [ACM] na Comunidade devem figurar na menção de concessão do [CCP], publicada pela autoridade prevista no n.° 1 do artigo 9.° do mesmo regulamento.

11      O artigo 13.° do Regulamento n.° 1768/92, relativo ao período de validade do CCP, prevê:

«1.      O [CCP] produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira [ACM] na Comunidade, reduzido um período de cinco anos.

2.      Não obstante o disposto no n.° 1, o período de validade do [CCP] não pode exceder cinco anos a contar da data em que produzir efeitos.»

12      O artigo 15.° deste regulamento dispõe:

«1.      O [CCP] será anulado:

a)      Se tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.°;

[...]

2.      Qualquer pessoa pode apresentar um pedido ou instaurar uma acção de anulação de um [CCP] junto da instância competente em matéria de nulidade da patente de base correspondente ao abrigo das disposições da legislação nacional.»

13      O artigo 19.° do referido regulamento, relativo às disposições transitórias, prevê:

«1.      Pode ser concedido um [CCP] para qualquer produto que, à data da adesão, esteja protegido por uma patente e para o qual tenha sido obtida uma primeira [ACM] na Comunidade ou nos territórios da Áustria, da Finlândia ou da Suécia, após 1 de Janeiro de 1985.

No que respeita aos [CCP] a conceder na Dinamarca, na Alemanha e na Finlândia, a data de 1 de Janeiro de 1985 é substituída pela data de 1 de Janeiro de 1988.

[...]

2.      O pedido de [CCP] a que se refere o n.° [1] deve ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento.»

 Directiva 65/65

14      O capítulo II da Directiva 65/65, intitulado «[ACM] das especialidades farmacêuticas», compreendia os artigos 3.° a 10.°

15      O artigo 3.° da Directiva 65/65 previa:

«Nenhuma especialidade farmacêutica pode ser colocada no mercado de um Estado‑Membro sem que uma autorização tenha sido previamente concedida pela autoridade competente deste Estado‑Membro.»

16      O artigo 4.°, segundo parágrafo, desta directiva enumerava as informações e os documentos que deviam acompanhar o pedido de ACM, entre os quais figurava, nomeadamente, o resultado de uma avaliação da segurança e da eficácia da especialidade farmacêutica em questão, a saber, o resultado dos ensaios físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos, farmacológicos, toxicológicos e clínicos.

17      Nos termos do artigo 5.° da referida directiva, a ACM era recusada quando, «após verificação das informações e dos documentos enumerados no artigo 4.°, se [revelasse] que a especialidade [era] nociva em condições normais de utilização, ou que [faltava] o efeito terapêutico da especialidade ou [estava] insuficientemente comprovado pelo requerente, ou que a especialidade não [tinha] a composição qualitativa e quantitativa declarada». A autorização era igualmente recusada «se a documentação e as informações apresentadas em apoio do pedido não [estivessem] conformes com o disposto no artigo 4.°».

18      O artigo 24.° da mesma directiva dispunha:

«As disposições previstas na presente directiva serão progressivamente aplicadas às especialidades que tenham recebido a [ACM] com fundamento em disposições anteriores, nos prazos e nas condições previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 39.° da Segunda Directiva 75/319/CEE [do Conselho, de 20 de Maio de 1975, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 147, p. 13; EE 13 F4 p. 92)].»

 Directiva 75/319

19      Resulta do artigo 39.°, n.° 2, da Directiva 75/319 que o prazo concedido aos Estados‑Membros para aplicarem progressivamente as disposições desta directiva às especialidades farmacêuticas colocadas no mercado com fundamento em disposições anteriores expirou em 21 de Maio de 1990.

20      Nos termos do artigo 39.°, n.° 3, desta directiva, os Estados‑Membros deviam comunicar à Comissão das Comunidades Europeias, o mais tardar até 21 de Maio de 1978, o número das especialidades farmacêuticas abrangidas pelo n.° 2 desse artigo 39.° e, em cada ano subsequente, o número das especialidades para as quais ainda não tinha sido concedida a [ACM] referida no artigo 3.° da Directiva 65/65.

 Legislações nacionais

21      Na Alemanha, por força do § 3 do anexo 7 da Lei da Reforma da Legislação dos Medicamentos («Gesetz zur Neuordnung des Arzneimittelrechts»), de 24 de Agosto de 1976 (a seguir «Lei alemã de 1976»), que transpôs a Directiva 65/65, os produtos que já tinham sido colocados no mercado neste Estado‑Membro e que ainda continuavam nesse mercado em 1 de Janeiro de 1978, data da entrada em vigor desta lei, beneficiaram automaticamente de uma autorização de manutenção da respectiva comercialização, sem nova análise, mas sujeitos à condição de serem notificados. Desde que a notificação fosse efectuada até seis meses antes de 1 de Janeiro de 1978, esta autorização manter‑se‑ia em vigor durante doze anos a contar dessa data.

22      No Luxemburgo, as disposições da Directiva 65/65 foram transpostas pela Lei de 11 de Abril de 1983 relativa à regulamentação da colocação no mercado e à publicidade das especialidades farmacêuticas e dos medicamentos prefabricados (Mémorial A 1983, p. 702, a seguir «Lei luxemburguesa de 1983»). O Regulamento Grão‑Ducal de 29 de Abril de 1983 estabeleceu as modalidades de execução desta lei.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      Decorre dos autos que, antes de 1 de Setembro de 1976, a memantina já era comercializada pela Merz no mercado alemão, como medicamento para uso humano, com a marca Akatinol. Este medicamento, utilizado no tratamento da doença de Parkinson e para outras indicações, estava coberto por uma autorização emitida em conformidade com uma regulamentação alemã de 1961, que não previa a avaliação da segurança e da eficácia dos medicamentos. Por força do § 3 do anexo 7 da Lei alemã de 1976, a memantina beneficiou de uma ACM na Alemanha (a seguir «ACM alemã»), sem ter sido submetida aos procedimentos exigidos pela Directiva 65/65.

24      Em 30 de Junho de 1983, a Merz solicitou às autoridades luxemburguesas competentes uma ACM para o referido medicamento, a qual foi emitida em 19 de Setembro de 1983 (a seguir «ACM luxemburguesa»), ao abrigo da Lei luxemburguesa de 1983. Todavia, as referidas autoridades basearam‑se na ACM alemã emitida anteriormente e não realizaram uma investigação da segurança e eficácia da memantina.

25      Em 14 de Abril de 1989, a Merz apresentou um pedido de patente europeia para o cloridrato de memantina. A decisão de reenvio esclarece que esta patente foi concedida, apesar de a memantina já estar disponível no mercado, porquanto cobria uma segunda utilização médica desta última, nomeadamente, para a preparação de um medicamento destinado ao tratamento da doença de Alzheimer. A referida patente expirou em 13 de Abril de 2009.

26      Segundo a decisão de reenvio, as ACM alemã e luxemburguesa foram revogadas quando, em 15 de Maio de 2002, por força do Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1), uma série de ACM válidas na Comunidade Europeia (a seguir «ACM de 2002») foi emitida à H. Lundbeck A/S, que beneficiava de uma licença concedida pela Merz. Esta ACM foi emitida para o medicamento Ebixa, marca adoptada para comercializar a referida segunda utilização médica da memantina. Resulta das observações escritas apresentadas pela Merz que, antes desta emissão, uma avaliação da segurança e da eficácia do Ebixa tinha sido realizada pela Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos, em conformidade com a Directiva 65/65.

27      Em 13 de Novembro de 2002, a Merz apresentou no Reino Unido, no Instituto de Patentes, um pedido de CCP para a memantina. No seu pedido, a Merz reportou‑se à patente de base válida no Reino Unido e à ACM de 2002, sem mencionar a ACM alemã nem a ACM luxemburguesa. O CCP foi emitido em 14 de Agosto de 2003, por um período de cinco anos.

28      Com o seu recurso para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court), a Synthon, fabricante de medicamentos genéricos, pede que o referido CCP seja declarado nulo ou que a duração da protecção que confere seja «fixada em zero».

29      A referida High Court of Justice, por ter dúvidas no que respeita tanto ao âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92 como à definição do conceito de «primeira ACM na Comunidade», na acepção dos artigos 13.° e 19.° deste regulamento, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       Para os efeitos dos artigos 13.° e 19.° do Regulamento [n.° 1768/92], uma autorização é uma’primeira [ACM] [[…]] na Comunidade’, se for concedida em aplicação de uma lei nacional conforme à Directiva [65/65], ou também é necessário demonstrar que, na concessão da autorização em questão, a autoridade nacional realizou a avaliação dos dados exigida pelo processo administrativo previsto nessa directiva?

2)      Para os efeitos dos artigos 13.° e 19.° do Regulamento [n.° 1768/92], a expressão’primeira [ACM] [[…]] na Comunidade’inclui as autorizações cuja coexistência com um regime de autorização conforme à Directiva [65/65] era permitida pelo direito nacional?

3)      Um produto que beneficiou de uma primeira [ACM] na Comunidade [[…]] sem sujeição [ao] processo administrativo previsto na Directiva [65/65] está abrangido pelo [âmbito de aplicação do] Regulamento [n.° 1768/92][,] definido pelo artigo 2.°?

4)      Em caso negativo, o [CCP] concedido a um produto nessas circunstâncias é nulo?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

30      Por carta de 24 de Maio de 2011, a Merz solicitou a reabertura da fase oral do processo, alegando essencialmente que, nas suas conclusões, o advogado‑geral examinou a questão da segunda utilização médica do produto, que foi desenvolvida pela Comissão no processo que deu origem ao acórdão de 28 de Julho de 2011, Generics (UK) (C‑427/09, ainda não publicado na Colectânea), com base no artigo 4.° do Regulamento n.° 1768/92, sem que as partes tivessem abordado este artigo ou esta questão nas suas observações escritas.

31      Tendo em conta a própria finalidade do contraditório, que é evitar que o Tribunal de Justiça possa ser influenciado por argumentos que não puderam ser discutidos pelas partes, o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente, ouvido o advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, determinar a reabertura da fase oral, nos termos do artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v., designadamente, despacho de 4 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C‑17/98, Colet., p. I‑665, n.° 18, e acórdão de 8 de Setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, Colet., p. I‑7633, n.° 31 e jurisprudência referida).

32      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera, todavia, que dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas e que as observações que lhe foram apresentadas na audiência, designadamente pela Merz, se referem a esses elementos.

33      Por conseguinte, há que indeferir o pedido de reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à terceira questão

34      Com a sua terceira questão, que convém examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 deve ser interpretado no sentido de que um produto que foi colocado no mercado na Comunidade, sem previamente ter sido sujeito, como medicamento para uso humano, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 65/65, nomeadamente a uma avaliação da sua segurança e da sua eficácia, está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento e pode, por conseguinte, ser objecto de um CCP.

35      Decorre do artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 que, para efeitos da obtenção de um CCP, é necessário que o produto em questão esteja protegido por uma patente válida no território nacional e que tenha sido sujeito, enquanto medicamento, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 65/65.

36      No respeitante, em primeiro lugar, ao conceito de «colocação no mercado» do produto, na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92, a Merz alega que este conceito se refere ao mercado do Estado‑Membro onde foi apresentado o pedido de patente. Um produto está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, se estiver protegido por uma patente válida no território do Estado‑Membro em questão e tiver sido sujeito, enquanto medicamento, antes da sua colocação no mercado neste Estado‑Membro, a um processo de autorização administrativa, como definido pela Directiva 65/65, pelo referido Estado‑Membro.

37      A este respeito, importa constatar que não resulta da redacção do artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 que, através do conceito de «colocação no mercado», o legislador tenha pretendido visar o mercado da Comunidade ou o do Estado‑Membro para o qual foi apresentado o pedido de CCP e no território do qual é válida a patente.

38      Nestas condições, para determinar qual é o mercado visado no referido artigo, há que interpretar esta disposição, atendendo ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., neste sentido, acórdãos de 17 de Novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12; de 1 de Março de 2007, Schouten, C‑34/05, Colet., p. I‑1687, n.° 25; de 12 de Fevereiro de 2009, Klarenberg, C‑466/07, Colet., p. I‑803, n.° 37; e de 3 de Dezembro de 2009, Yaesu Europe, C‑433/08, Colet., p. I‑11487, n.° 24).

39      No tocante ao contexto do artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92, é verdade que, como salienta a Merz, a referência feita, nesta disposição, à «[protecção] por uma patente no território de um Estado‑Membro» pode levar a pensar que o mercado visado pela referida disposição é o mercado nacional do Estado‑Membro para o qual é pedido o CCP. Aliás, esta interpretação é coerente com o conceito de CCP quando considerado como título nacional.

40      Porém, como realçou o advogado‑geral no n.° 39 das suas conclusões, tal interpretação implicaria que as condições fixadas com vista à obtenção do CCP, enumeradas no artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 1768/92, nos termos das quais o produto deve estar protegido por uma patente de base no Estado‑Membro onde foi apresentado o pedido de CCP e deve, neste Estado‑Membro, enquanto medicamento, ter obtido uma ACM em conformidade com a Directiva 65/65, estariam já previstas no artigo 2.° deste regulamento. Donde se concluiria que este artigo 2.° mais não faria do que antecipar o conteúdo do artigo 3.°, alíneas a) e b), do referido regulamento. Tal interpretação retiraria, pois, a este mesmo artigo 2.° toda a razão de ser.

41      Ora, como decorre das epígrafes respectivas dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 1768/92, a saber, «Âmbito de aplicação» e «Condições de obtenção do [CCP]», este regulamento visa, num primeiro momento, no seu artigo 2.°, determinar, de um modo geral, quais são os produtos que podem ser objecto de um CCP, antes de fixar, no seu artigo 3.°, as condições no respeito das quais os produtos podem conduzir à emissão de um CCP.

42      Estas considerações tendem, pois, a opor‑se a uma interpretação do termo «mercado», que figura no artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92, no sentido de que visam o mercado de um Estado‑Membro. Militam, em contrapartida, a favor de uma referência ao mercado comunitário.

43      No tocante, em segundo lugar, ao processo de autorização administrativa, ao qual o produto, enquanto medicamento, deve ser sujeito nos termos da Directiva 65/65, decorre do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 1768/92, bem como do artigo 3.° daquela directiva, que este processo é o visado no capítulo II da referida directiva, para a obtenção de uma ACM. Este processo compreende uma avaliação da segurança e da eficácia do medicamento, cujo resultado deve, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 65/65, acompanhar o pedido de ACM.

44      Donde resulta que o artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 deve ser interpretado no sentido de que só pode ser objecto de um CCP o produto que está protegido por uma patente válida no território do Estado‑Membro em questão e que obteve uma ACM após ter sido sujeito, enquanto medicamento, antes da sua colocação no mercado na Comunidade, a um processo de autorização administrativa, nos termos da Directiva 65/65, que compreenda uma avaliação da sua segurança e da sua eficácia.

45      Esta interpretação do artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 é confirmada pelo objectivo prosseguido por este regulamento.

46      Com efeito, como decorre dos seus quatro primeiros considerandos, com vista a garantir uma protecção suficiente para incentivar a investigação no domínio farmacêutico, o referido regulamento visa, através da criação de um CCP para os medicamentos que tenham obtido uma ACM, suprir a duração insuficiente da protecção efectiva conferida pela patente para a amortização dos investimentos efectuados na referida investigação, tendo em conta o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a sua ACM (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 12 de Junho de 1997, Yamanouchi Pharmaceutical, C‑110/95, Colet., p. I‑3251, n.° 7; de 16 de Setembro de 1999, Farmitalia, C‑392/97, Colet., p. I‑5553, n.° 19; e de 3 de Setembro de 2009, AHP Manufacturing, C‑482/07, Colet., p. I‑7295, n.° 30).

47      Ora, seria contrário a este objectivo de compensação do período de tempo associado à obtenção de uma ACM, a qual requer uma avaliação longa e onerosa da segurança e da eficácia do medicamento em questão, que um CCP, que constitui a extensão de uma exclusividade, pudesse ser concedido para um produto que, antes de ter sido sujeito a um processo de autorização administrativa nos termos da Directiva 65/65, o qual compreende uma avaliação da sua segurança e da sua eficácia, já pôde ser comercializado, enquanto medicamento, no mercado comunitário.

48      Além disso, a interpretação do artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 proposta pela Merz criaria uma disparidade de tratamento injustificada, à luz do objectivo prosseguido por este regulamento, entre certos produtos colocados no mercado antes da data fixada no artigo 19.°, n.° 1, do referido regulamento. Com efeito, enquanto, por força desta última disposição, os produtos para os quais foi concedida uma ACM conforme antes dessa data não podem beneficiar de um CCP, mesmo que a referida ACM tenha sido concedida em conformidade com a Directiva 65/65, os produtos comercializados antes da referida data com base em títulos não conformes, e que só depois dessa data obtiveram, num Estado‑Membro, uma ACM conforme à Directiva 65/65, poderiam beneficiar de um CCP.

49      No caso em apreço, é pacífico que a memantina foi comercializada na Comunidade, enquanto medicamento, ao abrigo das ACM alemã e luxemburguesa em causa no processo principal, sem ter sido previamente sujeita à avaliação da segurança e da eficácia prescrita pela Directiva 65/65. Tal avaliação foi realizada, pela primeira vez, no quadro da concessão da ACM de 2002.

50      Donde se conclui que tal produto não se insere no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92, tal como definido no artigo 2.° deste último, e não pode, pois, ser objecto de um CCP.

51      Vistas as precedentes considerações, há que responder à terceira questão que o artigo 2.° do Regulamento n.° 1768/92 deve ser interpretado no sentido de que um produto, como o em causa no processo principal, que, como medicamento para uso humano, foi colocado no mercado na Comunidade antes de ter obtido uma ACM conforme à Directiva 65/65, nomeadamente sem ter sido sujeito à avaliação da sua segurança e da sua eficácia, não está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento e não pode, por conseguinte, ser objecto de um CCP.

 Quanto à quarta questão

52      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se um CCP concedido para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92, como definido no artigo 2.° deste último, é nulo.

53      As causas de nulidade do CCP estão enunciadas no artigo 15.° do referido regulamento. A violação do artigo 2.° do mesmo regulamento não figura entre estas causas.

54      Em contrapartida, por força do artigo 15.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1768/92, o CCP é nulo se tiver sido emitido contrariamente às disposições do artigo 3.° deste regulamento.

55      O Tribunal de Justiça já decidiu, nos n.os 90 e 91 do acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Hässle (C‑127/00, Colet., p. I‑14781), que, mesmo que não seja possível deduzir da letra ou da génese do artigo 15.°, n.° 1, do referido regulamento que o elenco das causas de nulidade de um CCP aí referidas não é taxativo, a violação de um artigo deste regulamento não mencionado nesta disposição, nesse caso concreto, o seu artigo 19.°, pode implicar a nulidade do CCP, em razão da sua conexão com o artigo 3.° do mesmo regulamento.

56      Ora, o conceito de «produto» que figura no artigo 3.° do Regulamento n.° 1768/92 refere‑se necessariamente a um produto abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, tal como é definido no artigo 2.° deste último. Portanto, a concessão de um CCP para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento desrespeita o âmbito do referido conceito de «produto». Assim, um CCP emitido em tais condições é nulo por força do artigo 15.° do Regulamento n.° 1768/92.

57      Há, por conseguinte, que responder à quarta questão que é nulo um CCP concedido para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92, tal como é definido no artigo 2.° deste último.

 Quanto à primeira e segunda questões

58      Tendo em conta as respostas dadas à terceira e quarta questões, não há que responder à primeira e segunda questões.

 Quanto às despesas

59      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos, na versão resultante do Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que um produto, como o em causa no processo principal, que, como medicamento para uso humano, foi colocado no mercado na Comunidade Europeia antes de ter obtido uma autorização de colocação no mercado conforme à Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas, conforme alterada pela Directiva 89/341/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989, nomeadamente sem ter sido sujeito à avaliação da sua segurança e da sua eficácia, não está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento e não pode, por conseguinte, ser objecto de um certificado complementar de protecção.

2)      É nulo um certificado complementar de protecção concedido para um produto que não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1768/92, conforme alterado, tal como é definido no artigo 2.° deste último.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.