CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 17 de Junho de 2010 1(1)

Processo C‑229/09

Rechtsanwaltssozietät Lovells

contra

Bayer CropScience AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundespatentgericht (Alemanha)]

«Regulamento (CE) n.° 1610/96 – Artigo 3.° – Condições de obtenção de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos – Directiva 91/414/CE – Artigo 4.° – Artigo 8.° – Autorização de colocação no mercado – Limitação no tempo dos efeitos do acórdão prejudicial»





Índice


I –   Introdução

II – Enquadramento jurídico

A –   Direito comunitário

1.     Directiva 91/414

2.     Regulamento n.° 1610/96

B –   Direito nacional

III – Matéria de facto e questão prejudicial

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

V –   Argumentos das partes

VI – Apreciação jurídica

A –   Regras constantes da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 1610/96 e sua articulação

1.     Autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos nos termos da Directiva 91/414

2.     Concessão de um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos nos termos do Regulamento n.° 1610/96

3.     Articulação do Regulamento n.° 1610/96 com a Directiva 91/414

B –   Não concessão de um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos com base numa autorização provisória de colocação no mercado na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414

C –   Limitação no tempo dos efeitos do acórdão prejudicial

VII – Conclusão

I –    Introdução

1.        No presente processo prejudicial nos termos do artigo 234.° CE (2), o Bundespatentgericht (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») submete ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação do Regulamento (CE) n.° 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos (3). O órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se pode ser requerido e concedido um certificado complementar de protecção nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 1610/96 logo após a obtenção de uma autorização – provisória – de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (4), ou somente após a obtenção de uma autorização – definitiva – de colocação no mercado do referido produto fitofarmacêutico na acepção do artigo 4.° da referida directiva.

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito comunitário

1.      Directiva 91/414

2.        De acordo com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 91/414, os Estados‑Membros determinarão que os produtos fitofarmacêuticos só podem ser colocados no mercado e utilizados no seu território quando tiverem sido autorizados em conformidade com o disposto na directiva, a menos que a utilização pretendida esteja abrangida pela investigação e o desenvolvimento na acepção do artigo 22.°

3.        O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 91/414 dispõe o seguinte:

«1. O Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que um produto fitofarmacêutico só é autorizado:

a)      Se as suas substâncias activas constarem do anexo I e se as condições prescritas nesse anexo se encontrarem preenchidas, e, no que respeita às alíneas b), c), d) e e) seguintes, em aplicação dos princípios uniformes enunciados no anexo VI;

b)      Se se comprovar, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos existentes e da apreciação do processo previsto no anexo III que, quando é utilizado em conformidade com o n.° 3 do artigo 3.° e tendo em conta todas as condições normais em que pode ser utilizado e os efeitos da sua utilização:

i)      é suficientemente eficaz;

ii)      não tem qualquer efeito inaceitável sobre os vegetais ou os produtos vegetais;

iii)      não ocasiona sofrimentos ou dores inaceitáveis aos vertebrados a combater,

iv)      não tem, directa ou indirectamente, qualquer efeito prejudicial para a saúde humana ou animal por exemplo, através da água potável ou dos alimentos destinados ao consumo humano ou animal) ou para as águas subterrâneas;

v)      não exerce qualquer influência inaceitável sobre o ambiente, no que respeita, muito especialmente:

–      ao seu destino e disseminação no ambiente e, em especial, à contaminação das águas, incluindo a água potável e as águas subterrâneas,

–      ao impacte sobre as espécies não visadas;

c)      Se a natureza e a quantidade das suas substâncias activas e as eventuais impurezas e outros componentes significativos do ponto de vista toxicológico e ecotoxicológio puderem ser determinadas por métodos apropriados, harmonizados nos termos do procedimento previsto no artigo 21.° ou, se tal não for o caso, aprovados pelas autoridades encarregadas de emitir a autorização;

d)      Se os seus resíduos, resultantes de utilizações autorizadas e significativos do ponto de vista toxicológico ou ambiental, puderem ser determinados por métodos apropriados de uso corrente;

e)      Se as suas propriedades físico‑químicas tiverem sido determinadas e consideradas aceitáveis para assegurar a utilização e armazenagem adequadas do produto;

f)      Sempre que adequado, os LMR [limites máximos para os resíduos] para os produtos agrícolas afectados pela utilização a que se refere a autorização tiverem sido fixados ou alterados de acordo com o Regulamento (CE) n.° 396/2005.»

4.        O artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 91/414 dispõe o seguinte:

«1. À luz dos conhecimentos científicos e técnicos existentes, uma substância activa será incluída no anexo I por um período inicial não superior a dez anos, se for possível presumir que os produtos fitofarmacêuticos que contêm essa substância activa respeitam as seguintes condições:

a)      Os seus resíduos resultantes de uma aplicação conforme com uma boa prática fitossanitária não têm efeitos prejudiciais para a saúde humana ou animal ou para as águas subterrâneas, ou uma influência inaceitável sobre o ambiente e, na medida em que se revistam de importância toxicológica e ambiental, podem ser determinados por métodos apropriados de uso corrente;

b)      A sua utilização consecutiva a uma aplicação conforme com uma boa prática fitossanitária não tem efeitos prejudiciais para a saúde humana ou animal ou uma influência inaceitável sobre o ambiente, nos termos do disposto no n.° 1, alínea b), subalíneas iv) e v) do artigo 4.°»

5.        O artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 prevê o seguinte:

«1. Em derrogação do artigo 4.°, um Estado‑Membro pode, a fim de permitir uma avaliação gradual das propriedades das novas substâncias activas e de facilitar a possibilidade de a agricultura dispor de novas preparações, autorizar, por um período provisório não superior a três anos, a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que contenham uma substância activa que não conste do anexo I e que ainda não se encontre no mercado dois anos após a data de notificação da presente directiva, se:

a)      Ao aplicar‑se o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 6.°, se tiver verificado que a documentação relativa à substância activa satisfaz os requisitos dos anexos II e III relativamente às utilizações previstas;

b)      O Estado‑Membro chegar à conclusão de que a substância activa pode satisfazer os requisitos constantes do n.° 1 do artigo 5.° e de que se pode esperar que o produto fitofarmacêutico satisfaça os requisitos referidos no n.° 1, alíneas b) a f), do artigo 4.°

[...]»

2.      Regulamento n.° 1610/96

6.        O artigo 2.° do Regulamento n.° 1610/96 prevê o seguinte:

«Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado‑Membro e sujeitos, enquanto produtos fitofarmacêuticos, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força do artigo 4.° da Directiva 91/414/CEE, ou por força de uma disposição equivalente de direito nacional, caso se trate de um produto fitofarmacêutico cujo pedido de autorização tenha sido apresentado antes da transposição da Directiva 91/414/CEE nesse Estado‑Membro, podem ser objecto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.»

7.        O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1610/96 dispõe o seguinte:

«1. O certificado é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.° e à data de tal pedido:

a)      O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b)      O produto tiver obtido, enquanto produto fitofarmacêutico, uma autorização de colocação no mercado válida, em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414/CEE ou numa disposição equivalente de direito nacional;

c)      O produto não tiver sido já objecto de um certificado;

d)      A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de colocação do produto no mercado, enquanto produto fitofarmacêutico.»

8.        De acordo com o disposto no artigo 4.° do Regulamento n.° 1610/96, a protecção conferida pelo certificado abrange, dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base, apenas o produto coberto pela autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico correspondente para qualquer utilização do produto, enquanto produto fitofarmacêutico, que tenha sido autorizada antes da caducidade do certificado. Nos termos do artigo 5.°, sob reserva do artigo 4.°, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.

9.        No artigo 7.° do Regulamento n.° 1610/96, o pedido de certificado complementar de protecção está regulado da seguinte forma:

«1.      O pedido de certificado deve ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data em que o produto obteve, enquanto produto fitofarmacêutico, a autorização de colocação no mercado referida no n.° 1, alínea b), do artigo 3.°

2.      Não obstante o n.° 1, quando a autorização de colocação no mercado for dada antes da concessão da patente de base, o pedido de certificado deve ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data de concessão da patente.»

10.      Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1610/96, o pedido de certificado deve ser apresentado à autoridade competente em matéria de propriedade industrial do Estado‑Membro que concedeu ou para o qual tenha sido concedida a patente de base e no qual tenha sido obtida a autorização de colocação no mercado referida no n.° 1, alínea b), do artigo 3.°, salvo se o Estado‑Membro designar outro serviço para o efeito.

11.      O artigo 10.° do Regulamento n.° 1610/96 prevê o seguinte:

«1.      Se o pedido de certificado e o produto que é objecto do pedido satisfizerem as condições previstas no presente regulamento, a autoridade referida no n.° 1 do artigo 9.° concederá o certificado.

2.      Sob reserva do n.° 3, o pedido de certificado será recusado pela autoridade referida no n.° 1 do artigo 9.°, se esse pedido ou o produto que é objecto do pedido não satisfizerem as condições previstas no presente regulamento.

[...]»

12.      O prazo de validade do certificado complementar de protecção é regulado da seguinte forma no artigo 13.° do Regulamento n.° 1610/96:

«1.      O certificado produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um prazo que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade, reduzido em cinco anos.

2.      Não obstante o disposto no n.° 1, o prazo de validade do certificado não pode exceder cinco anos a contar da data a partir da qual produz efeitos.

3.      Para efeitos do prazo de validade do certificado, uma primeira autorização de colocação no mercado provisória só será tida em consideração se for directamente seguida de uma autorização definitiva relativa ao mesmo produto.»

13.      Nos termos do artigo 15.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1610/96, o certificado complementar de protecção será declarado nulo caso tenha sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.° De acordo com o disposto no artigo 15.°, n.° 2, do referido regulamento, qualquer pessoa pode apresentar um pedido ou intentar uma acção de declaração de nulidade de um certificado junto da instância competente, ao abrigo das disposições da legislação nacional, em matéria de nulidade da patente de base correspondente.

B –    Direito nacional

14.      O § 15 da Gesetz zum Schutz der Kulturpflanzen (Lei sobre a protecção das plantas de cultura, a seguir «PflSchG») (5) regula a autorização dos produtos fitofarmacêuticos pelo Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit (Instituto Federal de Defesa do Consumidor e Segurança Alimentar) de acordo com as regras definidas no artigo 4.° da Directiva 91/414.

15.      O § 15c da PflSchG regula a autorização dos produtos fitofarmacêuticos por um período provisório pelo Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit de acordo com as regras previstas no artigo 8.° da Directiva 91/414.

III – Matéria de facto e questão prejudicial

16.      A demandada no processo principal é titular da patente europeia 0 574 418 (patente de base) com a denominação «Sulfonilureias, processos para a sua produção e a sua utilização como herbicidas e reguladores de crescimento», registada em 12 de Fevereiro de 1992 no Instituto Europeu de Patentes e concedida em 11 de Novembro de 1998, a qual é válida, nomeadamente, na República Federal da Alemanha. A patente de base abrange, entre outros elementos, um composto químico com a denominação comum de iodossulfurão, que actua como herbicida.

17.      Em 1998, a demandada no processo principal apresentou às autoridades alemãs competentes um pedido de inclusão da substância activa iodossulfurão‑metil‑sódio no anexo I da Directiva 91/414. Em 13 de Dezembro de 1998, a mesma apresentou ainda um pedido de autorização provisória do produto fitofarmacêutico «Husar», com a substância activa iodossulfurão, nos termos do disposto no § 15c da PflSchG.

18.      Por decisão de 31 de Maio de 1999 (6), a Comissão confirmou que a documentação apresentada nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 91/414 estava completa e, em princípio, satisfazia as exigências dos anexos II e III da referida directiva no que diz respeito aos dados e às informações a fornecer. Por decisão de 9 de Março de 2000, a Biologische Bundesanstalt für Land‑ und Forstwirtschaft concedeu uma autorização provisória (autorização n.° 4727‑00), válida até 8 de Março de 2003, para o produto fitofarmacêutico «Husar» nos termos do § 15c da PflSchG.

19.      Na sua decisão de 21 de Maio de 2003 (7), a Comissão constatou que se estava ainda a proceder à análise da documentação no âmbito da apreciação do pedido de inclusão da substância activa idosulfurão‑metil‑sódico no anexo I da Directiva 91/414. Na medida em que não existia qualquer preocupação imediata, os Estados‑Membros foram autorizados a prorrogar por 24 meses a autorização provisória para produtos fitofarmacêuticos contendo iodossulfurão‑metil‑sódico. A pedido da demandada no processo principal, a autorização provisória, concedida por decisão de 9 de Março de 2000, foi prorrogada até 21 de Maio de 2005.

20.      A inclusão da substância activa iodossulfurão no anexo I da Directiva 91/414 foi efectuada pela Directiva 2003/84/CE da Comissão, de 25 de Setembro de 2003, que altera a Directiva 91/414/CEE do Conselho com o objectivo de incluir as substâncias activas flurtamona, flufenacete, iodossulfurão, dimetenamida‑P, picoxistrobina, fostiazato e siltiofame (8).

21.      Por decisão de 13 de Janeiro de 2005, o produto fitofarmacêutico «Husar» com a substância activa iodossulfurão foi autorizado, nos termos do § 15 da PflSchG, por um período de dez anos, até 31 de Dezembro de 2015.

22.      Baseando‑se na primeira autorização concedida em 9 de Março de 2000 ao abrigo do § 15 da PflSchG para a colocação no mercado da substância activa iodossulfurão como produto fitofarmacêutico na Comunidade, a demandada no processo principal requereu em 8 de Setembro de 2000 ao Deutsches Patent‑ und Markenamt (instituto das patentes e das marcas alemão, a seguir «DPMA») um certificado complementar de protecção para o iodossulfurão e para os seus esteres e sais, incluindo a forma não‑salina iodossulfurão‑metil. Por decisão de 5 de Outubro de 2001, o DPMA indeferiu parcialmente o pedido da demandante no processo principal. Na sequência da reclamação desta decisão apresentada pela demandante no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio, por decisão de 17 de Julho de 2003, concedeu o certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos n.° 100 75 026 relativo ao «iodossulfurão bem como aos seus acil ésteres C1 a C12 e sais, incluindo iodossulfurão‑metil‑sal de sódio», com um prazo de validade de 13 de Fevereiro de 2012 a 9 de Março de 2015. Ao contabilizar o prazo de validade, foi tida em consideração a autorização de 9 de Março de 2000 como primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade.

23.      A demandante no processo principal intentou uma acção de declaração de nulidade do certificado de protecção n.° 100 75 026, alegando que o certificado controvertido é nulo, nos termos do artigo 15.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1610/96, por ter sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento. A demandante alega ainda que autorização n.° 4727‑00 na qual se baseia o certificado, concedida em 9 de Março de 2000 ao abrigo do § 15c da PflSchG, corresponde a uma autorização provisória de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 e, por conseguinte, não preenche a condição enunciada no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96.

24.      Pelo facto de a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 suscitar dúvidas, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

Para efeitos da aplicação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, deve ter‑se em conta exclusivamente a autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414, ou pode um certificado ser concedido também com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414?

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

25.      O despacho de reenvio, datado de 28 de Abril de 2009, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de Junho de 2009. A demandante no processo principal, a demandada no processo principal, o Governo da República Italiana e a Comissão apresentaram observações. Na audiência de 22 de Abril de 2010 participaram os mandatários da demandante e da demandada no processo principal, bem como da Comissão.

V –    Argumentos das partes

26.      A demandante no processo principal e a Comissão entendem que a concessão de um certificado complementar de protecção nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 pressupõe obrigatoriamente a existência de uma autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414. A demandada no processo principal e o Governo da República Italiana, pelo contrário, alegam que a referência constante do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 não se restringe a autorizações definitivas na acepção do artigo 4.° da Directiva 91/414, devendo ser alargada às autorizações provisórias na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da referida directiva.

27.      A demandada no processo principal começa por sublinhar a considerável importância económica da questão prejudicial. A este respeito, sublinha em particular que o DPMA alterou a sua prática de concessão de certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos. Tendo em consideração que tem sido prática constante do DPMA e da maior parte das autoridades dos outros Estados‑Membros conceder os referidos certificados de protecção com base numa autorização emitida nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, a maioria dos certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos concedidos na Alemanha e nos outros Estados‑Membros seria nula caso o Tribunal de Justiça classificasse esta prática como contrária ao regulamento. Desta forma, causar‑se‑ia um enorme e irreparável prejuízo a este sector da indústria, por maioria de razão nos casos em que entretanto já tivessem sido concedidas autorizações nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 e em que o prazo de apresentação dos pedidos constante do artigo 7.° do Regulamento n.° 1610/96 já tivesse decorrido, o que impossibilitaria o pedido de novos certificados de protecção.

28.      Restringir o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 exclusivamente às autorizações nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 não provocaria, na prática, apenas efeitos em relação ao passado mas também em relação ao futuro, contrariando o sentido e a finalidade expressos do regulamento. Isto decorre também do facto de o processo de autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 poder ser tão moroso que é possível a patente de base poder caducar antes de ter sido concedida uma autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414. Em grande medida, a morosidade do processo de autorização não é da responsabilidade do requerente. Neste processo de autorização de particular morosidade, o titular de uma patente caducada já não teria qualquer possibilidade de obter um certificado de protecção, sem que tal lhe fosse imputável.

29.      A demandada no processo principal entende que o teor do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 pode ser alargado às autorizações nos termos do artigo 8.° da Directiva 91/414, considerando que uma interpretação deste tipo corresponderia ao sentido e à finalidade do Regulamento n.° 1610/96, na medida em que, em última análise, as autorizações nos termos do artigo 4.° e nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 são equiparáveis. Objectivamente considerada, a autorização nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 constitui uma autorização de acordo com o disposto nos termos do artigo 4.° da referida directiva.

30.      Para além disso, a demandada no processo principal salienta que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, basta também a autorização em conformidade com uma disposição equivalente de direito nacional para que seja concedido um certificado de protecção. Tendo em consideração que este tipo de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, em relação ao qual foi apresentado o pedido de autorização antes da transposição da Directiva 91/414, é suficiente para a concessão do certificado de protecção, será então desde logo suficiente uma autorização requerida de acordo com o disposto no artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 após a transposição.

31.      A demandada no processo principal analisa, por fim, também o artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96. Nos termos desta disposição, para efeitos do cálculo do prazo de validade do certificado, uma primeira autorização provisória só será tida em consideração se for directamente seguida de uma autorização definitiva relativa ao mesmo produto. No entender da demandada no processo principal, as «autorizações provisórias» na acepção do artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96 referem‑se tanto às autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 como às «autorizações de emergência» nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da referida directiva. A regra definida no artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96 explica‑se pelo facto de as autorizações de emergência nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da Directiva 91/414, em princípio, não serem imediatamente seguidas de autorizações na acepção do artigo 4.° ou do artigo 8.°, n.° 1, da referida directiva.

32.      O Governo italiano sublinha que o certificado complementar de protecção nos termos do Regulamento n.° 1610/96 deve conferir ao titular da patente uma protecção efectiva mais abrangente que a protecção assegurada pela própria patente. Para além disso, nos termos do oitavo considerando do Regulamento n.° 1610/96, a concessão de um certificado deste tipo deve ser considerada uma medida positiva a favor da protecção do ambiente. Uma vez que, nos termos do artigo 2.° CE, a protecção do ambiente representa um objectivo prioritário, as condições para a concessão de um certificado complementar de protecção não podem ser aplicadas de forma excessivamente restritiva ou desfavorável para o requerente.

33.      Do ponto de vista sistemático, o Governo italiano salienta que, de acordo com o disposto no artigo 13.° do Regulamento n.° 1610/96, no âmbito do cálculo do prazo de validade do certificado de protecção é tida em consideração uma primeira autorização provisória na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. Tendo em conta este facto, seria contrário à lógica do sistema se a autorização provisória não pudesse ser invocada como base para a concessão de um certificado de protecção. Para além disso, a protecção conferida pelo certificado complementar de protecção não seria efectiva se não fosse garantida desde logo a partir da sua primeira utilização económica, mas apenas desde o momento posterior da concessão de uma autorização definitiva. Neste caso, correr‑se‑ia, para além disso, o risco de a patente de base caducar no decurso do processo de autorização.

34.      No entender da demandante no processo principal, a redacção clara do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 opõe‑se, desde logo, à concessão de um certificado complementar de protecção com base numa autorização provisória nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. No artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 não existe, aliás, qualquer referência a uma autorização provisória deste tipo. Para além disso, uma autorização provisória desta natureza não pode ser interpretada nem como «autorização em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414» nem como «autorização em conformidade com o disposto numa disposição equivalente de direito nacional».

35.      Resulta igualmente da sistemática do Regulamento n.° 1610/96 que os certificados complementares de protecção apenas podem ser concedidos com base em autorizações definitivas na acepção do artigo 4.° da Directiva 91/414. A esta interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 não se opõe a finalidade deste regulamento. A principal finalidade consiste em compensar através do certificado o período de tempo decorrido devido à morosidade dos processos de autorização, de forma a permitir ao titular da patente a amortização dos investimentos realizados com a pesquisa e o desenvolvimento do produto fitofarmacêutico. A referida finalidade não é, no entanto, prejudicada pelo facto de o titular da patente apenas poder requerer em data posterior um certificado, mais concretamente apenas após a obtenção da autorização definitiva. O prazo de validade do certificado não é influenciado por esta situação.

36.      Também a Comissão entende que o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 deve ser interpretado no sentido de que uma autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 não pode ser invocada como base para a concessão de um certificado complementar de protecção.

37.      Esta interpretação é desde logo corroborada pelo teor do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96. De um ponto de vista sistemático, a referida interpretação é confirmada pelo facto de o artigo 13.°, n.° 3, ser a única disposição do referido regulamento a utilizar expressamente os conceitos de «provisória» e «definitiva» em relação a uma autorização de colocação no mercado. Neste contexto, a autorização provisória de colocação no mercado apenas deve ser tida em consideração no âmbito do cálculo do prazo de validade do certificado.

38.      No entender da Comissão, a sua interpretação está também mais em conformidade com os requisitos de segurança jurídica que a interpretação contrária. Torna‑se evidente que uma interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 que vá além do teor da referida disposição irá suscitar problemas futuros, a evitar no interesse da segurança jurídica.

39.      Para além disso, também não se compreende como uma interpretação da qual decorra que um certificado de protecção apenas possa ser concedido em virtude de uma autorização definitiva, mas não de uma autorização provisória de colocação no mercado na acepção da Directiva 91/414, prejudicaria os interesses legítimos do titular da patente. O risco, referido no processo principal, de a autorização definitiva de colocação no mercado apenas ser concedida após o termo do período de protecção da patente de base representa uma mera hipótese teórica. Se o pedido de autorização de colocação no mercado for apresentado num contexto temporal não muito distante do período da concessão da patente de base, é muito improvável que o referido risco se concretize.

40.      Instadas para o efeito, as partes no processo principal e a Comissão pronunciaram‑se na audiência sobre a questão de saber se os efeitos no tempo do acórdão prejudicial deviam ser limitados ao futuro caso o Tribunal de Justiça concluísse, no presente processo, que os certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos não podem ser concedidos com base em autorizações provisórias na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

41.      A demandada no processo principal entende que uma restrição temporal dos efeitos de um acórdão neste sentido garantiria, por princípio, a segurança jurídica em relação ao passado. No que diz respeito ao futuro, manter‑se‑ia, no entanto, o problema da excessiva demora dos processos de autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414. A Comissão, apoiada neste ponto pela demandante no processo principal, não considera, no entanto, necessária a determinação dos efeitos ex nunc de um acórdão neste sentido. No entender da Comissão, os efeitos jurídicos de um acórdão deste tipo apenas devem ser apreciados em relação aos certificados complementares de protecção já concedidos quando seja requerida a declaração da sua nulidade com base no artigo 15.° do Regulamento n.° 1610/96 em processos futuros. Atendendo aos princípios gerais da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima inerentes à ordem jurídica da União, será necessário analisar no âmbito dos referidos processos futuros se se deve suspender a sanção de nulidade prevista no artigo 15.° do Regulamento n.° 1610/96 em relação a violações do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), cometidas antes de ser proferido o acórdão prejudicial no presente processo.

VI – Apreciação jurídica

42.      A questão principal a que importa responder no presente processo é a de saber se um certificado complementar de protecção nos termos do Regulamento n.° 1610/96 pode desde logo ser requerido e concedido a partir da obtenção de uma autorização provisória de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, ou apenas desde a obtenção de uma autorização definitiva de colocação no mercado na acepção do artigo 4.° da referida directiva.

43.      Na medida em que a resposta a esta questão resulta da interacção entre as disposições da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 1610/96, começarei por apreciar resumidamente as regras constantes da directiva e do regulamento referidos, bem como a sua articulação. Com base nestes esclarecimentos, analisarei de seguida e responderei à questão prejudicial. Por fim, irei apreciar as repercussões económicas da resposta que proponho e analisar neste contexto a questão de saber se os efeitos no tempo do acórdão prejudicial devem ser limitados.

A –    Regras constantes da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 1610/96 e sua articulação

1.      Autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos nos termos da Directiva 91/414

44.      A Directiva 91/414 visa a harmonização das disposições dos Estados‑Membros no que diz respeito à concessão de autorizações (9) de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos. Com esta regulamentação harmonizada visa‑se principalmente garantir um elevado nível de protecção da saúde humana e animal e do ambiente (10). Neste contexto, a autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos nos termos da Directiva 91/414 deve ser limitada àqueles que contenham determinadas substâncias activas fixadas a nível da União com base nas suas propriedades toxicológicas e ecotoxicológicas (11).

45.      Para este efeito, a Directiva 91/414 prevê a elaboração, de acordo com o direito da União, de uma lista das substâncias activas autorizadas que os produtos fitofarmacêuticos podem conter. A referida lista integra a Directiva 91/414 como anexo I, sendo regularmente actualizada. O processo de inclusão de substâncias activas no anexo I está definido nos artigos 5.° e 6.° da directiva. A inclusão de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414 é válida por um período inicial não superior a dez anos (12), podendo ser renovada uma ou mais vezes por períodos nunca superiores a dez anos. Esta inclusão pode, no entanto, também ser revista em qualquer altura (13).

46.      De forma a garantir que apenas são colocados no mercado produtos fitofarmacêuticos com as substâncias activas referidas no anexo I, o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 91/414 estabelece a norma geral de que um produto fitofarmacêutico apenas pode ser autorizado nos diferentes Estados‑Membros se as suas substâncias activas constarem do anexo I e se as condições prescritas nesse anexo se encontrarem preenchidas. Para além disso, devem ser cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 4.°, n.° 1, alíneas b) a f), no que respeita à eficácia e à segurança dos produtos fitofarmacêuticos em causa.

47.      Na medida em que o processo de inclusão de uma substância activa no anexo pode demorar vários anos, o artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 prevê uma medida derrogatória nos termos da qual um Estado‑Membro pode autorizar, por um período provisório não superior a três anos, a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que contenham uma substância activa que não conste do anexo I e que ainda não se encontre no mercado dois anos após a data de notificação da directiva. Uma autorização provisória deste tipo pressupõe, no entanto, que o requerente tenha apresentado um pedido de inclusão da substância activa no anexo I, bem como a documentação correspondente às exigências do direito da União, e que o Estado‑Membro tenha concluído que a substância activa e os produtos fitofarmacêuticos preenchem os requisitos em matéria de eficácia e segurança estabelecidos no artigo 5.°, n.° 1, e no artigo 4.°, n.° 1, alíneas b) a f), da directiva. Se, decorrido o prazo de três anos, não tiver sido tomada qualquer decisão sobre a inclusão de uma substância activa no anexo I, poderá ser concedido um prazo suplementar, de acordo com o disposto no artigo 8.°, n.° 1, quarto parágrafo, da directiva.

48.      Para além desta autorização provisória, na expectativa da inclusão de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414, o seu artigo 8.°, n.° 4, prevê ainda a possibilidade de uma autorização de emergência. Nos termos desta disposição, um Estado‑Membro poderá autorizar, por um período máximo de cento e vinte dias, a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos cujas substâncias activas não constem do anexo I e não sejam conformes com as exigências em matéria de eficácia e segurança definidas no artigo 4.°, n.° 1, alíneas b) a f), com vista a uma utilização limitada e controlada, se tal medida for necessária devido a um perigo imprevisível que não possa ser combatido por outros meios.

2.      Concessão de um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos nos termos do Regulamento n.° 1610/96

49.      O objectivo do certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos introduzido pelo Regulamento n.° 1610/96 consiste, no essencial, na prorrogação do período de protecção conferida pela patente em relação a substâncias activas utilizadas em produtos fitofarmacêuticos.

50.      O prazo regular de validade da protecção conferida pela patente corresponde a 20 anos, contados a partir do dia da apresentação do pedido de registo da invenção. Caso a autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos nos termos da Directiva 91/414 apenas seja concedida após a apresentação do pedido de patente, os produtores de produtos fitofarmacêuticos não podem explorar em termos económicos a sua posição de exclusividade no que diz respeito às substâncias activas protegidas pela patente durante o período que medeia entre a apresentação de um pedido de patente e a autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico em causa. Na medida em que, no entender do legislador comunitário, se reduz deste modo a protecção efectiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação e para gerar os recursos necessários à prossecução de uma investigação eficaz (14), o Regulamento n.° 1610/96 confere aos referidos produtores a possibilidade de, através do requerimento de um certificado complementar de protecção, prorrogarem os seus direitos de exclusividade por um período máximo total de quinze anos a partir da primeira autorização de colocação no mercado da União do produto fitofarmacêutico em causa (15).

51.      Neste contexto, o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1610/96 é definido no artigo 2.° com base em dois critérios principais, designadamente 1) a existência de um produto protegido por uma patente 2) sujeito, enquanto produto fitofarmacêutico, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força do artigo 4.° da Directiva 91/414. Caso se trate de um produto fitofarmacêutico cujo pedido de autorização tenha sido apresentado antes da transposição da Directiva 91/414 no Estado‑Membro em causa, aplica‑se, nos termos do artigo 2.°, o Regulamento n.° 1610/96, desde que o produto protegido por uma patente tenha sido objecto de um processo nacional equivalente ao previsto no artigo 4.° da Directiva 91/414.

52.      Os critérios principais definidos no artigo 2.° do Regulamento n.° 1610/96 para que um produto seja abrangido no seu âmbito de aplicação são referidos no artigo 4.° como condições para a concessão do certificado complementar de protecção. De acordo com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, o certificado é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido e à data de tal pedido o produto estiver protegido por uma patente de base em vigor [alínea a)] e o produto tiver obtido, enquanto produto fitofarmacêutico, uma autorização de colocação no mercado válida nos termos do disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414 ou numa disposição equivalente de direito nacional [alínea b)]. A referida disposição estabelece ainda como condições suplementares para a concessão do certificado complementar de protecção que o produto não tenha sido já objecto de um certificado [alínea c)] e que a autorização referida na alínea b) seja a primeira autorização de colocação do produto no mercado enquanto produto fitofarmacêutico [alínea d)].

3.      Articulação do Regulamento n.° 1610/96 com a Directiva 91/414

53.      Resulta das considerações precedentes que o Regulamento n.° 1610/96 visa conceder um prazo suplementar ao titular de uma patente relativa a um produto destinado a ser utilizado como produto fitofarmacêutico, permitindo‑lhe assim a exploração económica exclusiva do referido produto. Na base deste tratamento preferencial dos produtores de produtos fitofarmacêuticos com substâncias activas patenteadas está a consideração económica de que, apesar de existir uma protecção conferida pela patente após o registo, com êxito, da patente de uma substância activa a utilizar num produto fitofarmacêutico, esta não pode, no entanto, ser explorada economicamente enquanto não existir uma autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico nos termos da Directiva 91/414. Na medida em que o processamento do pedido de autorização pode ser muito prolongado, corre‑se o risco de o prazo de validade da protecção efectiva conferida pela patente ser demasiado reduzido. Através do certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos pretende‑se evitar este risco.

54.      Neste contexto, o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1610/96 é definido por referência à autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos prevista na Directiva 91/414. Desde que exista um produto fitofarmacêutico para o qual tenha sido apresentado um pedido de autorização de colocação no mercado após a transposição da Directiva 91/414 no Estado‑Membro em causa, é aplicável o Regulamento n.° 1610/96 quando uma substância activa utilizada no produto fitofarmacêutico esteja protegida por uma patente de base e neste Estado‑Membro exista uma autorização de colocação no mercado do referido produto de acordo com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414.

B –    Não concessão de um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos com base numa autorização provisória de colocação no mercado na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414

55.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos nos termos do Regulamento n.° 1610/96 pode ser requerido e concedido com base numa autorização provisória de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

56.      Em minha opinião, a resposta deve ser negativa.

57.      De acordo com a redacção clara do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, um certificado complementar de protecção apenas pode ser concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido do certificado e à data de tal pedido o produto tiver obtido, enquanto produto fitofarmacêutico, uma autorização de colocação no mercado válida em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414 ou numa disposição equivalente de direito nacional. Do artigo 2.° do Regulamento n.° 1610/96 resulta que a existência de uma autorização nos termos de uma disposição equivalente de direito nacional apenas está prevista para os casos em que o pedido de autorização de colocação no mercado tenha sido apresentado antes da transposição da Directiva 91/414 no Estado‑Membro em causa.

58.      De acordo com o seu teor, o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 não permite, por conseguinte, que seja concedido um certificado complementar de protecção com base numa autorização provisória de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

59.      A demandada no processo principal e o Governo italiano consideram que, apesar da sua redacção clara, o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 deve ser entendido, no âmbito de uma interpretação contextual e teleológica, no sentido de que também pode ser concedido um certificado complementar de protecção com base numa autorização provisória de colocação no mercado na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

60.      A meu ver, não há quaisquer pontos de partida contextuais e teleológicos que permitam ou justifiquem uma interpretação desta natureza.

61.      De uma perspectiva sistemática, importa sublinhar que a Directiva 91/414 distingue três categorias diferentes de autorizações de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos (16), designadamente as autorizações definitivas nos termos do artigo 4.°, as autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, e as autorizações de emergência nos termos do artigo 8.°, n.° 4. No Regulamento n.° 1610/96, esta diferenciação entre as três categorias de autorizações é tida em consideração de uma forma sistemática e com toda a clareza.

62.      Desde logo ao nível do âmbito de aplicação ratione materiae se esclarece no artigo 2.° do Regulamento n.° 1610/96 que o regulamento apenas se aplica desde que exista uma autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414, naturalmente pressupondo sempre que o pedido de autorização tenha sido apresentado após a transposição da Directiva 91/414 (17). Por conseguinte, é de excluir, ao nível do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1610/96, a possibilidade de concessão de um certificado com base numa autorização provisória nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 ou com base numa autorização de emergência nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da referida directiva.

63.      No âmbito da definição das condições de atribuição do certificado complementar de protecção, remete‑se igualmente de forma explícita no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 para a autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414. O mesmo é válido em relação ao artigo 7.° do Regulamento n.° 1610/96, nos termos do qual o pedido de concessão de um certificado complementar de protecção deve ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data de autorização de colocação no mercado referida no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), desde que nessa data já exista a patente de base.

64.      A fixação do período de validade do certificado de protecção é o único contexto em que o Regulamento n.° 1610/96 se refere, em termos do conteúdo, à categoria das autorizações provisórias na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

65.      De acordo com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1610/96, o certificado produz efeitos a partir do termo legal da validade da patente de base, durante um prazo que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de colocação no mercado na União, reduzido em cinco anos. Nos termos do n.° 2 do referido artigo, o prazo de validade do certificado não pode exceder cinco anos a contar da data a partir da qual produz efeitos. No n.° 3 deste artigo esclarece‑se de seguida que, para efeitos do prazo de validade do certificado, só será tida em consideração uma primeira autorização provisória de colocação no mercado se for directamente seguida de uma autorização definitiva relativa ao mesmo produto.

66.      Tendo em consideração a finalidade do artigo 13.° do Regulamento n.° 1610/96, esta referência às autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 não pode ser, de forma alguma, invocada como argumento no sentido de que a existência de uma autorização provisória deste tipo basta desde logo para garantir a aplicação do Regulamento n.° 1610/96. Pelo contrário, resulta dos considerandos que com o certificado complementar de protecção se visa conceder ao titular da patente a protecção exclusiva necessária, em termos de tempo, para amortizar os investimentos efectuados na investigação, sem, no entanto, deixar de ter em consideração os outros interesses em causa (18). Neste contexto, o artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96 estabelece no essencial que, para calcular o prazo de validade do certificado, também devem ser tidas em consideração as possibilidades de amortização do titular da patente criadas pela concessão de uma autorização provisória na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. Desta tomada em consideração da autorização provisória na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 quando da fixação de um período de amortização justo para os investimentos realizados pelo titular da patente não é possível, no entanto, retirar qualquer conclusão relativamente ao âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1610/96 ou em relação às condições de concessão de certificados complementares de protecção definidas no artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento.

67.      Neste contexto, importa igualmente referir que o artigo 13.° do Regulamento n.° 1610/96 remete para as autorizações de colocação no mercado na Comunidade, enquanto o artigo 3.° do referido regulamento exige uma autorização de colocação no mercado válida no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido, em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414. No que diz respeito ao âmbito de aplicação territorial, as remissões para as «autorizações de colocação no mercado» constantes do artigo 3.° e do artigo 13.° do Regulamento n.° 1610/96 não são, por conseguinte, de modo algum idênticas (19), sendo esta distinção tida em conta, designadamente, no artigo 8.°, n.° 1, alínea a), subalínea iv), do Regulamento n.° 1610/96, na medida em que, nos termos desta disposição, o pedido de certificado deve incluir o número e a data da primeira autorização de colocação do produto no mercado referida no n.° 1, alínea b), do artigo 3.° deste regulamento e, caso esta não seja a primeira autorização de colocação no mercado na União, o número e a data desta autorização.

68.      Tendo em consideração a necessidade, confirmada na jurisprudência assente (20), de uma interpretação coerente do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (21) e do Regulamento n.° 1610/96 deve, neste contexto, ser também realçado que a possibilidade de concessão de autorizações provisórias de colocação no mercado de um produto representa uma particularidade da Directiva 91/414. Neste contexto, também a remissão para este tipo de autorizações provisórias no artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96 representa uma particularidade deste regulamento. Neste ponto, o Regulamento n.° 1610/96 diferencia‑se, por conseguinte, do Regulamento n.° 1768/92 que, de resto, se encontra em grande medida redigido de forma idêntica ao primeiro regulamento (22).

69.      Caso o Regulamento n.° 1610/96 fosse interpretado no sentido de que uma autorização provisória de colocação no mercado na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 pode ser tida em consideração não apenas no âmbito do cálculo do prazo de validade do certificado nos termos do artigo 13.°, mas também como condição de concessão de um certificado de protecção de acordo com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), tal significaria que a semelhança em termos de estrutura entre o Regulamento n.° 1610/96 e o Regulamento n.° 1768/92 seria suprimida ao nível do seu âmbito de aplicação e das suas condições de aplicação. Este resultado não seria compatível com a necessidade de uma interpretação coerente dos dois regulamentos.

70.      Tendo em conta as considerações precedentes, concluo que interpretação sistemática e teleológica do Regulamento n.° 1610/96 confirma a interpretação literal do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), nos termos da qual um certificado complementar de protecção não pode ser concedido com base numa autorização provisória de colocação no mercado na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

71.      A demandada no processo principal entende que este tipo de interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 conduziria a um resultado inaceitável. Tendo em consideração a potencial longa duração do processo de autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414, o titular da patente nunca poderia ter a certeza de conseguir obter a autorização nos termos do artigo 4.° antes do termo do prazo de validade da patente. Caso apenas obtivesse a referida autorização após o termo do prazo de validade da patente de base, já não poderia requerer qualquer certificado de protecção, o que seria prejudicial à finalidade do Regulamento n.° 1610/96. Tendo em consideração a lacuna regulamentar assim formulada, a demandada no processo principal pede ao Tribunal de Justiça que supra a referida lacuna por via de uma interpretação contra legem do artigo 3.° n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96.

72.      Em minha opinião, a lacuna regulamentar invocada pela demandada no processo principal não se verifica.

73.      Das minhas considerações precedentes resulta que a concessão do certificado complementar de protecção nos termos do Regulamento n.° 1610/96 pressupõe, entre outras condições, que, à data da apresentação do pedido de certificado, o produto em causa esteja protegido por uma patente de base em vigor (23) e que nessa data exista uma autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico em causa nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414.

74.      Na medida em que o prazo normal de validade da protecção conferida pela patente é de 20 anos a partir do dia do registo da invenção, a lacuna regulamentar alegada pela demandada no processo principal apenas se verificaria caso os referidos 20 anos não fossem suficientes para obter a patente apresentada bem como uma autorização de colocação no mercado do produto patenteado como produto fitofarmacêutico de acordo com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414 e, em seguida, requerer, com base nesta, um certificado complementar de protecção nos termos do Regulamento n.° 1610/96.

75.      No âmbito do presente processo, não foram apresentadas quaisquer informações que permitissem concluir que o prazo de validade de 20 anos da patente, contado a partir do dia do registo da invenção, não seria suficiente para obter a patente apresentada bem como a autorização de colocação no mercado do produto patenteado como produto fitofarmacêutico de acordo com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414 e, em seguida, requerer, com base nestas, um certificado complementar de protecção nos termos do Regulamento n.° 1610/96 (24).

76.      Mesmo que, num caso excepcional, o processo de autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 fosse de tal forma prolongado que o prazo de validade de 20 anos da patente, contado a partir do dia do registo da invenção, não fosse suficiente para requerer um certificado complementar de protecção, esta situação estaria em regra relacionada com um erro ou uma negligência de um ou de vários intervenientes no processo. Se a duração prolongada do processo se dever a erro ou negligência do requerente não é possível concluir pela existência de uma lacuna regulamentar. Mas mesmo que a duração excessiva do processo estivesse relacionada com um erro ou uma negligência das autoridades nacionais ou da Comissão, não estaríamos, a meu ver, perante uma lacuna regulamentar na sistemática do Regulamento n.° 1610/96. Neste caso estaríamos, pelo contrário, perante uma falha das autoridades, cujo ressarcimento deveria ser levado a cabo através da responsabilização das mesmas.

77.      Por fim, importa ainda acrescentar que a interpretação defendida pela demandada no processo principal, nos termos da qual um certificado complementar de protecção também pode ser concedido com base numa autorização provisória de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, acarretaria vários problemas subsequentes na interpretação do Regulamento n.° 1610/96, o que se deve, sobretudo, ao facto de, de acordo com a sua redacção e economia geral, o Regulamento n.° 1610/96 estar redigido e concebido no sentido de que apenas uma autorização concedida nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 no Estado‑Membro em causa pode ser tida em consideração como base para a concessão de um certificado complementar de protecção. Caso um certificado complementar de protecção pudesse também ser concedido com base numa autorização provisória de colocação no mercado neste Estado‑Membro nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, cada disposição do Regulamento n.° 1610/96 em que se remete directa ou indirectamente para uma autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 teria de ser analisada para averiguar se também seria abrangida por esta situação uma autorização concedida no Estado‑Membro em causa nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

78.      Neste contexto, o artigo 7.° do Regulamento n.° 1610/96 é um exemplo adequado, estabelecendo‑se nesta disposição um prazo de seis meses para a apresentação do pedido de certificado. Se a autorização de colocação no mercado tiver sido obtida após a concessão da patente de base, de acordo com o artigo 7.°, n.° 1, o prazo de seis meses é contado a partir da data em que o produto obteve, enquanto produto fitofarmacêutico, a autorização de colocação no mercado referida no n.° 1, alínea b), do artigo 3.° Caso uma autorização provisória na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 devesse também ser qualificada como autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, colocar‑se‑ia necessariamente a questão de saber se o titular da patente de base disporia agora de dois prazos de seis meses para a apresentação do pedido de certificado, designadamente um a contar da data da autorização nos termos do artigo 8.°, n.° 1, e outro a contar da data da autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414. Caso fossem concedidos dois prazos de seis meses ao titular da patente, esta situação não apenas contrariaria o texto do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1610/96, mas também poria em causa neste sector a coerência entre as normas de apresentação do pedido de certificado do referido regulamento e as que constam do Regulamento n.° 1768/92 (25). Se, pelo contrário, apenas fosse concedido um prazo de seis meses, a apresentação de um pedido de certificado após o termo do «primeiro» prazo de seis meses a contar da autorização de colocação no mercado de acordo com o disposto no artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 seria logicamente excluída, o que, por seu lado, seria contrário ao sistema e representaria uma grave ingerência nos interesses dos titulares das patentes, os quais teriam esperado a concessão de uma autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 antes de apresentarem o pedido.

79.      Levantar‑se‑ia um problema semelhante quanto à interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 1610/96. Nos termos desta disposição, apenas pode ser concedido um certificado complementar de protecção quando a autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de colocação do produto no mercado enquanto produto fitofarmacêutico (26). Caso uma autorização provisória na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 devesse também ser qualificada como autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, isto significaria que a autorização nos termos do artigo 4.° da referida directiva deveria ser considerada como uma «segunda» autorização de colocação no mercado do mesmo produto, na medida em que previamente já tivesse sido concedida uma autorização provisória. Se, na hipótese apresentada, o titular da patente de base não tivesse já requerido o certificado complementar de protecção após a obtenção da autorização provisória, o artigo 3.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 1610/96 opor‑se‑ia, em princípio, a um pedido deste tipo após a obtenção da autorização definitiva. Também neste caso o resultado seria contrário ao sistema e verificar‑se‑ia uma grave ingerência nos interesses dos titulares das patentes que tivessem esperado a concessão de uma autorização nos termos do artigo 4.° da Directiva 91/414 para requerer o certificado complementar de protecção.

80.      Em resumo, concluo que uma interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, de acordo com o seu texto, a sua economia geral e a sua finalidade exclui que possa ser concedido um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

C –    Limitação no tempo dos efeitos do acórdão prejudicial

81.      Caso o Tribunal de Justiça decida que não pode ser concedido um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, adoptando a solução por mim proposta, o órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal, deve dar provimento ao pedido de declaração de nulidade do certificado complementar de protecção n.° 100 75 026, relativo ao «iodossulfurão bem como aos seus acil ésteres C1 a C12, incluindo iodossulfurão‑metil‑sal de sódio» na medida em que neste caso se concluiria que o certificado foi concedido em violação das disposições do artigo 3.° do Regulamento n.° 1610/96 e, por conseguinte, seria nulo nos termos do artigo 15.° n.° 1, do referido regulamento.

82.      No entanto, os efeitos jurídicos desta decisão prejudicial não se limitariam apenas ao processo principal.

83.      Nos termos de jurisprudência assente, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito comunitário, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.° TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão sobre o pedido de interpretação se se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (27). Por outras palavras, um acórdão prejudicial não tem valor constitutivo, mas puramente declarativo, com a consequência de que os seus efeitos remontam, em princípio, à data da entrada em vigor da norma interpretada (28).

84.      Neste contexto, na sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o DPMA seguiu durante vários anos a prática de conceder certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos com base em autorizações nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. Para além disso, também noutros Estados‑Membros foram concedidos certificados desta natureza com base em autorizações provisórias, nomeadamente na Bélgica, em Itália e no Reino Unido (29). Segunda a demandada no processo principal, noutros Estados‑Membros da União Europeia foram e continuam a ser regularmente concedidos certificados complementares de protecção com base em autorizações nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. Cerca de 75% dos seus certificados de protecção a nível europeu foram concedidos com base em autorizações provisórias deste tipo. Para comprovar as suas afirmações, a demandada no processo principal apresentou vários certificados de protecção para produtos fitofarmacêuticos concedidos em Espanha, em Itália, no Reino Unido, em França, na Áustria, nos Países Baixos e na Irlanda com base em autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 (30). A demandada no processo principal juntou igualmente uma tomada de posição da European Crop Protection Association de 28 de Setembro de 2009 (31). De acordo com o referido documento, até à alteração da prática decisória do DPMA, em 2007, era prática incontestada das autoridades nacionais de patentes de todos os Estados‑Membros conceder certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos com base em autorizações de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. De acordo com o referido documento, a nível da União, aproximadamente 90% dos certificados de protecção concedidos baseiam‑se numa autorização provisória de colocação no mercado dos correspondentes produtos fitofarmacêuticos (32).

85.      Caso o Tribunal de Justiça concluísse no presente caso que os certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos não podem ser concedidos com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, os efeitos jurídicos desta conclusão iriam muito além da questão da nulidade do certificado de protecção concedido à demandada do processo principal, na medida em que um acórdão nesse sentido teria simultaneamente como consequência que todos os certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos concedidos com base em autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 deveriam ser considerados nulos de acordo com o disposto no artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1610/96. Nos termos do disposto no artigo 15.°, n.° 2, do referido regulamento, qualquer pessoa poderia, por conseguinte, apresentar um pedido ou intentar uma acção de declaração de nulidade destes certificados.

86.      Mesmo que a anulação de um certificado complementar de protecção, por si mesma, não exclua a possibilidade de o titular de uma patente de base apresentar um novo pedido de um certificado complementar de protecção para o produto fitofarmacêutico em causa, deve o referido pedido cumprir as exigências constantes do Regulamento n.° 1610/96. Neste contexto, pode, sobretudo, levantar problemas o prazo para apresentação de seis meses a contar da primeira autorização de colocação no mercado, previsto no artigo 7.°, n.° 1. Em todos os casos em que este prazo já decorreu e não é possível uma reposição, a anulação dos certificados de protecção concedidos com base em autorizações provisórias provocaria a perda irremediável, por parte dos titulares dos certificados, dos direitos de exclusividade reconhecidos pelos referidos certificados.

87.      Tendo em consideração o acima exposto, parece‑me adequado proceder à análise das possibilidades de limitação no tempo dos efeitos do acórdão prejudicial no presente processo.

88.      Apesar de o artigo 264.° TFUE prever expressamente uma limitação no tempo dos efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça apenas no que respeita às acções de declaração de nulidade, o Tribunal de Justiça também invoca o conceito jurídico contido nesta disposição em jurisprudência assente no âmbito de processos prejudiciais, não o fazendo apenas nos processos prejudiciais em que lhe incumbe apreciar a validade de uma norma ou de um acto da União (33), mas também no âmbito de processos prejudiciais em que é pedida a interpretação de uma norma da União (34).

89.      Nos termos da referida jurisprudência, ao interpretar uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça só a título excepcional pode, em aplicação do princípio da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por ele interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé (35).

90.      A declaração do efeito ex nunc de um acórdão prejudicial através do qual se responde a uma nova questão jurídica levanta a possibilidade de ser feita referência a essa limitação no tempo em processos prejudiciais posteriores relativos à mesma questão jurídica. Caso tenha sido dado resposta a uma questão jurídica num acórdão prejudicial anterior em que o Tribunal de Justiça tenha declarado o efeito ex nunc, este também poderá limitar, em acórdãos prejudiciais posteriores relativos à mesma questão, os efeitos no tempo da sua resposta ao momento em que foi proferido o acórdão doutrinário anterior (36). Caso o Tribunal de Justiça, no entanto, tenha respondido pela primeira vez a uma pergunta, a título prejudicial, sem declarar o efeito ex nunc do referido acórdão, a jurisprudência assente rejeita que seja decretada a limitação no tempo dos efeitos do acórdão numa decisão prejudicial posterior relativa à mesma questão (37).

91.      Por princípio, o Tribunal de Justiça apenas determina a limitação dos efeitos no tempo dos seus acórdãos prejudiciais com base no princípio da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União quando, por um lado, existe um risco de repercussões económicas graves devidas em especial ao número elevado de relações jurídicas constituídas de boa fé com base na regulamentação considerada como estando validamente em vigor e quando, por outro, se afigura que os particulares e as autoridades nacionais tenham sido incentivados a um comportamento não conforme à regulamentação comunitária em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tenham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão (38).

92.      No presente caso importa antes de mais observar que, até ao momento, o Tribunal de Justiça ainda não interpretou o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96.

93.      Tal como já tive oportunidade de referir, é de partir do pressuposto de que um acórdão prejudicial nos termos do qual não pode ser concedido um certificado complementar de protecção com base numa autorização provisória de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 pode ter graves repercussões económicas (39).

94.      A questão de saber se existia uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das condições de concessão de um certificado complementar de protecção definidas no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 susceptível de incentivar os titulares da patente de base e as autoridades nacionais a uma prática ilegal em matéria de concessão de certificados complementares de protecção não pode, no entanto, ser respondida de uma forma simples.

95.      Como já referi, uma interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 de acordo com a sua redacção, a sua economia geral e a sua finalidade leva à conclusão de que um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos não pode ser concedido com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

96.      No entanto, resulta das informações fornecidas ao Tribunal de Justiça que uma grande parte das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis pela concessão de certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos adoptaram, ao longo de vários anos, uma prática de concessão dos referidos certificados com base em autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. Do despacho de reenvio resulta ainda que também o órgão jurisdicional de reenvio, como órgão jurisdicional de recurso das decisões do DPMA, tinha aceite a referida prática e anulado a decisão do DPMA pela qual este tinha posto fim à prática em causa (40).

97.      Do despacho de reenvio resulta também que a prática da concessão de certificados complementares de protecção com base em autorizações provisórias deve ser entendida como expressão de uma interpretação extensiva do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 que visa promover tanto quanto possível os objectivos do mesmo regulamento (41).

98.      De acordo com as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, um dos factores decisivos na origem da prática em causa residiu no facto de a autorização provisória de colocação no mercado de uma substância activa como produto fitofarmacêutico nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 conduzir em geral, na prática, à inclusão da referida substância activa no anexo I e de a autorização provisória ser directamente seguida por uma autorização definitiva nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da referida directiva. Isto dever‑se‑ia às exigências rígidas impostas à autorização provisória nos termos do artigo 8.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), em conjugação com o artigo 6.°, n.os 2 e 4, da Directiva 91/414, de forma a garantir o elevado nível de segurança exigido pela directiva. A documentação abrangente sobre a substância activa, e pelo menos uma preparação com a referida substância activa, a apresentar pelo requerente de acordo com as exigências constantes dos anexos II e III, que requerem um elevado dispêndio de tempo e dinheiro, permitem aos Estados‑Membros chegar à conclusão, necessária para a autorização provisória nos termos do artigo 8.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea b), da Directiva 91/414, de que são de excluir efeitos prejudiciais do produto fitofarmacêutico do ponto de vista toxicológico e ecotoxicológio. A avaliação detalhada posterior realizada no processo instituído pelo direito da União confirma em geral, na prática, o referido prognóstico e conduz – eventualmente mediante condições restritivas – à inclusão da substância activa no anexo I e à autorização definitiva de colocação no mercado nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 91/414 (42).

99.      De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, na prática, visa‑se também assegurar que a primeira autorização provisória de colocação no mercado da Comunidade seja directamente seguida de uma autorização definitiva para o mesmo produto, na acepção do artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96. O facto de uma primeira autorização provisória de colocação no mercado da Comunidade ser seguida directamente por uma autorização definitiva tem como base jurídica o artigo 8.°, n.° 1, quarto parágrafo, da Directiva 91/414. Nos termos desta disposição, se, terminado o prazo máximo de três anos, não ter sido tomada qualquer decisão sobre a inclusão de uma substância activa no anexo I, poderá decidir‑se, em derrogação do artigo 6.°, fixar um prazo suplementar que permita a análise completa da documentação e, se necessário, das informações suplementares exigidas nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 6.° No quadro deste prazo suplementar, os Estados‑Membros estão autorizados a prorrogar o prazo anteriormente concedido para a autorização provisória. Também no caso em apreço, relativo à substância activa iodossulfurão protegida pelo certificado controvertido, a Comissão, por decisão de 21 de Maio de 2003, prorrogou até 21 de Maio de 2005 o prazo em relação à referida substância activa, de forma a proceder a uma análise completa da documentação nos termos do artigo 8.°, n.° 1, quarto período, da Directiva 91/414. Posteriormente, a autorização provisória de 9 de Março de 2000, válida até 8 de Março de 2003, foi prorrogada na Alemanha até 21 de Maio de 2005 nos termos do § 15c, n.° 3, da PflSchG. A autorização definitiva nos termos do § 15 da PflSchG foi concedida em 13 de Janeiro de 2005, pelo que a condição enunciada no artigo 13.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1610/96 está efectivamente preenchida e o certificado controvertido foi afinal concedido com o prazo de validade correcto (43).

100. Decorre dos esclarecimentos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que a prática, contrária ao regulamento, de concessão de certificados complementares de protecção com base em autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 se baseia essencialmente nas experiências recolhidas na prática processual corrente em conjugação com determinadas disposições da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 1610/96. Em minha opinião, estas considerações – predominantemente práticas – não são suficientes para contrariar a interpretação que proponho do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, nos termos da qual não podem ser concedidos certificados complementares de protecção com base em autorizações provisórias. No entanto, atendendo às circunstâncias específicas do caso em apreço, as referidas considerações permitem, a meu ver, concluir que existe uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das condições de concessão de um certificado complementar de protecção definidas no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 susceptível de induzir os requerentes e as autoridades nacionais a adoptar uma prática ilegal de concessão de certificados de protecção com base em autorizações provisórias na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414.

101. Tendo em consideração as circunstâncias específicas do caso em apreço, posso concluir que a interpretação que proponho do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 corre o risco de ter graves repercussões económicas no sector dos produtos fitofarmacêuticos. Para além disso, é de partir do pressuposto de que a prática da concessão de certificados complementares de protecção com base em autorizações provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 se deve à existência de uma insegurança objectiva e importante quanto ao alcance das disposições pertinentes. Deste modo, estão preenchidas as duas condições fundamentais exigidas nos termos da jurisprudência assente para uma limitação no tempo dos efeitos de um acórdão prejudicial.

102. Neste contexto, importa referir que, nos casos em que decide uma limitação no tempo dos efeitos de um acórdão prejudicial, o Tribunal de Justiça determina na maior parte dos casos uma derrogação do efeito ex nunc a favor das partes no processo principal bem como a favor daqueles que interpuseram recursos, na acepção mais ampla, antes da prolação do acórdão. Esta derrogação aplica‑se, em geral, nos casos em que o demandante no processo principal pretende fazer valer direitos pecuniários ou de outro tipo e o Tribunal de Justiça confirmou o entendimento jurídico defendido pelo demandante (44). A ideia fundamental na base desta derrogação é essencialmente a de que se considera injusto recusar aos interessados em causa, que fizeram valer os seus direitos antes da prolação do acórdão, o efeito ex tunc do acórdão prejudicial (45).

103. No entanto, no presente processo não se verifica uma situação deste tipo. Se for julgada procedente a acção de declaração de nulidade intentada pela demandante no processo principal tal não significará que esta estivesse a fazer valer um direito próprio sem enfraquecer retroactivamente a posição jurídica da demandada no processo principal em relação a outras pessoas. Pelo contrário, a demandada no processo principal perderia retroactivamente e erga omnes a posição de exclusividade conferida pelo certificado complementar de protecção. Por conseguinte, tendo em consideração as circunstâncias específicas do caso em apreço, a derrogação do efeito ex nunc a favor da demandante no processo principal iria onerar desproporcionadamente a demandada no processo principal. Em minha opinião, uma derrogação deste tipo não seria, por conseguinte, adequada no presente caso.

104. Por fim, importa ainda referir que não é convincente o entendimento da Comissão de que no presente caso o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 deve ser interpretado ex tunc na acepção por mim proposta, podendo os efeitos jurídicos do referido acórdão, caso necessário, ser limitados no tempo em posteriores processos de reenvio prejudicial através da aplicação do artigo 15.° do Regulamento n.° 1610/96 a certificados complementares de protecção concedidos em violação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96. Uma solução deste tipo produziria antes de mais uma situação de grande incerteza jurídica no que respeita à validade de certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos concedidos no passado com base em autorizações provisórias na acepção do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414. Para além disso, essa solução seria incompatível com a jurisprudência assente nos termos da qual a limitação dos efeitos no tempo da interpretação de uma disposição num acórdão prejudicial apenas pode ser admitida no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada (46).

105. Caso o Tribunal de Justiça conclua em sede de reenvio prejudicial, adoptando a minha proposta, que um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos não pode ser concedido com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414, parece‑me legítimo e justificado que os efeitos deste acórdão no tempo sejam limitados ao futuro.

VII – Conclusão

106. À luz das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial do Bundespatentgericht:

1.      O artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos deve ser interpretado no sentido de que um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos não pode ser concedido com base numa autorização de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado.

2.      Ninguém pode invocar a referida interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96 para pedir a declaração de nulidade de certificados complementares de protecção para produtos fitofarmacêuticos que foram requeridos com base em autorizações provisórias de colocação no mercado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 91/414 antes da prolação do presente acórdão.


1 – Língua original: alemão.


2 – Nos termos do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007 (JO C 306, p. 1), o processo prejudicial encontra‑se agora regulamentado no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


3 – JO L 198, p. 30.


4 – JO L 230, p. 1, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 396/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Fevereiro de 2005, relativo aos limites máximos de resíduos de pesticidas no interior e à superfície dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, de origem vegetal ou animal, e que altera a Directiva 91/414/CEE do Conselho (JO L 70, p. 1).


5 – Gesetz zum Schutz der Kulturpflanzen, de 15 de Setembro de 1986, na versão publicada em 14 de Maio de 1998 (BGBl. I, pp. 971, 1527, 3512), alterada em último lugar pelo artigo 13.° da Lei de 29 de Julho de 2009 (BGBl. I, p. 2542).


6 – Decisão da Comissão, de 31 de Maio de 1999, que reconhece, em princípio, a conformidade dos processos apresentados para exame pormenorizado com vista à possível inclusão de ZA 1296 (mesotriona), Iodosulfurão‑metil‑sódico (AEF 115008), Siltiofame (MON 65500) e Gliocladium catenulatum no anexo I da Directiva 91/414/CEE do Conselho relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 148, p. 44).


7 – 2003/370/CE: Decisão da Comissão, de 21 de Maio de 2003, que autoriza a prorrogação, pelos Estados‑Membros, das autorizações provisórias das novas substâncias activas iodossulfurão‑metil‑sódico, indoxacarbe, S‑metolaclor, vírus da poliedrose nuclear da Spodoptera exigua, tepraloxidima e dimetenamida‑P (JO L 127, p. 58).


8 – JO L 247, p. 20.


9 – A versão alemã da Directiva 91/414 não utiliza o termo «autorização» («Genehmigung»), referindo‑se de forma sistemática a uma «admissão» («Zulassung») dos produtos fitofarmacêuticos. No artigo 2.°, n.° 11, da referida directiva, a «autorização de um produto fitofarmacêutico» é definida como «[o] acto administrativo pelo qual, na sequência de um pedido apresentado por um requerente, a autoridade competente de um Estado‑Membro autoriza a colocação de um produto fitofarmacêutico no mercado do seu território ou numa parte deste». Na versão alemã do Regulamento n.° 1610/96, as «admissões» («Zulassungen») na acepção da Directiva 91/414 são designadas «autorizações» («Genehmigungen») de colocação no mercado. Tendo em consideração esta situação, o termo «autorização» será utilizado de forma uniforme tanto no âmbito das remissões para a Directiva 91/414 como nas referências ao Regulamento n.° 1610/96.


10 – V. nono considerando da Directiva 91/414, no qual, além do mais, se refere neste contexto que a protecção da saúde humana e animal e do ambiente é prioritária em relação ao objectivo de melhorar a produção vegetal.


11 – V. décimo primeiro considerando da Directiva 91/414.


12 – Artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 91/414.


13 – Artigo 5.°, n.° 5, da Directiva 91/414.


14 – V. quinto considerando do Regulamento n.° 1610/96.


15 – V. décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 1610/96.


16 – V. n.os 46 e segs. das presentes conclusões.


17 – V. n.° 51 das presentes conclusões.


18 – V. quinto a décimo segundo considerandos do Regulamento n.° 1610/96.


19 – V., a este respeito, acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Hässle (C‑127/00, Colect., p. I‑14781, n.° 77), bem como as conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl de 26 de Fevereiro de 2002 no mesmo processo, n.os 85 e segs., no que respeita à interpretação do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1768/92, de teor idêntico.


20 – V. apenas acórdãos de 3 de Setembro de 2009, AHP Manufacturing (C‑482/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 23 e segs.); de 4 de Maio de 2006, Massachusetts Institute of Technology (C‑431/04, Colect., p. I‑4089, n.os 22 e segs.), e de 16 de Setembro de 1999, Farmitalia (C‑392/97, Colect., p. I‑5553, n.° 20).


21 – JO L 182, p. 1.


22 – V., a este respeito, apenas Schennen, D. – «Auf dem Weg zum Schutzzertifikat für Pflanzenschutzmittel», GRUR Int., 1996, pp. 102 e segs. V. Igualmente Galloux, J.‑C., «Le certificat complémentaire de protection pour les produits phytopharmaceutiques», JCP, 1996 Ed. E, p. 499, n.° 1. As diferenças entre o Regulamento n.° 1610/96 e o Regulamento n.° 1768/92 baseiam‑se, em regra, em disposições que foram inseridas no Regulamento n.° 1610/96 tendo em consideração a experiência com o Regulamento n.° 1768/92. De forma a garantir uma interpretação coerente dos dois regulamentos também nestes pontos, o décimo sétimo considerando do Regulamento n.° 1610/96 refere, no essencial, que as inovações do Regulamento n.° 1610/96 valem igualmente, mutatis mutandis, para a interpretação do Regulamento n.° 1768/92. Este considerando tem origem numa proposta do Conselho; v. Posição Comum (CE) n.° 30/95 adoptada pelo Conselho, em 27 de Novembro de 1995, tendo em vista a adopção do Regulamento (CE) n.° 1690/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos (JO C 353, p. 36, n.° 9, segundo parágrafo da exposição de motivos). No entanto, no n.° 13 da exposição de motivos da Posição Comum n.° 30/95, o Conselho realçou igualmente que a tomada em consideração das autorizações provisórias no âmbito do artigo 13.° do Regulamento n.° 1610/96 constitui uma especificidade do procedimento de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos e que a coerência com o Regulamento n.° 1768/92 não se alarga, por conseguinte, a esta especificidade do cálculo do prazo de validade.


23 – A questão de saber se a patente de base ainda está em vigor à data da concessão do certificado complementar de protecção não é, pelo contrário, relevante: v. apenas Jones, S./Cole, G. (editores) – CIPA Guide to the Patents Acts, London, 6.ª ed., 2009, p. 1214.


24 – Neste contexto, importa remeter igualmente para o n.° 1.3. do Parecer do Comité Económico e Social de 27 de Abril de 1995 sobre a «Proposta de regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos» (JO C 155, p. 14), no qual que se refere em particular que o período compreendido entre a concessão da autorização de colocação do produto no mercado e o termo da patente tem uma duração de cerca de nove anos na União Europeia.


25 – Quanto à referida coerência, v. apenas Schennen, D., loc. cit. (n.° 22), p. 108, que sublinha que o processo de apresentação e de concessão do certificado nos termos do Regulamento n.° 1610/96 não se diferencia do instituído pelo Regulamento n.° 1768/92.


26 – V., a este respeito, acórdão de 10 de Maio de 2001, BASF (C‑258/99, Colect., p. I‑3643). Neste caso, o produtor de um pesticida tinha aperfeiçoado o processo de fabrico, tendo, no essencial, aumentado o grau de pureza da substância activa. Em 1967, as autoridades neerlandesas concederam uma primeira autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico e em 1987 concederam uma nova autorização para o produto fitofarmacêutico melhorado. Para o novo processo de fabrico da substância activa mais pura tinha sido concedida uma patente de processo de fabrico europeia. A questão que se levantava era a de saber se podia ser requerido um certificado complementar de protecção para o produto fitofarmacêutico aperfeiçoado com base na patente de processo de fabrico. O Tribunal de Justiça entendeu que ambos os produtos fitofarmacêuticos se baseavam no mesmo produto na acepção do Regulamento n.° 1610/96. Por conseguinte, também as autorizações concedidas em 1967 e 1987, que deviam ser entendidas como autorizações concedidas em conformidade com o disposto numa disposição equivalente de direito nacional na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1610/96, diziam respeito ao mesmo produto. Tendo em consideração esta situação, o Tribunal de Justiça concluiu que não estavam cumpridas as condições para a concessão de um novo certificado complementar de protecção constantes do artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e d), do Regulamento n.° 1610/96.


27 – Acórdãos de 6 de Março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, Colect., p. I‑1835, n.° 34); de 15 de Março de 2005, Bidar (C‑209/03, Colect., p. I‑2119, n.° 66); de 11 de Agosto de 1995, Roders e o. (C‑367/93 a C‑377/93, Colect., p. I‑2229, n.° 42), e de 27 de Março de 1980, Denkavit italiana (61/79, Recueil, p. 1205, n.° 16).


28 – V. acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.° 35).


29 – N.° 34 do despacho de reenvio de 28 de Abril de 2009.


30 – Anexo 2 das observações escritas da demandante no processo principal de 13 de Outubro de 2009.


31 – «ECPA’s position – on the relationship between Supplementary Protection Certificates and National Provisional Authorizations», junto como anexo 1 às observações escritas da demandante no processo principal de 13 de Outubro de 2009.


32 – Tomada de posição da ECPA (já referido na nota 31), p. 3.


33 – Acórdãos de 22 de Dezembro de 2008, Régie Networks (C‑333/07, Colect., p. I‑10807, n.os 118 e segs.); de 26 de Abril de 1994, Roquette Frères (C‑228/92, Colect., p. I‑1445, n.os 17 e segs.); de 10 de Março de 1992, Lomas e o. (C‑38/90 e C‑151/90, Colect., p. I‑1781, n.os 23 e segs.), e de 29 de Junho de 1988, Van Landschoot (300/86, Colect., p. 3443, n.os 22 e segs.).


34 – O acórdão de referência é o acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne (43/75, Colect., p. 193, n.os 69 e segs.).


35 – Acórdãos de 17 de Julho de 2008, Krawczyński (C‑426/07, Colect., p. I‑6021, n.° 42); Meilicke e o. (já referido na nota 27, n.° 35); Bidar (já referido na nota 27, n.° 67); de 20 de Setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, Colect., p. I‑6193, n.° 51); de 23 de Maio de 2000, Buchner e o. (C‑104/98, Colect., p. I‑3625, n.° 39), e de 4 de Maio de 1999, Sürül (C‑262/96, Colect., p. I‑2685, n.° 108).


36 – V. apenas acórdãos de 17 de Maio de 1990, Barber (C‑262/88, Colect., p. I‑1889, n.os 40 e segs.): limitação dos efeitos no tempo à data da prolação do acórdão, e de 6 de Outubro de 1993, Ten Oever (C‑109/91, Colect., p. I‑4879, n.os 15 e segs.): limitação dos efeitos no tempo à data da prolação do acórdão no processo Barber. V., a este respeito, igualmente Kokott, J./Henze, T. – «Die Beschränkung der zeitlichen Wirkung von EuGH‑Urteilen in Steuersachen», NJW, 2006, pp. 177, 181.


37 – V. apenas acórdãos Krawczyński (já referido na nota 35, n.os 43 e segs.), e Meilicke e o. (já referido na nota 27, n.os 35 e segs.).


38 – V. acórdãos Bidar (já referido na nota 27, n.° 69); Grzelczyk (já referido na nota 35, n.° 53) e Roders e o. (já referido na nota 27, n.° 43).


39 – V. n.os 84 e segs. das presentes conclusões.


40 – V. n.° 22 das presentes conclusões.


41 – V. n.° 37 do despacho de reenvio de 28 de Abril de 2009.


42 – V. n.° 38 do despacho de reenvio de 28 de Abril de 2009.


43 – V. n.os 39 e segs. do despacho de reenvio de 28 de Abril de 2009.


44 – V. apenas acórdãos Régie Networks (já referido na nota 33), Sürül (já referido na nota 35), Roquette Frères (já referido na nota 33), Ten Oever (já referido na nota 36), Barber (já referido na nota 36) e Defrenne (já referido na nota 34).


45 – V. Kokott, J./Henze, T., loc. cit. (nota 36), p. 182.


46 – V. apenas acórdãos Krawczyński (já referido na nota 35, n.° 43) e Meilicke e o. (já referido na nota 27, n.° 36).