CONCLUSÕES DE V. TRSTENJAK – PROCESSO C‑463/09


CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 26 de Outubro de 2010 (1)

Processo C‑463/09

CLECE, S.A.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha (Espanha)]

«Política social – Directiva 2001/23/CE – Artigo 1.°, n.° 1, alíneas a) e b) – Transferência de empresas – Manutenção dos direitos dos trabalhadores – Âmbito de aplicação – Conceito de ‘transferência’ – Existência de uma ‘entidade económica’ – Assunção por um município, na qualidade de autoridade pública, da responsabilidade pelo serviço de limpeza de um edifício público»





I –    Introdução

1.        O Tribunal Superior de Justicia de Castilla La Mancha (a seguir: órgão jurisdicional de reenvio) submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE (2) sobre a interpretação da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (3).

2.        Este pedido de decisão prejudicial decorre de um litígio entre María Socorro Martin (a seguir: demandante no processo principal), anterior trabalhadora da empresa de limpeza CLECE S.A. (a seguir: CLECE), e o Ayuntamiento de Cobisa (município de Cobisa) relativamente a direitos resultantes dessa anterior relação de trabalho com a CLECE. A demandante pretende contestar o despedimento, em seu entender ilegal, invocando os direitos conferidos aos trabalhadores pela Directiva 2001/23 em caso de transferência de estabelecimento.

3.        A questão prejudicial tem por objectivo solicitar ao Tribunal de Justiça que esclareça se a Directiva 2001/23 abrange uma situação em que uma câmara municipal, que anteriormente contratara a limpeza das suas instalações com uma empresa privada, decide depois resolver o contrato e assegurar directamente a limpeza, para o que emprega exclusivamente novos trabalhadores. Juridicamente, é suscitada a questão do alcance do âmbito de aplicação deste acto normativo da União Europeia, pelo que o Tribunal de Justiça deverá analisar em primeiro lugar se o pressuposto da manutenção de uma entidade económica, necessário para uma transferência de estabelecimento, é cumprido quando não existe cessão de factores de produção nem são absorvidos trabalhadores e, pelo contrário, a «transferência», como tal, se resume exclusivamente a uma continuação de funções.

II – Quadro normativo

A –    Direito da União (4)

4.        A Directiva 2001/23 codifica a Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (5), com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de Junho de 1998 (6).

5.        No terceiro considerando da Directiva 2001/23 afirma‑se que «é necessário adoptar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.»

6.        No oitavo considerando da mesma directiva afirma‑se o seguinte:

«Considerando que, por motivos de segurança e de transparência jurídicas, foi conveniente esclarecer o conceito jurídico de transferência à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; que esse esclarecimento não alterou o âmbito da Directiva 77/187/CEE, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça.»

7.        No artigo 1.°, n.° 1, da directiva afirma‑se:

«a)      A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

b)      Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

c)      A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativ[o]s. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na acepção da presente directiva.»

8.        O artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva tem a seguinte redacção:

«Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.»

9.        O artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva afirma o seguinte:

«A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de em[pr]esa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.»

B –    Direito nacional

1.      Legislação

10.      O artigo 44.° da Ley del Estatuto de los Trabajadores, de 24 de Março de 1995 (a seguir: Estatuto dos Trabalhadores), que transpõe a Directiva 2001/23, prevê o seguinte no seu n.° 1:

«A mudança de titularidade de uma empresa, de um centro de trabalho ou de uma unidade produtiva autónoma não extingue só por si a relação laboral, ficando o novo titular subrogado nos direitos e obrigações laborais e de segurança social do anterior, incluindo obrigações relativas a pensões nos termos previstos na respectiva legislação específica, e, em geral, todas as obrigações do cedente no domínio da protecção social complementar».

11.      O n.° 2 do referido preceito dispõe que, «[p]ara efeitos do disposto no presente artigo, considera‑se que existe sucessão de empresa quando a transmissão afecte uma entidade económica que mantenha a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, essencial ou acessória», definição que coincide com a do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2001/23/CEE.

2.      Convenção colectiva

12.      O artigo 14.° da Convenção Colectiva de Limpeza de Edifícios e Instalações de Toledo, publicada no Boletín Oficial de la Província de Toledo n.° 269, de 22/11/05, dispõe o seguinte:

«Quando uma empresa, que tenha vindo a assegurar o seu serviço de limpeza através de contrato de prestação de serviços, assuma directamente esse serviço, não terá que continuar com o pessoal do prestador de serviços adjudicatário se a limpeza for realizada pelos seus próprios trabalhadores, devendo, em contrapartida, assumir os trabalhadores do adjudicatário se, para esse serviço de limpeza, tiver que contratar novo pessoal».

III – Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

13.      A demandante no processo principal trabalhava para a CLECE como empregada de limpeza desde 25 de Março de 2004. O seu trabalho era prestado nas instalações do Ayuntamiento de Cobisa (Toledo), em consequência do contrato celebrado entre as duas demandadas em 27 de Maio de 2003 sobre os serviços de limpeza dos estabelecimentos de ensino e dos edifícios municipais. Da decisão de reenvio depreende‑se que o trabalho era prestado sem utilização de ferramentas de trabalho especiais.

14.      Após uma renovação deste contrato de prestação de serviços de limpeza, o Ayuntamiento de Cobisa comunicou à co‑demandada CLECE, em 9 de Novembro de 2007, a denúncia do mesmo contrato, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2007. Em 2 de Janeiro de 2008, aquela empresa comunicou à demandante no processo principal que, a partir de 1 de Janeiro, passaria a pertencer ao pessoal do Ayuntamiento, uma vez fora adjudicado a esta entidade o serviço de limpezas das instalações do Ayuntamiento. A mesma entidade ficaria subrogada em todos os direitos e obrigações que até ao momento regiam a relação laboral, de acordo com o disposto na Convenção de Limpeza de Edifícios e Instalações da província de Toledo em vigor.

15.      Em 2 de Janeiro de 2008, a demandante no processo principal apresentou‑se no seu posto de trabalho, nas instalações do Ayuntamiento de Cobisa, onde no entanto foi impedida de trabalhar. A CLECE não a reafectou a qualquer outro posto de trabalho. Da decisão de envio depreende‑se ainda que, em 10 de Janeiro de 2008, o co‑demandado Ayuntamiento de Cobisa contratou, para a limpeza das suas instalações, cinco trabalhadoras recrutadas numa bolsa de emprego criada em 21 de Janeiro de 2007.

16.      Tendo a trabalhadora proposto a acção por despedimento contra a CLECE e contra o Ayuntamiento de Cobisa, o Juzgado de lo Social n.° 2 de Toledo proferiu proferida sentença em que declarou a ilegitimidade passiva desse Ayuntamiento e julgou procedente a acção por ilicitude do despedimento, condenando a empresa demandada CLECE a, segundo a sua escolha, readmitir a trabalhadora nas mesmas condições anteriores ao despedimento ou indemnizá‑la no montante de 6 507,10 euros, e, em qualquer dos casos, no pagamento dos salários vencidos na pendência da acção e não pagos.

17.      A referida empresa interpôs recurso da sentença, que deu entrada no órgão jurisdicional de reenvio em 26 de Dezembro de 2008. No recurso, a CLECE alega, em suma, que o Ayuntamiento de Cobisa ficou subrogado na relação laboral com a trabalhadora, de acordo com o artigo 14.° da Convenção Colectiva de Limpeza de Edifícios e Instalações de Toledo, conjugado com o artigo 44.° da lei do Estatuto dos Trabalhadores, e com a doutrina jurisprudencial que cita.

18.      Na sua sentença, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas sobre a aplicabilidade da Directiva 2001/23 ao caso subjacente ao processo principal, pelo que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve considerar‑se abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva, constante do seu artigo 1.°, n.° 1, alíneas a) e b), um caso de reversão ou em que uma câmara municipal, contratando novo pessoal, assume a actividade de limpeza das suas diversas instalações, que antes era assegurada por uma empresa contratada para o efeito?»

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

19.      A decisão de reenvio, com data de 20 de Outubro de 2009, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Novembro de 2009.

20.      O Governo do Reino de Espanha, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas dentro do prazo referido no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

21.      Como nenhum dos interessados requereu a abertura da fase oral do processo, foi possível preparar as conclusões deste processo após a reunião geral do Tribunal de Justiça, em 31 de Agosto de 2010.

V –    Argumentação essencial das partes

22.      O Governo espanhol considera que uma situação como a descrita no processo principal se enquadra no âmbito de aplicação da Directiva 2001/23, embora o prosseguimento ou a assunção da actividade de limpeza stricto sensu não possam ser equiparados ao conceito de transferência na acepção do direito comercial.

23.      No caso subjacente ao processo principal, o Ayuntamiento de Cobisa não dispunha de pessoal suficiente para efectuar o serviço de limpeza das suas instalações, pelo que teve de contratar novos trabalhadores. Neste caso, deve aplicar‑se a jurisprudência do Tribunal de Justiça, até porque não existem dúvidas de que houve uma cessão de funções da CLECE para o Ayuntamiento de Cobisa, de que foi prosseguido o mesmo objectivo, designadamente a prestação de serviços de limpeza, de que o Ayuntamiento é uma estrutura organizacional estável e autónoma, não obstante os seus objectivos transcenderem a mera prestação de serviços de limpeza e serem acessórios face às funções principais de uma câmara municipal e, por último, de que o número de trabalhadores do cedente está reduzido ao seu próprio pessoal.

24.      A Comissão defende, em contrapartida, que a Directiva 2001/23 não se aplica a uma situação em que o Ayuntamiento, que inicialmente adjudicou a limpeza das suas instalações a uma empresa privada, denuncia o contrato e prossegue com as tarefas de limpeza por sua conta, se aquele não assumir uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos trabalhadores que a empresa privada afectava à execução do contrato.

25.      Designadamente, o Tribunal de Justiça terá declarado várias vezes que uma transferência no sector das limpezas é possível quando o novo empregador não só prossegue a prestação do serviço de limpeza mas também assume uma parte do pessoal da empresa subcontratada, desde que esta readmissão de pessoal se refira a uma parte essencial dos efectivos que a empresa subcontratada afectava à execução do contrato subcontratado, em termos de número e de competências (7).

26.      A Comissão alega que a decisão de reenvio não permite concluir inequivocamente se María Socorro Martín Valor era a única trabalhadora afectada pela CLECE às instalações do Ayuntamiento. Como o município contratou cinco trabalhadoras para prosseguir a actividade até então executada pela subcontratada, é possível que a CLECE tivesse afectado um número semelhante de trabalhadores. Depreende‑se da decisão de envio, porém, que nenhum dos trabalhadores anteriores foi reafectado, tendo o Ayuntamiento optado, em vez disso por contratar cinco novas trabalhadoras, recrutadas numa bolsa de emprego, para a limpeza das suas instalações. Neste contexto não se verificou a cessão de uma «entidade económica», pelo que não se está em presença de uma «transferência» na acepção da Directiva 2001/23.

VI – Apreciação jurídica

A –    Observações introdutórias

27.      Com a Directiva 77/187, que precedeu a Directiva 2001/23, desenvolveu‑se pela primeira vez no plano supranacional um conceito abrangente de protecção destinado a garantir os direitos dos trabalhadores cujas relações de trabalho são afectadas pela transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos. A directiva, que efectua uma harmonização parcial do direito individual do trabalho nacional, prevê essencialmente que os direitos e deveres do cedente, emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência, devem, por esse facto, ser transferidos para o cessionário. Visa, por conseguinte, garantir a continuação da relação de trabalho inalterada com o cessionário, para impedir que os trabalhadores afectados pela transferência da empresa sejam colocados numa situação menos favorável (8). Para além desta protecção dos trabalhadores, motivada por razões de política social, a Directiva 77/187, que se apoiava no artigo 94.° CE, tinha por objectivo garantir o funcionamento do mercado comum, uma vez que, no entender do legislador, um nível diferente de protecção dos trabalhadores nas transferências de empresas ou de estabelecimentos nos Estados‑Membros poderia traduzir‑se num entrave às trocas comerciais.

28.      O Tribunal de Justiça interpretou por várias vezes a Directiva 77/187. Devido, sobretudo, aos múltiplos acórdãos do Tribunal de Justiça, o legislador, mediante a Directiva 98/50, alterou significativamente o texto da primeira, adaptando‑o a esta jurisprudência. Por motivos de lógica e clareza, a Directiva 77/187 acabou por ser codificada pela Directiva 2001/23, sem alterações significativas de conteúdo. Exactamente por causa desta cooperação construtiva entre o legislador da União Europeia e o Tribunal de Justiça na configuração do direito individual do trabalho, dentro das respectivas competências constitucionais, a jurisprudência até agora firmada sobre a directiva anterior revela‑se uma ajuda valiosa ao aplicador do direito para compreender o sentido e o objectivo do disposto na Directiva 2001/23. É o caso, em particular, das disposições que fixam o âmbito de aplicação pessoal da directiva e cuja interpretação está em causa no processo de decisão prejudicial em apreço.

B –    Análise da questão prejudicial

1.      Observações gerais

29.      Com a questão prejudicial pretende‑se que o Tribunal de Justiça determine se a matéria de facto do processo principal cumpre os requisitos do artigo 1.°, n.° 1, alíneas a) e b), e, por conseguinte, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 2001/21. Concretamente, porém, o órgão jurisdicional de reenvio mais não pretende, com a sua questão, do que esclarecer se no processo principal existiu uma «transferência de estabelecimento», na acepção da directiva. Importa recordar que, em consonância com a relação de cooperação que caracteriza o processo de decisão prejudicial, compete exclusivamente ao juiz nacional, em aplicação do direito comunitário e das normas internas de transposição verificar se, no caso concreto, são cumpridos os pressupostos para uma transferência. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça declarou mutatis mutandis na sua jurisprudência (9) que a análise do órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa e efectuar uma avaliação global de todos os aspectos parciais.

30.      Por seu lado, compete ao Tribunal de Justiça, através de uma interpretação, fornecer ao juiz nacional todos os critérios relevantes para lhe possibilitar essa apreciação. No entanto, como se pode verificar pela jurisprudência até agora firmada, o Tribunal de Justiça, não está proibido de fazer amplo uso da sua competência interpretativa, para dar ao o juiz nacional uma resposta útil e conducente à resolução do litígio inicial, procedendo, por exemplo, a uma interpretação casuística desses critérios e, consequentemente, a uma análise dos aspectos concretos da matéria de facto que lhe foi submetida (10).

31.      Após estas observações de carácter geral, debruçar‑me‑ei agora sobre a questão propriamente dita da aplicabilidade da Directiva 2001/23 a uma situação de facto como a descrita no pedido de decisão prejudicial.

2.      Aplicabilidade da Directiva 2001/23

32.      Resulta dos próprios termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, que a sua aplicação está sujeita a três condições: a transferência deve realizar‑se por mudança de entidade patronal, deve referir‑se a uma empresa, um estabelecimento ou uma parte de estabelecimento e deve resultar de uma convenção (11).

a)      Mudança de entidade patronal resultante de uma convenção

i)      Qualidade do adjudicante como pessoa colectiva de direito público

33.      Antes de mais, importa lembrar brevemente a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual, em princípio, a transferência de uma actividade económica de uma pessoa colectiva de direito privado para uma pessoa colectiva de direito público está abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 77/187 (12). A mesma conclusão, como foi recentemente confirmado no acórdão UGT‑FSP (13) de 29 de Julho de 2010, impõe‑se igualmente no caso da Directiva 2001/23.

34.      Importa referir, neste contexto, que o Tribunal de Justiça também declarou que a Directiva 77/187 é aplicável quando um município, isto é, uma pessoa colectiva de direito público que age no âmbito das regras específicas do direito administrativo, assume por sua conta determinadas actividades exercidas até então, no interesse desse município, por uma associação sem fins lucrativos, pessoa colectiva de direito privado, na medida em que a entidade cedida conserve a sua identidade (14). Consequentemente, o mero facto de o Ayuntamiento – um órgão de soberania – ter assumido os serviços de limpeza que lhe eram prestados até então pelos trabalhadores da CLECE não constitui um argumento contra a aplicabilidade da Directiva 2001/23. Além disso, as circunstâncias específicas descritas no artigo 1.°, n.° 1, alínea c) da directiva também não se verificam no processo principal.

ii)    Transferência por força da resolução do contrato de serviços de limpeza

35.      No que diz respeito às modalidades de transferência na acepção da directiva, importa referir em primeiro lugar que, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça interpreta em sentido lato o conceito de «cessão convencional» para cumprir o objectivo da directiva, designadamente a protecção dos trabalhadores em caso de cessão da sua empresa. Nesse sentido, o Tribunal decidiu que a directiva é aplicável a todas as situações de mudança, no quadro de relações contratuais, do responsável pela exploração da empresa ou da pessoa colectiva que contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa (15).

36.      Consequentemente, o Tribunal de Justiça decidiu também que entram no âmbito de aplicação da Directiva 77/187 a situação em que uma empresa confia, por via contratual, a outra empresa a responsabilidade de executar os trabalhos de limpeza que antes assegurava directamente (16) e a situação em que um empresário, que tinha confiado a limpeza das suas instalações a um primeiro empresário, resolve o contrato que o ligava a este e celebra, com vista à execução de trabalhos similares, um novo contrato com um segundo empresário (17).

37.      Mais importante para a apreciação jurídica do processo em apreço é, no entanto, o acórdão Hernández Vidal (18), que apresenta numerosos paralelismos com o processo principal, e em que o Tribunal de Justiça decidiu que a directiva deve poder aplicar‑se no caso em que uma empresa, que recorria a outra empresa para a limpeza das suas instalações ou de uma parte delas, decide pôr termo ao contrato que a ligava a esta e assegurar a partir daí ela própria estes trabalhos. Como o processo principal configura exactamente esta situação, entendo que as conclusões do Tribunal de Justiça relativas ao referido acórdão se lhe aplicam sem mais. Nesse sentido, o conceito de «cessão convencional», como aliás afirmou com pertinência o advogado‑geral L. A. Geelhoed nas suas conclusões do processo Abler e o. (19), não deve ser interpretado no sentido de que a cessão tem de ter exclusivamente uma «base» convencional. Pelo contrário, um acto jurídico como a resolução de um contrato de prestação de serviços de limpeza é igualmente praticado no quadro de uma convenção, pelo que pode ser abrangido pela directiva.

38.      Perante o exposto, a resolução, por parte do Ayuntamiento, do contrato até então vigente com a CLECE e a subsequente assunção dos serviços de limpeza até então prestados pelos trabalhadores desta é suficiente para admitir que se verifica uma «cessão convencional» na acepção do artigo 1.°, n.° 1, alínea a) da Directiva 2001/23. Como também se verifica uma mudança de entidade patronal resultante de uma convenção, estão preenchidas duas das condições necessárias para supor uma transferência de estabelecimento.

b)      Cessão de uma entidade económica

i)      Conceito de entidade económica

39.      Como foi referido no início, a directiva tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente de uma mudança de titular, pelo que o critério decisivo para determinar a existência de uma transferência na acepção da directiva é saber se a entidade em questão mantém a sua identidade (20). A transferência deve, pois, ter por objecto uma entidade económica organizada de forma estável, cuja actividade não se limite à execução de uma obra determinada (21). De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «entidade» remete para um conjunto organizado de pessoas e de elementos que permitem o exercício de uma actividade económica que prossegue um objectivo próprio (22).

40.      Na sequência da definição fixada pelo Tribunal de Justiça, esta redacção foi aditada mais tarde, praticamente ipsis verbis, ao artigo 1.°, n.° 1, alínea b) da Directiva «Transferência de estabelecimentos» pela Directiva 98/50, embora sem alterar o âmbito de aplicação da anterior Directiva 77/187 tal como era interpretado pelo Tribunal de Justiça (23). Esta última questão é clarificada no oitavo considerando da Directiva 2001/23. Segundo a referida disposição, a transferência deve ter por objecto «uma entidade económica que mantém a sua ‘identidade’, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória».

ii)    Critérios gerais de avaliação da existência de uma entidade económica

–       Relativamente aos critérios específicos

41.      Para determinar se se verificou a transferência duma entidade, na acepção da referida definição legal, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa. Na jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça socorre‑se de um catálogo de sete critérios de avaliação. Os critérios relevantes são, designadamente (1) o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa, (2) a transferência ou não dos elementos corpóreos do activo, tais como os edifícios e os bens móveis, (3) o valor dos bens incorpóreos do activo no momento da transferência, (4) o emprego ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efectivos, (5) a transferência ou não da clientela, bem como (6) o grau de similitude entre as actividades exercidas antes e depois da transferência e (7) a duração de uma eventual suspensão destas actividades. Estes elementos não passam, todavia, de aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente (24).

42.      Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça apontou ainda para a necessidade de, na apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em questão, se ter em conta, entre outros factores, o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa. No entender do Tribunal de Justiça, a importância dos diferentes critérios de determinação da existência de uma transferência na acepção da directiva varia necessariamente em função da actividade exercida e até dos métodos de produção ou de exploração utilizados na empresa, no estabelecimento ou na parte do estabelecimento em questão. Assim, e uma vez que uma entidade económica específica pode, em certos sectores, funcionar sem elementos significativos do activo, corpóreos ou incorpóreos, a manutenção da identidade dessa entidade para além da operação de que é objecto não pode depender da cessão de tais elementos (25).

43.      Este último aspecto aplica‑se em particular a certos sectores económicos, como a limpeza, em que os elementos do activo, corpóreos e incorpóreos, tal como o Tribunal de Justiça determinou no acórdão Hernández Vidal e o. (26), são muitas vezes reduzidos à sua expressão mais simples e a actividade assenta essencialmente na mão‑de‑obra (27). Por conseguinte, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça também decidiu, em relação a uma empresa de limpeza, que um conjunto organizado de trabalhadores, especificamente orientado de forma duradoura para uma actividade comum, pode constituir uma entidade económica quando não existam outros factores de produção.

44.      Nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça resumiu a sua jurisprudência numa única fórmula que impressiona pela sua clareza e simplicidade. De acordo com essa fórmula, uma entidade económica «embora deva ser suficientemente estruturada e autónoma, não inclui necessariamente elementos de activos, materiais ou imateriais, significativos» (28). Esta frase permite retirar as seguintes conclusões, essenciais para a análise jurídica do processo em apreço: embora seja possível aceitar restrições – consoante o sector económico – à necessidade da existência de elementos corpóreos e incorpóreos do activo, mantém‑se inalterada a obrigatoriedade de «carácter estruturado» e de «autonomia» dessa entidade (29).

45.      Por conseguinte, o próprio Tribunal de Justiça parte do princípio que os sete critérios supramencionados que definiu para a transferência de estabelecimento não têm de se verificar cumulativamente. Pelo contrário, deve atender‑se sempre às características próprias do estabelecimento concreto e do sector económico em apreço. Face ao exposto, apenas se abordarão de forma mais aprofundada os critérios aplicáveis ao presente reenvio prejudicial e cuja verificação concreta se afigura problemática.

46.      Importa agora aplicar estes critérios ao caso subjacente ao processo principal.

47.      Assim, a entidade organizacional existente enquanto tal antes da cessão tem de permanecer, no essencial, inalterada após a transferência. Por isso, também é determinante apurar, em seguida, se antes da cessão existia uma entidade económica autónoma. A análise do caso subjacente ao processo principal deve, por conseguinte, debruçar‑se exclusivamente sobre o grupo de trabalhadores afectados pela CLECE ao desempenho de tarefas no Ayuntamiento. Nestas circunstâncias e ao contrário do que entende o Governo espanhol (30), é completamente irrelevante saber se o Ayuntamiento, enquanto câmara municipal, cumpre os requisitos de uma entidade organizada de forma autónoma.

–       Não há transferência de elementos corpóreos e incorpóreos do activo

Elementos corpóreos do activo

48.      No que diz respeito, concretamente, ao processo principal em apreço, resulta manifestamente dos autos que a demandante no processo principal trabalhou como membro de uma equipa composta por cerca de quatro trabalhadores (31), por incumbência do Ayuntamiento; a este respeito, há que notar que, de acordo com as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, para esse trabalho não eram utilizadas ferramentas especiais. Este último dado permite concluir que a actividade destes trabalhadores assentava primordialmente na sua força de trabalho, não se tendo verificado uma eventual cessão de meios corpóreos do activo como, por exemplo, instalações, máquinas ou equipamento de limpeza (32), ao Ayuntamiento na sequência da resolução do contrato de prestação de serviços de limpeza.

Elementos incorpóreos do activo

49.      Para avaliar se foi transferida uma entidade económica na acepção da directiva, para além dos elementos corpóreos do activo são igualmente importantes os elementos incorpóreos do activo eventualmente disponibilizados pela entidade patronal inicial para o exercício da actividade.

50.      Decorre da jurisprudência que devem ser considerados determinados aspectos, como a identidade do pessoal, os seus gestores, a organização do seu trabalho e os métodos de exploração que, no entender do Tribunal de Justiça, fazem de um estabelecimento ou parte de estabelecimento uma entidade económica (33). Relativamente aos três primeiros aspectos, que dizem respeito à organização interna de uma empresa, nada indica que a equipa, constituída por apenas quatro trabalhadores e de que fazia parte a demandante do processo principal, possuísse gestores e muito menos uma certa estrutura organizacional.

51.      Como se pode ver no acórdão Klarenberg (34), o Tribunal de Justiça exige que uma empresa apresente uma organização interna mínima, no sentido de que os diversos factores de produção têm de estar ligar por um nexo de interdependência e complementaridade que leve a que se articulem no exercício de uma determinada actividade económica (35).

52.      O órgão jurisdicional de reenvio refere, em todo o caso, que a demandante no processo principal exerceu a sua actividade de limpeza em escolas e edifícios da câmara municipal. Por conseguinte, pode‑se assumir que cada trabalhador trabalhava independentemente dos outros, sendo‑lhe atribuídas determinadas instalações, que tinha de limpar num período de tempo preciso. Por conseguinte, é duvidoso que, no caso subjacente ao processo principal, sejam cumpridas as exigências, formuladas pelo Tribunal de Justiça, de «carácter estruturado» e de «autonomia» da entidade em causa (36), uma vez que a actividade da demandante no processo principal era essencialmente idêntica à dos outros trabalhadores e entre eles não se não verificava uma interacção no quadro de uma equipa de trabalho, o que poderia indiciar a existência de uma estrutura organizacional complexa.

53.      Por outro lado, não se pode deixar de ter em consideração que o planeamento e a organização, bem como a competência e os conhecimentos, têm em regra um peso, nas actividades de limpeza, bem menor do que em outras actividades profissionais (37). É, em larga medida, por esta razão que as empresas de limpeza não raro recorrem também a trabalhadores não qualificados. Esta conclusão não se aplica, evidentemente, aos serviços de limpeza especializados que dispõem de equipamento especial e de métodos de trabalho específicos. Elementos incorpóreos do activo importantes para um serviço de limpeza especializado serão, por exemplo, a organização do trabalho, cálculos, conhecimento de determinados processos de limpeza, métodos de trabalho, aptidões adquiridas para lidar com substâncias nocivas para a saúde ou letais, para referir apenas alguns.

54.      Na falta de indicações em contrário nos autos, deve‑se partir do princípio de que nenhum dos elementos incorpóreos do activo foi transferido para o Ayuntamiento. Independentemente disso, nada indica que a equipa a que pertencia a demandante no processo principal pudesse ser classificada como um serviço de limpeza especializada na acepção supramencionada. Do exposto infere‑se, pelo contrário, que o exercício desta actividade não requeria aptidões ou métodos de trabalho específicos. Nessa medida, também não se verifica uma assunção de meios incorpóreos do activo.

–       Delimitação em relação à sucessão na prestação do serviço

55.      Face à ausência de cessão de elementos corpóreos e incorpóreos do activo, haverá, em princípio, que negar a existência de uma entidade económica no caso subjacente ao processo principal, já nesta fase da apreciação. Dado que o Ayuntamiento se limitou a prosseguir as tarefas de limpeza, sem assumir os trabalhadores que as executavam anteriormente, poder‑se‑á partir do princípio de que o caso subjacente ao processo principal apenas configura uma «sucessão nas funções» que, de acordo com a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça, em princípio não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 2001/23 (38).

56.      Como o Tribunal de Justiça justamente reconheceu, o conceito de transferência de empresa não tem um alcance ilimitado (39). O Tribunal de Justiça fixou o alcance máximo desta interpretação lata no acórdão Süzen (40), clarificando que a mera circunstância de o serviço efectuado pelo antigo e pelo novo adjudicatário de um contrato ser semelhante não permite concluir que se verifica a transferência de uma entidade económica. O Tribunal de Justiça entende que, com efeito, uma entidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada.

57.      Esta jurisprudência foi confirmada no acórdão proferido no processo Hernández Vidal e o. que, como já foi referido, apresenta numerosos paralelismos com o processo em apreço. A matéria de facto era semelhante, na medida em que, como sucede no processo principal, estava em causa saber se uma empresa que tinha resolvido um contrato que celebrara com uma empresa de limpeza, para assumir por sua conta a limpeza das suas instalações, era legalmente obrigada pela Directiva «Transferência de estabelecimentos» a manter os postos dos trabalhadores da empresa de limpeza. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

«[…] [A] mera circunstância de os trabalhos de manutenção assegurados pela empresa de limpeza e em seguida pela própria empresa proprietária das instalações serem similares não permite concluir pela transferência de uma entidade económica entre a primeira e a segunda empresa. Com efeito, uma entidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada.» (41).

58.      Dada a clara similitude dos elementos da matéria de facto, considero que esta jurisprudência é susceptível de ser transposta para o processo em apreço. A continuação dos trabalhos de limpeza, por si só, não é um factor determinante que permita concluir pela transferência de uma entidade económica, mas antes, e de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, meramente um de vários indícios.

–       Critério da assunção de uma parte essencial dos efectivos

Quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça

59.      Em meu entender, poder‑se‑á negar que se verifica uma sucessão nas funções se o tribunal nacional, no quadro da apreciação global, a que tem de proceder, das circunstâncias do caso subjacente ao processo principal, concluir que são cumpridos outros critérios decisivos para a existência de uma entidade económica.

60.      Ao invés, o facto de, manifestamente, nenhum dos quatro a cinco trabalhadores da CLECE, entre os quais a demandante no processo principal, ter mantido o emprego, poderá apontar desde logo contra este entendimento. De facto, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a circunstância da manutenção do emprego é um indício relevante da presença de uma entidade económica. O Tribunal de Justiça tem defendido, desde o acórdão Süzen (42), que, «na medida em que, em certos sectores nos quais a actividade assenta essencialmente na mão‑de‑obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma entidade económica, é forçoso admitir que essa entidade é susceptível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava especialmente a essa missão». O Tribunal de Justiça, para fundamentar a sua tese, refere que, «[n]essa hipótese, a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente».

61.      Embora esta jurisprudência, tal como a análise dos outros critérios anteriormente mencionados, leve a negar, no caso subjacente ao processo principal, a negar a existência de uma transferência de entidade económica na acepção da Directiva 2001/23, gostaria de, a seguir, me pronunciar brevemente sobre as afirmações feitas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos referidos. A bem do melhor esclarecimento desta jurisprudência do Tribunal de Justiça, as minhas observações visam, no essencial, determinar em que medida o critério da assunção de uma parte essencial dos efectivos permite concluir com fiabilidade que se está na presença de uma transferência de estabelecimento.

Desvantagens deste critério

62.      Começo por recordar que a assunção de «parte essencial dos efectivos» constitui, basicamente, a consequência jurídica decisiva da Directiva 2001/23, mais exactamente dos actos jurídicos nacionais que a transpõem, pois é precisamente desta forma que o legislador da União Europeia pretende garantir a continuidade das relações de trabalho em caso de transferências de estabelecimentos (43). À primeira vista, o facto de o Tribunal de Justiça parecer, simultaneamente, elevar esta consequência jurídica da transferência de um estabelecimento a requisito da matéria de facto afigura‑se, por conseguinte, metodologicamente duvidoso. Em linguagem jurídica, um mesmo elemento não pode ser simultaneamente um requisito da matéria de facto e uma consequência jurídica da Directiva 2001/23 sem, como o advogado‑geral afirmou nas suas conclusões sobre o processo Hernández Vidal e o. (44), se chegar a resultados ilógicos. Isto porque assumir uma parte essencial dos efectivos na sequência de uma transferência de estabelecimento só quando já anteriormente tenha sido assumida uma parte essencial dos efectivos consubstancia na realidade num círculo vicioso (45), o que dificilmente corresponde à intenção do legislador.

63.      Além disso, esta leitura da jurisprudência do Tribunal de Justiça encerra o perigo, para o qual o advogado‑geral L. A. Geelhoed alertou com pertinência nas suas conclusões no processo Abler e o. (46), de uma «incongruência entre a legislação e a jurisprudência» e convida a abusos. Isto porque, enquanto se entender, por esta linha de jurisprudência, que é decisiva, inter alia, a assunção de uma «parte essencial dos efectivos», em última análise a aplicabilidade da directiva fica de facto ao critério exclusivo da nova entidade patronal. De facto, designadamente em sectores de mão‑de‑obra intensiva, a nova entidade patronal pode iludir as regras da União Europeia em matéria de transferência de estabelecimentos sempre que queira, bastando‑lhe para o efeito simplesmente não assumir os efectivos da antiga entidade patronal. É evidente que esta interpretação contraria a vontade do legislador da União Europeia de proteger os trabalhadores em caso de mudança do proprietário da empresa, para além de incentivar absurdamente a entidade patronal a livrar‑se do maior número possível, quando não da totalidade, dos trabalhadores (47).

64.      Em meu entender, a abordagem descrita não tem em devida conta as afirmações proferidas pelo Tribunal de Justiça a propósito deste critério e decorre, em última análise, de uma leitura incompleta desta jurisprudência. É claro pelo teor das passagens relevantes dos acórdãos pertinentes que o Tribunal de Justiça apenas considera determinante a «parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos». Daqui decorre que não se trata de grandezas meramente numéricas. Bem pelo contrário, estão em causa factores qualitativos e, em particular, organizacionais. Abordarei de forma mais exaustiva este tema no âmbito de uma tentativa de interpretação objectiva da jurisprudência.

65.      Antes disso, importa referir que a Directiva 2001/23 não obriga nenhuma entidade patronal a assumir sempre, e a qualquer preço, a totalidade dos trabalhadores (48). Pelo contrário, e graças ao seu sistema diferenciado de regulamentação, a directiva também salvaguarda o princípio orientador da União Europeia que é a autonomia privada. Este facto deve estar também sempre subjacente na interpretação do direito derivado como linha orientadora e limite máximo. Isto por que uma interpretação demasiado lata do conceito de «entidade económica», apoiada, por exemplo, exclusivamente no número de trabalhadores assumido em concreto no processo principal, pode limitar desproporcionadamente a autonomia privada da entidade patronal, se a impedir de configurar as relações de trabalho de acordo com os seus legítimos interesses. Também deve ser entendida neste sentido a crítica do advogado‑geral L. A. Geelhoed (49), que expôs de forma convincente que a obrigação do empregador de assumir incondicionalmente os trabalhadores anteriores é incompatível com os princípios da livre concorrência, sobretudo nos sectores em que a qualidade dos trabalhadores é um factor importante para a qualidade da prestação de serviços. Se a nova entidade patronal pretender contratar alguns trabalhadores novos para exercerem determinada actividade porque a prestação dos anteriores efectivos deixa a desejar, uma interpretação demasiado lata do conceito de «entidade económica» poderá impedi‑la de contratar trabalhadores melhores e, em vez disso, levar a um privilegiamento, economicamente pouco sensato, de maus trabalhadores.

66.      Do exposto até agora pode‑se extrair a conclusão intercalar de que, em casos como o subjacente ao presente processo, o critério da assunção dos efectivos não pode representar o factor determinante. Pelo contrário, é preferível tentar primeiro uma interpretação justa deste critério, para o poder tomar devidamente em consideração no quadro da apreciação global.

Tentativa de uma interpretação justa da jurisprudência

67.      Se o Tribunal de Justiça quiser continuar a considerar que é relevante o critério da assunção de uma «parte essencial dos efectivos», será aconselhável, no interesse da segurança jurídica, precisar a sua jurisprudência nesta matéria. O sentido e o objectivo da Directiva «Transferência de estabelecimentos» constituem o ponto de partida dessas reflexões.

68.      Uma análise da Directiva 2001/23, bem como das considerações do legislador que lhe estão subjacentes, revela que a utilização continuada de uma estrutura organizacional criada pelo predecessor e a vantagem que aquela representa face à criação de um estabelecimento ou parte de estabelecimento próprio constituem o cerne e o fundamento legitimador da assunção forçada, pelo cessionário, dos factores de produção em todas as relações de trabalho (50). Pela lógica desta regulamentação, é expectável que o novo proprietário – quando beneficia dos valores economicamente essenciais de um estabelecimento do antigo proprietário – também empregue as pessoas que nele trabalhavam. Por sua vez, a protecção dos trabalhadores é, por sua vez, assegurada pelo facto de estes não serem separados do fundamento do seu trabalho, designadamente destes valores económicos, por estratégias de transferência de estabelecimentos (51).

69.      A jurisprudência confirma que o Tribunal de Justiça também parte desta interpretação da directiva, por exemplo quando faz depender a aceitação de que existe uma transferência de estabelecimento da condição da manutenção, pelo cessionário, de um nexo funcional entre os diferentes factores de produção transferidos que lhe permita utilizá‑los para prosseguir uma actividade económica análoga (52).

70.      A cessão de uma parte essencial dos efectivos, na acepção da referida jurisprudência, por si só, pouco diz quanto a saber se essa vantagem existe para o cessionário. As potencialidades de uma cessão dos efectivos, em termos de vantagem, medem‑se em regra mais pela qualidade, designadamente pelas competências e experiência dos trabalhadores. É sobretudo por esta razão que o Tribunal de Justiça afirma que uma entidade económica mantém a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo proprietário da empresa assume uma parte essencial dos efectivos, «em termos de número e de competências», afectados pelo seu predecessor à actividade em questão. O critério do «número» de trabalhadores assumidos adquire um significado próprio devido à associação ao critério das «competências» pela conjunção «e». Os dois critérios possuem uma ligação contextual estreita, na medida em que o número de trabalhadores existentes pode indicar indirectamente o grau de organização. Por sua vez, a organização só é necessária quando é precisa a divisão do trabalho, o que, por seu lado, requer especialização técnica e, por conseguinte, competências. Isto é indicado pelo aditamento relativo à afectação especial desses efectivos a uma determinada actividade («afectava especialmente a essa missão»). A tomada em consideração do número de trabalhadores assumidos advém, segundo tudo indica, de uma observação meramente externa.

71.      Quando muito, a assunção de trabalhadores pode ser um elemento indicativo, na medida em que determinados trabalhadores corporizam, com o seu saber‑fazer, elementos incorpóreos do activo (53). No entanto, não é forçoso concluir que existem competências com base no mero número de trabalhadores existentes ou cedidos, pelo que o critério da cessão de uma parte essencial dos efectivos não deverá, em todo o caso, ser considerado o único critério determinante para avaliar se ocorreu de facto uma transferência de estabelecimento (54).

72.      No entanto, se aplicarmos esta jurisprudência de acordo com a interpretação anterior, isto é, em conjugação com o factor das «competências», não é possível conclui pela existência de uma entidade económica no caso subjacente ao processo principal sobretudo porque, primeiro nenhum dos trabalhadores anteriores foi mantido e, segundo, não existem indícios de que os efectivos possuem competências específicas, sob a forma de aptidões ou métodos de trabalho específicos (55).

73.      Resulta das considerações precedentes que, quer por aplicação directa desta jurisprudência, quer pela interpretação desta em função do sentido e objectivo da Directiva 2001/23, como aqui se defende, não existe no processo principal uma «entidade económica», na acepção do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), que pudesse ter sido objecto de uma transferência de estabelecimento.

iii) Conclusão intercalar

74.      Não se verificam, em particular, nenhuns dos elementos corpóreos e incorpóreos do activo necessários para o exercício da actividade de limpeza, que poderiam indicar a existência de uma tal entidade. Por conseguinte, não está preenchida a terceira condição para a aplicabilidade da Directiva 2001/23 ao caso subjacente ao processo principal.

c)      Importância jurídica da necessidade de contratar novos efectivos

75.      Esta apreciação também não se altera com a análise do último aspecto parcial da questão prejudicial. O órgão jurisdicional de reenvio incluiu expressamente na questão da aplicabilidade da Directiva 2001/23 o facto de o Ayuntamiento ter tido necessidade de contratar novos efectivos para poder passar a efectuar os trabalhos de limpeza por sua conta. No entanto, nem a Directiva 2001/23 nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça atribuem importância à eventual necessidade, por parte da empresa, de novas contratações. Assim, este facto não basta, por si só, para justificar a aceitação da existência de uma transferência de estabelecimento na acepção da directiva. Além do mais, a mera necessidade de contratar novos trabalhadores tão‑pouco permite retirar conclusões fiáveis sobre a existência dos outros critérios elaborados pelo Tribunal de Justiça e já analisados em profundidade. De facto, a necessidade de novas contratações também pode apontar para uma simples sucessão nas funções. E tanto mais é assim quando, como sucede aqui, nenhum trabalhador é mantido e, ao invés, é exclusivamente contratado pessoal novo numa bolsa de emprego, para actividades funcionalmente idênticas. Nestas circunstâncias, o Governo espanhol caracteriza correctamente a operação controvertida como «transferencia de funciones» (transferência de funções) entre a CLECE e o Ayuntamiento (56).

76.      A necessidade de contratar novos trabalhadores, referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, configura um mero requisito da matéria de facto de uma norma nacional do direito espanhol, designadamente o artigo 14.° da convenção colectiva. Importa lembrar neste contexto que, nos termos do artigo 8.° da Directiva 2001/23 e da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o legislador nacional é livre de aprovar disposições nacionais que excedam os requisitos da Directiva 2001/23 e protejam de forma mais abrangente os trabalhadores em casos como o presente (57). Isto é a expressão da harmonização parcial visada por esta directiva, que nessa medida não cria um nível de protecção uniforme para toda a União Europeia com base em critérios comuns, mas antes procura alargar aos casos de transferência de empresas a protecção já concedida aos trabalhadores pela legislação dos vários Estados‑Membros (58).

77.      O legislador espanhol fez uso desta faculdade no artigo 14.° da convenção colectiva. De acordo com esta disposição, uma empresa que passa a executar os seus próprios trabalhos de limpeza, quando antes tinha contratado outra empresa para os executar, tem de assumir os trabalhadores desta última sempre que tenha de contratar novos efectivos para o serviço de limpeza. Compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais decidirem se e em que medida o artigo 14.° da convenção colectiva se aplica ao caso em apreço, porque esta norma excede o disposto na Directiva 2001/23 e não está prevista no direito da União Europeia.

78.      Embora o artigo 14.° da convenção colectiva seja, pois, totalmente irrelevante para a resposta à questão prejudicial em apreço, cabe registar, a título complementar, que o órgão jurisdicional de reenvio, na sua decisão de reenvio, negou expressamente a aplicabilidade do artigo 14.° da convenção colectiva ao caso em apreço, com remissão para o acórdão do Supremo Tribunal espanhol de 10 de Dezembro de 2008 (59). O Tribunal de Justiça está vinculado a esta deliberação do órgão jurisdicional nacional que apenas diz respeito ao direito interno.

d)      Conclusão final

79.      Face ao atrás exposto, concluo que a Directiva 2001/23 não se aplica a uma situação como a subjacente ao processo principal.

VII – Conclusão

80.      Atentas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que dê a seguinte resposta à questão prejudicial submetida pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha:

O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que a directiva não abrange uma situação como a subjacente ao processo principal, em que uma câmara municipal que inicialmente contratara a limpeza das suas instalações a uma empresa privada, decide depois resolver o contrato e assegurar directamente o serviço de limpeza, quando essa câmara municipal não assume uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos afectados anteriormente a esta actividade pela empresa privada.


1 – Língua original das conclusões: alemão.


Língua do processo: espanhol.


2 – Nos termos do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, de 13 de Dezembro de 2007 (JO C 306, p. 1), o processo de decisão prejudicial encontra‑se actualmente regulamentado no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


3 – JO L 82, p. 16.


4 – Recorrendo às designações usadas no TUE e no TFUE, será utilizada a expressão «direito da União» como designação global do direito comunitário e do direito da União. Sempre que, na exposição que se segue, estiverem em causa unicamente normas de direito primário, serão citadas as normas aplicáveis ratione temporis.


5 – JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122.


6 – JO L 201, p. 88.


7 – Acórdãos de 11 de Março de 1997, Süzen (C‑13/95, Colect., I‑1259, n.° 23), de 10 de Dezembro de 1998, Hernández Vidal e o. (C‑127/96, C‑229/96 e C‑74/97, Colect., I‑8179, n.° 32, e de 24 de Janeiro de 2002, Temco (C‑51/00, Colect., I‑969, n.° 33).


8 – V. acórdãos de 18 de Março de 1986, Spijkers (C‑24/85, Colect., p. I‑9521, n.os 11 e 12); de 11 de Julho de 1985, Foreningen af Arbejdsledere i Danmark (105/84, Recueil, p. 2639, n.° 26); de 10 de Fevereiro de 1988, Daddy’s Dance Hall (324/86, Colect., p. 739, n.° 9); de 25 de Julho de 1991, D’Urso e o. (C‑362/89, Colect., I‑4105, n.° 9); de 16 de Dezembro de 1992, Katsikas e o. (C‑132/91, C‑138/91 e C‑139/91, Colect., p. I‑6577, n.° 21), de 12 de Novembro de 1998, Europièces (C‑399/96, Colect., p. I‑6965, n.° 37); de 15 de Dezembro de 2005, Güney‑Görres e Demir (C‑232/04 e C‑233/04, Colect., p. I‑11237, n.° 31); de 9 de Março de 2006, Werhof (C‑499/04, Colect., p. I‑2397, n.° 25); de 27 de Novembro de 2008, Juuri (C‑396/07, Colect., p. I‑8883, n.° 28); de 12 de Fevereiro de 2009, Klarenberg (C‑466/07, Colect., p. I‑803, n.° 40), e de 29 de Julho de 2010, UGT‑FSP (C‑151/09, Colect., p. I‑0000, n.° 40).


9 – Acórdão de 26 de Setembro de 2000, Mayeur (C‑175/99, Colect., p. I‑7755, n.° 52).


10 – No exercício das suas competências, o Tribunal de Justiça não se limita a enunciar os critérios para a definição de transferência de empresa, recorrendo frequentemente à interpretação desses critérios a partir de uma abordagem casuística. Moizard, N., «Directive transfert et changement de prestataires de services dans la restauration collective», Revue de jurisprudence sociale, 2004, p. 261 e Loibner, G., «Betriebsübergang bei Auftrags‑ und Funktionsnachfolge», Zeitschrift für Arbeitsrecht und Sozialrecht, 2004, p. 135, referem‑se com razão a este método. V., por exemplo, o acórdão de 20 de Novembro de 2003, Abler e o. (C‑340/01, Colect.,p. I‑14023, n.° 36), em que o Tribunal de Justiça concluiu que o funcionamento de uma cantina hospitalar não constitui uma actividade que assenta essencialmente na mão‑de‑obra.


11 – Acórdão Temco (referido na nota 7 supra, n.° 21).


12 – Acórdão Mayeur (referido na nota 9 supra, n.° 29).


13 – V. acórdão UGT‑FSP (referido na nota 8 supra, n.° 23).


14 – Acórdão de 26 de Setembro de 2000, Mayeur (C‑175/99, Colect., p. I‑7755, n.° 57).


15 – Acórdãos de 7 de Março de 1996, Merckx e Neuhuys (C‑171/94 e C‑172/94, Colect., p. I‑1253, n.° 28) e Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 23).


16 – Acórdão de 14 de Abril de 1994, Schmidt (C‑392/92, Colect., p. I‑1311, n.° 14).


17 – Acórdão Süzen (referido na nota 7 supra, n.os 11 e seguintes).


18 – Acórdão Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 25).


19 – Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Abler e o. (acórdão referido na nota 10 supra, n.° 57).


20 – V. em particular o acórdão de 18 de Março de 1986, Spijkers (24/85, Colect., p. 1119, n.° 11).


21 – Acórdão de 19 de Setembro de 1995, Rygaard (C‑48/94, Colect., p. I‑2745, n.° 20).


22 – Acórdão de 11 de Março de 1997, Süzen (C‑13/95, Colect., p. I‑1259, n.° 13).


23 – V. acórdão de 12 de Fevereiro de 2009, Klarenberg (C‑466/07, Colect., p. I‑803, n.° 40).


24 – V. entre outros, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1986, Spijkers (referido na nota 8 supra, n.° 13); de 11 de Março de 1997, Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 14); Abler e o. (referido na nota 10 supra, n.° 33), e Güney‑Görres e Demir (referido na nota 8 supra, n.os 33 e 34). V. ainda, relativamente à interpretação da Directiva «Transferência de estabelecimentos» no tocante aos Estados da EFTA/EEE, a jurisprudência (em consonância com a exigência de homogeneidade no direito do EEE) do Tribunal EFTA, entre outros acórdãos de 25 de Setembro de 1996, Eidesund (E‑2/95, [1995‑1996] ECR 1, n.° 32); de 19 de Dezembro de 1996, Ulstein (E‑2/96, [1995‑1996] ECR 65, n.° 28), e de 14 de Março de 1997, Ask (E‑3/96, [1997] ECR 1, n.° 20). Nos termos do ponto 23d do anexo XVIII do Acordo EEE, a Directiva 2001/23 também se aplica aos Estados da EFTA/EEE.


25 – Acórdãos Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 18); Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 31); de 10 de Dezembro de 1998, Hidalgo e o. (C‑173/96 e C‑247/96, Colect., p. I‑8237, n.° 31) e UGT‑FSP (referido na nota 8 supra, n.° 28).


26 – Acórdão Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 27). V., ainda, acórdãos de 13 de Setembro de 2007, Jouini e o. (C‑458/05, Colect., p. I‑7301, n.° 32), e de 29 de Julho de 2010, UGT‑FSP (referido na nota 8 supra, n.° 29).


27 – Diller, M./Grzyb, N., «Kurzkommentar zum Urteil in der Rechtssache Abler u.a./Sodexho MM Catering Gesellschaft mbH», Entscheidungen zum Wirtschaftsrecht, 2004, p. 86, e Loibner, G., «Betriebsübergang bei Auftrags‑ und Funktionsnachfolge», Zeitschrift für Arbeitsrecht und Sozialrecht, 2004, p. 135, partilham a avaliação do Tribunal de Justiça, concordando que a actividade de limpeza representa uma actividade marcada pela utilização de efectivos, que assenta primordialmente na mão‑de‑obra.


28 – Acórdão de 10 de Dezembro de 1998, Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 27).


29 – V. acórdão Jouni e o. (referido na nota 26 supra, n.° 31).


30 – Ver n.° 27 do articulado do Governo espanhol.


31 – O acórdão do Juzgado de lo social N.° 2 de Toledo (Tribunal Social n.° 2 de Toledo), de 13 de Maio de 2008, que foi apenso aos autos enviados ao Tribunal de Justiça, refere que várias trabalhadoras foram afectadas à actividade de limpeza (Título «II. Factos provados», n.° 4, p. 2, do documento original do acórdão), mas não indica um número exacto. Por outro lado, depreende‑se das alegações da demandante no processo principal, de 1 de Julho de 2008, no (Recurso de suplicación) que interpôs do referido acórdão (página 8 de 15) que a CLECE dispunha de quatro trabalhadoras para a prestação do serviço de limpeza em escolas e nas instalações da câmara municipal, pelo que os seus efectivos eram em número reduzido.


32 – V. acórdão de 29 de Julho de 2010, UGT‑FSP (referido na nota 8 supra, n.° 31), bem como o n.° 39 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston, de 6 de Maio de 2010, no mesmo processo. Nelas se considera com pertinência que, no sector da limpeza, os elementos corpóreos do activo relevantes são as instalações, máquinas e/ou equipamento.


33 – Ver acórdão de 11 de Março de 1997, Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 15).


34 – Acórdão Klarenberg (referido na nota 8 supra).


35 – V. acórdão Klarenberg (referido na nota 8 supra, n.° 47) com referência aos n.os 42 a 44 das conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi, de 12 de Fevereiro de 2009, no mesmo processo. Ver ainda o n.° 56 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston, de 6 de Maio de 2010, no processo UGT‑FSP (acórdão referido na nota 8 supra). V. também, neste sentido, Willemsen, H. J., «Mit oder an»‑ §613a BGB und der Wertschöpfungsgedanke», Festschrift für Reinhard Richardi zum 70. Geburtstag, Munique 2007, p. 477, em cujo entender a identidade de uma empresa ou parte de empresa é irrenunciavelmente marcada pela sua organização, ou seja, pela afectação dos recursos disponíveis a um determinado objectivo da empresa,. Analogamente, Müller‑Bonanni, T., «Betriebsübergang – ja oder nein?. – Die aktuelle Rechtsprechung zum Tatbestand des §613a BGB», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, Suplemento 1/2009, p. 14, que defende que uma transferência de empresa exige a assunção de um conjunto funcional, na acepção de uma organização de trabalho estabelecida. O autor fala da assunção, por parte do cessionário, da «fonte de criação de riqueza» de uma empresa.


36 – Ver n.° 44 das presentes conclusões.


37 – V. conclusões Abler e o. (já referidas na nota 19, n.° 71). Nelas, o advogado‑geral considerou que o factor mão‑de‑obra reveste menos importância no sector do catering de uma instituição hospitalar do que nos sectores das actividades de limpeza e de vigilância e não é, de modo algum, o factor principal. Segundo o advogado‑geral, o catering de uma instituição hospitalar distingue‑se, enquanto actividade, das actividades de limpeza e de vigilância em dois aspectos. Em primeiro lugar, os meios de produção corpóreos revestem, a par do factor do trabalho, grande importância. Em segundo lugar, a competência, os conhecimentos, o planeamento e a organização têm um peso bastante maior do que nas actividades de limpeza e de vigilância.


38 – Ver acórdãos Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 15), Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 30) e Hidalgo e o. (referido na nota 25 supra, n.° 30). É também este o entendimento da doutrina jurídica. Ver a esse respeito, entre outros, Majoros, T., «Auftragnehmerwechsel bei Großküche als Betriebsübergang», Das Recht der Arbeit, 2004, p. 193; Jochums, D., «Betriebsübergang: Der EuGH auf Abwegen?», Neue Juristische Wochenschrift, 2005, Caderno 36, p. 2585; Davies, P., «Taken to the Cleaners? Contracting Out of Services Yet Again», Oxford Journals, Junho de 1997, p. 196; Willemsen, H. J., «»Mit oder an «‑ §613a BGB und der Wertschöpfungsgedanke», Festschrift für Reinhard Richardi zum 70. Geburtstag, Munique 2007, p. 477 e Thüsing, G., Europäisches Arbeitsrecht, Munique 2008, n.° 168, p. 168, que não consideram a simples sucessão nas funções uma transferência de empresa na acepção da Directiva 2001/23.


39 – V. a apreciação do advogado‑geral L: A. Geelhoed nas suas conclusões Abler e o. (referidas na nota 19 supra, n.° 61).


40 – Ver acórdãos Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 15) e Hidalgo e o. (referido na nota 25 supra, n.° 30).


41 –      V. acórdão Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 30).


42 – Ver acórdãos, Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 21); Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 32); Temco (referido na nota 7 supra, n.° 33) e Hidalgo e o. (referido na nota 25 supra, n.° 32).


43 – Ver n.° 27 das presentes conclusões.


44 – V. conclusões do advogado‑geral G. Cosmas, de 24 de Setembro de 1998, no processo Hernández Vidal e o. (acórdão de 10 de Dezembro de 1998, C‑127/96, C‑229/96 e C‑74/97, Colect., p. I‑8179, n.° 80). Jochums, D., loc. cit. (nota 38), p. 2584, e Viala, Y., «Le maintien des contrats de travail en cas de transfert d’entreprise en droit allemand», Droit Social, 2/2005, p. 203, também sublinham que a transferência das relações de trabalho é a consequência jurídica, pelo que não pode ser simultaneamente um requisito. Segundo Loibner, G., op. cit. (nota 38), p. 136, no acórdão Abler o Tribunal de Justiça evitou um debate sobre se a assunção dos efectivos é um requisito ou uma consequência jurídica, ao não atribuir qualquer importância à mão‑de‑obra como elemento criador de identidade do estabelecimento de catering e ao reduzir o carácter de entidade económica ao equipamento.


45 – V., novamente, conclusões no processo Hernández Vidal e o. (referidas na nota 44 supra, n.° 80).


46 – V. conclusões no processo Abler e o. (referidas na nota 19 supra, n.° 79).


47 – Com pertinência, Riesenhuber, K., Europäisches Arbeitsrecht, Heidelberg 2009, 3.ª parte, § 24, n.° 40, p. 420, considera que o critério da assunção de parte essencial dos efectivos é contraproducente porque, de certo modo, deixa a concretização da previsão normativa da transferência de empresa ao critério do cessionário, o qual, nesses casos, contrariando o objectivo fixado, tem um incentivo para não assumir quaisquer trabalhadores. Davies, P., loc. cit. (nota 38), p. 197, tem um entendimento semelhante e manifesta mesmo o receio de que a aplicação deste critério possa prejudicar os trabalhadores. O mesmo autor declara, em «Transfers – The UK Will Have to Make Up Its Own Mind», Industrial Law Journal, Junho de 2001, p. 234, que não é de excluir que, nesses casos de actividades centradas exclusivamente na mão‑de‑obra, o cessionário simplesmente opte por não contratar os trabalhadores anteriores para eludir os deveres que lhe são assacados pela directiva. O autor alerta para a gravidade desta situação, dado que são precisamente os trabalhadores das empresas de limpeza, que frequentemente exercem a sua actividade como efectivos não qualificados, quem mais carece de protecção e quem deve poder invocar a directiva.


48 – V. conclusões no processo Abler e o. (referidas na nota 19 supra, n.° 81).


49 – Loc. cit., n.° 81.


50 – V., neste sentido, Thüsing, G., Europäisches Arbeitsrecht, Munique 2008, n.° 168, p. 168; Willemsen, J., «Erneute Wende im Recht des Betriebsübergangs – ein «Christel Schmidt II»‑Urteil des EuGH», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, 2009, p. 292, bem como Jochums, D., loc. cit. (nota 38), p. 2585. Jochums interpreta esta regulamentação no sentido de que a vantagem económica – a organização existente – justifica a ingerência nas liberdades empresariais do cessionário mediante as consequências jurídicas impostas. Müller‑Bonanni, T., loc. cit. (nota 35), p. 14, considera que a assunção forçada das relações de trabalho é a contrapartida de o cessionário assumir uma organização de trabalho criada por terceiros que o dispensa de ter de criar a sua própria organização.


51 – Analogamente, Reissner, G.‑P., «Anmerkung zum Urteil in der Rechtssache C‑340/01, Carlito Abler e o./Sodexho MM Catering Gesellschaft mbH», ZESAR, 3/2004, p. 141.


52 – Ver, entre outros, acórdãos Klarenberg (referido na nota 8 supra, n.° 48); Hernández Vidal e o. (referido na nota 7 supra, n.° 32); Süzen (referido na nota 7 supra, n.° 21); Schmidt (referido na nota 16 supra, n.° 17), e Rygaard (referido na nota 21 supra, n.° 21). No entender de Reissner, G.‑P., loc. cit., p. 141, o Tribunal de Justiça verifica sempre se o novo proprietário continua a utilizar os valores economicamente essenciais detidos pelo antigo proprietário, independentemente da forma como terão chegado à posse daquele.


53 – Neste sentido se pronuncia manifestamente Jochums, D., loc. cit. (nota 38), p. 2585. Em sentido análogo vai também o Tribunal EFTA, que atribui um mero valor indicativo ao critério da quantidade e apenas quando o estabelecimento se caracteriza por ter efectivos com elevado grau de especialização. Ver acórdãos Eidesund (referido na nota 24 supra, n.° 43), Ulstein (referido na nota 24 supra, n.° 36) e Ask (referido na nota 24 supra, n.° 29) («in cases where a high percentage of the personnel is taken over, and where the business of the first service provider is characterised by a high degree of expertise of its personnel, the employment of that same personnel by the second service provider may support a finding of identity and continuity of the business. If the work to be performed does not require any particular expertise or knowledge, the taking‑over of personnel becomes less indicative of the identity of the undertaking.»)


54 – V. Thüsing, G., loc. cit. (nota 38), p. 168, para quem a manutenção da identidade é um conceito tipológico: nenhum destes critérios é um requisito necessário ou suficiente para uma transferência de estabelecimento.


55 – V. n.° 54 das presentes conclusões.


56 – Ver n.° 27 do articulado do Governo espanhol.


57 – V. acórdãos Forenigen af Arbejdsledere i Danmark (referido na nota 8 supra, n.° 26); de 6 de Novembro de 2003, Martin e o. (C‑4/01, Colect., p. I‑12859, n.° 41), e Juuri (referido na nota 8 supra, n.° 23).


58 – V. n.° 27 das presentes conclusões.


59 – V. pp. 5 e 6 da decisão de reenvio, bem como os n.os 15 e 16 do articulado da Comissão.