Palavras-chave
Sumário

Palavras-chave

1. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Delimitação do mercado – Objecto

(Artigo 81.° CE; Comunicação 2004/C 101/07 da Comissão)

2. Actos das instituições – Orientações sobre o conceito de afectação do comércio – Acto de carácter vinculativo

(Comunicação 2004/C 101/07 da Comissão)

3. Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigo 253.° CE; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

4. Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo – Alcance

5. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Apreciação consoante a natureza da infracção

(Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, n. os  19 e 21 a 23)

6. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Circunstâncias atenuantes – Cessação da infracção anteriormente à intervenção da Comissão – Exclusão

(Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, n.° 29, primeiro travessão)

7. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Circunstâncias atenuantes – Comportamento anti‑concorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas

(Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, n.° 29, último travessão)

8. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Redução da coima devido a dificuldades económicas – Requisitos

(Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, n.° 35)

Sumário

1. O artigo 81.°, n.° 1, CE, não é aplicável se a repercussão dos acordos, decisões e práticas concertadas nas trocas intracomunitárias ou na concorrência não for «sensível». De facto, um acordo escapa à proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE, quando apenas restringe a concorrência ou afecta o comércio entre Estados‑Membros de uma maneira insignificante. Consequentemente, a obrigação de proceder a uma delimitação do mercado numa decisão adoptada em aplicação do artigo 85.° CE impõe‑se à Comissão quando, sem essa delimitação, não é possível determinar se o acordo ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e tem por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência.

Assim, se todas as transacções transfronteiriças fossem automaticamente susceptíveis de afectar de forma sensível o comércio entre os Estados‑Membros, a noção de carácter sensível, que é uma condição de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, desenvolvida pela jurisprudência, seria esvaziada de todo o seu conteúdo. Mesmo nos casos de uma infracção pelo objecto, é necessário que a infracção seja susceptível de afectar as trocas intracomunitárias de forma sensível. Tal decorre das orientações sobre o conceito de afectação do comércio previsto nos artigos 81.° CE e 82.° CE, porquanto a presunção positiva, prevista no artigo 53.° destas orientações, apenas se aplica aos acordos e às práticas que são, pela sua própria natureza, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros. O facto de uma empresa não ter contestado a existência dos acordos, decisões e práticas concertadas não engloba necessariamente a admissão da afectação sensível do comércio por esses acordos, decisões e práticas concertadas. A inexistência dessa afectação, condição para a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, implicaria a anulação da decisão relativa aos acordos, decisões e práticas concertadas por incompetência da Comissão.

Contudo, a Comissão, dado que fez prova bastante de que a segunda condição alternativa subjacente à presunção prevista no n.° 53 das referidas orientações tinha sido cumprida, fornecendo, nomeadamente, uma descrição suficientemente detalhada do sector em causa, incluindo a oferta, a procura e o âmbito geográfico, identificou de forma precisa os serviços em causa, bem como o mercado. Tal descrição do sector pode ser suficiente, na medida em que é suficientemente detalhada para permitir ao Tribunal Geral verificar as afirmações de base da Comissão e em que, nessa base, é manifesto que a quota de mercado acumulado ultrapassa largamente o limiar de 5%. Assim, excepcionalmente, a Comissão pode basear‑se na segunda condição alternativa do n.° 53 das referidas orientações, sem efectuar expressamente uma definição do mercado na acepção do n.° 55 das mesmas.

Com efeito, no âmbito da presunção positiva prevista no n.° 53 das referidas orientações basta que apenas uma das duas condições alternativas esteja preenchida para provar o carácter sensível da afectação do comércio entre os Estados‑Membros.

(cf. n. os  44, 45, 50, 53, 69, 70, 72, 73)

2. Ao adoptar as regras de conduta que são as orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados Membros previsto nos artigos 81.° CE e 82.° CE e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode renunciar a essas regras, sob pena de poder ser punida, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima.

(cf. n.° 67)

3. As orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a) do Regulamento n.° 1/2003 implicaram uma mudança fundamental da metodologia de cálculo das coimas. Em particular, a classificação das coimas em três categorias («pouco grave», «grave» e «muito grave») foi abolida, tendo sido introduzida uma escala que vai de 0 a 30%, para permitir uma diferenciação mais subtil. Além disso, o montante de base da coima está desde então «ligado a uma proporção do valor das vendas, determinad[a] em função do grau de gravidade da infracção, multiplicado pelo número de anos de infracção» (n.° 19 das referidas orientações). Regra geral, «a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%». (n.° 21). No caso dos acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que «são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves», a proporção das vendas tidas em conta deve, geralmente, situar‑se «num nível superior da escala» (n.° 23).

Nessas circunstâncias, em princípio a Comissão não pode limitar‑se a fundamentar a qualificação da infracção como «muito grave» e não a escolha da proporção de vendas tomada em consideração. De facto, o corolário da margem de apreciação de que a Comissão goza em matéria de coimas é um dever de fundamentação que permite ao particular conhecer as justificações das medidas tomadas e ao Tribunal Geral exercer o seu controlo.

Dado que a Comissão fixou a taxa num nível ligeiramente superior à metade dessa escala, a saber, 17%, fundamentando a sua escolha apenas com a natureza «muito grave» da infracção, mas sem explicar mais circunstanciadamente de que forma a qualificação da infracção como «muito grave» a levou a fixar a taxa em 17% e não a uma proporção num nível nitidamente «superior da escala», esta fundamentação apenas pode ser suficiente na situação em que a Comissão aplica uma taxa muito próxima do limite inferior do escalão previsto para as infracções mais graves, que é, aliás, muito favorável à empresa. Com efeito, neste caso, não é necessária uma fundamentação adicional que ultrapasse a fundamentação subjacente às orientações. Em contrapartida, se aquela pretendesse aplicar uma taxa mais elevada, teria de apresentar uma fundamentação mais detalhada.

(cf. n. os  91‑93)

4. Apenas com base na comunicação das acusações, uma empresa individual interessada, não tem qualquer possibilidade de verificar se os volumes de negócios utilizados para provar a natureza sensível da afectação do comércio entre os Estados‑Membros e que as quotas de mercado consolidadas de todos os participantes em acordos, decisões e práticas concertadas excedem os limiares de 40 milhões de euros ou de 5%. Cada empresa apenas pode contestar com segurança os seus próprios valores. Assim, para contestar a dimensão do mercado e as quotas de mercado das outras sociedades em causa, e para apresentar os seus próprios argumentos quanto a esses valores, é indispensável conhecer a discriminação do volume de negócios das outras empresas, caso contrário a empresa interessada não pode dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a relevância dos factos, das acusações e das circunstâncias alegadas pela Comissão.

(cf. n.° 118)

5. A apreciação da gravidade de uma infracção deve ser efectuada tendo especialmente em conta a natureza das restrições impostas à concorrência. A gravidade da infracção pode ser determinada por referência à natureza e ao objectivo dos comportamentos abusivos. Os elementos relativos ao objectivo de um comportamento, podem, assim, ter mais importância, para efeitos de fixação do montante da coima, do que os relativos aos seus efeitos.

Une infracção que tem por objecto uma fixação dos preços e uma repartição dos mercados é, por natureza, especialmente grave.

Além disso, o n.º 20 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 prevê que «[a] apreciação da gravidade será feita numa base casuística para cada tipo de infracção, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso». As referidas orientações introduziram uma escala que vai de 0 a 30%, para permitir uma diferenciação mais subtil. Assim, nos termos do n.° 19 das referidas orientações, o montante de base da coima está «ligado a uma proporção do valor das vendas, determinad[a] em função do grau de gravidade da infracção». Regra geral, segundo o n.º 21 das referidas orientações, «a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%».

Portanto, a Comissão não pode exercer a margem de apreciação de que dispõe em matéria de aplicação de coimas e assim determinar a taxa precisa, situada entre os 0 e os 30%, sem ter em conta as circunstâncias particulares do caso concreto. O n.° 22 das referidas orientações prevê que, «[a] fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos factores, como a natureza da infracção, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infracção e se a infracção foi ou não posta em prática».

Esta dificuldade em determinar uma percentagem precisa é, em certa medida, menor no caso de acordos horizontais secretos de fixação dos preços e de repartição do mercado, nos quais, por força do n.° 23 das referidas orientações, a proporção das vendas a tomar em conta situar‑se‑á geralmente num nível «superior da escala». Deste número resulta que, para as restrições mais graves, a taxa deve, no mínimo, ser superior a 15%.

Não há, pois, que anular a Decisão da Comissão que fixou a taxa de 17% com base no fundamento exclusivo da natureza intrinsecamente grave da infracção. Com efeito, quando a Comissão aplica uma taxa igual ou quase igual à taxa mínima prevista para as restrições mais graves, não se torna necessário tomar em consideração elementos ou circunstâncias adicionais. Tal só se imporia se fosse aplicada uma taxa mais elevada.

(cf. n. os  136, 137, 139‑142)

6. A cessação da prática infractora não constitui uma circunstância atenuante que justifique uma redução da coima quando a sociedade posta em causa só deixou de participar na infracção alguns dias antes das inspecções da Comissão.

O primeiro travessão do n.° 29 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 prevê que, embora o montante de base da coima possa ser reduzido quando a empresa em causa prova que pôs termo à infracção desde as primeiras intervenções da Comissão, isso «não será aplicado aos acordos ou práticas de natureza secreta (em especial os cartéis)». Além disso, o benefício desta circunstância atenuante limita‑se aos casos em que a infracção cessa na sequência das primeiras intervenções da Comissão.

(cf. n. os  151, 152)

7. Admitindo que os factos conhecidos por uma pessoa que trabalhe para a Comissão podem ser imputados a esta última enquanto instituição, há que observar que o mero conhecimento do comportamento anticoncorrencial não significa que este comportamento tenha sido implicitamente «autorizado ou incentivado» pela Comissão, na acepção do último travessão do n.° 29 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, uma alegada inércia não pode ser equiparada a um acto positivo, como é o caso de uma autorização ou um incentivo. Além disso, quando a violação das regras da concorrência é tão evidente, um operador diligente não pode invocar uma crença legítima na licitude desta prática.

(cf. n. os  157, 158)

8. Uma redução excepcional da coima por dificuldades económicas está sujeita, nos termos do ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, para além de um pedido, à verificação cumulativa de duas condições, a saber, primeiro, a dificuldade intransponível em pagar a coima e, em segundo lugar, a existência de um « dado contexto social e económico».

A apreciação da primeira condição deve basear‑se na consideração da situação concreta da empresa interessada. Um mero cálculo da percentagem que a coima representa relativamente ao volume de negócios mundial da empresa não pode, por si só, fundamentar a conclusão de que a coima não é susceptível de pôr irremediavelmente em causa a viabilidade económica da empresa. Na verdade, se fosse esse o caso, seria possível indicar limiares concretos de aplicação do n.° 35 das referidas orientações.

(cf. n. os  165, 167)