Processo C-565/08

Comissão Europeia

contra

República Italiana

«Incumprimento de Estado – Artigos 43.° CE e 49.° CE – Advogados – Obrigação de respeitar limites máximos em matéria de honorários – Restrição ao acesso ao mercado – Inexistência»

Sumário do acórdão

Livre prestação de serviços – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação nacional que impõe aos advogados a obrigação de respeitar limites máximos na determinação dos seus honorários – Admissibilidade

(Artigos 43.° CE e 49.° CE)

Não incumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE um Estado‑Membro cuja legislação impõe a obrigação de os advogados respeitarem limites máximos na determinação dos seus honorários, uma vez que essa legislação não é concebida de modo a prejudicar o acesso, em condições de concorrência normais e eficazes, ao mercado de serviços de advocacia. É esse o caso de um regime caracterizado por uma flexibilidade que permite uma remuneração correcta de todo o tipo de prestações dos advogados, sendo certo que é possível exceder, em certas condições, os limites máximos do montante dos honorários elevando‑os para o dobro ou para o quádruplo ou mesmo para além disso. Do mesmo modo, em várias situações, os advogados podem celebrar com o cliente um acordo de fixação dos honorários.

Com efeito, a legislação de um Estado‑Membro não constitui uma restrição na acepção do Tratado CE pelo simples facto de outros Estados‑Membros aplicarem regras menos estritas ou economicamente mais interessantes aos prestadores de serviços semelhantes estabelecidos no seu território. A existência de uma restrição na acepção do Tratado não se pode, por isso, deduzir do mero facto de os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros que não o de acolhimento deverem, para o cálculo dos seus honorários relativos a prestações efectuadas no Estado‑Membro de acolhimento, cumprir as regras aplicáveis nesse Estado‑Membro, mas deve basear-se no facto desse regime obstar ao acesso dos advogados dos outros Estados‑Membros ao mercado do Estado‑Membro de acolhimento.

(cf. n.os 49-50, 53-54)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de Março de 2011 (*)

«Incumprimento de Estado – Artigos 43.° CE e 49.° CE – Advogados – Obrigação de respeitar limites máximos em matéria de honorários – Restrição ao acesso ao mercado – Inexistência»

No processo C‑565/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 19 de Dezembro de 2008,

Comissão Europeia, representada por E. Traversa e L. Prete, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Italiana, representada inicialmente por I. Bruni, e em seguida por G. Palmieri, na qualidade de agentes, assistidas por W. Ferrante, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts e J.‑C. Bonichot, presidentes de secção, A. Rosas, M. Ilešič, J. Malenovský, U. Lõhmus (relator), E. Levits, A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen, P. Lindh e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Março de 2010,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de Julho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao prever disposições que impõem aos advogados o respeito de limites máximos, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

 Quadro jurídico nacional

2        A profissão de advogado é regulada pelo Decreto‑Lei Real n.° 1578, que regulamenta as profissões de advogado e de mandatário (reggio decreto legge n.° 1578 – ordinamento delle professioni di avvocato e procuratore legale), de 27 de Novembro de 1933 (GURI n.° 281, de 5 de Dezembro de 1933, p. 5521), convertido, após alteração, na Lei n.° 36, de 22 de Janeiro de 1934 (GURI n.° 24, de 30 de Janeiro de 1934), conforme alterado posteriormente (a seguir «decreto‑lei real»). Por força dos artigos 52.° a 55.° do decreto‑lei real, o Consiglio nazionale forense (Conselho Nacional da Ordem dos Advogados, a seguir «CNF»), instituído pelo Ministro da Justiça, é composto por advogados eleitos pelos seus pares, à razão de um por circunscrição em que exista um tribunal de segunda instância.

3        O artigo 57.° do decreto‑lei real dispõe que os critérios de determinação dos honorários e compensações de despesas devidos aos advogados e aos mandatários em matéria civil, penal e extrajudicial são fixados, de dois em dois anos, por deliberação do CNF. Estes critérios devem ser depois aprovados pelo Ministro da Justiça após parecer do Comitato interministeriale dei prezzi (Comité Interministerial dos Preços), consultado o Consiglio di Stato (Conselho de Estado).

4        Nos termos do artigo 58.° do decreto‑lei real, os critérios constantes do artigo 57.° deste são estabelecidos em função do valor das acções e do grau hierárquico da autoridade judicial chamada a pronunciar‑se, bem como, em matéria penal, tendo em conta a duração do processo. Por cada acto ou conjunto de actos, são fixados limites máximos e mínimos para os honorários. Em matéria extrajudicial, há que ter em consideração a importância da questão.

5        O artigo 60.° do decreto‑lei real dispõe que a liquidação dos honorários é feita pela autoridade judicial com base nos referidos critérios, atendendo à gravidade e ao número de questões tratadas. Essa liquidação deve situar‑se dentro dos limites máximos e mínimos previamente fixados. Todavia, em casos excepcionalmente importantes, tendo em conta o carácter específico dos litígios e quando o valor intrínseco da prestação o justifique, o juiz pode ultrapassar o limite máximo. Ao invés, pode, quando verifique que o processo se reveste de simplicidade, fixar honorários inferiores ao limite mínimo. Em ambos os casos, a decisão do juiz deve ser fundamentada.

6        Segundo o artigo 61.°, n.° 1, do decreto‑lei real, os honorários cobrados pelos advogados aos seus clientes, tanto em matéria judicial como extrajudicial, são determinados, salvo acordo específico, com base nos critérios estabelecidos no artigo 57.°, tendo em conta a gravidade e o número das questões tratadas. Em conformidade com o n.° 2 do mesmo artigo, os referidos honorários, em razão da natureza especial dos litígios ou do valor da prestação, podem ser mais elevados do que os calculados para serem suportados pela parte condenada nas despesas.

7        O artigo 24.° da Lei n.° 794, relativa aos honorários dos advogados por actos em matéria cível (legge n.° 794 – onorari di avvocato per prestazioni giudiziali in matéria civile), de 13 de Junho de 1942 (GURI n.° 172, de 23 de Julho de 1942), prevê que os honorários mínimos definidos para os actos dos advogados não são derrogáveis, sendo nula a convenção em contrário.

8        O artigo 13.° da Lei n.° 31, relativa à livre prestação de serviços pelos advogados nacionais de outros Estados‑Membros da Comunidade Europeia (legge n.° 31 – libera prestazione di servizi da parte degli avvocati cittadini di altri Stati membri della Comunità europea), de 9 de Fevereiro de 1982, GURI n.° 42, de 12 de Fevereiro de 1982, p. 1030), que transpõe a Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO L 78, p. 17; EE 06 F1 p. 224), alarga a obrigação de respeitar os limites em vigor aos advogados de outros Estados‑Membros que desenvolvam actividades judiciais e extrajudiciais em Itália.

9        Os direitos e os honorários dos advogados foram regulamentados sucessivamente por vários decretos ministeriais, sendo os três últimos os Decretos n.o 392, de 24 de Novembro de 1990, n.° 585, de 5 de Outubro de 1994, e n.° 127, de 8 de Abril de 2004.

10      Em conformidade com a deliberação do CNF em anexo ao Decreto Ministerial n.° 127, de 8 de Abril de 2004 (GURI n.° 115, de 18 de Maio de 2004, a seguir «deliberação do CNF»), os limites aplicáveis aos honorários dos advogados dividem‑se em três capítulos, a saber, o capítulo I relativo aos actos judiciais em matéria cível, administrativa e fiscal, o capítulo II relativo a actos judiciais em matéria penal e o capítulo III relativo a actos extrajudiciais.

11      No que respeita ao capítulo I, o artigo 4.°, n.° 1, da deliberação do CNF proíbe derrogações aos honorários e direitos fixados para os actos dos advogados.

12      Relativamente ao capítulo II, o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da referida deliberação dispõe que, para a determinação dos honorários constantes da tabela, deve ser tida em conta a natureza, a complexidade e a gravidade do processo, das acusações e das provas, o número e importância das questões tratadas e o seu impacto patrimonial, a duração do procedimento e do processo, o valor do acto efectuado, o número de advogados que colaboraram e partilharam a responsabilidade da defesa, o resultado obtido, tendo igualmente em consideração as consequências civis, bem como a situação financeira do cliente. Para os processos que exigem um especial envolvimento, em razão da complexidade dos factos ou das questões jurídicas tratadas, os honorários podem atingir o quádruplo dos máximos estabelecidos.

13      Quanto ao capítulo III, o artigo 1.°, n.° 3, da deliberação do CNF enuncia que, nos processos que apresentem uma importância, complexidade ou dificuldade especial, o limite máximo dos honorários pode ser elevado até ao dobro e o dos honorários em processos que revistam uma importância excepcional até ao quádruplo, sob parecer do Conselho da Ordem dos Advogados competente. O artigo 9.° desta deliberação precisa que, em caso de manifesta desproporção, por razões específicas do processo, entre a prestação e os honorários previstos pela tabela, os máximos podem, sob parecer do Conselho da Ordem dos Advogados competente, ser elevados para além do que prevê o artigo 1.°, n.° 3, da referida deliberação e os mínimos podem ser diminuídos.

14      O Decreto‑Lei n.° 223, de 4 de Julho de 2006 (GURI n.° 153, de 4 de Julho de 2006), convertido na Lei n.° 248, de 4 de Agosto de 2006 (GURI n.° 186, de 11 de Agosto de 2006, a seguir «decreto Bersani»), alterou as disposições em matéria de honorários de advogados. O artigo 2.° do referido decreto, sob a epígrafe «Disposições urgentes para a protecção da concorrência no sector dos serviços profissionais», prevê, nos n.os 1 e 2, o seguinte:

«1.      Em conformidade com o princípio comunitário da livre concorrência e com o da livre circulação de pessoas e de serviços, e a fim de assegurar aos utentes uma possibilidade de escolha efectiva no exercício dos seus direitos e uma possibilidade de comparação das prestações oferecidas no mercado, com a entrada em vigor do presente decreto são revogadas as disposições legislativas e regulamentares que, relativamente às profissões liberais e às actividades intelectuais, instituem:

a)      limites fixos ou mínimos obrigatórios e, consequentemente, a proibição de estabelecer, por via contratual, remunerações subordinadas à realização dos objectivos prosseguidos;

[...]

2.      Ressalvam‑se as disposições relativas […] a eventuais limites máximos previamente fixados, de modo geral, para a protecção dos utentes. Em caso de liquidação judicial e de assistência judiciária, o órgão jurisdicional procede à liquidação das despesas e honorários, com base na tabela de honorários. […]»

15      Segundo o artigo 2233.° do Código Civil italiano (codice civile), de uma maneira geral, a remuneração nos termos de um contrato de prestação de serviços, se não for acordada entre as partes e não puder ser determinada segundo as tabelas ou os usos vigentes, é fixada judicialmente, após parecer da associação profissional a que o prestador de serviços pertence. Em qualquer caso, o montante da remuneração deve ser adaptado à importância do trabalho e à dignidade da profissão. Os acordos celebrados entre os advogados ou estagiários habilitados e os respectivos clientes com vista à fixação das remunerações profissionais são nulos, excepto se reduzidos a escrito.

 Procedimento pré‑contencioso

16      Por notificação para cumprir de 13 de Julho de 2005, a Comissão chamou a atenção das autoridades italianas para uma possível incompatibilidade de certas disposições nacionais relativas às actividades extrajudiciais dos advogados com o artigo 49.° CE. As autoridades italianas responderam por ofício de 19 de Setembro de 2005.

17      Posteriormente, a Comissão completou por duas vezes a análise efectuada na notificação para cumprir. Numa primeira notificação complementar, datada de 23 de Dezembro de 2005, considerou incompatíveis com os artigos 43.° CE e 49.° CE as normas italianas que estabeleciam a obrigação de respeitar tabelas vinculativas para as actividades judiciais e extrajudiciais dos advogados.

18      A República Italiana respondeu por ofícios de 9 de Março, 10 de Julho e 17 de Outubro de 2006, tendo informado a Comissão a respeito da nova legislação italiana aplicável em matéria de honorários dos advogados, a saber, o decreto Bersani.

19      Numa segunda notificação complementar, de 23 de Março de 2007, a Comissão, tendo em conta a nova legislação italiana, completou ainda a sua posição. A República Italiana respondeu por ofício de 21 de Maio de 2007.

20      Por ofício de 3 de Agosto de 2007, a Comissão pediu em seguida às autoridades italianas informações sobre as modalidades de reembolso das despesas efectuadas pelos advogados. A República Italiana respondeu por ofício de 28 de Setembro de 2007.

21      Insatisfeita com esta resposta, a Comissão enviou à República Italiana, em 4 de Abril de 2008, um parecer fundamentado, alegando que as disposições nacionais que impõem a obrigação de os advogados respeitarem limites máximos em matéria de honorários são incompatíveis com os artigos 43.° CE e 49.° CE. Esta obrigação resulta, designadamente, do disposto nos artigos 57.° e 58.° do decreto‑lei real, do artigo 24.° da Lei n.° 794, de 13 de Junho de 1942, do artigo 13.° da Lei n.° 31, de 9 de Fevereiro de 1982, das disposições pertinentes dos Decretos Ministeriais n.° 392, de 24 de Novembro de 1990, n.° 585, de 5 de Outubro de 1994, e n.° 127, de 8 de Abril de 2004, bem como do disposto no decreto Bersani (a seguir, conjuntamente, «disposições controvertidas»). A Comissão convidou esse Estado‑Membro a tomar, no prazo de dois meses a contar da recepção deste parecer, as medidas necessárias para lhe dar execução. A República Italiana respondeu por ofício de 9 de Outubro de 2008.

22      A Comissão, considerando que a República Italiana não tinha eliminado a infracção que lhe era imputada, intentou a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

23      Com a sua acção, a Comissão critica a República Italiana por ter previsto, em violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE, disposições que impõem aos advogados a obrigação de respeitar limites máximos na determinação dos seus honorários.

24      Segundo a Comissão, a referida obrigação resulta do decreto Bersani que, embora revogando os limites fixos ou mínimos aplicáveis aos honorários dos advogados, manteve expressamente a obrigação de respeitar limites máximos em nome da protecção dos consumidores. Esta interpretação é de resto confirmada pelo CNF, pelo Conselho da Ordem dos Advogados de Turim e pela Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Autoridade da concorrência e do mercado) nos seus documentos oficiais.

25      O facto de este mesmo decreto ter abolido a proibição de estabelecer contratualmente remunerações dependentes da realização dos objectivos prosseguidos, dito pacto de quota litis, não pode infirmar a conclusão de que o respeito destes limites máximos é sempre obrigatório em todos os casos em que não seja celebrado um pacto dessa natureza. De resto, no decurso da fase pré‑contenciosa, as autoridades italianas nunca negaram o carácter obrigatório dos referidos limites máximos.

26      Do mesmo modo, a Comissão sublinha que as excepções previstas aos limites máximos aplicáveis aos honorários dos advogados não excluem, mas, pelo contrário, confirmam, que os limites máximos dos honorários se aplicam como regra geral.

27      A Comissão sustenta que as disposições controvertidas desincentivam os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros a estabelecerem‑se em Itália ou a aí prestarem temporariamente os seus serviços constituindo, por isso, restrições à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 43.° e à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE.

28      Com efeito, a Comissão considera que um limite máximo obrigatório, que se aplica independentemente da qualidade da prestação, do trabalho necessário para a realizar e dos custos suportados para a efectuar, pode obstar à atractividade do mercado italiano das prestações jurídicas para profissionais estabelecidos noutros Estados‑Membros.

29      Segundo a Comissão, estas restrições resultam, em primeiro lugar, da obrigação imposta aos advogados de calcular os respectivos honorários com base numa tabela extremamente complexa que gera um custo adicional, designadamente para os advogados estabelecidos fora de Itália. No caso de esses advogados utilizarem até então outro sistema de cálculo dos seus honorários, são obrigados a abandoná‑lo para se adaptarem ao sistema italiano.

30      Em segundo lugar, a existência de limites máximos aplicáveis aos honorários dos advogados impede que os serviços dos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros diferentes da República Italiana sejam correctamente remunerados, dissuadindo certos advogados, que cobrem honorários mais elevados que os fixados pelas disposições controvertidas, de fornecer temporariamente os seus serviços em Itália ou de se estabelecerem nesse Estado‑Membro. Com efeito, segundo a Comissão, a margem máxima de lucro é fixada independentemente da qualidade do serviço prestado, da experiência do advogado, da sua especialização, do tempo que dedica ao processo, da situação económica do cliente e, sobretudo, da eventualidade de o advogado ter de percorrer longas distâncias.

31      A Comissão considera, em terceiro lugar, que o sistema de tabelamento italiano prejudica a liberdade contratual do advogado ao impedi‑lo de fazer propostas ad hoc em certas situações e/ou a clientes específicos. As disposições controvertidas podem então acarretar uma perda de competitividade para os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros porque os priva de técnicas de introdução eficazes no mercado jurídico italiano. Assim, a Comissão entende que as disposições controvertidas constituem um obstáculo ao acesso ao mercado italiano dos serviços jurídicos para os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros.

32      A título principal, a República Italiana contesta, não a existência, na ordem jurídica italiana, dos referidos limites máximos, mas o seu carácter vinculativo, defendendo que há numerosas derrogações a estes limites, quer por vontade dos advogados e respectivos clientes quer por intervenção do juiz.

33      Segundo esse Estado‑Membro, o critério principal que permite fixar os honorários dos advogados reside, por força do artigo 2233.° do Código Civil italiano, no contrato celebrado entre o advogado e o seu cliente, sendo o recurso aos limites aplicáveis aos honorários dos advogados apenas um critério subsidiário, utilizável na falta de remuneração livremente fixada pelas partes no contrato no exercício da sua autonomia contratual.

34      Além disso, o cálculo dos honorários numa base horária está expressamente previsto no n.° 10 do capítulo III da deliberação do CNF como método alternativo de cálculo dos honorários em matéria extrajudicial.

35      Do mesmo modo, na sequência da adopção do decreto Bersani, a proibição de celebrar um acordo entre cliente e advogado que preveja uma remuneração dependente do resultado do litígio foi juridicamente abolida da ordem jurídica italiana.

36      Quanto às derrogações aos limites máximos aplicáveis aos honorários dos advogados, a República Italiana sublinha que, em todos os processos que apresentem uma importância, complexidade, ou dificuldade particular em razão das questões jurídicas tratadas, os advogados e respectivos clientes podem acordar, sem ser necessário nenhum parecer do Conselho da Ordem dos Advogados competente, que os honorários serão elevados até ao dobro do limite máximo, ou mesmo, em matéria penal, até ao quádruplo desse limite.

37      Ao invés, o parecer prévio do Conselho da Ordem dos Advogados competente é exigido em matéria cível e extrajudicial quando os processos tenham uma importância extraordinária, para aumentar os honorários até ao quádruplo dos limites máximos previstos, e quando suja uma desproporção manifesta entre a prestação profissional e os honorários previstos pelos limites aplicáveis a estes honorários, para aumentar igualmente os referidos honorários para além desses máximos.

38      A título subsidiário, a República Italiana sustenta que as disposições controvertidas não incluem nenhuma medida que restrinja a liberdade de estabelecimento ou a livre prestação de serviços e que as acusações da Comissão não são fundadas.

39      Com efeito, estando em causa custos adicionais, a existência de uma dupla regulamentação, a saber, a do Estado‑Membro de origem e do Estado‑Membro de acolhimento, não pode constituir em si mesma um motivo que permita defender que as disposições controvertidas são restritivas, já que as regras profissionais em vigor no Estado‑Membro de acolhimento são aplicáveis aos advogados provenientes de outros Estados‑Membros por força das Directivas 77/249 e 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional (JO L 77, p. 36), independentemente das regras aplicáveis no Estado‑Membro de origem.

40      Quanto à alegada redução das margens de lucro, as disposições controvertidas prevêem de forma detalhada o reembolso integral de todas as despesas de deslocação mediante apresentação de comprovativos e, além disso, atribuem um subsídio de deslocação pelas horas de trabalho perdidas. Estas despesas acrescem aos direitos, honorários e às despesas gerais dos advogados e são reembolsadas, por aplicação do princípio da não discriminação, tanto aos advogados estabelecidos em Itália que se devam deslocar em território nacional como aos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros que se devam deslocar a Itália.

 Apreciação do Tribunal

41      A título preliminar, há que referir que resulta das disposições controvertidas que os limites máximos aplicáveis aos honorários dos advogados constituem regras juridicamente vinculativas na medida em que estão previstas num diploma legislativo.

42      Ainda que se admita que os advogados e respectivos clientes são, na prática, livres de acordar contratualmente a remuneração dos advogados numa base horária ou dependente do resultado do litígio, como alega a República Italiana, não é menos certo que os limites máximos continuam a ser obrigatórios se não houver convenção entre os advogados e os clientes.

43      Por outro lado, a Comissão considerou, com razão, que a existência de derrogações que permitam exceder, em certas condições, os limites máximos do montante dos honorários elevando‑os para o dobro ou para o quádruplo ou mesmo para além disso confirma que os limites máximos dos honorários são aplicáveis como regra geral.

44      Por conseguinte, o argumento da República Italiana segundo o qual não existe, na sua ordem jurídica, a obrigação de os advogados respeitarem limites máximos na determinação dos seus honorários não pode ser acolhido.

45      Em seguida, relativamente à existência de restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, consagradas nos artigos 43.° CE e 49.° CE, resulta de jurisprudência constante que essas restrições são constituídas por medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atractivo o exercício destas liberdades (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Janeiro de 2002, Comissão/Itália, C‑439/99, Colect., p. I‑305, n.° 22; de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France, C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.° 11; de 30 de Março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, Colect., p. I‑2941, n.° 31; e de 4 de Dezembro de 2008, Jobra, C‑330/07, Colect., p. I‑9099, n.° 19).

46      Em especial, o conceito de restrição abrange as medidas adoptadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afectam o acesso ao mercado por parte dos operadores económicos de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos CaixaBank France, já referido, n.° 12, e de 28 de Abril de 2009, Comissão/Itália, C‑518/06, Colect., p. I‑3491, n.° 64).

47      No caso concreto, é pacífico que as disposições controvertidas são aplicáveis indistintamente ao conjunto dos advogados que prestam serviços em território italiano.

48      A Comissão considera todavia que estas disposições constituem uma restrição na acepção dos artigos referidos, na medida em que são susceptíveis de infligir, aos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros diferentes da República Italiana e que prestam serviços neste último Estado, custos adicionais gerados pela aplicação do sistema italiano dos honorários e uma redução das margens de lucro e portanto uma perda de competitividade.

49      A este respeito, cabe recordar que uma legislação de um Estado‑Membro não constitui uma restrição na acepção do Tratado CE pelo simples facto de outros Estados‑Membros aplicarem regras menos estritas ou economicamente mais interessantes aos prestadores de serviços semelhantes estabelecidos no seu território (v. acórdão de 28 de Abril de 2009, Comissão/Itália, já referido, n.° 63 e jurisprudência referida).

50      A existência de uma restrição na acepção do Tratado não se pode, por isso, deduzir do mero facto de os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros diferentes da República Italiana deverem, para o cálculo dos seus honorários relativos a prestações efectuadas em Itália, cumprir as regras aplicáveis nesse Estado‑Membro.

51      Em contrapartida, existirá uma restrição se os referidos advogados forem privados da possibilidade de entrar no mercado do Estado‑Membro de acolhimento em condições de concorrência normais e eficazes (v., neste sentido, acórdãos CaixaBank France, já referido, n.os 13 e 14; de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 59; e de 11 de Março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45).

52      Ora, impõe‑se concluir que a Comissão não demonstrou que as disposições controvertidas tenham esse objectivo ou efeito.

53      Com efeito, a Comissão não conseguiu demonstrar que o regime em causa seja concebido de forma a prejudicar o acesso, em condições de concorrência normais e eficazes, ao mercado italiano dos serviços em causa. Deve referir‑se, a este respeito, que o regime italiano sobre os honorários é caracterizado por uma flexibilidade que parece permitir uma remuneração correcta de todo o tipo de prestações dos advogados. Assim, é possível aumentar os honorários até ao dobro dos limites máximos aplicáveis nos processos que tenham uma importância, complexidade ou dificuldade particulares, ou até ao quádruplo dos referidos limites nos que se revistam de uma importância excepcional, podendo mesmo ultrapassar‑se este limite se, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, existir uma desproporção manifesta entre os actos do advogado e esses limites máximos. Do mesmo modo, em várias situações, os advogados podem celebrar com o cliente um acordo de fixação dos honorários.

54      Assim, não tendo demonstrado que as disposições controvertidas restrinjam o acesso dos advogados provenientes dos outros Estados‑Membros ao mercado italiano em causa, a argumentação da Comissão relativa à declaração da existência de uma restrição na acepção dos artigos 43.° CE e 49.° CE não pode ser acolhida.

55      Por conseguinte, há que julgar a acção improcedente.

 Quanto às despesas

56      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Não tendo a República Italiana pedido a condenação da Comissão nas despesas, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A Comissão Europeia e a República Italiana suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.