Processo T‑74/08

Now Pharm AG

contra

Comissão Europeia

«Medicamentos para uso humano – Procedimento de designação de medicamentos órfãos – Pedido de designação do medicamento ‘Extracto líquido especial de raiz de celidónia’ (‘Ukrain’) como medicamento órfão – Decisão da Comissão que recusa a designação como medicamento órfão»

Sumário do acórdão

1.      Aproximação das legislações – Legislações uniformes – Medicamentos para uso humano – Medicamentos órfãos – Procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão

(Regulamento n.° 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.°, n.° 1; Regulamento n.° 847/2000 da Comissão, artigo 3.°, n.° 2)

2.      Aproximação das legislações – Legislações uniformes – Medicamentos para uso humano – Medicamentos órfãos – Procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão

(Regulamento n.° 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°)

3.      Aproximação das legislações – Legislações uniformes – Medicamentos para uso humano – Medicamentos órfãos – Procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão

(Regulamento n.° 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°)

1.      Em aplicação do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, e alínea b), do Regulamento n.° 141/2000, relativo aos medicamentos órfãos, o promotor de um medicamento para o qual a designação como medicamento órfão é solicitada deve demonstrar que o mesmo é destinado ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia rara e que não existe qualquer método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento de tal patologia que tenha sido autorizado. Em contrapartida, o promotor de um medicamento potencial que visa tratar uma patologia rara para a qual um tal método de diagnóstico, prevenção ou tratamento já existe tem não só de demonstrar, em aplicação do mesmo artigo 3.°, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, que o medicamento em questão se destina efectivamente ao diagnóstico, prevenção ou tratamento da patologia rara, mas igualmente, em aplicação do referido artigo 3.°, n.° 1, alínea b), que o medicamento potencial oferecerá um benefício significativo aos doentes que sofrem da referida patologia.

A determinação do benefício significativo inscreve‑se, portanto, numa análise comparativa com um método ou um medicamento existente e autorizado. A vantagem clinicamente relevante e a contribuição importante para os cuidados do doente, que segundo a definição de benefício significativo referida no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 847/2000, que estabelece as modalidades de aplicação dos critérios de designação dos medicamentos como medicamentos órfãos e que define os conceitos de medicamento similar e de superioridade clínica, conferem ao medicamento órfão potencial a qualidade de benefício significativo, só podem ser determinadas em comparação com os tratamentos que já foram autorizados.

Dado que a experiência clínica relativa ao medicamento potencial em causa no pedido de designação como medicamento órfão pode ser fraca ou inexistente, a justificação do benefício significativo é susceptível de repousar em hipóteses de benefício apresentadas pelo promotor que devem ser comprovadas por dados e/ou elementos disponíveis fornecidos por este último. Assim, só são pertinentes as disposições da União que prevêem os critérios de designação dos medicamentos órfãos, de modo que o facto de um medicamento respeitar os critérios de designação dos medicamentos órfãos noutros países não tem importância a este respeito.

(cf. n.os 41‑43, 49, 57)

2.      O procedimento de designação dos medicamentos órfãos previsto pelo Regulamento n.° 141/2000 relativo aos medicamentos órfãos, é um procedimento administrativo que implica avaliações científicas complexas para as quais a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação. Portanto, é ainda com maior acuidade que se impõe o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica comunitária nos procedimentos administrativos, entre os quais o de analisar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto. Tal obrigação não está validamente preenchida se o parecer do comité dos medicamentos órfãos, no qual a Comissão se baseia, é emitido por peritos parciais. A exigência de imparcialidade a que estão sujeitas as instituições comunitárias se aplica igualmente aos peritos consultados para esse efeito. Em particular, quando é solicitado a um perito que emita um parecer sobre os efeitos de um medicamento potencial, este último deve levar a cabo a sua missão com toda a imparcialidade. Contudo, da obrigação de imparcialidade não pode deduzir‑se a existência de um obstáculo jurídico a que um perito seja consultado no âmbito de um procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão apenas pelo facto de esse perito já ter emitido um parecer relativo a este mesmo medicamento no âmbito de outro procedimento nacional levado a cabo num Estado‑Membro da União.

(cf. n.os 77, 88, 93)

3.      O procedimento instituído pelo artigo 5.° do Regulamento n.° 141/2000 relativo aos medicamentos órfãos, se caracteriza pelo papel essencial atribuído a uma avaliação científica objectiva e aprofundada do efeito dos medicamentos potenciais em causa, por parte do comité dos medicamentos órfãos. A Comissão não está em medida de fazer apreciações de carácter científico a respeito da eficácia e/ou da nocividade de um medicamento no âmbito do procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão, destinando‑se a consulta obrigatória do comité a fornecer‑lhe os elementos de apreciação científica indispensáveis para lhe permitir determinar, com pleno conhecimento de causa, as medidas próprias a garantir um nível elevado de protecção da saúde pública. Assim, ainda que o parecer emitido por este comité não vincule a Comissão não deixa de revestir uma importância decisiva. Com efeito, resulta do artigo 5.°, n.° 8, do mesmo regulamento que a hipótese de uma decisão não conforme ao parecer do comité é vista como uma situação excepcional.

Neste contexto, no âmbito da sua fiscalização jurisdicional da legalidade de uma decisão da Comissão de recusa de designação de um medicamento como medicamento órfão, o juiz comunitário deve verificar o respeito das regras de processo, a exactidão material dos factos considerados pela Comissão, a não existência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a ausência de desvio de poder.

(cf. n.os 111‑112)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

9 de Setembro de 2010 (*)

«Medicamentos para uso humano – Procedimento de designação de medicamentos órfãos – Pedido de designação do medicamento ‘Extracto líquido especial de raiz de celidónia’ (‘Ukrain’) como medicamento órfão – Decisão da Comissão que recusa a designação como medicamento órfão»

No processo T‑74/08,

Now Pharm AG, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo), representada inicialmente por C. Kaletta e I.‑J. Tegebauer, e em seguida por Kaletta, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Schima e M. Šimerdová, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão C (2007) 6132, de 4 de Dezembro de 2007, que rejeita a designação do medicamento «Extracto líquido especial de raiz de celidónia» como medicamento órfão, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos (JO 2000, L 18, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek (relator) e V. M. Ciucă, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Abril de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Para possibilitar tratamentos eficazes para os doentes que sofrem de doenças raras na Comunidade Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram o Regulamento (CE) n.° 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos (JO 2000, L 18, p. 1). Este regulamento, que entrou em vigor em 22 de Janeiro de 2000, introduziu um sistema de incentivos destinados a encorajar as empresas farmacêuticas a investir na investigação, desenvolvimento e comercialização de medicamentos destinados a diagnosticar, prevenir ou tratar doenças raras.

2        O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000, prevê o seguinte:

«Um medicamento pode ser designado medicamento órfão se o respectivo promotor puder comprovar que:

a)      Se destina ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia na Comunidade que ponha a vida em perigo ou seja cronicamente debilitante e que afecte até cinco pessoas em 10 mil no momento em que o pedido é apresentado, ou

se destina ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia na Comunidade que ponha a vida em perigo, seja gravemente debilitante ou seja grave e crónica, e que é pouco provável que, sem incentivos, a comercialização desse medicamento na Comunidade possa gerar receitas que justifiquem o investimento necessário;

e

b)      Não existe qualquer método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento de tal patologia que tenha sido autorizado na Comunidade ou, caso exista, que o medicamento em questão oferece um benefício significativo àqueles que sofram dessa patologia.»

3        O processo de designação, tal como previsto no artigo 5.° do Regulamento n.° 141/2000, na versão aplicável ao caso em apreço, apresenta‑se da seguinte forma:

«1. Para que um medicamento obtenha a designação de medicamento órfão, o promotor deve apresentar à [Agência Europeia dos Medicamentos] um pedido nesse sentido, em qualquer fase do desenvolvimento do medicamento antes de requerer a autorização de introdução no mercado.

2. O pedido deve ser acompanhado dos seguintes dados e documentos:

a)      Nome ou razão social e endereço permanente do patrocinador;

b)      Princípios activos do medicamento;

c)      Indicação terapêutica proposta;

d)      Comprovação de que os critérios estabelecidos no n.° 1 do artigo 3.° se encontram preenchidos e descrição do estado de desenvolvimento, incluindo as indicações previsíveis.

3. A Comissão elaborará, em consulta com os Estados‑Membros, a agência e as partes interessadas, normas de orientação pormenorizadas sobre a forma de apresentação dos pedidos de designação, assim como sobre o respectivo conteúdo.

4. A agência deve verificar a validade do pedido e elaborar um relatório sucinto destinado ao [comité dos medicamentos órfãos]. Se adequado, pode requerer que o promotor complemente os dados e documentos que acompanham o pedido.

5. A agência deve assegurar que o comité emita parecer no prazo de 90 dias após a recepção de um pedido válido.

6. Ao elaborar o seu parecer, o comité deve esforçar‑se por chegar a um consenso. Se tal não for possível, o parecer é aprovado por maioria de dois terços dos seus membros. O parecer pode ser obtido mediante procedimento escrito.

7. Se, no seu parecer, o comité considerar que o pedido não preenche os critérios estabelecidos no n.° 1 do artigo 3.°, a agência deve informar imediatamente desse facto o promotor. No prazo de 90 dias após a recepção do parecer, o promotor pode apresentar uma reclamação devidamente fundamentada, que a agência transmitirá ao Comité. O Comité delibera sobre a eventual revisão do seu parecer na reunião seguinte.

8. A agência transmite imediatamente o parecer definitivo do comité à Comissão, a qual toma uma decisão no prazo de 30 dias após a recepção do parecer. Se, em situações excepcionais, o projecto de decisão não for conforme com o parecer do comité, a decisão é aprovada nos termos do artigo 73.° do Regulamento (CEE) n.° 2309/93 [do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1)]. A decisão é notificada ao promotor e comunicada à agência e às autoridades competentes dos Estados‑Membros.

9. O medicamento designado é inscrito no Registo Comunitário de Medicamentos Órfãos.

[...]»

4        O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 847/2000 da Comissão, de 27 de Abril de 2000, que estabelece as modalidades de aplicação dos critérios de designação dos medicamentos como medicamentos órfãos e definições dos conceitos de «medicamento similar» e de «superioridade clínica» (JO L 103, p. 5), dispõe:

«Para efeitos de aplicação do artigo 3.° do Regulamento [...] n.° 141/2000 relativo aos medicamentos órfãos, aplica‑se a seguinte definição:

– ‘benefício significativo’: uma vantagem clinicamente relevante, ou uma contribuição importante para os cuidados do doente.»

5        Além disso, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou uma comunicação relativa ao Regulamento n.° 141/2000 (JO 2003, C 178, p. 2) cujo parágrafo A, n.° 4, tem a seguinte redacção:

«[…]

O Regulamento [...] n.° 847/2000 [...] define benefício significativo como ‘uma vantagem clinicamente relevante, ou uma contribuição importante para os cuidados do doente’. O requerente deve comprovar um benefício significativo do medicamento a designar em comparação com o de um medicamento ou método autorizado existente na altura da designação. Dado que pode haver pouca ou nenhuma experiência clínica com o medicamento órfão em questão, a justificação para o benefício significativo é passível de ser encontrada num pressuposto de benefício apresentado pelo requerente. Em todos os casos, o Comité dos Medicamentos Órfãos (CMO) deve avaliar se esses pressupostos são ou não apoiados por dados/provas fornecidos pelo requerente.

Em todos os casos, o pressuposto de benefício significativo deve ser justificado pelo requerente através do fornecimento de provas/dados, que devem ser considerados à luz das características específicas da patologia e dos métodos existentes [...]»

6        Por outro lado, o artigo 10.°, n.° 1, do regulamento interno do Comité dos Medicamentos Órfãos da Agência Europeia dos Medicamentos (EMEA) (a seguir o «comité») (COMP/8212/00 Ver 2), de 8 de Dezembro de 2004, dispõe:

«Quando considerarem necessário, o comité e os grupos de trabalho constituídos podem ser assistidos por peritos relativamente a aspectos científicos ou técnicos. Os peritos devem constar da lista de peritos europeus.»

7        Por fim, o artigo 11.°, n.os 2 e 3, do regulamento interno do comité prevê o seguinte:

«2. Os membros do comité e dos grupos de trabalho, bem como os peritos referidos nos diferentes artigos do presente regulamento interno, não devem ter nenhum interesse directo na indústria farmacêutica que possa prejudicar a sua imparcialidade. Os mesmos, são obrigados a agir no interesse público e com toda a independência e devem declarar os seus interesses financeiros todos os anos. Todos os interesses indirectos relacionados com a indústria farmacêutica devem ser inscritos num registo acessível ao público junto da EMEA. Além disso, as declarações de interesses dos membros do comité são disponibilizadas no site Internet da EMEA.

3. No início de cada reunião, os membros do comité e dos grupos de trabalho (bem como os peritos que nela participam) devem declarar qualquer interesse específico que possa prejudicar a sua independência relativamente à ordem de trabalhos. Tais declarações devem ser disponibilizadas ao público.»

 Antecedentes do litígio

8        A recorrente, Now Pharm AG, elaborou um medicamento, o «Extracto líquido especial de raiz de celidónia» (a seguir «Ukrain»), destinado a tratar o cancro pancreático. Apresenta o medicamento como uma substância extraída da celidónia, administrada por via intravenosa, que se acumula no tumor primário e nas metástases em alguns minutos, que se torna fluorescente à passagem do laser para que se distingam claramente os tecidos doentes dos tecidos sãos, e que destrói as células cancerosas sem danificar os tecidos sãos.

9        A recorrente obteve a autorização de colocação no mercado do Ukrain em vários Estados fora da União Europeia. Em contrapartida, realça o facto de lhe ter sido recusada a referida autorização na Áustria em 2002, com base na peritagem do professor H. W.

10      Em 6 de Fevereiro de 2007, a recorrente apresentou um pedido de designação do Ukrain como medicamento órfão na EMEA.

11      Em 31 de Maio de 2007, de acordo com o artigo 5.°, n.° 6, do Regulamento n.° 141/2000, o comité emitiu um parecer negativo e recomendou a recusa da designação do Ukrain como medicamento órfão. Considerou que o Ukrain não preenchia as condições previstas no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 141/2000 e que não estava provado que, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), deste mesmo regulamento, o Ukrain oferecesse um benefício significativo às pessoas que sofrem da patologia em causa, para a qual tinha sido autorizado pela Comunidade um método satisfatório de tratamento. Em 25 de Junho de 2007, a recorrente recorreu deste parecer, de acordo com o artigo 5.°, n.° 7, do Regulamento n.° 141/2000. Em 6 de Setembro de 2007, apresentou uma argumentação pormenorizada em apoio do referido recurso.

12      Em 10 de Outubro de 2007, o comité emitiu um parecer definitivo negativo nos termos do artigo 5.°, n.° 8, do Regulamento n.° 141/2000. O comité considerou que o Ukrain preenchia as condições previstas no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 141/2000, mas que a recorrente não tinha demonstrado que o Ukrain oferecia um benefício significativo às pessoas que sofrem da patologia em causa relativamente aos métodos satisfatórios de tratamento da doença já existentes, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 141/2000. Consequentemente, o comité manteve o parecer negativo de 31 de Maio de 2007 e recomendou a recusa da designação do Ukrain como medicamento órfão destinado ao tratamento do cancro pancreático.

13      Por decisão de 4 de Dezembro de 2007 (a seguir «decisão impugnada»), notificada à recorrente em 5 de Dezembro de 2007, a Comissão seguiu a recomendação da EMEA emitida no seu parecer de 10 de Outubro de 2007 e recusou o pedido de designação do Ukrain como medicamento órfão destinado ao tratamento do cancro pancreático.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de Fevereiro de 2008, a recorrente apresentou o presente recurso.

15      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu proceder à abertura da fase oral.

16      As alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal foram ouvidas na audiência de 28 de Abril de 2010.

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão a tomar uma nova decisão sobre o pedido de 6 de Fevereiro de 2007, tendo em conta a análise do Tribunal;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao pedido de condenação da Comissão a tomar uma nova decisão sobre o pedido da recorrente de 6 de Fevereiro de 2007 tendo em conta a análise do Tribunal

19      Não estando o juiz comunitário habilitado a dirigir injunções às instituições comunitárias no âmbito da competência de anulação que lhe é conferida pelo Tratado, tais pedidos são inadmissíveis.

 Quanto ao pedido de anulação

20      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos de anulação. No âmbito do seu primeiro fundamento, a recorrente considera que a Comissão violou o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000. O segundo fundamento é relativo a uma alegada falta de qualificações e de imparcialidade de um dos peritos consultados pelo comité. Por fim, no seu terceiro fundamento, a recorrente defende que a decisão impugnada enferma de erros manifestos de apreciação.

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000

–       Argumentos das partes

21      A recorrente defende que a Comissão violou o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000, que prevê as condições de obtenção da designação de um medicamento como medicamento órfão.

22      Em primeiro lugar, a recorrente alega que, para concluir que o Ukrain não oferece um benefício significativo aos que sofrem de cancro pancreático em relação aos métodos de tratamento actualmente autorizados, a Comissão se baseou, na prática, num critério previsto no artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 141/2000, concretamente o da superioridade clínica. Ora, a recorrente observa que esse critério só é exigido quando o promotor do medicamento órfão solicita uma autorização de colocação no mercado do medicamento órfão. Considera que, para obter a designação do Ukrain como medicamento órfão, bastava demonstrar a existência de um benefício significativo, e não a superioridade clínica do referido medicamento.

23      Em particular, a recorrente defende que as condições previstas no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 141/2000, entre as quais a do benefício significativo, estavam preenchidas e que o Ukrain devia, portanto, ter sido designado como medicamento órfão. A recorrente defende que, por um lado, o Ukrain visa tratar uma patologia rara, concretamente, o cancro pancreático, e, por outro, que este medicamento oferece, em si mesmo, um benefício significativo na medida em que só é tóxico para as células cancerosas e não para as células sãs, que prolonga a esperança de vida das pessoas que sofrem de cancro pancreático e que constitui o último recurso para os doentes em relação aos quais o tratamento autorizado teria efeitos demasiado tóxicos.

24      Em apoio das suas considerações, a recorrente realça ter apresentado vários estudos pré‑clínicos e quatro estudos clínicos ao comité (o estudo de Zemskov de 2002, o de Gansauge de 2002, o de Aschhoff de 2003 e de Gansauge de 2007) quando do pedido de designação de medicamento órfão, na fundamentação apresentada em Setembro de 2007, em apoio do recurso que interpôs em Junho de 2007, e quando formulou as suas observações durante uma reunião na EMEA, em Outubro de 2007. Segundo a recorrente, esses diferentes estudos contribuíram para clarificar os pormenores do mecanismo de acção do Ukrain e permitiram concluir que nenhuma outra substância possui propriedades tão benéficas para o tratamento do cancro.

25      A este respeito, a recorrente recusa, em primeiro lugar, um estudo (Panzer de 2000) em que se concluiu que o Ukrain também era tóxico para as células normais. Alega que, por um lado, os autores deste estudo não explicaram as contradições manifestas entre o seu estudo e estudos anteriores e, por outro, o facto de nenhum estudo posterior ter confirmado esta conclusão.

26      Em seguida, a recorrente observa que o estudo clínico «piloto» financiado por fundos de uma universidade alemã, concretamente, o estudo Gansauge de 2007, permitiu demonstrar que para o cancro pancreático o Ukrain não só era eficaz in vitro, como também apresentava vantagens clínicas significativas em termos de eficácia e de tolerância relativamente às terapias tradicionais. Combinado com um medicamento já autorizado – a Gemcitabine – o Ukrain prolonga a esperança de vida dos doentes numa média de 120 dias.

27      Acrescenta que o Ukrain obteve o estatuto de medicamento órfão para o cancro pancreático nos Estados Unidos e na Austrália, com base nos mesmos documentos que foram transmitidos à Comissão e que o inventor do Ukrain foi nomeado para o prémio Nobel 2005 e para o prémio Nobel alternativo 2007.

28      A recorrente observa, por fim, que não foram efectuados exames clínicos directamente comparativos entre o Ukrain e outros medicamentos utilizados no tratamento do cancro pancreático, e que se prevalece das comparações indirectas entre a combinação da Gemcitabine com o Ukrain e da Gemcitabine com o Erlotinib. Afirma que a taxa de sobrevivência é claramente superior no primeiro caso e que os quatro estudos clínicos puseram em evidência uma taxa de sobrevivência muito superior no caso de administração do Ukrain isoladamente ou combinado com a Gemcitabine, em comparação com a administração isolada deste medicamento. Daí deduz que a eficácia clínica reforçada do Ukrain foi comprovada por estes dados provisórios.

29      Em segundo lugar, a recorrente invoca uma objecção com base no facto de as exigências da Comissão serem excessivas quanto à demonstração do benefício significativo. Defende que as condições impostas pelo comité aos estudos clínicos de fase II por ela apresentados, correspondiam, na realidade, ao nível de exigência normalmente requerido para os estudos clínicos de fase III, que são utilizados no âmbito do processo de autorização comunitária de colocação no mercado do medicamento órfão. Por outras palavras, o comité tratou os estudos «pilotos» sobre o Ukrain como se tratassem de estudos de fase III. A este respeito, a recorrente sublinha que as questões colocadas aos peritos N. e K., nomeados no âmbito do procedimento de recurso, só podiam ser colocadas no âmbito de um procedimento de autorização comunitária de colocação no mercado.

30      Em terceiro lugar, a recorrente invoca um fundamento baseado na violação do princípio da igualdade de tratamento. Considera que o comité lhe impôs exigências mais severas em termos de critérios a preencher e de estudos e documentação a fornecer para obtenção da designação do Ukrain como medicamento órfão do que as impostas a promotores de outros tratamentos medicamentosos, como os anticorpos quiméricos contra a mesotalina e o Nimuzuteb. Segundo a recorrente, os promotores destes últimos obtiveram uma «autorização de medicamento órfão» sem que tenham sido pedidos estudos tão detalhados como os que foram exigidos pela Comissão para o Ukrain.

31      Neste sentido, a recorrente alega que a Comissão teve em conta elementos inadequados. Considera, com efeito, que a decisão impugnada resultou mais de uma «política de mercado» do que de uma escolha baseada nos critérios estabelecidos. Consequentemente, critica a Comissão por ter violado o objectivo principal do Regulamento n.° 141/2000, que é o de favorecer o desenvolvimento dos tratamentos das patologias raras.

32      A Comissão contesta os argumentos da recorrente e conclui pela improcedência do presente fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

33      A título liminar, deve observar‑se que o procedimento relativo aos medicamentos órfãos se desenrola em duas fases distintas. A primeira fase é relativa à designação do medicamento como medicamento órfão e a segunda à autorização de colocação no mercado do medicamento designado como órfão e à exclusividade comercial a ela associada.

34      No que diz respeito ao procedimento de designação como medicamento órfão, o artigo 3.° do Regulamento n.° 141/2000 prevê os critérios que o medicamento deve satisfazer para assim ser designado. O promotor do medicamento órfão deve, nomeadamente, comprovar que não existe qualquer método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento da patologia a que se refere o medicamento para o qual o pedido de designação como medicamento órfão é apresentado, que tenha sido autorizado na Comunidade. Se, contudo, tal método existir, o legislador previu a possibilidade de designar como medicamento órfão todo o medicamento potencial destinado a tratar a mesma patologia desde que o seu promotor demonstre que o referido medicamento oferece um benefício significativo aos doentes que sofram dessa patologia.

35      No que diz respeito ao benefício significativo, há que recordar que o mesmo é descrito no Regulamento n.° 847/2000 como «uma vantagem clinicamente relevante, ou uma contribuição importante para os cuidados do doente».

36      Quanto à segunda fase do procedimento, relativa à autorização de colocação no mercado do medicamento órfão, a mesma só ocorre quando o medicamento tenha sido designado como medicamento órfão.

37      No caso em apreço, a decisão impugnada foi adoptada na primeira fase do procedimento, ou seja, a da designação do Ukrain como medicamento órfão. É igualmente pacífico entre as partes que os medicamentos destinados ao tratamento do carcinoma do pâncreas já tinham sido autorizados no mercado e que, portanto, a recorrente devia demonstrar que o seu medicamento oferece um benefício significativo aos doentes que sofrem desta doença.

38      A este respeito, há que observar que o benefício significativo invocado pela recorrente está relacionado com o facto de o Ukrain apenas actuar contra as células cancerosas e, portanto, não ser tóxico para as células sãs, permitir um prolongamento da esperança de vida dos doentes que sofrem de cancro pancreático e ser um último recurso para os doentes que já não suportam os efeitos tóxicos dos outros medicamentos.

39      É tendo em conta estas observações que devem examinar‑se as objecções contidas no fundamento baseado na violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000.

40      Através da sua primeira objecção, a recorrente defende, no essencial, por um lado, que a demonstração do benefício significativo não exige uma análise comparativa entre o medicamento para o qual a designação como medicamento órfão é pedida e os métodos de tratamento existentes, mas que essa demonstração deve ser efectuada em relação às qualidades intrínsecas do medicamento. Sublinha, por outro lado, que o Ukrain possui precisamente qualidades intrínsecas e apresenta, assim, um benefício significativo.

41      Resulta de forma inequívoca do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000, bem como da definição de «benefício significativo» referida no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 847/2000 que a demonstração do referido benefício significativo só é exigida na hipótese específica de já ter sido autorizado um método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento da patologia em causa.

42      Com efeito, em aplicação do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, e alínea b), do Regulamento n.° 141/2000, o promotor de um medicamento para o qual a designação como medicamento órfão é solicitada deve demonstrar que o mesmo é destinado ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia rara e que não existe qualquer método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento de tal patologia que tenha sido autorizado. Em contrapartida, o promotor de um medicamento potencial que visa tratar uma patologia rara para a qual um tal método de diagnóstico, prevenção ou tratamento já existe tem não só de demonstrar, em aplicação do mesmo artigo 3.°, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, que o medicamento em questão se destina efectivamente ao diagnóstico, prevenção ou tratamento da patologia rara, mas igualmente, em aplicação do referido artigo 3.°, n.° 1, alínea b), que o medicamento potencial oferecerá um benefício significativo aos doentes que sofrem da referida patologia.

43      A determinação do benefício significativo inscreve‑se, portanto, numa análise comparativa com um método ou um medicamento existente e autorizado. Com efeito, a «vantagem clinicamente relevante» e a «contribuição importante para os cuidados do doente», que conferem ao medicamento órfão potencial a qualidade de benefício significativo, só podem ser determinadas em comparação com os tratamentos que já foram autorizados.

44      Esta interpretação é confirmada pela comunicação da Comissão relativa ao Regulamento n.° 141/2000 (v. n.° 5 supra), na qual é indicado que «[o] requerente deve comprovar um benefício significativo do medicamento a designar em comparação com o de um medicamento ou método autorizado existente na altura da designação».

45      Resulta da decisão impugnada e, em particular, do parecer do comité anexo da qual é parte integrante, que a designação do «Ukrain» como medicamento órfão foi recusada pelo facto de o benefício significativo deste último, relativamente aos métodos de tratamento do cancro pancreático actualmente autorizados, não ter sido demonstrado. Nestas condições, o exame da Comissão foi correctamente levado a cabo numa óptica comparativa entre o Ukrain e os medicamentos existentes para concluir pela falta de demonstração do benefício significativo do primeiro em relação a estes últimos.

46      Uma vez que, tal como acima exposto, a demonstração do benefício significativo se inscreve numa análise comparativa com um método ou um medicamento existente e autorizado, a Comissão não violou o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 141/2000 ao considerar que incumbia à recorrente demonstrar que o Ukrain oferecia um benefício significativo em relação aos medicamentos já autorizados na União e que, portanto, as provas dessa vantagem não podiam limitar‑se a apresentar apenas as qualidades intrínsecas do Ukrain, sem as comparar com as dos métodos autorizados.

47      Assim, a recorrente defende erradamente que a Comissão devia ter limitado o exame do Ukrain à questão de saber se o mesmo apresentava, em si mesmo, uma vantagem importante no plano clínico ou uma contribuição considerável aos cuidados dispensados aos doentes, sem proceder a uma comparação com os métodos de tratamento existentes e autorizados. É igualmente em vão que invoca que, só pelo facto de ter inscrito a sua apreciação do benefício significativo no âmbito de uma análise comparativa entre o Ukrain e os medicamentos já autorizados, a Comissão aplicou a condição de superioridade clínica prevista no artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 141/2000.

48      Na sua segunda objecção, a recorrente alega que as exigências da Comissão quanto à demonstração do benefício significativo eram excessivas pois estavam em causa exigências normalmente requeridas pelo artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 141/2000 para demonstrar a superioridade clínica do medicamento em causa. Considera, em particular, que as condições impostas pela Comissão aos estudos clínicos de fase II que apresentou correspondiam ao nível de exigência normalmente exigido para os estudos clínicos de fase III, que são utilizados no âmbito do procedimento de autorização comunitária de colocação no mercado do medicamento órfão. A recorrente sublinha, a este respeito, que as questões colocadas aos peritos N. e K. nomeados no âmbito do procedimento de recurso só podiam ser colocadas no âmbito de um procedimento de autorização comunitária de colocação no mercado.

49      Esta objecção é improcedente. Com efeito, deve recordar‑se, tal como indicado na comunicação da Comissão relativa ao Regulamento n.° 141/2000 (v. n.° 5 supra), que, dado que a experiência clínica relativa ao medicamento potencial em causa no pedido de designação como medicamento órfão pode ser fraca ou inexistente, a justificação do benefício significativo é susceptível de repousar em hipóteses de benefício apresentadas pelo promotor que devem ser comprovadas por dados e/ou elementos disponíveis fornecidos por este último.

50      Um pedido de designação pode assim, consoante os casos, basear‑se em dados provisórios provenientes de estudos pré‑clínicos, a saber, estudos realizados em células e/ou animais e não em humanos, ou, quando existam, em dados provenientes de estudos clínicos, ou seja estudos realizados em humanos. Se os estudos pré‑clínicos podem, enquanto prognóstico, fornecer informações interessantes sobre o benefício significativo que um medicamento potencial pode oferecer em comparação com outras substâncias autorizadas, os estudos clínicos são ainda mais susceptíveis de o fazer. Com efeito, tais estudos são efectuados in vivo sendo assim a melhor fonte de informação possível. Se os estudos clínicos concluem pela falta de benefício significativo do medicamento e causa, a priori os estudos pré‑clínicos não poderão pôr em causa essas conclusões. Pode, contudo, imaginar‑se uma situação em que a plausibilidade dos estudos clínicos esteja sujeita a reserva, devido a problemas metodológicos que os afectem. Tais estudos não põem em causa, de forma definitiva, as qualidades do medicamento. É portanto perfeitamente possível, nessa situação, fazer referência aos estudos pré‑clínicos para apreciar a eventual existência de um benefício significativo do medicamento em causa.

51      No caso em apreço, a recorrente baseou o pedido de designação do Ukrain como medicamento órfão em quatro estudos clínicos e noutros elementos, tais como estudos pré‑clínicos.

52      Em primeiro lugar, no que diz respeito aos estudos clínicos, a decisão impugnada demonstrou a existência de numerosos problemas metodológicos que impediam que pudesse ser atribuído um valor científico suficiente a esses estudos. Devido aos referidos problemas metodológicos, o comité pediu à recorrente que lhe fornecesse os protocolos de estudo originais completos para, eventualmente, esclarecer dúvidas quanto a estes últimos. A recorrente não pôde fornecer esses documentos e a EMEA não conseguiu obtê‑los, apesar dos pedidos nesse sentido junto dos autores dos estudos. É portanto com base nos documentos disponíveis transmitidos ao comité que este formou uma opinião.

53      A este respeito, deve rejeitar‑se o argumento da recorrente de que a Comissão impôs aos estudos clínicos de fase II as condições normalmente exigidas para a fase III. Com efeito, a Comissão realçou que dois estudos alegadamente aleatórios colocavam múltiplos problemas do ponto de vista do seu equilíbrio, que a falta de protocolo completo e de todos os resultados não permitiam uma avaliação objectiva dos mesmos, que os dois outros estudos apresentavam igualmente vários problemas de ordem metodológica, que a duração da sobrevivência média mencionada nos quatro relatórios variava entre 8,1 e 33,8 meses e que tais diferenças podiam sobretudo ser imputáveis aos erros metodológicos evocados e não tanto ao efeito do tratamento com o Ukrain. Assim sendo, a Comissão apenas evidenciou a falta de clareza dos métodos utilizados nos estudos realizados durante a fase II. A recorrente não demonstrou de forma alguma que as condições impostas pelo comité aos estudos clínicos de fase II que apresentou correspondiam, na realidade, ao nível de exigência normalmente requerido para os estudos clínicos de fase III.

54      Em segundo lugar, uma vez que a Comissão considerou que, devido às dúvidas a respeito da sua plausibilidade científica, os quatro estudos clínicos fornecidos pela recorrente não podem constituir prova de que o Ukrain oferece um benefício significativo aos doentes que sofrem de cancro pancreático, há que examinar se a Comissão devia ter tido em conta outros elementos que a recorrente invoca, susceptíveis de demonstrar tal benefício.

55      Antes de mais, a recorrente faz referência a uma série de estudos pré‑clínicos dos quais resultava que nenhum outro produto além do Ukrain possui propriedades tão favoráveis ao tratamento do cancro. Contudo, a Comissão realçou, acertadamente e sem que tal tenha sido seriamente contestado pela recorrente, que esses estudos dizem respeito a outras doenças e não ao cancro pancreático. Ora, como sublinha a Comissão, a recorrente não avança elementos para demonstrar que os resultados desses estudos também são aplicáveis ao cancro pancreático. Da mesma forma, a recorrente não apresentou nenhum argumento susceptível de pôr em causa a procedência dos fundamentos da decisão impugnada de acordo com os quais, na falta de uma comparação com os métodos terapêuticos existentes, os estudos pré‑clínicos não eram suficientes para provar que o Ukrain oferece um benefício significativo.

56      Em seguida, impõe‑se observar que a recorrente não consegue demonstrar o carácter manifestamente erróneo das considerações da Comissão relativas à citotoxicidade do Ukrain. Com efeito, por um lado, resulta da decisão impugnada (v. pp. 40 e 41 do anexo) que a Comissão baseia a sua conclusão num estudo científico (Panzer de 2000) que questiona a citotoxicidade selectiva do Ukrain. Por outro, o facto de a recorrente defender que este estudo está em contradição com outros estudos científicos, entre os quais o de Panzer de 1998, longe de infirmar a justeza do raciocínio da Comissão, tende sim a demonstrar a existência de uma incerteza científica a este respeito. Não pode, portanto, criticar‑se a Comissão por ter tido em conta essa incerteza científica. Além disso, seguir a argumentação da recorrente, implicaria que o Tribunal Geral fizesse uma comparação da procedência, no plano científico, de cada um dos estudos invocados pelas partes, o que ultrapassa o âmbito do seu controlo neste domínio.

57      Além disso, o facto de o Ukrain ter obtido o estatuto de medicamento órfão nos Estados Unidos e na Austrália não é suficiente para pôr em causa as conclusões da Comissão quanto à falta de benefício significativo. Com efeito, só são pertinentes as disposições da União que prevêem os critérios de designação dos medicamentos órfãos, de modo que o facto de o Ukrain respeitar os critérios de designação dos medicamentos órfãos noutros países não tem importância a este respeito.

58      Por fim, a recorrente não pode argumentar com base no facto de o inventor do Ukrain ter sido nomeado para o prémio Nobel 2005 e para o prémio Nobel alternativo 2007 para pôr em causa a justeza da decisão impugnada. Com efeito, a Comissão não questionou, de forma alguma, a qualidade científica do inventor do Ukrain, mas identificou os numerosos problemas de metodologia científica que suscitaram dúvidas quanto à plausibilidade das conclusões médicas contidas nos estudos clínicos.

59      A recorrente levanta uma terceira objecção baseada na violação do princípio da igualdade de tratamento. Critica a Comissão por ter utilizado, para avaliar o Ukrain, critérios de apreciação diferentes dos que são impostos aos promotores de outros tratamentos medicamentosos, tais como o Nimuzuteb e os anticorpos quiméricos contra a mesotelina, e alega que as exigências impostas aos referidos promotores para obter a designação de medicamento órfão foram menos elevadas.

60      Além disso, a recorrente defende que foi discriminada pelo facto de a Comissão ter tido em conta elementos inadequados que não foram exigidos no âmbito de procedimentos de designação como medicamentos órfãos relativos a outros tratamentos farmacêuticos. Alega que a decisão impugnada resultou mais de uma «política de mercado» do que de uma escolha baseada nos critérios estabelecidos. A Comissão defende que este argumento foi invocado pela primeira vez na réplica e é inadmissível, de acordo com o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal.

61      O Tribunal considera que a alegação de violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser julgada improcedente. Com efeito, por um lado, os critérios a que a Comissão se referiu são correctos, tal como foi realçado acima. Por outro, mesmo supondo que tenham sido aplicados critérios erróneos no âmbito do procedimento de designação de outros medicamentos como medicamentos órfãos, tal circunstância não pode ser validamente invocada pela recorrente, uma vez que o princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 160; de 27 de Fevereiro 2002, Streamserve/IHMI (STREAMSERVE), T‑106/00, Colect., p. II‑723, n.° 67, e de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 367].

62      Por outro lado, o argumento baseado no facto de a Comissão ter tomado em conta elementos inadequados que não tinham sido exigidos no âmbito de outros procedimentos de designação como medicamentos órfãos, deve ser rejeitado sem que seja necessário analisar a sua admissibilidade.

63      Com efeito, a recorrente não demonstra de forma alguma que critério, além do benefício significativo, foi aplicado pela Comissão e não apresenta nenhum elemento que prove que esta tem como política favorecer certas empresas farmacêuticas em detrimento de outras. Pelo contrário, resulta da decisão impugnada que a Comissão se limitou a exigir, de acordo com o previsto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000, a prova de que o Ukrain oferece um benefício significativo. Assim, a exigência de um benefício significativo não resulta de forma alguma de uma «política de mercado», mas sim de um critério decorrente da legislação aplicável.

64      Atentas todas as considerações precedentes, o fundamento baseado na violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000 deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado na falta de qualificações e de imparcialidade do professor H. W.

–       Argumentos das partes

65      Em primeiro lugar, a recorrente defende que o professor H. W., designado pelo comité na qualidade de perito no procedimento de designação do Ukrain como medicamento órfão, não tinha qualificações para emitir um parecer sobre o referido medicamento pelo facto de não ser um perito em oncologia.

66      Em segundo lugar, a recorrente alega que o professor H. W. já tinha dado um parecer negativo sobre o Ukrain no âmbito de dois procedimentos relativos a esse medicamento na Áustria e que tal facto põe em causa a sua objectividade científica em relação ao medicamento em causa.

67      A recorrente invoca vários argumentos que visam demonstrar a falta de imparcialidade do professor H. W. Em primeiro lugar, defende que este ignorou os novos resultados de análises apresentados em estudos recentes.

68      Em segundo lugar, observa que o professor H. W. não tomou em consideração, nem levou ao conhecimento da Comissão, o facto de o tratamento com Ukrain facilitar a operação destinada a extrair o tumor canceroso, o facto de certas publicações em que se apoia serem contraditórias quanto à pretensa toxicidade do Ukrain e o facto de este medicamento ser o único tratamento do cancro pancreático a poder ser administrado por via intramuscular sem provocar a necrose dos tecidos.

69      Em terceiro lugar, a recorrente indica que apresentou estudos de fase II, ou seja estudos ditos «pilotos» que visam verificar se a eficácia in vitro do Ukrain em células muito resistentes do cancro pancreático podia igualmente ser verificada clinicamente. Critica os professores H. W., N. e K. por terem tratado esses estudos «pilotos» como estudos de fase III, que normalmente só são realizados quando foi apresentado um pedido de autorização de colocação no mercado do medicamento designado como órfão.

70      A recorrente realça que os estudos clínicos não são uma condição sine qua non da designação de um medicamento como medicamento órfão. Ora, de acordo com a recorrente, o comité para justificar o parecer negativo baseou‑se quase exclusivamente nesses estudos e nas críticas que considerou poder tecer a seu respeito.

71      Além disso, a recorrente observa que as críticas do professor H. W. relativamente aos quatro estudos clínicos que a recorrente apresentou, correspondem quase literalmente às formuladas na anterior peritagem levada a cabo para o ministério da saúde austríaco. Segundo a recorrente, a falta de pertinência destas críticas é nomeadamente ilustrada por dois comentários criticáveis emitidos em relação ao estudo Gansauge de 2002.

72      Por outro lado, a recorrente considera que a afirmação da Comissão de que o voto do professor H. W. não «foi tomado em conta na decisão» é desprovida de pertinência. Alega, com efeito, que os documentos utilizados foram seleccionados pelo professor H. W. e que nem os peritos consultados no âmbito do procedimento de recurso, nem a Comissão, fizeram uma apreciação do Ukrain diferente da do professor H. W.

73      A Comissão rejeita os argumentos da recorrente e conclui pela improcedência do presente fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

74      Há que recordar previamente que o artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 141/2000 prevê que os membros do comité podem ser acompanhados por peritos.

75      Deve igualmente sublinhar‑se que, num domínio científico complexo como o dos medicamentos órfãos, na maioria dos casos a Comissão confirma o parecer do comité, por não dispor de outras fontes de informação suficientes no domínio em causa. É aliás nesse sentido que o legislador comunitário previu que a hipótese de uma decisão não conforme ao parecer do comité constitui uma situação excepcional. Com efeito, o artigo 5.°, n.° 8, do Regulamento n.° 141/2000 prevê que «[s]e, em situações excepcionais, o projecto de decisão não for conforme com o parecer do comité, a decisão é aprovada nos termos do artigo 73.° do Regulamento […] n.° 2309/93».

76      Nestas condições, impõe‑se concluir, por um lado, que o comité só pode cumprir a sua missão se for composto por pessoas que possuem os conhecimentos científicos exigidos nos diferentes domínios em questão, ou se os seus membros beneficiarem do conselho de peritos que detêm esses conhecimentos (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colect., p. I‑5469, n.° 22).

77      Deve observar‑se, por outro lado, que o procedimento de designação dos medicamentos órfãos é um procedimento administrativo que implica avaliações científicas complexas para as quais a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação. Portanto, é ainda com maior acuidade que, no caso vertente, se impõe o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica comunitária nos procedimentos administrativos, entre os quais o de analisar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso em apreço, Tal obrigação não está validamente preenchida se o parecer do comité sobre o qual a Comissão se baseia foi emitido por peritos parciais.

78      É ao abrigo destas observações que devem examinar‑se as objecções avançadas pela recorrente.

79      Em primeiro lugar, no que diz respeito à objecção baseada na falta de qualificação do professor H. W., perito em farmacologia, para emitir um parecer na matéria, deve sublinhar‑se que, no essencial, a recorrente se baseia no facto de este último não ser especialista de tumores cancerosos por não ser oncologista. Esta objecção conduz, na prática, a defender que apenas um oncologista estava habilitado a emitir um parecer cientificamente relevante sobre o Ukrain e que, ao não recorrer a um oncologista, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

80      Contudo, o Tribunal considera que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação, em geral, no que diz respeito à escolha de um perito em farmacologia, e em particular, relativamente à escolha do professor H. W.

81      Com efeito, por um lado, a decisão do comité de se fazer aconselhar por um especialista em farmacologia para apreciar se o Ukrain oferece um benefício significativo aos doentes que sofrem de cancro pancreático parece ser legítima. Com efeito, o farmacologista estuda os mecanismos de interacção entre uma substância activa e o organismo em que evolui de forma a poder utilizar, em seguida, esses resultados para fins terapêuticos. Um especialista em farmacologia apresenta‑se, a este título, como o perito adequado para emitir um parecer cientificamente pertinente sobre os efeitos de um medicamento potencial sobre o organismo.

82      Por outro lado, não se pode razoavelmente contestar que o professor H. W. dispõe de amplos conhecimentos em farmacologia. É, com efeito, pacífico entre as partes que o referido professor figura na lista de peritos europeus, que foi director de um instituto de farmacologia de uma universidade austríaca durante vários anos e que, entre 1997 e 2000, foi membro do comité das especialidades farmacêuticas, mais concretamente, o actual comité dos medicamentos de utilização humana junto da EMEA.

83      Além disso, o professor H. W. já foi consultado na qualidade de perito no âmbito de dois procedimentos relativos ao Ukrain na Áustria. Por esta razão, pode razoavelmente admitir‑se que possui conhecimentos ainda mais confirmados sobre o medicamento potencial em questão.

84      Portanto, o facto de a escolha do comité ter recaído sobre o professor H. W. parece ser justificada devido à sua qualidade de especialista reconhecido em farmacologia e devido aos seus conhecimentos adquiridos sobre o Ukrain.

85      Daqui decorre que a objecção baseada na falta de qualificações do professor H. W. para emitir um parecer sobre o Ukrain deve ser julgada improcedente.

86      Em segundo lugar, deve ser examinada a objecção baseada na falta de imparcialidade do professor H. W.

87      Em primeiro lugar, deve sublinhar‑se que, de acordo com jurisprudência assente, quando as instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas aos operadores económicos pela ordem jurídica comunitária nos processos administrativos assume uma importância fundamental. Entre estas garantias figura, designadamente, a obrigação que incumbe à instituição competente de examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso em questão (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça Technische Universität München, referido no n.° 76 supra, n.° 14, e de 18 de Julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑326/05 P, Colect., p. I‑6557, n.° 77; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, Nölle/Conselho e Comissão, T‑167/94, Colect., p. II‑2589, n.° 73).

88      Deve igualmente recordar‑se que a exigência de imparcialidade a que estão sujeitas as instituições comunitárias se aplica igualmente aos peritos consultados para esse efeito. Em particular, quando é solicitado a um perito que emita um parecer sobre os efeitos de um medicamento potencial, este último deve levar a cabo a sua missão com toda a imparcialidade (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Alpharma/Conselho, T‑70/99, Colect., p. II‑3495, n.os 172, 183 e 211).

89      A este respeito, o artigo 10.°, n.° 1, do regulamento interno do comité prevê que, para aspectos científicos ou técnicos, o comité e os grupos de trabalho que constituiu podem rodear‑se de peritos que constem da lista de peritos europeus. Com base no artigo 11.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento, os membros do comité e dos grupos de trabalho, bem como os peritos, não devem ter qualquer interesse directo na indústria farmacêutica que possa prejudicar a sua imparcialidade e a sua independência e devem portanto declarar antes de cada reunião qualquer interesse que possa prejudicar sua independência no que diz respeito à ordem de trabalhos.

90      Impõe‑se referir que o professor H. W. fez uma declaração de honra de que não tinha nenhum interesse directo ou indirecto na indústria farmacêutica e que essa afirmação não foi posta em causa pela recorrente. Há portanto que considerar que este perito respeitou as exigências de declaração dos artigos 10.° e 11.° do regulamento interno e não tinha nenhum conflito de interesses susceptível de pôr em causa a sua imparcialidade.

91      Em segundo lugar, a recorrente defende, erradamente, que o facto de o perito H. W. já ter emitido um parecer no âmbito de dois procedimentos relativos ao Ukrain implica, por si só, que este perito não podia, sem violar a obrigação de imparcialidade, intervir nessa qualidade no processo administrativo que conduziu à adopção da decisão impugnada.

92      Com efeito, a única obrigação prevista no regulamento interno do comité cuja violação podia ter conduzido à contestação da imparcialidade do professor H. W. é a de inexistência de qualquer conflito de interesses com a indústria farmacêutica. Ora, tal como foi sublinhado no n.° 90 supra, não foi, de forma alguma, posto em causa que o referido perito não tinha nenhum interesse susceptível de conflituar com a sua missão de perito.

93      Da obrigação de imparcialidade não pode deduzir‑se a existência de um obstáculo jurídico a que um perito seja consultado no âmbito de um procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão apenas pelo facto de esse perito já ter emitido um parecer relativo a este mesmo medicamento no âmbito de outro procedimento nacional levado a cabo num Estado‑Membro da União.

94      Em terceiro lugar, a recorrente tenta, em vão, pôr em causa a imparcialidade do professor H. W. baseando‑se, a este respeito, numa série de circunstâncias.

95      Antes de mais, supondo que, como defende a recorrente, os comentários do professor H. W. correspondiam quase literalmente aos da peritagem anterior levada a cabo para o ministério da saúde austríaco, isso não demonstra que o professor H. W. tenha sido parcial. Tal pode significar que este considerava que neste caso esta era a única conclusão cientificamente admissível a respeito do Ukrain.

96      Em seguida, ao contrário do que defende a recorrente, para emitir o seu parecer este perito não ignorou os estudos recentes por ela apresentados. Resulta, com efeito, do anexo da decisão impugnada que o professor H. W. teve em conta estudos, tais como os de Aschhoff de 2003 e de Gansauge de 2007, que foram elaborados posteriormente às peritagens que elaborou no âmbito dos dois procedimentos administrativos nacionais respeitantes ao Ukrain, a pedido do ministério da saúde austríaco.

97      Além disso, deve também ser julgado improcedente o argumento da recorrente de que a imparcialidade do professor H. W. pode ser posta em causa pelo facto de este, conscientemente, só ter tomado em conta publicações negativas sobre o Ukrain. Mesmo supondo que o professor H. W. não salientou as publicações positivas consagradas ao Ukrain, também é verdade que avançou um número suficientemente importante de elementos negativos com base nos quais era razoavelmente possível, com toda a objectividade científica sobre a questão do benefício significativo oferecido pelo Ukrain, emitir um parecer negativo.

98      Por outro lado, no que diz respeito ao argumento baseado no facto de o professor H. W., bem como os professores N. e K., ter tratado os estudos clínicos de fase II como estudos de fase III, o mesmo deve julgado improcedente. Com efeito, tal como sublinhado no n.° 53 supra, a Comissão apenas pôs em evidência a falta de clareza dos métodos utilizados nos estudos realizados durante a fase II.

99      Por fim, deve realçar‑se que, contrariamente ao que a recorrente dá a entender, os elementos positivos de alguns estudos, tais como o fenómeno de «encapsulamento do tumor», não foram dissimulados, mas sim comunicados ao comité, de modo que os seus membros emitiram um parecer desfavorável tendo conhecimento do conjunto das observações e explicações da recorrente.

100    Consequentemente, a recorrente não demonstrou que o parecer emitido pelo professor H. W. foi ditado por outras considerações que não as puramente científicas.

101    Resulta do conjunto destas considerações que o fundamento baseado na falta de qualificações e imparcialidade do professor H. W. deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, baseado em erros manifestos de apreciação da Comissão

–       Argumentos das partes

102    A recorrente alega que o parecer emitido pelo comité é erróneo.

103    Em primeiro lugar, a recorrente sublinha que o mecanismo de acção do Ukrain é diferente dos medicamentos autorizados e que esta razão é suficiente para que o mesmo seja designado como medicamento órfão. Considera, com efeito, que a acção do Ukrain é selectiva, pois não danifica as células normais e, portanto, não provoca uma deterioração da qualidade de vida dos doentes. Alega que, ao contrário dos tratamentos tradicionais, a administração por via intramuscular do Ukrain não provoca a necrose dos tecidos. Defende, além disso, que o Ukrain prolonga a esperança de vida dos doentes e sublinha em particular que, combinado com a Gemcitabine, o Ukrain prolonga a esperança de vida dos doentes em 120 dias.

104    A recorrente alega que os resultados interessantes obtidos a partir da administração do Ukrain a doentes, foram expostos no seu pedido de designação como medicamento órfão e foram apoiados por quatro estudos clínicos bem como por estudos pré‑clinicos muito promissores. Relativamente aos estudos clínicos, a recorrente sublinha que deles resulta que as comparações indirectas entre a combinação da Gemcitabine e do Ukrain, por um lado, e a combinação da Gemcitabine com o Erlotinib, por outro, permitiram demonstrar a eficácia reforçada do Ukrain. Quanto aos estudos pré‑clínicos, a recorrente realça que embora em farmacologia se constate frequentemente uma diferença entre bons resultados pré‑clínicos e resultados clínicos decepcionantes, esse não foi o caso do Ukrain. Considera portanto que esses elementos deviam ter‑lhe permitido obter a designação do Ukrain como medicamento órfão.

105    A este respeito, e em segundo lugar, a recorrente rejeita os problemas metodológicos alegados pelo comité, pelo perito H. W. e pelos peritos N. e K. em resposta às questões colocadas pelo comité.

106    A recorrente contesta que os métodos estatísticos não tenham sido precisados no estudo Zemskov de 2002, alegando que este estudo mencionava as curvas de sobrevivência de Kaplan‑Meier e foi aplicado um teste de «log rank». No que diz respeito ao estudo Aschhoff de 2003, defende que dele resulta claramente que 28 doentes foram escolhidos entre Agosto de 1997 e Dezembro de 2003, entre os quais 21 não reagiram à Gemcitabine e 7 recusaram a quimioterapia, podendo daí ser deduzido que pelo menos 21 dos 28 doentes já estavam num estado avançado e já tinham esgotado todas as opções terapêuticas possíveis. Acrescenta que, no que concerne aos dois estudos citados, o diminuto número de doentes é explicado pelo facto de as duas clínicas abrangidas pelos estudos não serem especializadas no tratamento do carcinoma do pâncreas.

107    No que diz respeito ao estudo Gansauge de 2002, a recorrente defende que os critérios que permitem avaliar a fase da doença (staging) aplicados no âmbito deste estudo eram internacionalmente reconhecidos pela União internacional contra o cancro (UICC) e que, portanto, eram claros.

108    No que se refere ao estudo Gansauge de 2007, a recorrente invocou o facto de esta publicação incluir dados suplementares sobre a vantagem da terapia adjuvante que associa a Gemcitabine e o Ukrain e sobre o prolongamento substancial da esperança de vida que daí resulta.

109    Em conclusão, a recorrente considera que a peritagem levada a cabo pelo comité não foi elaborada objectivamente. Neste sentido, observa que certas publicações científicas apresentadas foram mal interpretadas ou mesmo ignoradas. Defende que a afirmação de que «irregularidades metodológicas» podiam ter influído nos resultados das análises a favor do Ukrain é inexacta e desprovida de fundamento.

110    A Comissão considera que o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

–       Apreciação do Tribunal

111    Antes de mais, importa recordar que deve ser reconhecido um amplo poder de apreciação à Comissão em domínios em que a mesma deve levar a cabo avaliações técnicas e/ou científicas complexas. No âmbito da sua fiscalização jurisdicional, o juiz comunitário deve verificar o respeito das regras de processo, a exactidão material dos factos considerados pela Comissão, a não existência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a ausência de desvio de poder (acórdão Industrias Químicas del Vallés/Comissão, referido no n.° 87 supra, n.° 76; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 2002, Artegodan e o./Comissão, T‑74/00, T‑76/00, T‑83/00 a T‑85/00, T‑132/00, T‑137/00 e T‑141/00, Colect., p. II‑4945, n.° 201, e de 3 de Setembro de 2009, Cheminova e o./Comissão, T‑326/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 107).

112    Em seguida, deve sublinhar‑se que o procedimento instituído pelo artigo 5.° do Regulamento n.° 141/2000 se caracteriza pelo papel essencial atribuído a uma avaliação científica objectiva e aprofundada do efeito dos medicamentos potenciais em causa, por parte do comité. Com efeito, a Comissão não tem condições para fazer apreciações de carácter científico a respeito da eficácia e/ou da nocividade de um medicamento no âmbito do procedimento de designação de um medicamento como medicamento órfão, destinando‑se a consulta obrigatória do comité a fornecer‑lhe os elementos de apreciação científica indispensáveis para lhe permitir determinar, com pleno conhecimento de causa, as medidas próprias a garantir um nível elevado de protecção da saúde pública (v., por analogia, acórdão Artegodan e o./Comissão, referido no n.° 111 supra, n.° 198). Assim, ainda que o parecer emitido por este comité não vincule a Comissão não deixa de revestir uma importância decisiva. A este respeito, tal como foi relembrado no n.° 75 supra, resulta do artigo 5.°, n.° 8, do Regulamento n.° 141/2000 que a hipótese de uma decisão não conforme ao parecer do comité é vista como uma situação excepcional.

113    Por fim, resulta do artigo 1.° da decisão impugnada que a designação do Ukrain como medicamento órfão para o «Tratamento do cancro pancreático» foi recusada pelas razões indicadas no relatório do comité anexo à referida decisão. Impõe‑se, portanto, concluir que, no caso em apreço, a Comissão não se afastou do parecer do comité tendo, pelo contrário, feito suas as constatações expressas por este último.

114    Consequentemente, o Tribunal considera que o controlo do erro manifesto de apreciação deve ser exercido sobre o conjunto das considerações da decisão impugnada, nomeadamente para as quais essa decisão remete, incluindo o anexo, que é, portanto, parte integrante da decisão impugnada.

115    O exercício do controlo do erro manifesto de apreciação implica, em primeiro lugar, enumerar os elementos essenciais que a decisão impugnada contém. No âmbito das quatro primeiras partes do anexo da decisão impugnada, a Comissão explica que a recorrente se baseou em quatro estudos cínicos para demonstrar as qualidades terapêuticas do Ukrain: o estudo de Zemskov de 2002, o de Gansauge de 2002, o de Aschhoff de 2003 e o de Gansauge de 2007. Refere, contudo, que os quatro estudos de que provêem os dados clínicos relativos ao cancro pancreático contêm problemas metodológicos e práticos que prejudicaram gravemente a sua utilidade quando se tratou de avaliar a plausibilidade médica das conclusões e, em particular, a existência de um benefício significativo.

116    A este respeito, a Comissão precisa que os quatro estudos acima referidos foram realizados sobre um total de 190 doentes que sofriam de cancro pancreático e que tais estudos reivindicavam um efeito substancial sobre a esperança de vida dos doentes tratados com o Ukrain. A Comissão defende, contudo, que dois estudos alegadamente aleatórios levantavam múltiplos problemas do ponto de vista do seu equilíbrio, o que prejudicava gravemente a possibilidade de uma interpretação clara dos resultados e que a falta de um protocolo completo e da totalidade dos resultados não permitia uma avaliação objectiva dos mesmos. A Comissão precisou a este respeito que a EMEA pediu por várias vezes, em vão, que a recorrente lhe fornecesse esses estudos. Considerou, além disso, que os dois outros estudos apresentavam igualmente diversos problemas de ordem metodológica. Verificou que a duração da sobrevivência média referida nos quatro relatórios variava entre 8,1 e 33,8 meses. Realçou que a recorrente admitiu essas diferenças tendo‑as atribuído às «diferenças em termos de população e de dosagem aplicada». A Comissão considerou, por sua vez, que estas diferenças podiam ser imputáveis a certos erros metodológicos evocados, mais do que ao efeito do tratamento. Assinalou igualmente que uma análise independente recente (Ernst and Schmidt, 2005), relativa à eficácia potencial do Ukrain em oncologia, publicada numa revista, e que foi objecto de exame pelos pares, concluíra que a qualidade metodológica da maioria dos estudos sobre o Ukrain era medíocre, que a interpretação de vários testes tinha sido entravada por outros problemas, que várias reservas impediam de chegar a uma conclusão positiva e que era urgente proceder a estudos rigorosos e independentes.

117    A Comissão considerou que a documentação disponível não incluía nenhum estudo independente deste tipo e sublinhou, a este propósito, que quando outros investigadores tinham tentado estudar o Ukrain num teste clínico de fase II, para estabelecer a sua eficácia em relação a várias formas de cancros, declararam que não tinham obtido o medicamento (Farrugia and Slevin, 2000).

118    Por outro lado, a Comissão considerou que a alegação de um benefício significativo em relação aos métodos de tratamento disponíveis, nomeadamente aos medicamentos autorizados que tratam a mesma patologia (a Gemcitabine e o Erlotinib), não estava suficientemente demonstrada pelas provas disponíveis, atendendo às provas pré‑clínicas contraditórias, aos problemas metodológicos e à falta de reprodutibilidade assinalados na literatura especializada.

119    Devido às dúvidas quanto à plausibilidade dos dados publicados, a Comissão indicou ter pedido à recorrente que lhe transmitisse os protocolos de estudo originais completos e os relatórios de estudo para poder avaliar os dados fornecidos, no contexto das alegações de benefício significativo. Constatou que a recorrente não forneceu esses documentos e que apresentou como justificação o facto de os quatro estudos clínicos sobre os quais se baseavam as alegações de benefício significativo pertencerem aos investigadores que os realizaram. A Comissão precisou que o EMEA contactou os quatro autores dos estudos clínicos em questão, pedindo‑lhes as informações respeitantes aos métodos e resultados. Sublinhou que as informações transmitidas pelo Dr. Gansauge não continham novos elementos e que, em relação ao estudo Zemskov, não foi transmitida qualquer informação.

120    Por fim, a Comissão indicou que a recorrente sublinhou, acertadamente, que a apresentação desses dados não era obrigatória na fase de designação como medicamento órfão, mas que era difícil aceitar a alegação de um benefício significativo apenas com base em dados publicados na literatura especializada devido aos múltiplos problemas metodológicos que esses artigos colocavam.

121    Na quinta parte do anexo à decisão impugnada, a Comissão indicou que, de acordo com o artigo 5.°, n.° 7, do Regulamento n.° 141/2000, a recorrente apresentou, em 6 de Setembro de 2007, uma argumentação detalhada que tinha servido de fundamento ao recurso de 25 de Junho de 2007 contra o parecer negativo emitido pelo comité em 31 de Maio de 2007. Em seguida, a Comissão relembrou que, no âmbito do procedimento de recurso, tinham sido nomeados dois peritos, os professores K. e N., que tinham como missão responder a três questões. A primeira questão consistia em perguntar aos peritos se estavam de acordo com o parecer do comité, nos termos do qual as provas disponíveis eram insuficientes para demonstrar que o Ukrain oferecia um benefício significativo. A segunda dizia respeito à questão de saber se os peritos partilhavam o ponto de vista do comité sobre a existência de problemas metodológicos que viciavam os quatro estudos invocados pela recorrente. A terceira questão visava apurar se a argumentação detalhada clarificava os problemas levantados no âmbito do primeiro parecer.

122    O anexo indica que os peritos responderam afirmativamente às duas primeira questões. No que concerne à terceira questão, consideraram que a recorrente não tinha apresentado nenhuma clarificação dos problemas levantados no âmbito do primeiro parecer.

123    Em seguida, no anexo, a Comissão mencionou as respostas exaustivas que tinham sido dadas aos argumentos da recorrente e, portanto, as razões pelas quais a existência de um benefício significativo não tinha sido demonstrada.

124    É relativamente a todos estes elementos presentes na decisão impugnada e no anexo, que é parte integrante da mesma, que, num segundo momento, deve determinar‑se se os argumentos avançados pela recorrente permitem demonstrar que foram cometidos erros manifestos de apreciação.

125    Em primeiro lugar, há que examinar o argumento da recorrente baseado nas propriedades do Ukrain. A recorrente defende que, ao contrário dos medicamentos já autorizados destinados a tratar o cancro pancreático, a acção do Ukrain é selectiva, uma vez que não provoca a destruição das células sãs e só actua sobre as células cancerosas, que não tem efeitos secundários importantes e que prolonga a esperança de vida dos doentes. Ainda que não seja de excluir que tais propriedades podem conferir, no âmbito de uma comparação com as qualidades dos medicamentos autorizados, um benefício significativo, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 141/2000, aos que sofrem de carcinoma do pâncreas, impõe‑se contudo referir que no caso em apreço é a própria metodologia científica dos estudos sobre os quais se baseiam estas conclusões que é posta em causa.

126    É por isso que se deve examinar se os argumentos da recorrente põem em causa as críticas formuladas pelos peritos e pela Comissão a respeito dos diferentes estudos invocados em apoio do seu pedido.

127    Em primeiro lugar, a recorrente contesta as afirmações do perito K., no âmbito do procedimento de recurso, de que os estudos Zemskov de 2002 e Aschhoff de 2003 eram caracterizados por um diminuto número de doentes e por um período muito longo. Contudo, limita‑se a afirmar que este número diminuto de doentes é explicado pelo facto de as duas clínicas abrangidas pelo estudo não serem especializadas no tratamento do carcinoma do pâncreas. Tal explicação não permite, de todo, demonstrar que foi cometido qualquer erro de apreciação a este respeito.

128    Em segundo lugar, há que determinar se, tal como defende a recorrente, os estudos em que a mesma se baseia não têm problemas metodológicos.

129    Antes de mais, no que diz respeito ao estudo Zemskov de 2002, a recorrente discorda que os métodos estatísticos não tenham sido precisados nesse estudo, alegando que foram mencionadas as curvas de sobrevivência de Kaplan‑Meier e que foi aplicado um teste de «logrank». Sendo certo que há que concluir que os dois métodos estatísticos, já referidos, constam de facto do estudo Zemskov impõe‑se, contudo, observar que a crítica da Comissão quanto à falta de método estatístico se situa a montante destes métodos. Com efeito, a Comissão considerou acertadamente que para poder avaliar as referidas curvas de sobrevivência dos participantes no estudo devia ter sido indicada a forma como os referidos grupos de participantes foram constituídos, bem como os critérios (idade, sexo, etc.) relativos aos participantes que compunham os diferentes grupos. Ora a Comissão declarou, sem que a este respeito tenha sido contestada pela recorrente, que este estudo não continha qualquer informação a este respeito.

130    Em seguida, no que diz respeito ao estudo Gansauge de 2002, a recorrente defende, em vão, que os critérios de «faseamento» (staging) aplicados neste estudo eram reconhecidos pelo UICC. Com efeito, à semelhança do que foi afirmado relativamente ao estudo Zemskov de 2002, a Comissão sublinhou que o problema metodológico verificado neste estudo se situava a montante. Indicou que os critérios de inclusão aplicados pelo estudo eram difusos, dado que os critérios que permitiam avaliar o estado da doença (staging) dos doentes não tinham sido especificados antes da sua inserção no estudo, e que também não era precisado se tinha sido efectuada uma endoscopia a todos os doentes. A Comissão sublinhou que estas informações podiam ter consequências na sobrevivência dos doentes, independentemente do tratamento aplicado.

131    A recorrente limitou‑se a indicar que esses critérios eram reconhecidos pelo UICC e não apresentou nenhum argumento destinado a pôr em causa esta declaração. Nestas condições, deve concluir‑se que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao ter considerado que as conclusões sobre o Ukrain, incluídas no estudo Gansauge de 2002, estavam sujeitas a reserva e não demonstravam que o Ukrain oferecia um benefício significativo aos doentes que sofrem de cancro pancreático.

132    Além disso, no que respeita ao estudo Aschhoff de 2003, a Comissão realçou que se tratava de um estudo retrospectivo e que os critérios de inclusão e de atribuição não estavam indicados, de modo que um «viés», ou seja um erro metodológico que provoca resultados errados, não era de excluir. O raciocínio da recorrente de que resulta claramente do estudo que 28 doentes foram escolhidos entre Agosto de 1997 e Dezembro de 2003, 21 dos quais não reagiam à Gemcitabine e 7 tinham recusado a quimioterapia, e que daqui pode deduzir‑se que pelo menos 21 dos 28 doentes já estavam numa fase avançada e já tinham esgotado todas as opções terapêuticas, não é suficiente para pôr em causa as reservas legítimas expressas pela Comissão sobre este estudo.

133    Por fim, no que diz respeito ao estudo Gansauge de 2007 relativo à terapia adjuvante que associa a Gemcitabine e o Ukrain, deve relembrar‑se que a Comissão considerou que o mesmo não permitia distinguir o efeito do Ukrain do da Gemcitabine, nem estabelecer se o tratamento era eficaz de forma geral. Com efeito a Comissão realçou que não havia o «grupo placebo», que normalmente é necessário quando não existe medicamento autorizado para a terapia adjuvante, de modo que a comparação foi levada a cabo com dados históricos. A Comissão precisou que todos os doentes que participaram no estudo tinham margens de ressecção sãs quando da intervenção cirúrgica e que eram, portanto, um grupo previamente muito seleccionado para o qual o prognóstico era favorável. Longe de contradizer a Comissão, a recorrente contentou‑se em sublinhar que esta publicação continha dados suplementares a respeito da vantagem da terapia adjuvante que associa a Gemcitabine e o Ukrain e do prolongamento substancial da esperança de vida que daí resultava. Tais considerações não são de forma alguma reveladoras de qualquer erro manifesto de apreciação alegadamente cometido pela Comissão.

134    Em segundo lugar, deve ser rejeitado o argumento da recorrente baseado no facto de o mecanismo de acção do Ukrain ser diferente do das substâncias autorizadas e que só esse motivo já seria suficiente para concluir pela existência de um benefício significativo. Tal como foi exposto no âmbito da análise do primeiro fundamento, a demonstração do benefício significativo do Ukrain não pode decorrer apenas dos mecanismos de acção desse medicamento, mas implica a comparação deste último com os medicamentos já autorizados. O simples facto de um mecanismo de acção de um medicamento ser diferente de outro já autorizado não significa por si só que o primeiro medicamento oferece um benefício significativo aos que sofrem da patologia que estes dois medicamentos alegadamente combatem. Com efeito, se os resultados da utilização do primeiro medicamento não são diferentes dos obtidos com a utilização do segundo, pouco importa que os dois medicamentos atinjam na prática os mesmos resultados através de mecanismos de acção diferentes e, neste caso, a existência de um benefício significativo resultante da utilização do primeiro medicamento estaria fora de questão.

135    Da mesma forma, é em vão que a recorrente, no que diz respeito às observações do comité emitidas em conclusão do procedimento de recurso, reitera as suas considerações sobre o facto de as propriedades do Ukrain conferirem ao referido medicamento um benefício significativo. Importa com efeito sublinhar que tanto os peritos consultados no âmbito do processo inicial e no procedimento de recurso, como os membros do comité, detectaram problemas metodológicos sérios nos quatro estudos em que a recorrente se apoia. Ora, é devido a esses problemas metodológicos que a Comissão considerou não poder atribuir valor científico objectivo aos resultados desses estudos. Assim, ao limitar‑se a repetir o resultado desses estudos, a recorrente não demonstra de forma alguma que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

136    A este respeito, devem igualmente ser julgadas improcedentes as críticas formuladas pela recorrente contra as considerações sobre a toxicidade do medicamento presentes na decisão impugnada. Com efeito, a Comissão baseou‑se no estudo Panzer de 2000 para emitir reservas quanto à alegada citotoxicidade selectiva dos componentes do Ukrain. Tal como foi sublinhado no n.° 56 supra, por um lado, num domínio científico tão complexo essa problemática resulta do amplo poder de apreciação da Comissão. Por outro lado, o simples facto de as conclusões deste estudo não terem sido confirmadas por outros relatórios não demonstra, por si só, que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação.

137    Por todas estas razões, o fundamento baseado em erros manifestos de apreciação deve ser julgado improcedente.

138    Tendo a recorrente sido vencida na totalidade dos seus fundamentos de anulação, há que negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

139    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená–la nas despesas, em conformidade com as conclusões da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Now Pharm AG é condenada nas despesas.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Setembro de 2010.

Índice


Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao pedido de condenação da Comissão a tomar uma nova decisão sobre o pedido da recorrente de 6 de Fevereiro de 2007 tendo em conta a análise do Tribunal

Quanto ao pedido de anulação

Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 141/2000

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, baseado na falta de qualificações e de imparcialidade do professor H. W.

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, baseado em erros manifestos de apreciação da Comissão

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.