Processo C‑49/09

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

«Incumprimento de Estado – Imposto sobre o valor acrescentado – Directiva 2006/112/CE – Adesão posterior de Estados‑Membros – Disposições transitórias – Aplicação ratione temporis – Aplicação de uma taxa reduzida – Vestuário e acessórios para bebé e calçado de criança»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem transitoriamente uma taxa reduzida

(Directiva 2006/112 do Conselho, artigos 98.°, 115.° e anexo III)

Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 98.° e do anexo III da Directiva 2006/112, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, um Estado‑Membro que aplica uma taxa reduzida do imposto sobre o valor acrescentado de 7% às entregas, à importação e à aquisição intracomunitária de vestuário e acessórios de moda para bebé e de calçado de criança, embora não aplicasse, em 1 de Janeiro de 1991, um imposto sobre o valor acrescentado na acepção da Directiva 2006/112 nem um sistema de tributação que apresentasse as características essenciais do imposto sobre o valor acrescentado, pelo que não estavam reunidos os requisitos de aplicação do artigo 115.° da referida directiva.

Com efeito, a derrogação prevista no dito artigo 115.° depende de estarem reunidos dois requisitos de aplicação cumulativos. O primeiro exige que o Estado‑Membro em causa aplicasse, em 1 de Janeiro de 1991, um imposto sobre o valor acrescentado na acepção da Directiva 2006/112 ou, pelo menos, um sistema de tributação que apresentasse as mesmas características que o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado. O segundo requer que, no âmbito da mencionada tributação, as entregas de bens e prestações de serviços referidas no dito artigo estivessem sujeitas, em 1 de Janeiro de 1991, a uma taxa reduzida.

(cf. n.os 42, 54, 57, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

28 de Outubro de 2010 (*)

«Incumprimento de Estado – Imposto sobre o valor acrescentado – Directiva 2006/112/CE – Adesão posterior de Estados‑Membros – Disposições transitórias – Aplicação ratione temporis – Aplicação de uma taxa reduzida – Vestuário e acessórios para bebé e calçado de criança»

No processo C‑49/09,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 2 de Fevereiro de 2009,

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e K. Herrmann, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República da Polónia, representada por M. Szpunar, M. Dowgielewicz, M. Jarosz e A. Rutkowska, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, J. Malenovský e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Abril de 2010,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao aplicar uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de 7% às entregas, à importação e à aquisição intracomunitária de vestuário e acessórios de moda para bebé e de calçado de criança, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 98.° e do anexo III da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

2        A Directiva 2006/112 revoga e substitui, a partir de 1 de Janeiro de 2007, a Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

3        O artigo 96.° da Directiva 2006/112, correspondente ao artigo 12.°, n.° 3, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, dispõe:

«Os Estados‑Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado‑Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços.»

4        Nos termos do artigo 97.°, n.° 1, da Directiva 2006/112:

«A partir de 1 de Janeiro de 2006 e até 31 de Dezembro de 2010, a taxa normal não pode ser inferior a 15%.»

5        O artigo 98.°, n.os 1 e 2, desta directiva tem a seguinte redacção:

«1.      Os Estados‑Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.

2.      As taxas reduzidas aplicam‑se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III. […]»

6        Nos termos do artigo 99.°, n.° 1, da Directiva 2006/112, as taxas reduzidas são fixadas numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 5%.

7        Os artigos 109.° e seguintes da Directiva 2006/112 estabelecem as condições em que determinados Estados‑Membros podem aplicar, até à introdução do regime definitivo, diferentes medidas no domínio das taxas reduzidas de IVA. Estas medidas dizem respeito à aplicação de taxas reduzidas inferiores a 5%, à manutenção de taxas reduzidas sobre os bens e serviços não referidos no anexo III da Directiva 2006/112 ou ainda à aplicação de uma taxa reduzida não inferior a 12%.

8        Em conformidade com o artigo 114.°, n.° 1, da Directiva 2006/112:

«Os Estados‑Membros que, em 1 de Janeiro de 1993, foram obrigados a aumentar em mais de 2% a sua taxa normal em vigor em 1 de Janeiro de 1991 podem aplicar uma taxa reduzida inferior ao mínimo fixado no artigo 99.° às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias referidas no Anexo III.

Além disso, os Estados‑Membros referidos no primeiro parágrafo podem aplicar essa taxa aos serviços de restauração, ao vestuário e calçado de criança e à habitação.»

9        Nos termos do artigo 115.° da Directiva 2006/112:

«Os Estados‑Membros que, em 1 de Janeiro de 1991, aplicavam uma taxa reduzida aos serviços de restauração, ao vestuário e calçado de criança e à habitação podem continuar a aplicar essa taxa à entrega desses bens ou à prestação desses serviços.»

10      No título VIII da Directiva 2006/112, sob a epígrafe «Disposições temporárias», o capítulo 5 contém, nos artigos 123.° a 130.°, disposições que autorizam determinados Estados‑Membros que aderiram à União Europeia em 1 de Maio de 2004 a conceder uma isenção com direito à dedução do IVA pago no estádio anterior às entregas de certos bens, bem como a aplicar uma taxa reduzida de IVA a determinados bens.

11      No que se refere à República da Polónia, o artigo 128.° da Directiva 2006/112 dispõe:

«1.      A Polónia pode aplicar uma isenção com direito à dedução do IVA pago no estádio anterior aos fornecimentos de determinados livros e periódicos especializados, até 31 de Dezembro de 2007.

2.      A Polónia pode continuar a aplicar uma taxa reduzida não inferior a 7% aos serviços de restauração, até 31 de Dezembro de 2007 ou até à introdução do regime definitivo referido no artigo 402.°, consoante o que se verificar primeiro.

3.      A Polónia pode continuar a aplicar, até 30 de Abril de 2008, uma taxa reduzida não inferior a 3% às entregas dos produtos alimentares referidos no Anexo III.

4.      A Polónia pode continuar a aplicar, até 30 de Abril de 2008, uma taxa reduzida não inferior a 3% às entregas de bens e às prestações de serviços do tipo utilizado normalmente na produção agrícola, com exclusão dos bens de equipamento, tais como as máquinas ou as construções, referidas no ponto 11) do Anexo III.

5.      A Polónia pode continuar a aplicar, até 31 de Dezembro de 2007, uma taxa reduzida não inferior a 7% à prestação de serviços de construção, renovação e modificação de habitações, não abrangidos por políticas sociais, com exclusão de materiais de construção, e à entrega, antes da primeira ocupação, de edifícios ou de parte de edifícios residenciais, referidos na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°»

12      Estas derrogações foram estabelecidas no âmbito das negociações que deram lugar ao Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir «acto de adesão»). Constam do capítulo 9, n.° 1, alíneas a) a c), do anexo XII do acto de adesão.

13      O artigo 24.° do acto de adesão enuncia:

«As medidas enumeradas nos Anexos V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV do presente Acto aplicam‑se, em relação aos novos Estados‑Membros, nas condições definidas nesses Anexos.»

14      O anexo XII do acto de adesão é intitulado «Lista a que se refere o artigo 24.° do Acto de Adesão: Polónia». O capítulo 9 deste anexo, intitulado «Fiscalidade», contém um n.° 1 que declara aplicáveis as disposições relativas ao sistema comum do IVA nos seguintes termos:

«31977 L 0388: Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – [S]istema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145 [...], p. 1), com a última redacção que lhe foi dada por:

–        32002 L 0038: Directiva 2002/38/CE do Conselho, de [7 de Maio de 2002] (JO L 128 […], p. 41).

«a)      Em derrogação da alínea a) do n.° 3 do artigo 12.° da Directiva 77/388/CEE, a Polónia pode: i) aplicar uma isenção com reembolso do imposto pago no estádio anterior aos fornecimentos de determinadas categorias de livros e periódicos especializados, até 31 de Dezembro de 2007, e ii) continuar a aplicar uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado não inferior a 7% aos serviços de restauração, até 31 de Dezembro de 2007 ou até ao final do período transitório a que se refere o artigo 28.°[, n.° 1,] da directiva, consoante o que se verificar primeiro.

b)      Em derrogação da alínea a) do n.° 3 do artigo 12.° da Directiva 77/388/CEE, a Polónia pode continuar a aplicar i) uma taxa reduzida do imposto sobre o valor acrescentado não inferior a 3% aos produtos alimentares (incluindo bebidas, com excepção das bebidas alcoólicas), destinados ao consumo humano e animal, animais vivos, sementes, plantas e ingredientes normalmente destinados à preparação de alimentos, produtos normalmente destinados a servir de complemento ou de substituto de produtos alimentares; ao fornecimento de bens e serviços do tipo utilizado normalmente na produção agrícola, com exclusão de bens de equipamento, tais como maquinaria ou construções a que se referem os pontos 1 a 10 do Anexo H da directiva, até 30 de Abril de 2008, e ii) uma taxa reduzida do imposto sobre o valor acrescentado não inferior a 7% à prestação de serviços não integrados numa política social, para construção, renovação e modificação de habitações, com exclusão de materiais de construção, e à entrega, antes da primeira ocupação, de edifícios residenciais ou de partes deles, tal como referido na alínea a) do n.° 3 do artigo 4.° da directiva, até 31 de Dezembro de 2007.

c)      Para efeitos da aplicação da alínea b) do n.° 3 do artigo 28.° da Directiva 77/388/CEE, a Polónia pode continuar a isentar de imposto sobre o valor acrescentado os transportes internacionais de passageiros a que se refere o ponto 17 do Anexo F da directiva, até estar preenchida a condição prevista no n.° 4 do artigo 28.° da directiva ou enquanto for aplicada a mesma isenção por qualquer dos actuais Estados‑Membros, consoante o que se verificar primeiro.»

 Legislação nacional

15      Nos termos do artigo 41.° da Lei de 11 de Março de 2004, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (Dz. U, n.° 54, ponto 535), conforme alterada (a seguir «lei do IVA»), a taxa normal do IVA é de 22%, mas são admitidos desvios. Em contrapartida, o artigo 41.°, n.° 2, desta lei prevê que a taxa seja de 7% para os bens e serviços referidos no seu anexo n.° 3.

16      O anexo n.° 3 da lei do IVA menciona no ponto 45 o «vestuário e acessórios de moda para bebé» e no ponto 47 o «calçado de criança».

 Procedimento pré‑contencioso

17      A Comissão, considerando que a aplicação de uma taxa reduzida de IVA de 7% às entregas, à importação e à aquisição intracomunitária de vestuário e acessórios de moda para bebé e de calçado de criança é contrária às disposições conjugadas do artigo 98.° e do anexo III da Directiva 2006/112, deu início ao procedimento por incumprimento previsto no artigo 226.° CE. Por ofício de 23 de Março de 2007, notificou a República da Polónia para apresentar as suas observações.

18      Na sua resposta de 22 de Maio de 2007, a República da Polónia alegou que a aplicação de uma taxa reduzida de IVA aos bens em causa constitui uma das medidas para apoiar a família e encorajar a natalidade na Polónia, inscrevendo‑se nos objectivos da «estratégia de Lisboa». Referiu‑se também à aplicação de taxas reduzidas de IVA a esses mesmos bens na Irlanda, no Luxemburgo e no Reino Unido. Por último, considerou que, tendo em conta o carácter limitado no tempo da aplicação da taxa reduzida controvertida, não poderia existir distorção da concorrência.

19      Não tendo ficado convencida com esta resposta, a Comissão, em 1 de Fevereiro de 2008, emitiu um parecer fundamentado, no qual convidava a República da Polónia a tomar as medidas necessárias para o cumprir no prazo de dois meses a contar da sua recepção.

20      Por carta de 31 de Maio de 2008, a República da Polónia reiterou a sua posição.

21      Não tendo os argumentos da República da Polónia convencido a Comissão, esta decidiu intentar a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

22      A Comissão acusa a República da Polónia de aplicar uma taxa reduzida de IVA de 7% às entregas, à importação e à aquisição intracomunitária de vestuário e acessórios de moda para bebé e de calçado de criança, em violação das disposições conjugadas do artigo 98.° e do anexo III da Directiva 2006/112.

23      A Comissão recorda que o objectivo da Directiva 2006/112 é harmonizar o IVA. Uma vez que a taxa reduzida de IVA constitui uma excepção à regra, a sua aplicação deve ser limitada às situações concretas e específicas claramente mencionadas nesta directiva.

24      A Comissão sublinha que o artigo 98.°, n.° 2, da Directiva 2006/112 dispõe inequivocamente que as taxas reduzidas se aplicam unicamente às entregas de bens das categorias referidas no anexo III desta directiva e que a mesma não menciona o «vestuário e acessórios de moda para bebé» nem o «calçado de criança».

25      O facto de determinados Estados‑Membros terem mantido uma taxa reduzida de IVA para os produtos em causa, tanto ao abrigo do artigo 114.° como do artigo 115.° da Directiva 2006/112, se em 1 de Janeiro de 1991 a aplicavam, não constitui um argumento que autorize também a República da Polónia a aplicar uma taxa reduzida de IVA aos referidos bens.

26      A Comissão sustenta, a título principal, que, pela sua ratio legis, o artigo 115.° da Directiva 2006/112, que corresponde ao artigo 28.°, n.° 2, alínea d), da Sexta Directiva, conforme alterada pela Directiva 92/77/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992 (JO L 316, p. 1), se destina unicamente aos Estados‑Membros que faziam parte da Comunidade Europeia no momento da adopção da Directiva 92/77, autorizando‑os, por derrogação, a manter as taxas reduzidas de IVA, desde que essas taxas fossem aplicáveis nesses Estados‑Membros em 1 de Janeiro de 1991 (v., neste sentido, acórdão de 11 de Outubro de 2001, Adam, C‑267/99, Colect., p. I‑7467, n.° 34).

27      A Comissão sublinha que a República da Polónia não figurava entre os Estados‑Membros no momento da adopção da Directiva 92/77 e que o acto de adesão não dispõe que esse Estado‑Membro pode beneficiar das disposições transitórias previstas nos artigos 114.° e 115.° da Directiva 2006/112 (v., por analogia, acórdão de 7 de Março de 2002, Comissão/Finlândia, C‑169/00, Colect., p. I‑2433, n.° 30).

28      A título subsidiário, a Comissão sustenta que, em todo o caso, não estão reunidos os requisitos de aplicação do artigo 115.° da Directiva 2006/112.

29      Por um lado, em 1 de Janeiro de 1991, o imposto criado pela Lei de 16 de Dezembro de 1972, relativa ao imposto sobre o volume de negócios (texto uniforme Dz. U de 1983, n.° 43, ponto 191), conforme alterada (a seguir «Lei de 16 de Dezembro de 1972»), não constituía um IVA para efeitos do artigo 115.° da Directiva 2006/112.

30      Por outro lado, a República da Polónia não aplicava, em 1 de Janeiro de 1991, uma taxa reduzida aos produtos em causa.

31      A República da Polónia considera que, em conformidade com o direito da União, em particular com o artigo 115.° da Directiva 2006/112, tem direito a manter uma taxa reduzida de IVA para os produtos em causa e que esta possibilidade é reforçada por considerações sociais que são conformes com os objectivos gerais da União.

32      A República da Polónia sublinha que, embora a situação política de um Estado‑Membro no decurso das negociações das condições da sua adesão possa levar esse Estado a indicar expressis verbis, no tratado de adesão, as categorias de isenção que são particularmente sensíveis do ponto de vista social ou que suscitam um debate importante antes da adesão, isto não pode servir de fundamento à tese da impossibilidade de aplicar o artigo 115.° da Directiva 2006/112 por parte de um Estado‑Membro que não tenha incluído o seu conteúdo nas condições do acto de adesão.

33      A República da Polónia afirma que, na Polónia, em 1 de Janeiro de 1991, se aplicava uma taxa reduzida para a venda de bens, entre os quais o vestuário e o calçado de criança, em conformidade com o disposto na Lei de 16 de Dezembro de 1972. O mecanismo do IVA na Polónia, instituído após a entrada em vigor da Lei de 8 de Janeiro de 1993, relativa ao imposto sobre os bens e os serviços (Dz. U, n.° 11, ponto 50), conforme alterada, é muito semelhante ao da União, visto que se baseou nele. Assim, a República da Polónia aplicou sempre uma taxa reduzida de 7% a esses bens. Preenche, deste modo, os requisitos de aplicação do artigo 28.°, n.° 2, alínea d), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, do artigo 115.° da Directiva 2006/112, mesmo que essa disposição não tenha sido incluída no acto de adesão.

34      O argumento da Comissão, de que o acto de adesão não contém normas correspondentes ao disposto no artigo 115.° da Directiva 2006/112 para os bens em causa, apesar de conter disposições nesse sentido no que respeita à aplicação de uma taxa reduzida aos serviços de restauração e à habitação, constitui um argumento a contrario, o que não pode ser admitido. Segundo a República da Polónia, não se pode deduzir do facto de certas disposições, que mencionam bens e serviços abrangidos por uma taxa reduzida de IVA com base em derrogações às regras da Sexta Directiva, terem sido incluídas no acto de adesão que outros bens e serviços, mencionados exclusivamente nas disposições de direito derivado, não possam estar sujeitos a essa taxa. A inclusão de disposições de direito derivado no acto de adesão só pode ter valor declarativo.

35      Recusar aos «novos» Estados‑Membros a possibilidade de aplicar o artigo 115.° da Directiva 2006/112 atribuiria uma vantagem aos «antigos» Estados‑Membros. Diferenças importantes ao nível da tributação – da ordem dos 10% de taxa de IVA – levaria a divergências de preço entre os mesmos produtos nos diferentes Estados‑Membros, o que, de acordo com o quarto e sétimo considerandos desta directiva, falsearia a concorrência intracomunitária.

36      A República da Polónia alega que a manutenção de uma taxa reduzida de IVA deve ser permitida por razões de ordem social que coincidem com os objectivos da União, que visam não só o crescimento económico mas também o progresso social.

37      O objectivo das derrogações às disposições da Directiva 2006/112 é, como decorre do seu sexto considerando e da jurisprudência, reduzir o mais possível os efeitos negativos para a economia e a sociedade de uma harmonização demasiado restritiva (v., por analogia, acórdãos de 6 de Julho de 2006, Talacre Beach Caravan Sales, C‑251/05, Colect., p. I‑6269, n.° 22, e de 10 de Abril de 2008, Marks & Spencer, C‑309/06, Colect., p. I‑2283, n.° 24).

38      A este respeito, a República da Polónia recorda que, desde a fase do procedimento administrativo, sublinhou que a manutenção de uma taxa reduzida de IVA sobre os produtos em causa é extremamente importante do ponto de vista do seu crescimento económico, mas sobretudo do ponto de vista das soluções que procuram fomentar, de modo efectivo, o aumento da taxa de natalidade na Polónia.

 Apreciação do Tribunal

39      É ponto assente que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República da Polónia aplicava uma taxa reduzida de IVA de 7% aos bens em causa e que estes não faziam parte das categorias de bens e serviços que constavam do anexo III da Directiva 2006/112, que, de acordo com o disposto no artigo 98.° desta directiva, são os únicos aos quais se podem aplicar as taxas reduzidas. É igualmente ponto assente que o acto de adesão não prevê uma derrogação a este respeito.

40      No entanto, a República da Polónia alega que esta tributação com taxa reduzida pode ser permitida ao abrigo do artigo 115.° da Directiva 2006/112. A Comissão sustenta, a título principal, que esta disposição é aplicável apenas aos Estados que eram membros da Comunidade no momento da adopção da Directiva 92/77, e, a título subsidiário, que os requisitos de aplicação do dito artigo 115.° não estão reunidos no caso em apreço.

41      Importa recordar, a título preliminar, que o artigo 115.° da Directiva 2006/112 é uma disposição transitória, introduzida inicialmente na Sexta Directiva como artigo 28.°, n.° 2, alínea d), pela Directiva 92/77, que, por derrogação, autoriza os Estados‑Membros, que estavam obrigados a adaptar o seu sistema do IVA ao número e ao nível do IVA harmonizados, a manter as taxas reduzidas de IVA que aplicavam a certos produtos e serviços desde que essas taxas fossem aplicáveis nesses Estados‑Membros em 1 de Janeiro de 1991. No que respeita a um regime derrogatório e transitório, o artigo 115.° da Directiva 2006/112 deve ser objecto de uma interpretação estrita (v., por analogia, acórdão de 12 de Junho de 2008, Comissão/Portugal, C‑462/05, Colect., p. I‑4183, n.° 54).

42      A este respeito, basta referir que a derrogação prevista no dito artigo 115.° depende de estarem reunidos dois requisitos de aplicação cumulativos. O primeiro exige que o Estado‑Membro em causa aplicasse, em 1 de Janeiro de 1991, um IVA na acepção da Directiva 2006/112 ou, pelo menos, um sistema de tributação que apresentasse as mesmas características que o sistema comum do IVA. O segundo requer que, no âmbito da mencionada tributação, as entregas de bens e prestações de serviços referidas no dito artigo estivessem sujeitas, em 1 de Janeiro de 1991, a uma taxa reduzida.

43      No que se refere ao primeiro requisito, a República da Polónia indicou só ter introduzido o sistema comum do IVA na sua legislação interna através da lei do IVA. Por conseguinte, importa verificar se o imposto polaco previsto na Lei de 16 de Dezembro de 1972, na redacção em vigor em 1 de Janeiro de 1991, pode, pelo menos, ser considerado um imposto equivalente ao IVA.

44      Cabe recordar, a este respeito, que o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e aos serviços, até ao estádio do comércio a retalho, um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação. Todavia, em cada transacção, o IVA apenas é exigível após se ter procedido à dedução do montante do IVA que onerou directamente o custo dos diversos elementos constitutivos do preço. O mecanismo das deduções é regulado de modo que os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir do IVA devido os montantes de IVA que já tenham onerado a montante os bens ou os serviços e que o imposto apenas incide, em cada estádio, sobre o valor acrescentado, sendo, em definitivo, suportado pelo consumidor final (v. acórdão de 3 de Outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C‑475/03, Colect., p. I‑9373, n.os 21 e 22).

45      O Tribunal de Justiça esclareceu quais são as características essenciais do IVA. Não obstante algumas diferenças de redacção, resulta da sua jurisprudência que as referidas características são quatro, a saber, a aplicação geral do imposto às transacções que tenham por objecto bens ou serviços; a fixação do seu montante proporcionalmente ao preço recebido pelo sujeito passivo em contrapartida dos bens e dos serviços que forneça; a cobrança do imposto em cada fase do processo de produção e de distribuição, incluindo a da venda a retalho, qualquer que seja o número de transacções ocorridas anteriormente; a dedução do imposto devido por um sujeito passivo dos montantes pagos nas fases anteriores do processo, de modo que o imposto só se aplique, numa dada fase, ao valor acrescentado nessa fase e que a carga final do imposto seja, em definitivo, suportada pelo consumidor (v. acórdãos Banca popolare di Cremona, já referido, n.° 28, e de 11 de Outubro de 2007, KÖGÁZ e o., C‑283/06 e C‑312/06, Colect., p. I‑8463, n.° 37).

46      Basta que um imposto não apresente uma das referidas características essenciais para que não possa ser considerado equivalente ao IVA (v., neste sentido, despacho de 5 de Fevereiro de 2009, UAB Mechel Nemunas, C‑119/08, n.° 37).

47      No caso em apreço, no que respeita à segunda característica essencial do IVA, importa referir que, enquanto o IVA é cobrado transacção por transacção na fase da comercialização e o seu montante deve ser proporcional ao preço dos bens ou dos serviços prestados (v. acórdão KÖGÁZ e o., já referido, n.° 39), resulta dos artigos 4.° e 5.° da Lei de 16 de Dezembro de 1972 que o imposto polaco em vigor em 1 de Janeiro de 1991 se baseava, pelo contrário, no volume de negócios bruto realizado pelo sujeito passivo durante um período determinado.

48      Sendo o imposto polaco assim calculado com base num volume de negócios periódico, não é possível determinar com precisão o montante deste imposto que era eventualmente repercutido no cliente por ocasião de cada venda de bens, pelo que não estava preenchido o requisito da proporcionalidade desse montante ao preço recebido pelo sujeito passivo (v. acórdão KÖGÁZ e o., já referido, n.° 40).

49      Em seguida, no que respeita à quarta característica essencial do IVA, há que observar que, enquanto o mecanismo do IVA comunitário prevê a dedução do imposto devido ou pago sobre todos os bens ou serviços utilizados para os fins das operações tributáveis de modo a que o imposto apenas incida sobre o valor acrescentado numa dada fase da produção ou da distribuição, resulta das indicações fornecidas pelas partes em resposta às questões escritas do Tribunal de Justiça e dos debates na audiência que a Lei de 16 de Dezembro de 1972 não previa o direito a dedução do imposto pago a montante, mas autorizava unicamente a dedução do imposto geral que onerava o volume de negócios a jusante dos impostos que oneravam, a montante, certos materiais ou certas matérias‑primas. Por conseguinte, o referido imposto não se aplicava ao valor acrescentado a bens ou serviços, mas ao montante total dos rendimentos obtidos.

50      A República da Polónia alega, porém, que o artigo 9.° do Regulamento do Ministro das Finanças de 17 de Abril de 1990 (Dz. U, n.° 27, ponto 156) isentava, em princípio, do imposto sobre o volume de negócios a venda de bens de consumo, de investimento e produtos acabados.

51      Todavia, embora seja realmente verdade que a existência de diferenças no que respeita ao método segundo o qual a dedução do imposto já pago é calculada não priva um imposto de uma característica essencial do IVA se essas diferenças forem apenas de ordem técnica e não impedirem que esse imposto opere, no essencial, da mesma forma que o IVA, o mesmo não sucede com um imposto que onera as actividades produtivas de uma forma tal que não seja certo que, à semelhança de um imposto sobre o consumo como o IVA, seja suportado, em definitivo, pelo consumidor final (acórdão Banca popolare di Cremona, já referido, n.° 31).

52      Ora, no caso em apreço, devido, nomeadamente, ao jogo pouco claro das diferentes isenções ou tributações em cascata, não existe certeza alguma de que a carga do imposto sobre o volume de negócios polaco tenha sido, em definitivo, suportada pelo consumidor final de uma forma característica de um imposto sobre o consumo como o IVA nem de que tenha levado ao mesmo resultado que este.

53      Resulta destas considerações que o imposto sobre o volume de negócios aplicável na Polónia em 1 de Janeiro de 1991 não apresentava as características essenciais do IVA.

54      Uma vez que a República da Polónia não aplicou, em 1 de Janeiro de 1991, um IVA na acepção da Directiva 2006/112 nem um sistema de tributação que apresentasse as características essenciais do IVA, não estão reunidos os requisitos de aplicação do artigo 115.° da Directiva 2006/112.

55      Daqui decorre que a República da Polónia devia ter aplicado a taxa normal do IVA aos produtos em causa.

56      Por último, na medida em que a República da Polónia invoca um fundamento de defesa autónomo, segundo o qual a aplicação de uma taxa reduzida de IVA aos bens em causa visa aumentar a taxa de natalidade na Polónia e contribui para acelerar o ritmo do crescimento económico, no espírito da estratégia de Lisboa, basta observar que um tal argumento de natureza sociopolítica, embora possa eventualmente justificar a concessão pelo Conselho da União Europeia de uma derrogação mediante uma alteração à Directiva 2006/112, não pode, em contrapartida, do ponto de vista jurídico, justificar, no âmbito da presente acção por incumprimento, a violação, por este Estado‑Membro, das disposições do artigo 98.°, n.° 2, da Directiva 2006/112.

57      Nestas condições, importa concluir que, ao aplicar uma taxa reduzida de IVA de 7% às entregas, à importação e à aquisição intracomunitária de vestuário e acessórios de moda para bebé e de calçado de criança, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 98.° e do anexo III da Directiva 2006/112.

 Quanto às despesas

58      Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Polónia e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      Ao aplicar uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado de 7% às entregas, à importação e à aquisição intracomunitária de vestuário e acessórios de moda para bebé e de calçado de criança, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 98.° e do anexo III da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

2)      A República da Polónia é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: polaco.